sábado, 23 de fevereiro de 2013

De Salvador a Uauá, a Bahia tem

Crianças pegando umbus no festival 
Uauá fica a mais de 400 quilômetros de Salvador, de onde saímos cedo para não pegarmos trânsito. Mas não teve muito jeito. Até chegarmos a BR 116, o percurso é meio tenso, com muito, muito, carro. Mas o caminho é interessante. A paisagem verdejante vai se transformando pouco a pouco numa caatinga castigada pela seca, vamos vendo aqui e ali peculiaridades na beira da estrada. Como é o caso dos enormes sacos de frutas e legumes variados, uma feira completa reunida em dois sacos, um de frutas e outro de legumes.  Depois, bacias de caju, porções de ciriguela, sacos de maracujá do mato, melancias, jacas e muito mais. E cidades curiosas como Jorrinhos e Caldas de Jorros, que despejam suas águas subterrâneas em fontes de banho nas praças. Foi em Jorrinhos que comemos um maravilhoso fígado de cabrito embrulhado em redanho e assado na brasa. Chega-se a um ponto da BR em que Canudos fica para um lado e Uauá pra o outro. Chegamos já atrasadas para a abertura do quinto Festival do Umbu - autoridades locais e até o governador da Bahia abriram oficialmente o evento. Mas encontramos o local lotadíssimo com muita gente conhecida - do Slow Food ou que conheci no festival passado. Os vários estandes mostram produtos do umbu ou assuntos correlatos, como é o caso do estande da Embrapa Petrolina que trouxe umbus de todos os tamanhos que chamam a atenção para a variabilidade genética da espécie e os estudos de melhoramento e perpetuação da espécie que tem sido feitos pela instituição. Ou o da EBDA, que trouxe folhas de palma comestíveis - para gente e bichos, além de estandes com artesanatos etc. Teve ainda um jantar com convidados, incluindo esta que lhe conta. E amanhã, se o sol não castigar, tem mais.  As fotos: 




Fígado de bode com redanho
Fígado de bode com redanho
Padaria em Caldas de Jorros
Vendedor de ceriguela
Leito seco do rio Salobro
Palmas para comer

Pesquisador Francisco da Embrapa mostrando umbuzeiro 

Variedades de umbus 
 


quinta-feira, 21 de fevereiro de 2013

Maxixada em Salvador

Salvador tem praias lindas, cheiro de algas no ar e muito, muito, trânsito. Mas também tem comidas  caseiras deliciosas como as que sempre se encontram na casa de minha amiga Silvia Lopes (a que fez aquele delicioso vatapá) e na casa de Dona Solange, mãe dela. Hoje saímos do aeroporto e passamos na Barra, na casa de Solange. Da cozinha vinha cheiros bons de bacalhau com batatas  e da panelada de maxixe feitos pela Geo, que trabalha com Dona Solange há mais de 10 anos. Saímos de lá com uma vasilhinha cheia de maxixe para o nosso jantar. 

Foi só esquentar numa frigideira, jogar uns ovos por cima e nhac com arroz. Acabei de falar com Geo (Geralda) e dona Solange, que me passaram a receita tintim por tintim. Uma técnica, que faz muita diferença e foi herdada de dona Diva, vó paterna de Silvia, é passar as rodelas de maxixe por uma fervura para que possam ser espremidas para tirar metade das sementes. Assim você terá uma proporção maior da parte densa e macia da polpa do legume. Já dei aqui um maxixe preparado por outra baiana, Eliana, que trabalha comigo. Naquele, tem toucinho. No de Geo, tem camarão seco, pouquinho, só para dar mais sabor (e como dá!).  Solange diz que o prato é feito a olho por Geo e que o acréscimo de leite de coco e dendê é sugestão dela. No final, pode ou não ter os ovos. 

Maxixada baiana - receita de Geralda Oliveira Silva e Solange Campos Lopes

25 maxixes lavados e superfícies raspadas 
1 colher (sopa) de azeite doce (de oliva) ou óleo
1 cebola grande picadinha 
1/2 pimentão verde picadinho
3 dentes de alho picadinhos
1 colher (sopa) de coentro picado 
Sal e pimenta-do-reino a gosto 
5 camarões secos lavados e picados 
1 colher (sopa) de extrato de tomate
1 colher (sopa) de azeite de dendê 
1/2 xícara de leite de coco 
Ovos 

Corte os maxixes em rodelas e coloque numa panela com água fria que cubra os legumes. Leve ao fogo e deixe ferver por 2 minutos. Escorra, passe por água fria e vá apertando as rodelas para que soltem metade das sementes. Escorra bem, aperte as rodelas para extrair o excesso de líquido. Reserve. 
Coloque numa panela o óleo e leve ao fogo para aquecer. Junte os temperos (cebola, pimentão, alho, coentro, sal e pimenta-do-reino) e refogue até amolecer a cebola. Junte o extrato de tomate, o maxixe e os camarões. Cubra com água quente e deixe cozinhar por cerca de 20 minutos ou até o legume estar bem macio. Junte o azeite de dendê e o leite de coco.  Prove o sal e corrija, se necessário. Deixe ferver. Se quiser, prepare a maxixada em uma frigideira e jogue ovos por cima. Polvilhe sal, tampe e deixe as claras cozinharem, mas mantendo as gemas moles.  Rende umas 8 porções
 
Hoje, Salvador. Amanhã, pra Uauá vamos nós


Taro ou Inhame. Coluna do Paladar de 21/02/2013


 
FOTO: Felipe Rau/Estadão
Está na edição impressa do jornal O Estado de São Paulo de hoje, no Paladar, e também no blog do caderno. De qualquer forma, aqui está:

Tarô, não: é taro. Ou será inhame?

