sexta-feira, 29 de fevereiro de 2008

Frito do vaqueiro



Yes, nós temos nosso confit. A primeira coisa que pensei quando conheci o confit de canard foi na carne de lata que minha avó trazia do Paraná. Conforme ela ia desfazendo as malas, ficávamos, meus irmãos e eu, especulando sobre o que poderia aparecer a qualquer momento naquela profusão de roupas cheirando a fumaça do fogão de lenha, a café, a sabão de pedra, ao sítio todo. Aos poucos, as iguarias iam sendo desembrulhadas de trapos de algodão cru defumados. A lata com carne de porco na gordura branca era uma atração. Na hora do almoço uns nacos de lombo iam para a panela em fogo branco até a gordura derreter e a carne ficar bem quente, suculenta, brilhante. Durava dias a farra. No ano passado no Revelando São Paulo, um expositor vendia a carne de lata num recipiente de plástico, destes de Catupiry. Fiquei feliz pela produção, mas, por saudade da lata e da vó Zefa, deu uma tristeza. Sorte é que ainda posso comer uma versão parecida na Ilha do Marajó, na casa da minha amiga, Dona Jerônima. Sorte de vocês também que podem passar uns tempos lá comendo delícias, já que o lugar é um hotel fazenda, com búfalos, guarás, manguezais, praia particular, peixe fresco, turu e tudo o que têm de melhor em Soure.
Confit, carne de lata e frito do vaqueiro são do tempo em que não havia geladeira. E mesmo com o surgimento dela, o preparo sobreviveu não pela intenção mas pelo resultado - carne macia, suculenta, perfumada com a gordura e às vezes com a fumaça da lenha. Mudam as carnes, mas os motivos e o modo de preparo- cozinhar lentamente a carne na própria gordura - são os mesmos. Só é pena que muitos de nós temos mais oportunidades de comer no Brasil um confit francês que uma autêntica carne de lata colonial ou um frito de vaqueiro marajoara. Mas, vá lá, uma vez colônia, pra sempre colonizado.
Na Ilha do Marajó o frito é tradicionalmente servido no café da manhã. Conta Dona Jerônima que era comida dos vaqueiros que andavam pelos campos levando apenas algumas provisões. Antes da partida, as mulheres preparavam o prato com a carne fresca do búfalo. Tiravam-lhe a fraldinha e, sem lavar, enxugavam o sangue com um pano limpo, picavam e cozinhavam, no calor fraco da lenha, por longas horas, usando como tempero apenas o sal. Ela fica pronta quando a água seca e só resta na panela o óleo que se solta da carne e serve agora para dourá-la. Os vaqueiros levavam a preparação em lata, mergulhada na própria gordura endurecida depois de fria – ela envolve todos os pedaços, protegendo-os da oxidação e do apodrecimento. Na hora de comer, bastava aquecer e juntar um bocado de farinha para tornar o prato algo substancioso.

Frito do vaqueiro marajoara

Ingredientes
3 kg de fraldinha de búfalo em temperatura ambiente
1 colher (sopa) rasa de sal ou a gosto

Modo de fazer
Com um pano bem limpo, enxugue a carne sem lavar. E sem tirar a gordura aparente, corte-a em cubos. Coloque a carne numa panela grande de ferro e polvilhe o sal. Mexa, tampe a panela e leve ao fogo bem baixo. Sem acrescentar água ou gordura, vá cozinhando a carne no próprio vapor, mexendo de vez em quando, até que toda a umidade seque e a carne comece a dourar na própria gordura. Em fogão de lenha, com a chama bem fraca, isso deve levar de 5 a 6 horas. Em fogão doméstico, de 2 a 3 horas. De qualquer forma, estará pronta quando os cubos estiverem macios, dourados, mas não ressequidos. Passe para um recipiente de vidro, cerâmica ou guarde na própria panela. Tampe bem e conserve por até 5 dias. Vá retirando pequenas porções e aquecendo na medida em que for necessário. Aqueça em frigideira tampada, em fogo baixo, para não ressecar. Sirva com farinha de mandioca amarela torrada levemente e ainda quente.
Rendimento
: 10 porções
Para conhecer a Fazenda São Jerônimo, clique aqui.

quinta-feira, 28 de fevereiro de 2008

Moqueca de banana



Outro dia, li em algum blog (acho que do Luiz Horta – na lista de links) sobre uma moqueca de banana e fiquei com a boca aguada. Não vi a receita, mas procurei no google e são centenas de citações do prato capixaba feito com banana-da-terra. Pensei em prepará-lo com uma banana qualquer e do meu jeito. Aguardei a ocasião certa – muita fome, nada de tempo sobrando, nenhuma carne ou peixe por perto, preguiça absurda de lavar louçaiada, falta de repertório e, principalmente, de companhia. Situação perfeita para o prato suculento, reconfortante, nutritivo, econômico de sujeira e de trabalho e que se faz em menos de 20 minutos (o tempo de fazer um arroz branco bem básico). Embora tenha usado bananas pratas e figo, aposto que também dá certo com banana nanica (d´água) ou banana-ouro. O tomate ácido faz uma boa parceria com o docinho da fruta. E, para quem quer ressaltar ainda mais o aspecto agridoce, vale juntar umas gotinhas de suco de limão que, além disso, perfuma. Espero não ter ofendido capixabas puristas e amantes da banana-da-terra – com ela, a moqueca pode até ficar melhor que esta, mas a gente se vira com o que tem.

