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Primeiro contato. Foto: Neide Rigo |
Tem coluna Nhac da Neide hoje no Paladar. Veja lá no jornal impresso ou no blog. Em todo caso, reproduzo aqui também. Uma coisa que não coloquei no texto porque só agora aconteceu: todas as sementes germinaram!
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As sementes germinaram todas. Foto: Neide Rigo |
Esta frutinha é um barato!
- 6 de fevereiro de 2013|
- 20h54|
As “flavour tripping parties” surgiram em Nova York. Eram festas com o único propósito de oferecer uma viagem aos convidados: cada um recebia sua baga vermelha na entrada e podia provar – à vontade – os ácidos oferecidos em bandejas, experimentando distorções profundas na percepção da realidade.
Demorou um pouco, mas agora já temos oferta de bom produto nacional e festas particulares à luz do dia começam a surgir por aqui também. A coisa é bem menos psicodélica do que parece: estamos falando de uma fruta. Com o infeliz nome de fruta do milagre. Porque não acredito em milagres, nunca levei muito a sério o fenômeno. Puro preconceito semântico.
‘Que diabo é isto?’A superfruta distorce a realidade gustativa, mas numa experiência divertida que se pode compartilhar. FOTO: Filipe Araújo/Estadão
Veja como fui vencida pela superfruta: há pouco tempo, em visita ao meu viveiro preferido, o Ciprest, em Limeira, o dono, Edilson, mostrou-me a planta (que naquele momento estava sem frutos) e falou tanto de seu poder transformador – faz um limão espremido virar doce limonada – que me deixou curiosa. Trouxe um vaso pra casa.
Bagas vermelhas
O primeiro fruto a vingar, do tamanho de uma azeitona pequena, foi uma alegria. Não fiquei um só dia sem vigiá-lo até que perdesse a cor verde. Com medo de que passarinhos me roubassem, durante uma viagem de fim de semana levei o vaso comigo como um cachorro na coleira. Edilson havia me assustado dizendo que o efeito milagroso só resistia poucas horas depois de colhidos os frutos vermelhos.
Deixei a única baga cair de madura e imediatamente peguei a frutinha e improvisei uma degustação com alimentos ácidos como limão – claro, tem que ter –, laranja, vinho e vinagre. E também os pungentes ou amargos como cebola, cerveja, vermute, boldo e carqueja. Pois a informação que tinha era que ela modificava também os amargos.
Dividi a fruta ao meio, uma metade para mim e outra para meu marido, pois o bom da experiência é compartilhar as sensações. A minha metade coloquei na boca e fui chupando como bala a polpa exígua e mucilaginosa, espalhando por toda a mucosa.
Depois de um minuto, desprezei a semente. O gosto na língua era nenhum. A fruta tem gosto de dedo, ou, com mais complacência, lembra o fruto maduro do café catuai, com uma leve doçura, nada de acidez ou amargor.
Em seguida, com uma careta aprendida de experiências passadas, que logo seria desfeita, metemos o limão na boca ao mesmo tempo para exclamar, ao mesmo tempo: “Uau, meu Deus, que diabo é isto?” – e cair na risada ao sentir na boca o limão com gosto de laranja doce.
Depois, comprovamos a doçura em todos os outros azedos. Já com o amargo da carqueja e do boldo, não teve milagre que o fizesse doce. Os amargos continuam amargos.
Laboratório gustativo
A segunda experiência foi com fruta mais velha, trazida de Holambra pela amiga Juliana Valentini, também proprietária de um vaso. O efeito persistia mesmo com a fruta de três dias. E depois a experiência foi repetida com frutas mais velhas ainda, compradas no atacado de frutas da Ceagesp, na Frutícola Trindade, onde trabalha o Seu Makoto. De novo o poder se manteve e durou ainda três horas.
Provei outros sabores como vermute, cerveja, dois tipos de limão, laranja-baía, maracujá do mato, maçã verde e outros verdes do quintal, como almeirão, menta e folhas de uva. O vermute e a cerveja ficam horríveis, a laranja ganha mais doçura até ficar enjoativa, o limão parece laranja, o maracujá passa a ser mais equilibrado. Na folha de hortelã o amargor e a picância ganham relevância, e a ácida folha de videira ganha sabor doce inusitado para verduras.