  • 20 de fevereiro de 2013|
  • 21h24|
  • Por Redação Paladar
Por Neide Rigo
Duvido que alguém deixe de comprar taro por não saber a diferença entre cará e inhame. Mas, se a confusão semântica não atrapalha as vendas, o fato é que desde que Pero Vaz de Caminha confundiu mandioca com cará, a que chamou de inhame, produtores, feirantes, cozinheiros, cientistas e tradutores se batem para decifrar quem é quem.
É que o cará, raiz bojuda, marrom, de polpa branca e granulada, do gênero Dioscorea, é chamado de inhame no Norte e Nordeste do Brasil. No restante do País, inhame é o nome do vegetal conhecido internacionalmente como taro, a Colocasia esculenta, planta da família das aráceas, originária da Índia e da Malásia.
Sei que não é fácil mudar o nome popular de um item alimentício, mas em nome do bom entendimento, podemos tentar adotar o taro. E o outro fica sendo cará mesmo ou inhame.
O taro é a base da alimentação tradicional dos havaianos, que utilizam não só os rizomas, mas também os talos e as folhas. Sempre cozidos – afinal, aprendeu-se que o calor reduz seu efeito irritante (leia abaixo), especialmente se a água do cozimento for descartada. Havaianos comem taro na forma de poi, uma pasta feita com o legume cozido e socado em tachos de madeira com mão de pilão feita de pedra esculpida em forma de sino compacto.
RECEITAS:
Como cozinhar o inhame
- Bolo de inhame
- Bolinho frito de taro
- Polenta com taro e cebola dourada

Essa pasta pode ser comida fresca, sem sal nem açúcar, ou fermentada. Acompanha carnes e peixes ou é comida pura, como um mingau. Com um processador de alimentos você pode fazer seu poi e comer no café da manhã. É revigorante, gostoso, suave. Para fermentar, é só colocar o purê numa tigela, cobrir com pano e deixar em temperatura ambiente até criar bolhas. Mas eu prefiro o fresco, com mel ou melado.
Já no mundo asiático os pratos com taro são muitos: doces, sopas, refogados, cestas crocantes para saladas, bolinhos fritos e assados, brancos, roxos naturais ou coloridos de azul com flores de ervilha-borboleta. E vários deles servem de inspiração para ousar mais no uso do legume tão bem adaptado entre nós, que usamos mais à sombra das batatas.
Aliás, o taro dura dias em temperatura ambiente, em local fresco. E quando apodrece, vai se encolhendo com dignidade, nunca com aquele exagero da podridão das batatas. Esquecido por algum tempo, quase sempre nos brinda com um broto – é só enfiar na terra e regar para receber novos taros.
Para instigar você a correr comprar taro, deixo três receitas: o bolo de fubá do Vale do Paraíba é quase uma broa rústica, feito com um ovo, pouco açúcar, sem farinha de trigo e sem manteiga, com o taro e sua baba no lugar de mais ovos; uma polenta com pedaços de taro e cebola roxa dourada que serve de entrada, prato único ou aperitivo, frio ou reaquecido no forno com uns pedaços de queijo por cima; e um bolinho frito, o taro dispensando a liga dos ovos, sem leite, sem trigo, o vegetal se bastando. E, tudo bem, vá lá, você pode assar se tiver medo de óleo, mas uma friturinha crocante a cada renúncia de papa não mata.
Taro. Havaianos comem não só as raízes, mas talos e folhas, cozidos.
Aprenda a manusear para ele não pinicar
Já vi gente tomando suco de taro cru para purificar o sangue e desintoxicar o corpo, seja lá o que essas coisas queiram dizer. E há quem recomende ainda dar inhame cru a crianças e interromper se acaso pinicar. É que o taro e outros membros comestíveis da família das aráceas, como a taioba e o mangarito, têm oxalatos de cálcio que podem vir em variadas concentrações e o efeito imediato é como morder uma almofadinha de agulhas.
Algumas pessoas parecem ser mais sensíveis que outras e podem começar a sentir irritação e coceira já nas mãos ao manusear o taro. Cortá-lo embaixo de água ou usar luvas são algumas soluções. Mas, além do oxalato, o taro contém outras substâncias irritantes e a combinação delas pode causar edema na boca, coceira e vômito, evoluindo para mais complicações às vezes.

Como cozinhar o inhame

  • 20 de fevereiro de 2013|
  • 21h23|
  • Por Redação Paladar
Por Neide Rigo
Para cozinhar o taro em cubinhos, cubra com água, salgue na proporção de 1 colher (chá) para 1 litro de água e deixe cozinhar por cerca de 3 minutos. Para fazer purês ou poi, o taro pode ser cozido inteiro em água que o cubra. Antes, lave bem. Deixe cozinhar por cerca de 40 minutos ou até perceber que está macio ao espetá-lo com um garfo. Tire a pele enquanto ainda está morno, ela sairá mais facilmente. Para cozinhar cubos ou fatias, descasque antes, e, para evitar irritações nas mãos, use luvas ou faça-o com o taro sob a água de uma bacia.
FOTO: Felipe Rau/Estadão
Ingredientes
1 ovo
1/2 xícara de açúcar
1 xícara de taro cru ralado fino
2 xícaras de fubá
2 colheres (chá) de fermento
1 colher (chá) de sementes de erva-doce
1 xícara de leite
Preparo
1. Bata o ovo com o açúcar até espumar. Junte os ingredientes restantes e misture bem.
2. Ponha a massa em fôrma de furo no meio untada e polvilhada. Leve para assar em forno médio por cerca de meia hora ou até dourar.
3. Desenforme depois de morno, para comer com manteiga acompanhado de café adoçado com rapadura.