Moqueca de banana

1 colher (sopa) de óleo de urucum - e só aquecer em banho-maria um pouco de óleo ou azeite com sementes de urucum, à venda em lojas de tempero, até soltar o pigmento, e peneirar.
1 cebola grande picada
1 pimentão verde picado
1 pimenta dedo-de-moça sem sementes picada
3 tomates sem sementes ou pele, picados
Sal a gosto
4 bananas cortadas em pedaços (usei 3 pratas e 1 figo)
Coentro ou salsa picada a gosto (usei salsa, era o que tinha)

Aqueça o óleo numa panela de barro e refogue a cebola até amolecer. Junte a pimenta, o pimentão, o tomate e o sal. Quando o pimentão estiver macio, junte as bananas e cozinhe por 1 minuto ou só até aquecer. Prove e corrija o sal, se necessário. Junte a erva escolhida e sirva com arroz (se for integral, melhor ainda).


Para fazer mais rápido, refogue tudo junto e use uma panela de aço inoxidável. E se não tiver óleo de urucum, use o que tem em casa e, do mesmo jeito, vai fazer um belo refogado de banana.

Rende: 2 porções

terça-feira, 26 de fevereiro de 2008

Oficina Culinária dos Guarani


Dentro da Opy, a casa de rezas: fogo e água quente para o mate.
Neste último fim de semana, meus dias foram úteis. Fui visitar aldeia M´Bya Guarani, Rio Silveira. É onde está a Fortaleza do Palmito Juçara do Slow Food, em Boracéia, litoral norte de São Paulo. Com apenas alguns convidados juruá (nós, brancos invasores), aconteceu a Oficina de Culinária Guarani, que começou no sábado e se estendeu até segunda-feira, quando finalmente fez sol, teve pesca e fogo para assar o peixe. No sábado e no domingo foi uma aguaceira só. Mesmo assim, pude acompanhar o preparo de alguns pratos. O objetivo do evento, que reuniu representantes de outras aldeias (do Rio de Janeiro, do litoral Sul paulista, Vale do Ribeira e até desta capital de São Paulo – sim, temos aldeia guarani no bairro de Parelheiros e Jaraguá), foi resgatar preparos tradicionais, que vêm se perdendo com a ampla oferta de produtos industrializados e pobres nutricionalmente. Com isto, nós, juruá, também deveríamos nos preocupar (com as nossas tradições, com os nossos juruazinhos...)
Seguem aqui umas pinceladas do que pude observar



Fogo e água e o manjar sai pronto. JETY (batata-doce) cozida. Sem prato, sem tempero. As crianças adoram e juruá adulto também.




Crianças são pacientes e comportadas mesmo na fila para o milho
O menorzinho passou um tempão tentando arrumar a palha ao redor da espiga


Um jeito fácil de esfriar milho. É só rolar na mesa. Um inventa a moda e todos copiam.

AVAXI (ou milho), junto com a JETY (batata-doce), JEJY (palmito), MANJI´O ou mandi'o (mandioca) e MANDUVI (amendoim) constituem alguns dos principais alimentos guaranis. Cozido ou assado, o milho é comido sem sal e as crianças fazem fila comportada para ganhar o seu. Por ele, até jogam fora aqueles detestáveis isoporzinhos de milho ultra-salgados, ultra-gordurosos e ultra-aromatizadosartificialmente. Sim, estas pestes urbanas também chegam lá.


As mulheres mais velhas conservam a tradição culinária e ensinam aos mais jovens.

Folhas de caeté antes e depois da massa

Fogo por cima e por baixo


Mbyta pronto

O milho ralado vira este bolo (MBYTA) cozido por baixo e por cima, forrado com folhas de caeté (caetê ou caité), conhecida entre os guarani por PEGUAO. Forra-se uma forma com as folhas, cobre com milho ralado, puro e tão somente milho ralado, e cobre-se tudo com mais folhas. Tudo bem fechadinho para não cair cinza na massa. Acende-se fogo em cima e em baixo e espera até a massa endurecer. Lembra uma pamonha assada, sem sal. Mas a brasa confere um saborzinho especial.
A mãe de todas as pamonhas



A massa de milho é despejada nos pacotinhos de folhas de caeté (PEGUAO), amarradas com palha de milho. Pamonhinhas ancestrais, também chamadas de MBYTA. Agora descobri a origem das pamonhas na folha de caeté do Vale do Paraíba (aliás, pamonha vem do T
upi pa'muña, ou pegajoso).