A conclusão, fato comprovado por pesquisas, é que se a fruta for conservada na geladeira, ou mesmo se for congelada, manterá a peculiaridade – o efeito da miraculina. E a persistência na boca de seus poderes mágicos vai depender da concentração e tempo de exposição.
A harmonia é importante
A miraculina é o exemplo máximo de interação entre substâncias ingeridas, mas em pequenas proporções isso deve acontecer a todo momento na nossa boca (experimente comer salada de almeirão e tomar cerveja). E isso de certa forma reforça a ideia de que, fora as afetações, devemos levar mais a sério as harmonizações de vinho com comida, por exemplo.
E é realmente um sonho para um diabético poder tomar um copo cheio de limonada com sensação de doçura comparável a uma solução com até 17% de sacarose sem se preocupar com os efeitos colaterais de adoçantes sintéticos. E, talvez também para quem faz quimioterapia e sinta um gosto metálico na boca, essa fruta seja um bom disfarce e funcione como estimulante de apetite.
Agora, aqueles que querem apenas brincar com o novo repertório de sabores, não se animem muito a comer alimentos ácidos à exaustão pelo simples fato de percebê-los doces. Saiba que a acidez não é anulada e os efeitos colaterais continuarão existindo – como enjoo, danos à mucosa ou erosão no esmalte dos dentes. E só mais um alerta: embora o queijo possa parecer recheio de cheese cake, o limão se finja de laranja e a maçã verde ganhe gosto de fuji, lembre-se que alegria maior é saber que o mundo agridoce é passageiro e você pode voltar a ver e sentir as coisas como realmente são. Afinal, não vai querer outro sabor para sua cerveja ou vinho favoritos, vai?
Contra azedina, dá-lhe miraculina
- 6 de fevereiro de 2013|
- 20h53|
Ela é conhecida internacionalmente como “miracle fruit” e vem da África Tropical. Mas talvez fruta mágica fosse um nome mais apropriado, pois tudo isso é um truque da miraculina, uma glicoproteína desvendada pela ciência na década de 1970.
Para fazer efeito, a substância não pode estar misturada ao alimento e não resiste ao aquecimento, o que impõe limitações ao uso. Uma única fruta produz sensação de doçura em vários alimentos num espaço de tempo que vai de 30 minutos a 3 horas.
Teste do milagre. Ela adoçou todos os azedos, mas contra o amargo da carqueja e do boldo não houve mágica que desse jeito. FOTO: Filipe Araújo/Estadão
No Japão, onde a miraculina é liberada e há tabletes feitos com o pó da fruta, pesquisadores desenvolveram até uma alface geneticamente modificada com alto teor da substância.
O mecanismo de ação da miraculina ainda é alvo de estudos, mas o que se sabe é que alimentos ácidos são percebidos como doces. Não é exatamente que o ácido se transforme em doce ou que nossas papilas sejam enganadas, nem que o suco de limão deixe de ter o Ph ácido de sempre. É simplesmente porque a miraculina permanece em nossa mucosa durante algum tempo e funciona como adoçante instantâneo e involuntário para todo alimento ácido que chegue perto.
Agora, se a fruta é tão incrível assim, se seu consumo é seguro, por que a indústria alimentícia não a usa em produtos dietéticos? Já houve essa tentativa, nos EUA. Mas a história, que tem ares de suspense policial, terminou quando o FDA (Food and Drug Administration), em 1974 classificou a substância como aditivo alimentar, exigindo, portanto, uma lista de provas de segurança que a empresa interessada não teve como atender.
ONDE COMPRAR
Frutícola Trindade (ou box do Makoto)
Av. Dr. Gastão Vidigal, 1.946, Vila Leopoldina (Ceagesp),
portão 1, pavilhão MFE-B,
módulos 58 e 59.
Tel.: (11) 3643-8776