Bolinho frito de taro

  • 20 de fevereiro de 2013|
  • 21h21|
  • Por Redação Paladar
Receita de: Neide Rigo
Rendimento: 15 bolinhos
FOTO: Felipe Rau/Estadão
Ingredientes
300 g de taro descascado e ralado grosso (pesado já limpo, 2 xícaras ralado)
2 colheres (chá) de açúcar
1 colher (chá) de sal
2 colheres (sopa) de amido de mandioca (polvilho doce)
2 colheres (sopa) de água
3 colheres (sopa) de cebolinha picada – ou coentro ou salsinha
2 xícaras de óleo ou azeite para fritar
Preparo
1. Coloque numa tigela o taro ralado e tempere com o açúcar e o sal. Junte o polvilho, a água e a erva picada.
2. Misture bem e faça os bolinhos, moldando com duas colheres.
3. Frite os bolinhos em óleo quente, três ou quatro de cada vez, virando de vez em quando, até que fiquem dourados.
4. Sirva com molho de pimenta.

Polenta com taro e cebola dourada

  • 20 de fevereiro de 2013|
  • 21h20|
  • Por Redação Paladar
Receita de: Neide Rigo
Rendimento:12 porções
FOTO: Felipe Rau/Estadão
Ingredientes
1 xícara de fubá
4 xícaras de água
1 colher (chá) de sal
1/3 de xícara (80 ml) de azeite ou óleo
3 cebolas roxas médias partidas ao meio, de comprido, e fatiadas bem finas
2 xícaras de cubinhos de taro cozidos (com cerca de 1,5 centímetro)
1 colher (café) de pimenta-do-reino
½ xícara de cebolinha picada
2 colheres (sopa) de polvilho doce (amido de mandioca) diluído em ¼ de xícara (chá) de água
2 pimentas dedo-de-moça sem sementes fatiadas
Preparo
1. Numa panela de fundo grosso misture o fubá com a água e o sal e leve ao fogo alto, mexendo sempre só até engrossar. Abaixe o fogo, tampe a panela e deixe cozinhar por 40 minutos ou até começar a soltar do fundo da panela. Não precisa ficar mexendo.
2. Enquanto isso, aqueça o azeite numa frigideira funda ou wok e frite a cebola até que fique dourada. Escorra a cebola e reserve.
3. Retire da frigideira o óleo usado (use este óleo perfumado para temperar arroz, por exemplo), deixando lá umas duas colheres (sopa). Coloque na frigideira com óleo os cubinhos de taro cozidos e salteie até começarem a dourar – cuidado para que não cozinhem demais. Desligue o fogo e tempere com a pimenta-do-reino.
4. Separe para a cobertura 4 colheres (sopa) da cebola dourada e 4 de cebolinha picada. Coloque na frigideira junto ao taro a cebola e a cebolinha restantes. Polvilhe um pouco de sal e misture devagar para preservar o formato dos cubos de taro.
5. Para finalizar a polenta, coloque o polvilho diluído e mexa bem até que o branco do amido desapareça.
6. Desligue o fogo e despeje a polenta sobre o taro com pimenta. Misture com delicadeza e despeje tudo dentro de uma forma untada com azeite, quadrada ou redonda, com volume de um litro e meio ou pouco mais, de modo que a mistura fique com uma altura de mais ou menos 4 centímetros. Deixe amornar ou esfriar e desenforme (se quiser, prepare um dia antes de servir, sem a cobertura, e deixe na geladeira).
7. Para a cobertura, misture a cebola e cebolinha reservadas com a pimenta dedo-de-moça e polvilhe um pouco de sal. Espalhe por cima e sirva morna, fria ou gelada, como entrada, aperitivo ou para levar ao piquenique.

quarta-feira, 20 de fevereiro de 2013

Sambal com tamarindo (molho de pimenta asiático)

Outro dia comprei no bairro da Liberdade um sambal, molho tailandês com pimentas. Nos ingredientes, apenas pimenta, sal e ácido cítrico. Resolvi pesquisar sobre outras variações e achei uma infinidade de receitas deste molho asiático. Indonésia, Malásia, Tailândia, Singapura, Filipinas, todos têm seu sambal. Alguns levam cebolas, outros camarões secos, molho de peixe, gengibre, cebolinha, açúcar, suco de limão, vinagre, tamarindo, às vezes uma combinação entre estes temperos. O tipo de pimenta também pode variar. 

O meu,  fiz com pimentas dedo-de-moça e cumari, ambas colhidas no sítio neste último final de semana. Segui a receita deste vídeo aí embaixo, só mudando o tipo de pimenta e estimando a quantidade de óleo e água. Mas o que se vê no vídeo não parece ser a quantidade pedida de açúcar. Ou seja, ficou quase uma geleia, mas maravilhosa, melhor que aquela feita com maçãs, muito mais intrigante, o ácido do tamarindo, o picante da pimenta, o salgado, o doce,  o gosto de cebola dourada. Experimente e me conte. Nem preciso dizer que combina com tudo. Um pouco na salada de mamão verde, uma colher dela sobre um bolinho frito, sobre uma carne assada, na sopa, no pão, na sobremesa, na banana, na laranja, no queijo, pura de colherada - pra chorar de picante, sofrimento bom! Aqui vai a receita do jeito que fiz e, lá embaixo, o sambal comprado aqui. Este, feito em casa, é muito melhor. 

Sambal com tamarindo 

1 xícara cheia de pimenta dedo-de-moça madura, lavada, sem os cabinhos, mas com sementes
1 colher (sopa) de pimenta cumari madura 
1 cebola roxa média picada 
1/2 xícara de água 
1/4 de xícara de óleo 
1/2 xícara de açúcar (pode ser a metade) 
1/2 colher (chá) de sal 
4 colheres (sopa) de tamarindo diluído em água 

Coloque no liquidificador as pimentas, a cebola e um pouco da água - o suficiente para bater. Bata até triturar bem.  Numa frigideira, aqueça o óleo e despeje a mistura do liquidificador. Deixe fritar bem, até a mistura começar a se separar do óleo, soltando perfume de cebola dourada. Junte, então, a água restante, o açúcar, o sal, o suco de tamarindo e deixe cozinhar até ficar cremoso e denso, mexendo de vez em quando. Coloque em vidro aferventado enquanto ainda está quente - aos poucos, o vidro sobre um pano, para não quebrar.   Rende 1 xícara. 