Palmitos Juçara fresquinhos: os Guarani podem coletar e respeitam um plano de manejo.
O palmito ou JEJY não é alimento do dia-a-dia, mas em ocasiões de festa ele está sempre presente. Comem cozido ou cru com mel de jataí. Experimentei cru, sem mel, maravilhoso. Mas com mel, é claro, fica melhor ainda, acreditem. E a larva que dá no tronco derrubado, chamada IXO (se diz itchó), dizem ser deliciosa – infelizmente não havia desta vez e não pude provar. Ela é gordurosa e tem sabor de coco.



Olhando assim, ninguém dá nada por esta sopa. Mas fui obrigada a repetir, comidinha de alma, surpreendente. É assim: cozinha na água e sal uns pedaços de frango. Sem tempero algum e sem refogar. Quando os pedaços estão quase macios, junta um tantão de palmito juçara cru picado. Deixa cozinhar até ficar tudo molinho. Foi a melhor coisa que experimentei lá. Deliciosa. O carvão próximo dá ao caldo um sabor sensacional de defumado. E olhe que o frango usado era daqueles brancos de granja, comprados para a ocasião. Fiquei imaginando então esta sopa feita com frango caipira. Segundo Jera (diz-se Djirá), uma índia da aldeia Tenonde Porá, de Parelheiros
, esta sopa pode ser feita com outros ingredientes, mas sempre dois – carne e mandioca, por exemplo.


Mandioca cozida

Diferente de outros povos, os Guarani, pelo menos os que se reuniam lá, não usam a farinha de mandioca, mas apenas a raiz cozida (MANJI´O), que comem sem sal. Aliás, tudo sem sal, embora o Sal Cisne estivesse lá para temperar algumas coisas como a sopa ou o xipa (se diz tipá).



Como puris indianos
Meninas-moças fazem a massa com farinha de trigo, sal e água, boleiam, achatam e fritam no óleo. Segundo apurei, antes eram feitos de farinha de milho e eram fritos na gordura do YXO (a larva do tronco de palmeiras).



Farinha de milho e amendoim fazem uma paçoca chamada AVAXI KU´I. Melhor que qualquer granola.


Jera com kaguidy

Faz-se assim o KAGUIDY, a bebida levemente fermentada de sabor adocicado e consistência de mingau: com o milho ralado são feitas umas bolas que são cozidas em água. Estas bolas são mastigadas pelas índias mocinhas – de preferência que comeram previamente muito YXO, a tal larva de tronco de palmeira, para a bebida ficar mais docinha. A massa de milho mastigada é devolvidas à panela ou cuia com a água de cozimento, onde fermentam até o dia seguinte, quando a bebida já pode ser tomada. Se eu gostei? Não é ruim, não, mas acho que tem que fazer mesmo parte da identidade cultural. Os Guarani gostam e é isto que importa (imagino que a ptialina da saliva seja essencial para transformar o amido do milho em açúcar e deixar a bebida adocicada).



Frutinho do jaracatiá (Jaracatia dodecaphylla) – segundo Jera, eles a comem assado. Havia na mata um pé carregado.


Jera fumando

O PETYGWA, o cachimbo guarani, é usado para se fumar tabaco preto, plantado por eles ou comprado em rolo, e está relacionado intimamente às práticas religiosas e espirituais – para atingir um estado meditativo e de concentração, por exemplo. Aliás, os Guarani são extremamente espiritualizados e a prática de sua religião, com cantos e rezas, na OPY, a casa de rezas, é uma das formas de manter o grupo unido numa tradição que pouco se alterou com o tempo, à despeito do contato com os juruá.

As crianças

Qualquer goiabeirinha caída vira brinqueco coletivo

Sabem aquelas crianças que fazem birra, berram, correm, tropeçam na sua canela, gritam porque querem, esperneiam porque não querem, tomam o brinquedo do amiguinho, dizem a todo momento é meu, eu quero, não vou, não dou? E aquelas mães estressadas gritando com os filhos, tentando dominar os tiraninhos? Estas situações entre os Guarani não existem. Eles falam baixo, não gritam com as crianças (não ouvi um só grito de adulto ou criança e ninguém fica tagarelando um com o outro a todo momento - adultos passam horas sentados um do lado do outro sem conversar). As crianças são tranqüilas, meigas, alegres, resolvidas, generosas (em vários momentos vi crianças dando um pedaço do que estava comendo para outra que nem pediu nada). Todos os adultos cuidam das crianças que parecem não ter um pai ou uma mãe - mas, vários ao mesmo tempo. Tive a impressão de que saem do peito para o páteo: caem, se levantam, brincam e comem com a maior autonomia e respeito pelos adultos. São as crianças mais educadas que já vi até hoje.
Este pequeno não desgrudou do violãozinho durante o tempo em que estivemos lá.
A música tem presença forte entre os Guarani. O canto é presente de Nhanderu (o Deus maior) e pode ser recebido pelas crianças, espíritos puros e sem maldade. Eles são enviados também por revelações a qualquer índio. Mas, em todos os casos, o canto pertence à aldeia e não à pessoa que o recebeu. Às vezes, no páteo, ouve-se um coral de 50 vozes e você acha que pode haver por ali um aparelho de som potente. Quando vai conferir, são 3 ou 4 meninas cantando em coro e fazendo passinhos, com acompanhamento de corda e percussão. É de chorar.

