Cérebro e medulas espinhais das aves: praticamente a mesma constituição. Aqui, miolo de galinha
Pescoço de frango para todo o gosto no Mercado da Lapa. De pato, nunca vi Pensei que a charada seria fácil, já que passei a semana falando do pato. Por isto mesmo, alguns leitores, como a Heliane, a Márcia, a Kelly e a Alessandra citaram partes dele - traqueia e tripa. Outras sugestões foram raiz forte, raiz de coentro, bardana, broto de samambaia, aspargos, bambu e até turu. Acertaram mesmo a Ceiça e a Margarida que responderam: medula do pato. De qualquer forma, obrigada a todos que devam palpites. De fato, a medula espinhal não aparece nas partes miúdas do pato que mostrei aqui. É que para conseguir tirar assim, feito uma minhoquinha, o pesçoço tem que estar cozido. Cozinhei para fazer o caldo da canja. A carne, tirei para fazer o recheio do ravioli. E as vértebras, já molinhas, cheias de caldo entranhado, chupei e mastiguei. Não sem antes quebrá-las para tirar a medula, feito que não se consegue facilmente com pato ou frango de granja. Na ave caipira, tanto o cérebro quanto a medula são mais firmes e se mantêm íntegros, fácil de separar. Não fiz nenhuma receita específica para ele, mas ideias não faltam. Nem a você, imagino. Basta um monte deles para se viajar. Na minha casa, aos domingos, o frango para a macarronada sempre foi inteiro pra panela, cabeça, pés, pesçoço, costelas, tudo. Particularmente sempre gostei da cabeça, disputando a preferência com meu pai, e tudo ali me interessava, da medula do pescoço ao cérebro, crista e até os olhinhos. Diferentes texturas, sabores e surpresas. Dizem que o pescoço é a parte que mais tem carne - a gente come, chupa, come e ainda tem o que tirar. E assim eu era sempre a última a sair da mesa quando por acaso havia na panela cabeças de dois frangos ou por engano o frango vinha com duas cabeças. Afinal, a preferência era do meu pai.
Mas um dia minha mãe confiou no meu juízo de criança e achou que já era hora de eu ir às compras. Cheguei à avícola com dinheiro contadinho para comprar 250 gramas de alguma parte mais nobre do frango - talvez peito, que não via a menor graça. Como nunca imaginei que as peças poderiam ter preços diferentes, olhando o balcão percebi que com o mesmo dinheiro compraria dois quilos de cabeça com pescoço. Pensei: será que minha mãe, tão econômica, é burra? Não deu outra, cheia de autoridade levei pra casa dois quilos de cabeça e toda feliz porque ainda tinha troco e não teria que ficar disputando com meu pai o único cérebro branquinho e cremoso. Tinha uns nove anos e o saco cheio era enorme e desajeitado para mim, sem sacola. Mas tinha certeza que minha mãe ia ficar orgulhosa de detectar ali meu faro para a economia doméstica - embora o motivo intrínseco da minha audácia era mesmo que eu poderia comer sem disputas mais que uma cabeça e nem precisaria esperar o domingo. Quando voltei com sorriso inverso pra trocar, tive que ouvir da vendedora: ô, minha filha, eu sabia que você ia voltar.
E assim parece que devia ser, uma miudeza ali e acolá; uma moelinha pra um; o coração para outro; a cabeça pro pai; o rabicó pra mãe; os pés sempre meus. Já o fígado, é roubado da panela antes de o frango ficar pronto. Todos disputam sobre um naco de pão, como aperitivo.
Voltando à parte medular: só pra quem não se lembra das lições de anatomia, a medula espinhal faz parte do sistema nervoso central junto com o encéfalo e se aloja no canal vertebral. Por isto, ambos, miolo e medula espinhal, têm a mesma constituição: fibras nervosas com tudo a que têm direito - dentritos, axônios, bainhas de mielina. As duas partes apresentam também a mesma coloração esbranquiçada, consistência macia, amanteigada, e sabor do melhor dos patês.
Nunca vi composição nutricional específica para o sistema nervoso central de aves, mas deve ser parecida com a dos mamíferos - é rico em proteínas - menos que a carne; tem muito colesterol e gorduras - mais monoinsaturadas, o que é bom; bastante fósforo e vitamina E e quantidades absurdas de vitamina B12, além dos teores razoáveis das outras vitaminas do complexo B como niacina e B6. Portanto, nada de desperdiçar a medula - é quase como pílulas de vitamina B12.
Boa notícia A aula que daremos (Ana Soares, Mara Salles e eu) no Laboratório Paladar deste ano terá como tema a Cozinha sem Vergonha: galinha de cabo a rabo e está com ingressos quase esgotados. Se quiser ir, corra enquanto é tempo. E tem outras atrações imperdíveis. Veja toda a programação AQUI. Na sexta-feira também darei uma palestra: Tinha uma horta aqui: do jacatupé ao jiquiri. R$ 30,00 - também no Hyatt.
6 comentários:
Neide.... meu Deus... você narrando seu gosto infantil... pra mim era um filme de terror... eu era aquela criança que só comia o peito de frango e olhe lá!!
Pato então, como ja disse, só o Patolino e o Pato Donald...
Parabens!! admiro demais quem gosta dessas partes e sabe fazer coisas ( isso vc sabe divinamente)
Abraços Fêssora!
Oh, droga, errei! rsrsrs
Achei que seria óbvio demais falar que era algo de pato, então achei que seria outra coisa.
Fico cada vez mais espantada com suas aulas de culinária e nutrição!
Beijos.
Nossa, só falta agora uma receita com cadáver de cachorro, cruzes!
David, nunca é tarde pra experimentar.
Lídia, acontece. Obrigada!
Josi, este é um blog de comida. E eu já tive meu tempo de vegetariana. Obrigada pela visita.
Um abraço, N
Neide, descobri seu blog hoje e gostei muito da sua forma de mostrar receitas e contar histórias. Esta sua história da compra das cabeças de galinha é hilaria, imaginei a cena... estou rindo até agora.
Adoro temperos cheguei a seu blog pelo tema Caldo a Jato e já estou lendo todos os tópicos....
Parabéns pelo blog fiquei seu fã.
Rogério
Rogério!
Que bom que está gostando. Volte sempre. Um abraço, N
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