Nesta passagem do fundador do Slow Food, Carlo Petrini, pelo Brasil, em dois momentos que pude ouvi-lo, no Terra Madre e no Entre Estantes e Panelas, sua fala foi recheada com duas memórias afetivas ligadas à comida da avó. Contra o desperdício e a favor da sabedoria no uso de recursos, citou a ribollita e os agnolotti da nonna. O primeiro é uma minestra de legumes com pão, que no outro dia, requentada e mexida, ganha este outro nome - ribollita é como refervida, e características totalmente diversas. Já os agnolotti (que mudam de nome conforte a região da Itália ou o recheio), são massinhas recheadas que podem levar molho ou ser servidas com caldo. E o recheio é o que escolher para estar ali, desde que tenha textura de recheio e bom sabor. Não sei se a Nonna di Petrini fazia assim ou assado, o que sei é que a mulher esperta agia na cozinha com a mesma sabedoria de tantas de nossas mães e avós, não desperdiçando nadinha que fosse comestível. Pegava o que havia sobrado nos últimos dias, picava tudo com a meia lua até virar uma mistura uniforme e bem temperada, fazia a massinha, cozinhava e servia certamente com um molho cheirando a ervas frescas da horta. Ou quem sabe servia com um brodo aromático feito com ossos e aparas de legumes. Gostosa de um tanto, a ponto de o neto se lembrar dela até hoje e brilhar os olhos quando fala.
É claro que ouvi com atenção tudo o que ele disse a respeito da comida boa, limpa e justa e da importância da valorização dos pequenos produtores de alimentos, entre outras coisas, mas fiquei meio impregnada com a curiosidade de fazer uma massinha com recheio de sobras. No fim de semana, coloquei o desejo em prática.
Para o recheio, tirei do freezer um pedaço de coxa e sobrecoxa de frango assado e fui juntando o que tinha na geladeira: um punhadinho de salsa já amarelando, talo e tudo, uma tira de pimentão vermelho e um pedaço de queijo duro. Ainda não seria suficiente, então fui ao quintal e peguei uma pimentinha das ardidas, umas folhas de capiçoba, outras de alfavacão e alguns brotinhos de ora-pro-nobis. Piquei tudo na faca até ficar uniforme, temperei com sal e estava pronto. Coloquei no saco de confeitar para ficar mais fácil rechear, mas não precisava. Era só ir tirando pequenas porções com duas colheres de café. Podia ter picado tudo no processador, mas esta tarefa é uma das que mais gosto na cozinha - a de picar até reduzir tudo numa só coisa. Bem, a massa já estava pronta e decansando (por cerca de 15 minutos).
Para fazer a massa, coloquei no processador 2 xícaras de farinha, juntei uma pitada de sal e despejei aos poucos, com o aparelho já ligado, 2 ovos grandes misturados. Precisei juntar ainda umas 2 ou 3 colheres de sopa de água, até formar uma farofa úmida, que pode ser juntada com as mãos depois de tirar do processador. Se continuar batendo, a massa vai se juntar sozinha e já formar uma bola dentro do copo do aparelho e tudo bem também. E você pode ainda fazer todo o processo na mão, como nossas avós faziam (coloca a farinha numa bacia, faz uma cova no meio, despeja aí os ovos batidos e amassa até formar uma bola). Embrulhei a massa em saco plástico e fiz o recheio acima. Ah, já ia me esquecendo: aproveitei que minhas capuchinhas estavam laranjas de alegria no quintal e botei umas quatro na massa enquanto batia no processador. E umas folhinhas de alfavacão também. Para rechear, abri a massa no cilindro até ficar bem uniforme e fina, com cerca de 2 milímetros de espessura. Marquei com o cortador redondo (na foto), deixando espaço, e coloquei no meio das marcas o recheio. Pincelei com água em volta da marca, cobri com outro pedaço de massa, cortei e fui deixando as massinhas apoiadas sobre um pano enfarinhado.
Na última hora, quando ainda não sabia se serviria com molho ou caldo, me lembrei de um litro de caldo de galinha que tinha congelado e foi mais fácil do que havia imaginado, pois coloquei o bloco congelado mesmo sobre a panela que foi ao fogo alto e num instantinho já estava descongelado e ainda bem cheiroso. Foi só então jogar ali os agnolotti e cozinhá-los por 4 minutos. Na hora de servir, ainda juntei ao caldo umas tirinhas de almeirão roxo do mato, que tenho no quintal. Só pra fazer uma graça e colorir o prato. Para completar, triturei sobre o prato um pouco de pimenta-do-reino. Foi nosso almoço de sábado. E ficou tão bom que acho que daqui pra frente meus recheios serão sempre assim, com todas as variações que as sobras da semana puderem oferecer. Experimente você também. Tributo a tutte le nonne. E nhac!