O coro desta aldeia talvez vá para o próximo Terra Madre, na Itália. Se quiser conhecer a música celestial destes Guarani, compre o cd aqui. É o que toca agora enquanto escrevo.
Para saber mais sobre os Guarani Mbya, veja este site.

quinta-feira, 21 de fevereiro de 2008

Moqueca de peixe com leite de búfala


Com medo de colocar minha moqueca toda a perder, fiz um ensaio com uma parte dela nesta panelinha. O leite passou no teste.
Um dia chegou um hóspede para almoçar na Fazenda São Jerônimo, lá no Marajó. Queria moqueca, mas tinha alergia a leite de coco ou queria alguma coisa mais leve, não lembro. Dona Jerônima poderia simplesmente apresentar o prato só com temperos, sem leite de coco nem nada, mas veio a idéia na horinha. E se botasse leite de búfala? Ah, não deu outra. O homem gostou de lamber os beiços. E ainda saiu da mesa sem arrotar sabão de coco (maldade minha, só leites de cocos rançosos causam isto). Generosa, já andou dando a receita pra gente de Belém, que quis saber tim tim por tim tim. Mas o segredindo ela contou a mim porque uma vez inventei de colocar leite no peixe temperado e ele talhou todo. “Ah, tem que mexer devagar e sempre o leite enquanto ferve, sabia não? Deste jeito, quente e misturado, não talha de jeito nenhum”. Tão óbvio quanto o leite é branco. Ela me fez trazer duas garrafas de leite de búfala congelado para fazer aqui minha versão. Estava esperando um peixe bom para testar a receita. Neste fim de semana comprei uma tainha linda no Ceagesp. Fiz tudo direitinho, mas confesso que fiquei apreensiva na hora de juntar o leite ao molho ácido feito com pimentões, cebolas, tomates e limão, por isto testei à parte, numa panelinha com apenas parte da moqueca. E não é que o leite se comportou bem?

Para quem não gosta de leite de coco, vale a pena tentar. O de búfala tem um sabor marcante, mas discreto. E boa digestibilidade. Imagino que dê para se fazer com leite de qualquer animal (com os de castanhas e afins a gente já sabe que fica uma delícia). O jeito de preparar moqueca da dona Jerônima é diferente, especial, pois, antes de juntar o peixe à panela, ela grelha os pedaços na brasa. E o peixe, pescada amarela, robalo, filhote, vem praticamente do quintal. A gente vai lá, despesca o curral e volta pra fazer a moqueca. Então, podem imaginar o sabor. Mas aqui vai o meu jeito, a la baiana, com o peixe que me é permitido. Ou, se você quiser, faça como está acostumado e simplesmente substitua o leite de coco.


Moqueca de tainha com leite de búfala

Ingredientes
1,5 de tainha em postas
Sal
Pimenta dedo-de-moça picadinha a gosto
1 colher (sopa) de azeite de oliva ou óleo
1 pimentão verde em rodelas
1 pimentao vemelho em rodelas
2 cebolas em rodelas
2 tomates sem pele em rodelas
2 ramos de chicória-do-pará (coentro-da-índia ou coentro-de-pasto) ou coentro normal
Suco de meio limão Taiti
1 colher (sopa) de azeite de dendê
1,5 xícara de leite de búfala
Coentro ou salsa a gosto

Cerca de 1 hora antes de levar a moqueca ao forno, tempere o peixe com sal e pimenta e deixe pegar gosto. Lembre-se de salgar um pouco mais, pois este será todo o sal da moqueca. Leve ao fogo uma panela de barro e aqueça o azeite. Junte ¼ da cebola e refogue até que fiquem murchas. Cubra com metade da cebola, pimentões e tomates. Arrume por cima os pedaços de peixe e o coentro e cubra tudo com os legumes restantes. Quando a fervura chegar à superfície, junte o suco de limão e o azeite de dendê. Enquanto isso, ferva o leite de búfala, sem parar de mexer, e junte à moqueca. Sem mexer, deixe que o leite se incorpore ao molho. Junte o tempero verde picado por cima e sirva com arroz branco.