Marca tailandesa comprada aqui, no bairro da Liberdade, só com sal 





Da carne de cavalo aos capeletti 4 queijos e Eataly

Não sei se você anda acompanhando a novela da fraude da carne de cavalo que agora afeta até a Nestlé. A empresa está retirando produtos de seis países europeus porque foi detectado o uso de carne de cavalo em vez de bovina. E diz que não tem culpa, porque compra a carne da JBS Toledo, empresa brasileira que agora diz que não tem culpa pois compra do fornecedor alemão H.J.Schypke. Vai ver a culpa é do cavalo que se fingiu de boi. 

Não me assusta pensar em comer carne de cavalo desde que fosse um hábito cultural entre nós, mas não é. E também não me impressiona esta prática da indústria, mais comum do que imaginamos. Se fazem análise sensorial e verificam que ninguém sentirá a diferença de sabor e ainda economizam, porque não usar a carne de cavalo que também é comestível (vá lá, pode não ter sido criado com esta finalidade, pode não ser cultural, mas é comestível). Afinal, também a quantidade do principal produto alegado na embalagem geralmente é tão ínfima, que ninguém vai perceber. Estamos acostumados a ser enganados. É bebida com cara de iogurte que não tem iogurte, é um tal iogurte grego que não tem nada de iogurte nem de grego, um biscoito com recheio de goiaba que não tem fruta, um néctar de frutas que é água temperada e açucarada, um leite em pó que é uma miscelânea de aditivos para se dar a crianças, etc. Por fim, podendo enganar a indústria nos engana, com algumas exceções. 

Dificilmente eu comeria carne de cavalo no lugar da de boi a não ser que sejam muito parecidas no açougue do box 20 do Mercado da Lapa, onde costumo comprar. Mas eu vejo chegarem os quartos e não me parecem ser de cavalo. Não compro hambúrguer, almôndegas, molho a bolonhesa. Acho fácil fazer em casa e ficam muito mais gostosos. Agora,  raviolli de carne não é tão fácil de fazer. Ainda assim, não compro e por isto raramente como. Mas o de queijo me pareceu uma boa alternativa num dia em que estava sem tempo e com vontade de comer capeletti com um caldo de pato que tinha aqui. Era uma coisa menos suspeita, pensei. Imagine, um recheio de queijo para capeletti é simples, não pode ter enganação - é só esmigalhar o queijo. Ou os queijos,  no caso do 4 queijos. Ora, se são 4 queijos, são 4 tipos de queijo misturados e só.  Dada a pressa, nem li rótulo. Chegando em casa, aqueci o caldo e me esforcei para enxergar as letras míudas. Ingredientes:  farinha de trigo enriquecida com ferro e ácido fólico, água, farinha de rosca, ricota, fécula de mandioca, preparado alimentício tipo 4 queijos, sal, gordura vegetal, ovo em pó pasteurizado, amido modificado, aguardente de cana, aromatizante, fibra de trigo, corante natural (óleo de soja, cúrcuma e urucum), glicerina, realçador de sabor glutamato monossódico e conservantes sorbato de potássio, propionato de cálcio e ácido ascórbico.  Não comi. 

Fui ao mercado conferir os ingredientes de outras marcas de capeletti queijo ou 4 queijos e é tudo mais ou menos a mesma coisa. O que vem a ser, afinal, preparado alimentício tipo 4 queijos?  A empresa que usa carne de cavalo poderia declarar algo como "preparado alimentício tipo carne de boi" e tudo estaria resolvido. O que a gente não pode é engolir o que a empresa alimentícia quer nos enfiar goela abaixo.  Talvez não possamos viver sem ela, mas podemos consumir alimentos industrializados o mínimo necessário. Assim poderíamos ter menos empresas gigantescas como a Nestlé e mais empresas pequenas escrupulosas, que conseguissem vender aos supermercados produtos de qualidade. 

Por isto vi com alegria a notícia dada pela Cintia Bertolino no caderno Economia de antes de ontem sobre a abertura de uma Eataly aqui em São Paulo. Fiquei encantada com o mercado/livraria/restaurante/escola que vi em Turim. Foi lá que comprei aquelas peras maravilhosas. É possível encontrar lá vários produtos da arca do gosto do Slow Food e vários outros de produtores locais, além de iogurtes de ótima qualidade feitos por empresas pequenas, massas artesanais, vinhos e tantas outras perdições.  

Para saber mais sobre a carne de cavalo e o Eataly em São Paulo, aqui vão os links


http://economia.estadao.com.br/noticias/negocios+geral,fornecedor-do-jbs-nega-culpa-em-escandalo-da-carne,144477,0.htm


terça-feira, 19 de fevereiro de 2013

Festival do umbu em Uauá

Está chegando o dia do V Festival Regional do Umbu em Uauá, no sertão da Bahia, onde a gente não sabe se come umbus doces ou azedos, se admira o céu a consumir todos os tons da caixa de lápis de cor ou conversa com a gente hospitaleira de lá. Ou tudo junto se engasgando de tanto comer umbu. E, claro, discutir questões importantes relacionadas à agricultura familiar, cooperativismo, sustentabilidade etc. Fiquei feliz de ter sido convidada novamente pela Coopercuc - lembra? no ano passado estive lá.  

Bem, o festival começa nesta próxima sexta-feira e, se você tiver oportunidade de ir, não perca. Estarei lá.  Para ter informações sobre o festival, veja aqui: www.coopercuc.com.br/v-festival-regional-do-umbu-e-a-praca-internacional-da-sociobiodiversidade e  www.festivaldoumbu.com

Fotos do céu de Uauá que fiz quando estive lá em fevereiro do ano passado. 


segunda-feira, 18 de fevereiro de 2013

Gergelim preto. Resposta da charada

Salada de mamão verde com amendoim e gergelim 
Pois é, muita gente acertou a charada. Obrigada a todos que responderam. E mesmo quem conhece gergelim preto desconfiou do fruto, uma vagem seca pouco vista ao natural. Eu só percebi a planta nascendo em Piracaia quando a flor como beijo cor de rosa despontou contrastando com o verde da paisagem dominante. Abri o fruto verde e as sementes ainda eram branquinhas. Eu só tinha visto um pé de gergelim duas vezes - no recôncavo baiano, junto a uma plantação de araruta, e na Ilha do Marajó, na fazenda da Dona Jerônima.  Não me lembrava de ter plantado, mas certamente foi resultado de uma revoada de sementes de fundo de sacola que, todas misturadas, algumas comidas por um ratinho,  que encontrou a sacola quando ainda não tínhamos como dormir na casa,  furou sacos, bagunçou tudo. Marcos e eu despejamos as sementes num pano, separamos o que foi possível e plantamos numa sementeira. O resto, principalmente as miúdas incluindo cominho, erva-doce e gergelim branco e preto, destes comprados no mercado mesmo, jogamos aleatoriamente para o alto para quem sabe contribuir com o banco de sementes daquela terra - ou com as formigas, passarinhos, cobras e morcegos, enfim, com a bicharada que chegou antes de nós. Se algo nascesse, estaríamos no lucro. 









Abre-te sésamo: diz a lenda que a chave com que Ali Babá conseguia abrir a caverna encantada cheia de joias, moedas e pedras preciosas guardadas pelos quarenta ladrões tem a ver com o espoucar a um só toque das vagens de sésamo (Sesamum indicum), que se abrem mesmo sozinhas quando amadurecem,  lançando longe as sementes. Eu não quis esperar para ver (e perder a pequena produção de um só pé) e colhi as vagens verdolengas. Deixei secar sob o sol em cima de um pano e elas se abriram espontaneamente. 

Outros nomes para o sésamo, além de gergelim, incluem, mundo afora,  derivações do árabe djildjilán.  Vem daí gerzeligerzelimgingelimgingerlimzirzelim e sirgilim. Acredita-se que a planta seja originária das regiões tropicais da África e da Ásia e que no início da colonização da América do Sul e Central, ele tenha sido trazido pelos portugueses e espanhois. Hoje está espalhado por vários países com uma grande de variedade de tipos morfológicos e cores. Enquanto o branco é mais lustroso, o preto é mais fosco, às vezes não tão preto, alguns amarronzados ou ferrugem. Mas ambos são aromáticos, com sabor que lembra o do amendoim, características visíveis especialmente quando os grãos são torrados até começarem a pipocar – o aroma só se desprende com o calor do torrefação, pois vem dos óleos voláteis. Aliás, o grão possui cerca de 50% do seu peso em óleo  -  mais do que a soja e as nozes. Normalmente ele é usado em pequenas quantidades (a não ser em alguns pratos árabes), de modo que a quantidade de óleo não chega a ser problema.  Bem, como não tinha quantidade suficiente para extrair o óleo, extraí o seu melhor, torrando um pouco e jogando sobre a salada de mamão verde também colhido no sítio. 

Para a salada: risquei o mamão para sair um pouco da seiva que amarga e quando o "leite" coagulou, lavei, descasquei e ralei. Temperei com um pouco de sambal (um molho pedaçudo de pimenta asiático, mas pode usar pimenta a gosto), sal, açúcar, limão, folhinhas picadas de três tipos de manjericão - alfavacão, manjericão santo, manjericão anis. É que eu não tinha aqui, só no sítio, mas queria mesmo é ter colocado coentro, o que você pode fazer, em vez dos manjericões mais raros. Misturei e, por cima, espalhei  amendoim torrado e picado e gergelim preto torrado levemente. E nhac! 




sábado, 16 de fevereiro de 2013

O que é, o que é?

Diga aí, o que lhe parece? Na segunda-feira eu lhe falo se acertou ou errou, lembrando que aqui erradores e acertadores serão sempre tratados do mesmo jeito, com agradecimento pela participação. Bom fim de semana! 

sexta-feira, 15 de fevereiro de 2013

Manteiga caseira e biscoitos de alecrim

Pois é, caros leitores, quase que me perco nesta folia de carnaval, quase que não volto. Mentira. Gosto de gente, gosto da alegoria, gosto de samba, gosto da bateria, gosto de música, gosto de alegria, mas tudo junto pra mim é demais. Passei o carnaval no mato silencioso sem tv,  trabalhando, plantando, arrumando a casa para o novo caseiro, recebendo visitas queridas. Juliana e Flores, do Viveiro Oiti de Holambra,  chegaram com o caminhãozinho bandeirantes carregado de mudas de presente. No sábado meus vizinhos Ana e Zé também apareceram e foram momentos bem gostosos apesar da chuva persistente que as plantas amaram. Ainda estava me recuperando de uma cirurgia de dente e não pude saracotear muito, nem sair por lá para comprar queijos, colher verduras, fotografar cogumelos. Aliás, nem câmera mais eu tenho. Menos de dois anos de uso e minha Sony já foi pro beleléu. Mas vamos tentando manter o ritmo com a câmera do celular.  