Rende: 4 a 6 porções

O site está meio desatualizado, mas dá para ter alguma idéia da fazendona paradisíaca dos Britos, aqui.

quarta-feira, 20 de fevereiro de 2008

MANIAS, FOGÕES E VELHARIAS


Foto emprestada pela Anna Diniz, da Do Design
Mania pouca é bagagem e eu já falei aqui de algumas delas. Coisas que costumo juntar e acabam virando um grupinho coeso. Pilões, máquinas de costura, balanças, chaleiras e botões. E fogões velhos. Eu disse antiguidade? Não, velharia mesmo, aqueles de meio século. Mas estes estão na categoria “gostaria, mas não devo”. Já bastam as máquinas de costura que não tenho onde por. Nem falaria deles aqui, para não fomentar a mania, mas eis que a Anna Diniz, da
Do Design, me manda, mesmo sem saber da minha inclinação pra coisa, estas duas fotos de um fogão sensacional. “é no norte de Mato Grosso, um municipio chamado Carlinda; a comunidade faz parte de uma cooperativa orgânica muito interessante; a comida? dos Deuses!”.


Vejam a criatividade do professor Pardal, como ela mesma chama o arquiteto da obra. Usou a lataria de forma engenhosa como molde para o cimento.
Bem, minha última aquisição foi um fogão velho, que apodrecia no depósito de cacarecos lá em Fartura. Gastei um dia desmontando, areando, lustrando. E fui aqui em São Paulo a umas bibocas comprar botões novos. Pra quê? Sei lá, tem gente que gosta de carros, outras gostam de fogão. Ou um dia posso ter uma idéia brilhante como a do engenheiro de Carlinda.


Um dos três fogões da casa da minha mãe - este é pra cozinhar na varanda, assessorando o fogão de lenha.
Este é o fogão Brasil, que "reformei".
Queridinho da mamãe, do casamento da minha sogra. Não vendo, não dou, não troco. Fica na minha cozinha, no sítio.
Quanto tempo mesmo dura hoje um fogão Brastemp, Consul, GE?

terça-feira, 19 de fevereiro de 2008

Araticum, pindaíba e biribá.


Pindaíba. Foto gentilmente emprestada pela Ana.

Biribá da Ilha do Marajó. Esta eu devorei.


Araticum no mercado Ver-o-Peso, em Belém-PA.
Em Belém, no Mercado Ver-o-Peso, não me animei muito com os araticuns. Temos no sítio uns destes bem docinhos, mas com polpa pouca. E eu tinha muita coisa a provar. Já na Ilha do Marajó fiquei enlouquecida com estes biribás laranjas, doces e cheirosos como aquelas balinhas indianas de perfumar o hálito. Agora, estas pindaíbas da Ana (blogueira, autora da foto e privilegiada comedora destas raridades) me deixaram na vontade. Principalmente pela descrição: ...elas representam muito de minha infância de menina do mato. Praticamente lá em Brotas os pés estão extintos (muito reflorestamento, criação de gado, cana de açúcar). Estas eu comi com muito deleite no início de 2007, pois meu pai, sabendo de minha paixão por elas, descobriu um sítio onde ainda existem pés. A grande maioria das pessoas não conhece e acho incrível que se refiram às pindaíbas como um estágio de falta de grana ou situação difícil. Bem, a pindaíba tem uma carne mais para o branco amarelado como da pinha e o que mais marca é seu sabor muito, mas muito docinho. Eu costumo chamá-la de "fruta boba" porque na verdade marcante é o seusabor, porém não é carnuda como uma manga ou pêssego e ainda nos dátrabalho com todas aquelas sementinhas.

Agora entendem o quer dizer "estar na pindaíba"?. Mas, meu Deus, daqui a pouco não teremos nem a pindaíba pra tapear a fome... Pelo que apurei, a frutinha (pindavuna, pindaíva, pindaeua), Duguetia lanceolata, anda em extinção nestas nossas terras. Alguém a tem visto por aí? Claro, há várias outras frutas da família das anonáceas muito mais carnudas e valorizadas comercialmente, como a fruta-do-conde (ou pinha ou ata), a cherimoia, a graviola ou a atemóia (cruzamento da fruta-do-conde com cherimóia), mas temos espalhadas pela Mata Atlântica, Cerrado e Floresta Amazônica várias outras espécies da mesma família que têm lá seu valor. Se não pela matéria farta, pelo menos pelo prazer aos olhos e pela distração que é chupar os gominhos doces, bobos e magros. Alimento light por natureza. A gente chupa, chupa, e a maior parte é a semente - a depender da habilidade, umas 10 calorias por hora. E enquanto come isso, não come outra coisa. Deveria ser a sobremesa dos Spas.

Não deixemos que se acabem, vamos multiplicar as sementes. Mesmo porque muitas destas anonáceas têm propriedades terapêuticas. Mas isto já é outra história.


Para saber mais sobre anonáceas, veja aqui.

segunda-feira, 18 de fevereiro de 2008

Antipasto di carciofi, ops, de jaca verde


Ainda tenho jaca verde congelada e de vez em quando uso num refogado, num recheio (como de palmito) ou neste curry. Desta vez, quis fazer passá-la por alcachofras. É claro que não tem nada a ver, a não ser, às vezes, pela textura que lembra a parte folhosa das flores. Mas, assim, temperada com salsa, pimenta e muito azeite, remete sim àqueles deliciosos antepastos venezianos. Receita não tem, não. Fiz tudo a olho – é só juntar aos pedaços cozidos um pouco de alho picado, salsa picada, sal, pimenta vermelha em flocos ou fresca, micropicada, umas gotas de limão, rodelas de cebola roxa e azeite, muito azeite. Para ficar ainda mais italiano, afervente os pedaços precozidos em partes iguais de vinho branco e azeite, até a parte líquida evaporar. Depois tempere com mais azeite cru, sal e salsa. Nos dois casos, se tiver tempo para deixar repousar um pouco na geladeira para tomar gosto, melhor. Se não, trace-a assim mesmo e ela não fará feio. Com pão e vinho então! O meu modo de cozinhar jaca verde está no link já citado acima.

Foto copiada do site www.goudasfoods.com/
Só por curiosidade, vejam que não há esquisitice alguma em comer jaca verde. Em vários países asiáticos, como nas Filipinas ou Tailândia, ela é um legume como outro qualquer. Embora tenhamos fartura de hortaliças por aqui, é sempre bom saber que podemos contar com mais um recurso alimentar rico em nutrientes. Há populações com dieta pobre em vegetais em locais onde jacas maduras ficam às moscas, escarrapachadas no chão.

quinta-feira, 14 de fevereiro de 2008

Cará Roxo


À esquerda, nesta banca de frutas e legumes, o cará roxo cortado tem a função de chamar a atenção para o tom. Por fora, não têm diferença do branco. Da outra vez em que estive no mercado Ver-o-Peso, em Belém, o vendedor só tinha uns dois exemplares e me vendeu todos. No sítio não consegui fazê-los vingar. Por isto, desta vez dei ainda mais valor a eles estou na torcida pela futura colheita.
Alimentos roxos sempre são mais nutritivos que as versões brancas. Vinho, uva, repolho, cebola, escarola, endivia, batata-doce e jabuticaba são ricos em antocianinas – um grupo de pigmentos fartos na natureza que conferem tons azuis, vermelhos, violetas e púrpuras, e que vão além da função estética. Agem como antioxidante importante (diminui a a quantidade de radicais livres que se formam a todo momento no nosso organismo e estão implicados a várias doenças que têm a ver com o desgaste celular).

A Embrapa Amazônia Ocidental tem estudado várias fontes de corantes vegetais como o açaí, o jenipapo e o cará-roxo. Se você fizer uma degustação às cegas, talvez não sinta muita diferença em relação ao cará branco, mas comendo aquela delícia colorida, tem-se a impressão de ele ser mais encorpado, como no vinho.

Sei que ultimamente tenho falado só de coisas estranhas, mas quem sabe um dia você se encontra cara a cara com um cará desta cor. Por isto, veja aí as sugestões.
- Em Belém, fiquei sabendo que ele pode ser preparado com peixe seco. Faça um refogado com cebola, tomate, sal, ele e água. Junte o peixe seco já demolhado e cozinhe mais um pouco.

- Imagino que fique ótimo para fazer suco: bata no liquidificador limão, água, açúcar, gelo e ele. Vi esta idéia no evento Revelando São Paulo, só que com cará branco. Testei em casa e ficou uma delícia, um suco denso, refrescante e nutritivo (inhame não é muito bom de se comer cru, por causa do ácido oxálico, mas cará pode).

- Cozido, pode ser feito como qualquer outro tubérculo. Este da foto cozinhei no vapor e passei no azeite com alho frito apenas. Polvilhei salsinha e comi com carne, arroz, taioba.


Veja também aqui no Come-se:
Sobre carás e inhames

Se tiver interesse em saber mais sobre as antocianinas, não deixe de ler o ótimo texto sobre elas no blog português De Rerum Mundi (que, aliás, acabei de conhecer e recomendo, feito por gente seríssima).