Só queria mostrar aqui que estou a um passo de não precisar mais comprar manteiga. A primeira tentativa de obter nata na região de Piracaia não poderia ser melhor. Meus próprios vizinhos, aqueles do queijo, guardam nata no congelador em potinho de margarina. Isto é emblemático porque todo mundo que guarda nata no congelador usa potinhos de margarina. E nisto a gente já sabe o que se passa. Muita gente do campo atualmente morre de medo de manteiga, carne de porco e frango caipira, mas é destemida total destes cremes industriais e animais bombados. E quanto à nata desprezada, já sem utilidade no dia-a-dia, é guardada, guardada, até se encontrar a quem dar.  Perguntei a Nice o  preço e ela não quis cobrar. Imagine, não é nada não, não ia fazer nada com ela. 




Levei a nata e fiz a manteiga de um jeito muito mais fácil que aquele adotado pelo  meu pai, de bater com a colher. Bati  no liquidificador com água gelada até a gordura se separar do soro. E isto acontece em segundos. Escorri e fui lavando os grumos com mais água gelada, até não sair mais soro, a água continuar transparente e a gordura ficar toda agrupada. Fui amassando com a colher para o resíduo de água ir saindo da massa gordurosa.   Temperei com um pouquinho de sal, moldei numa xícara forrada de pano, deixei gelar, desenformei  e estava pronta para passar no pão ou para fazer estes biscoitos de alecrim de receita alemã original daqui e que levei para comermos durante o carnaval e para dar um pouco de presente para Nice em agradecimento pela nata. Ainda não sei sei gostou, mas pelo menos eu fiquei bem feliz com a manteiga, com os biscoitos e a possibilidade de ter suprimento constante de natas.  

Biscoitos de manteiga com alecrim 


200 g de manteiga em temperatura ambiente
1  xícara de açúcar
3/4 de colher (chá)  de sal
Sementes de 1 fava de baunilha
1 ovo
2 colheres (sopa) de folhas de alecrim fresco picadas
320 g de farinha de trigo (cerca de 3 xícaras)
Para a cobertura:  Raspas de um limão siciliano e de um tahiti e 1/4 de xícara de açúcar cristal

Na batedeira, bata a manteiga, o açúcar e o sal até formar um creme esbranquiçado. Adicione a baunilha e o ovo e bata até ficar bem incorporado, raspando as laterais da tigela com freqüência. Junte o alecrim e misture até incorporar. Com a batedeira desligada, junte a farinha aos poucos, incorporando com uma espátula, até formar uma massa homogênea. Nunca fique sovando demais massas de tortas e biscoitos, pois ficarão duras e não crocantes. Divida a massa em quatro partes, forme bolas, embrulhe em plástico e leve ao freezer. Deixe por 15 a 30 minutos ou até ficar firme. Enquanto isso, faça a cobertura misturando o açúcar e as raspas de limão. Tire a massa do freezer e faça cilindros de 4 centímetros de diâmetro com elas (se quiser, mantenha as bolas congeladas para fazer em outro momento). Se amolecer com o calor das mãos, enrole os cilindros em plástico e deixe de novo no freezer. Com os cilindros firmes, passe-os sobre o açúcar pressionando bem. O açúcar preparado deve ser suficiente para cobrir a superfície de todos os cilindros. Enrole novamente os cilindros em plástico e deixe-os no freezer até o momento de assá-los ou por pelo menos 30 minutos. Pré-aqueça o forno a 200 graus. Corte os cilindros em fatias com cerca de 1 centímetro e coloque-as em assadeira untada e enfarinhada. Deixe assar por cerca de 15 minutos, mas verifique o cozimento a partir de cerca de 10 minutos. Estarão prontos quando as bordas começarem a dourar. Deixe esfriar na assadeira e guarde em vidros.  Rende por volta de 40 biscoitos. 

sexta-feira, 8 de fevereiro de 2013

Livre-se dos picões do seu jardim. Coma-os. Ou sopa de inhame com picão


Muita gente só conhece o picão (Bidens pilosa) por causa do incômodo daquelas agulhinhas pretas dentadas, que grudam na nossa roupa quando andamos no mato,  pedindo pelamordedeus pra levarmos sua raça pra outro canto. Obedientes, nos sentamos numa cadeira, longe do ataque, e vamos tirando agulha por agulha e jogando-as no chão. Assim, ajudamos a perpetuar a espécie. Tão mal tratada, tão negligenciada, ela precisava de algum recurso para se multiplicar por aí afinal. E como aprendeu isto bem.  É uma das principais pragas no mundo tropical, só reproduzindo o que dizem dela por aí. Mas veja bem, sabendo que o picão é comestível e gostoso, assim como várias plantas do gênero Bidens
(Bidens bipinnata, Bidens frondosa, Bidens odorata, Bidens parvifolia, Bidens tripartita e Bidens laevis), se fosse vista com olhares complacentes e gulosos, poucas chegariam à fase adulta para dar  flores, essenciais para abelhas, diga-se,  e frutos (ou aquênios, as agulhas pretas), pois as folhas mais jovens são as melhores para se comer. E, claro, a população (de picões, gentes e borboletas) estaria salva e sob controle. 


A planta é nutritiva, tem boa quantidade de ferro, cálcio e pró-vitamina A, além de ser, como todas as verduras, rica em fibras, pobre em calorias e gorduras. Na medicina popular entre os índios da Amazônia é tida como remédio para angina, diabetes, disenteria, aftosa, hepatite, laringite etc.  E muitos estudos farmacológicos recentes feitos mundo afora já comprovaram algumas propriedades. É, por exemplo, hepato-protetora e seu extrato mostrou-se inibidor da síntese de prostaglandina, ligada a dores de cabeça e doenças inflamatórias e isto não é pouca coisa. Se além de tudo isto, ainda é gostosa, por que não comemos mais picões que crescem livremente em jardins, roças e pomares? Tão rústico, não precisa de adubos nem de defensivos. Tão diferente daquelas alfaces frágeis que passam o diabo pra chegarem íntegras à nossa mesa. 