quarta-feira, 13 de fevereiro de 2008

Pacu fresco – não se engane


Outro dia, quis fazer polvo no jantar em que receberia minha amiga e ex-cunhada Leda, que há muito mora em Paris. Mesmo quando me programo para fazer algum prato, não consigo ter sorte. Chego ao lugar e vejo minha expectativa frustrada por falta de qualidade. E São Paulo não é o tipo de cidade em que a gente pode sair batendo perna de comércio em comércio à procura do item perfeito. Tem que aprender a conviver com o improviso. Normalmente já faço isto: planejo o que vou comer depois de voltar do mercado e não o contrário. Mas, neste dia, queria polvo para fazer um pulpo a la gallega, com bastante pimenton de la Vera (páprica defumada). No Extra, o polvo estava bonito, e sempre consigo, ou acho que consigo, informações privilegiadas do vendedor fingindo: “olhe, hoje eu vou receber para jantar o maior especialista de pescados e não posso passar vergonha de jeito nenhum”. E olhe que desta vez o polvo estava realmente bonito, mas não me custava confirmar. E o vendedor: “ah, sendo assim, melhor levar outra coisa porque o polvo já tem 2 dias. Que tal o pacu? chegou agora há pouco”. Bem, não dava pra negar. O bichão estava lindoso, tão fresco que parecia respirar mexendo o beicinho. E eu já comi pacus deliciosos, principalmente os do Pantanal. Sugestão aceita.
Temperei com muita erva e alho, admirando o frescor e o brilho úmido da carne. Um cheirinho de peixe de rio que eu não conhecia, mas pequeno. E a carne, que carne!, dava vontade de tirar uma lasca, temperar com sal e limão e inhaque.
Na hora do jantar o bichão com a pele tostadinha recebeu elogios. Eu fiquei comendo salada por mais tempo e a Suzana, minha irmã, comentou: "gosto forte, né?" - O cunhado concordou tentando atenuar que era assim mesmo e que o tempero estava muito bom. "É forte, mas é bom", continuou a Leda minimizando. Franzidinha na testa e ... xiii, o cara me sacaneou, pensei. No primeiro naco na boca, quase golfei. Era uma carne fresca com gosto de lodo. Não, melhor, era um lodo travestido de peixe fresco. Claro, pacu criado. Como não pensei nisto ao comprar?
Estes peixes são como frangos de granja. Confinados, recebem ração provavelmente enriquecida com hormônios e antibióticos para evitar doenças que aparecem nestas situações estressantes. Vivem para comer e engordar. Arrastam-se barrigudos no lodo, dando topadas um no outro e devem desenvolver distúrbios psicológicos e alimentares aberrantes para a espécie, como uma geofagia exagerada e patológica. E nada de nadar. Cadê meu rio?
Gente, isto é puro chute. Quem tiver informações de criação de pacus e hábitos alimentares do bicho, que se manifeste. Mas, ali, com aqueles dois quilos de lodão assado lixo afora, esta intuição me pareceu a mais incontestável verdade.
Normalmente peixes como a curimbatá ou carpas têm certo gosto de barro, que eu bem conheço e não rejeito. Estes peixes comem lodo do fundo dos rios para tirar matéria orgânica essencial para o seu desenvolvimento - composta por sementes, protozoários, insetos, algas e microorganismos. O que eu sei é que o gosto de barro se dá pela presença de um óleo chamado geosmina, produzido pela decomposição das cianobactérias presentes entre os detritos. Tudo isto é normal, mas está claro que houve no pacu uma aberração. É, pois é, acho que o peixeiro me sacaneou mesmo. De hoje em diante prometo nunca mais mentir para conseguir o que me é de direito.

Qualquer dia, quando encontrar polvo fresco, faço o pulpo a la gallega e dou a receita. Por enquanto, quem tiver um bom polvo por perto e quiser se fartar, veja a receita aqui no melhor site espanhol dedicado ao consumidor (consumer.es). Do pimentón de la Vera também falo outra hora.
(obs: Vatel teria se matado e Jacinto, se jogado no poço do elevador de comidas, mas na minha casa só recebo amigos com quem posso dividir as tragédias com riso e tudo terminou bem, continuamos dando risada, comendo salada de batatas com mostarda, pão quente e vinho gelado - mas, pacu agora, só no Pantanal)

terça-feira, 12 de fevereiro de 2008

Macarrão com abobrinha e gorgonzola



Tenho uma mania feia de compor e divulgar receitas que nunca fiz. Só entre amigos, é claro. Invento, falo com empolgação e o ouvinte pergunta: ah, é? e fica bom? - Não sei, nunca fiz, mas deve ficar.