Bem, acho que você não vai ter problemas para reconhecer um pé de picão no jardim. Mas se acontecer alguma confusão, certamente estará diante de uma outra espécie, Bidens alba, também comestível, ainda mais gostosa, dizem.  A planta é mais alta e as flores se parecem com mini-margaridinhas, com pequenas pétalas brancas e caules mais claros que os da B.pilosa que tem coloração ligeiramente arroxeada. Ainda não a descobri aqui no meu bairro.  De qualquer forma, o picão-preto, de flores amarelas fechadinhas e carrapicho,  é fácil de encontrar. Responde também pelos nomes de amor-seco, carrapicho-de-agulha, fura-capa, guambu, macela-do-campo, picão-das-horas entre outras. 

Só uma coisa, não é bom comer crua pois podem ter saponinas -  outras plantas comestíveis também tem. Em excesso, estas substâncias podem ser irritantes para a mucosa intestinal. Use a erva em cozidos ou afervente com água e sal antes, mesmo porque ela é um pouco firme e precisa de alguns minutos de cozimento para que fique macia. O sabor é algo como folhas de cenoura, jambu e espinafre. 

Então, fica aqui a dica. Depois de pular bastante e beber todas, enfie a cara numa tigela de sopa quente,  apimentada, revigorante e hepatoprotetora. Sopa, no calor? Bem, lembre-se que o prognóstico climático para os próximos dias não é muito animador (para mim, lá em Piracaia, vou adorar uma chuvinha) e uma sopa assim pode cair melhor que uma salada, sem, claro, querer aguar sua empolgação carnavalesca. Boa folia e até quinta! 

Sopa de inhame com picão 


Primeiro, saia à caça de picões. Vai encontrá-los numa calçada mais rústica ou num terreno abandonado. É época deles. Separe as folhas mais tenras, que rendam mais ou menos duas xícaras de chá. Lave bem, escorra e reserve. Faça um caldo de galinha com carcaça, dentes de alho, galhos de salsa, feno-grego, grãos de coentro, cúrcuma e pimenta (ou faça do seu jeito). Cozinhe um taro (inhame) e pique em cubos. Coe e desengordure o caldo. Coloque 1 colher (sopa) desta gordura numa panela com um dente de alho picado e deixe começar a dourar. Junte uma xícara do caldo e as ervas. Deixe cozinhar por 10 minutos. Acrescente o caldo restante - cerca de 3 xícaras,  o taro picado e uma pimenta ardida picada (a gosto). Prove o sal e corrija, se necessário. Se quiser, junte lascas de carne da carcaça do frango e deixe ferver. Se não quiser, vai ficar boa de todo jeito. Se preferir, use caldo de vegetais. E nhac!! Para duas pessoas. 

Veja sobre a erva também aqui, com valor nutricional e tudo o mais: 
http://www.eattheweeds.com/spanish-needles-pitchfork-weed/
Agradecimentos ao Guilherme Ranieri que me lembrou que era tempo de picões! 

quinta-feira, 7 de fevereiro de 2013

Fruta do milagre. Coluna do Paladar. Edição de 07/02/2013

Primeiro contato. Foto: Neide Rigo

Tem coluna Nhac da Neide hoje no Paladar. Veja lá no jornal impresso ou no blog. Em todo caso, reproduzo aqui também. Uma coisa que não coloquei no texto porque só agora aconteceu: todas as sementes germinaram! 
As sementes germinaram todas. Foto: Neide Rigo


Esta frutinha é um barato!

  • 6 de fevereiro de 2013|
  •  
  • 20h54|
    Por Neide Rigo
As “flavour tripping parties” surgiram em Nova York. Eram festas com o único propósito de oferecer uma viagem aos convidados: cada um recebia sua baga vermelha na entrada e podia provar – à vontade – os ácidos oferecidos em bandejas, experimentando distorções profundas na percepção da realidade.
Demorou um pouco, mas agora já temos oferta de bom produto nacional e festas particulares à luz do dia começam a surgir por aqui também. A coisa é bem menos psicodélica do que parece: estamos falando de uma fruta. Com o infeliz nome de fruta do milagre. Porque não acredito em milagres, nunca levei muito a sério o fenômeno. Puro preconceito semântico.
‘Que diabo é isto?’A superfruta distorce a realidade gustativa, mas numa experiência divertida que se pode compartilhar. FOTO: Filipe Araújo/Estadão
Veja como fui vencida pela superfruta: há pouco tempo, em visita ao meu viveiro preferido, o Ciprest, em Limeira, o dono, Edilson, mostrou-me a planta (que naquele momento estava sem frutos) e falou tanto de seu poder transformador – faz um limão espremido virar doce limonada – que me deixou curiosa. Trouxe um vaso pra casa.
Bagas vermelhas
O primeiro fruto a vingar, do tamanho de uma azeitona pequena, foi uma alegria. Não fiquei um só dia sem vigiá-lo até que perdesse a cor verde. Com medo de que passarinhos me roubassem, durante uma viagem de fim de semana levei o vaso comigo como um cachorro na coleira. Edilson havia me assustado dizendo que o efeito milagroso só resistia poucas horas depois de colhidos os frutos vermelhos.
Deixei a única baga cair de madura e imediatamente peguei a frutinha e improvisei uma degustação com alimentos ácidos como limão – claro, tem que ter –, laranja, vinho e vinagre. E também os pungentes ou amargos como cebola, cerveja, vermute, boldo e carqueja. Pois a informação que tinha era que ela modificava também os amargos.
Dividi a fruta ao meio, uma metade para mim e outra para meu marido, pois o bom da experiência é compartilhar as sensações. A minha metade coloquei na boca e fui chupando como bala a polpa exígua e mucilaginosa, espalhando por toda a mucosa.
Depois de um minuto, desprezei a semente. O gosto na língua era nenhum. A fruta tem gosto de dedo, ou, com mais complacência, lembra o fruto maduro do café catuai, com uma leve doçura, nada de acidez ou amargor.
Em seguida, com uma careta aprendida de experiências passadas, que logo seria desfeita, metemos o limão na boca ao mesmo tempo para exclamar, ao mesmo tempo: “Uau, meu Deus, que diabo é isto?” – e cair na risada ao sentir na boca o limão com gosto de laranja doce.
Depois, comprovamos a doçura em todos os outros azedos. Já com o amargo da carqueja e do boldo, não teve milagre que o fizesse doce. Os amargos continuam amargos.
Laboratório gustativo
 A segunda experiência foi com fruta mais velha, trazida de Holambra pela amiga Juliana Valentini, também proprietária de um vaso. O efeito persistia mesmo com a fruta de três dias. E depois a experiência foi repetida com frutas mais velhas ainda, compradas no atacado de frutas da Ceagesp, na Frutícola Trindade, onde trabalha o Seu Makoto. De novo o poder se manteve e durou ainda três horas.
Provei outros sabores como vermute, cerveja, dois tipos de limão, laranja-baía, maracujá do mato, maçã verde e outros verdes do quintal, como almeirão, menta e folhas de uva. O vermute e a cerveja ficam horríveis, a laranja ganha mais doçura até ficar enjoativa, o limão parece laranja, o maracujá passa a ser mais equilibrado. Na folha de hortelã o amargor e a picância ganham relevância, e a ácida folha de videira ganha sabor doce inusitado para verduras.
A conclusão, fato comprovado por pesquisas, é que se a fruta for conservada na geladeira, ou mesmo se for congelada, manterá a peculiaridade – o efeito da miraculina. E a persistência na boca de seus poderes mágicos vai depender da concentração e tempo de exposição.
A harmonia é importante
A miraculina é o exemplo máximo de interação entre substâncias ingeridas, mas em pequenas proporções isso deve acontecer a todo momento na nossa boca (experimente comer salada de almeirão e tomar cerveja). E isso de certa forma reforça a ideia de que, fora as afetações, devemos levar mais a sério as harmonizações de vinho com comida, por exemplo.
E é realmente um sonho para um diabético poder tomar um copo cheio de limonada com sensação de doçura comparável a uma solução com até 17% de sacarose sem se preocupar com os efeitos colaterais de adoçantes sintéticos. E, talvez também para quem faz quimioterapia e sinta um gosto metálico na boca, essa fruta seja um bom disfarce e funcione como estimulante de apetite.
Agora, aqueles que querem apenas brincar com o novo repertório de sabores, não se animem muito a comer alimentos ácidos à exaustão pelo simples fato de percebê-los doces. Saiba que a acidez não é anulada e os efeitos colaterais continuarão existindo – como enjoo, danos à mucosa ou erosão no esmalte dos dentes. E só mais um alerta: embora o queijo possa parecer recheio de cheese cake, o limão se finja de laranja e a maçã verde ganhe gosto de fuji, lembre-se que alegria maior é saber que o mundo agridoce é passageiro e você pode voltar a ver e sentir as coisas como realmente são. Afinal, não vai querer outro sabor para sua cerveja ou vinho favoritos, vai?

Contra azedina, dá-lhe miraculina

  • 6 de fevereiro de 2013|
  •  
  • 20h53|

Ela é conhecida internacionalmente como “miracle fruit” e vem da África Tropical. Mas talvez fruta mágica fosse um nome mais apropriado, pois tudo isso é um truque da miraculina, uma glicoproteína desvendada pela ciência na década de 1970.
Para fazer efeito, a substância não pode estar misturada ao alimento e não resiste ao aquecimento, o que impõe limitações ao uso. Uma única fruta produz sensação de doçura em vários alimentos num espaço de tempo que vai de 30 minutos a 3 horas.
Teste do milagre. Ela adoçou todos os azedos, mas contra o amargo da carqueja e do boldo não houve mágica que desse jeito. FOTO: Filipe Araújo/Estadão
No Japão, onde a miraculina é liberada e há tabletes feitos com o pó da fruta, pesquisadores desenvolveram até uma alface geneticamente modificada com alto teor da substância.
O mecanismo de ação da miraculina ainda é alvo de estudos, mas o que se sabe é que alimentos ácidos são percebidos como doces. Não é exatamente que o ácido se transforme em doce ou que nossas papilas sejam enganadas, nem que o suco de limão deixe de ter o Ph ácido de sempre. É simplesmente porque a miraculina permanece em nossa mucosa durante algum tempo e funciona como adoçante instantâneo e involuntário para todo alimento ácido que chegue perto.
Agora, se a fruta é tão incrível assim, se seu consumo é seguro, por que a indústria alimentícia não a usa em produtos dietéticos? Já houve essa tentativa, nos EUA. Mas a história, que tem ares de suspense policial, terminou quando o FDA (Food and Drug Administration), em 1974 classificou a substância como aditivo alimentar, exigindo, portanto, uma lista de provas de segurança que a empresa interessada não teve como atender.

ONDE COMPRAR
Frutícola Trindade (ou box do Makoto)
Av. Dr. Gastão Vidigal, 1.946, Vila Leopoldina (Ceagesp),
portão 1, pavilhão MFE-B,
módulos 58 e 59.
Tel.:             (11) 3643-8776      
Ciprest
Tel.:             (19) 3451-5824      ;
www.ciprest.com.br