Na praia fiz um arroz e, assim que desliguei o fogo, joguei por cima uma abobrinha italiana ralada. Isto não é nenhuma invenção, já vi em vários lugares, já comi no Tordesilhas e eu sempre gostei de incrementar o arroz branco com legumes quando o menu está fraquinho em hortaliças. Aprendi com minha mãe que, quando estava com pressa e com costura para entregar, cozinhava com arroz folhas verdes de repolho, quartos de tomate, pedaços de palmito fresco ou rodelas de batata-doce (meu preferido). Não juntos. Cada dia uma coisa. Era uma forma eficiente de alimentar 5 crianças comilonas de forma rápida, econômica e saudável. Ideal também para os dias de hoje em que vivemos num mundo obrigado a pensar na sustentabilidade e onde o tempo é um luxo para poucos (não são necessários mais sal, nem água, nem óleo ou mais tempo no fogo para cozinhar estes legumes com o arroz).
Mas, deixando de falar abobrinhas para voltar a elas: o Guilherme, namorado na Ananda, que mora em república e está adorando cozinhar, ao comer o arroz feito desta forma quis saber mais sobre a abobrinha comida assim, quase crua, crocante, cheia de sabor. Então, comecei a viajar: “dá pra fazer assim e assado, crua na salada e na massa”. E dei uma receita, tintim por tintim. Aquilo me pareceu tão óbvio e certo como aqueles pudins de maria-mole com pó de caixinha, leite moça, creme leite e leite de coco sococo. E veio a pergunta: fica bom? - Não sei, nunca fiz, nunca comi, mas deve ficar, ué! Que segredo tem? Mas só porque ele desconfia de tudo e me olhou com cara assustada, resolvi fazer uma coisa que nunca faço: assim que cheguei da viagem, testei a receita no jantar. E, por sorte, tinha tudo aqui – uma abobrinha voltou da praia; gorgonzola, tinha congelado; massa curta, nunca falta e manjericão, tenho no quintal. Em 15 minutos o prato estava na mesa. E ufa, a receita funcionou.
A receita

Leve 300 g de massa curta para cozinhar em água fervente e salgada (se for uma massa de trigo duro, pouca água basta, não precisa aquele caldeirão que leva um século para ferver). Enquanto isso, rale grosso uma abobrinha italiana bem verde, fresca e firme e coloque no escorredor de macarrão. À parte, rale grosso 50 gramas de gorgonzola (ou mais, se quiser um sabor mais forte ou se fizer pouco caso da balança) e separe e lave folhinhas de manjericão a gosto. Quando o macarrão estiver cozido, despeje-o sobre a abobrinha, deixe escorrer bem, junte o queijo e as folhinhas de manjericão. Misture com cuidado e está pronto o macarrão para 4 - ou 2 marmanjos moradores de república. Para ficar melhor: um fio de azeite, vinho bom e boa companhia, nem que seja a sua.

Variações que dão certo: mais abobrinha; abobrinha+cenoura ralada; abóbora madura ralada; nozes picadas e o queijo que quiser. Se fica bom? Fica, claro! (não, não, nunca fiz e daí?).

segunda-feira, 11 de fevereiro de 2008

Salvando sementes



Diante da ameaça da sementes terminator (aquelas estéreis), é sempre uma alegria poder trocar e multiplicar sementes férteis, nossas, ricas em diversidade. Ganhei estas pedrinhas preciosas da Anna Paula Diniz, da DoDesign-s, agência engajada com projetos ecológicos e iniciativas ligadas à sustentabilidade. E também responsável pelo site do Slow Food Brasil (através do qual, a conheci, no Terra Madre, em Brasília). Antes de plantá-las e reproduzi-las lá em Fartura, não pude deixar de fotografar, não só pela beleza das sementes índias e raras, mas também pelo capricho dos envelopinhos, identicados com os nomes. Ela me mandou ainda alguns calendários de 2007 com ilustrações lindas da flora do nosso Cerrado, com descrição no verso (trabalho feito para Nordeste&Cerrado - Comunidades Eco-Produtivas).

sexta-feira, 8 de fevereiro de 2008

Quem diria, temos vinho na região de Fartura


Ao fundo, a ponte que separa Fartura de Carlópolis, Paraná. Esta é a nossa praia (Represa de Xavantes)

No fim do ano passado fiz uma reunião do Slow Food em Fartura-SP, cidade onde moram meus pais e onde também temos uma casa e uns pezinhos de café. Levei algumas sementes e recebi em troca outras e ainda um vinho feito por um professor de Taguaí, trazido pelo Olivier, um amigo jornalista de lá, que hoje mora na vizinha Piraju. Taguaí fica a uns 13 km de Fartura e este pedaço de São Paulo, que beira o Paraná (da minha casa até a divisa são 8 quilômetros) tem a peculiaridade de ser ainda um dos poucos redutos de pequenas propriedades rurais (não sei não, agora, no carnaval, já vi lavouras de milho de grife, com plaquinha e tudo, chegando bem perto). Só em casa fui degustar o vinho de rótulo muito simples, já esperando o pior. Não sou nenhuma grande entendida de vinhos, mas comigo os fracos não têm vez (talvez depois da terceira taça). Foi uma surpresa porque o vinho suave lembrava um bom fortificado para tomar depois das refeições.
O vinho, na cesta, junto com produtos da região e do Terra Madre
Reproduzo aqui o texto que o Olivier escreveu ontem sobre ele, no Rol - Região On Line.

VINHO ARTESANAL: OPÇÃO DE UM PEQUENO PRODUTOR

Olivier Vianna

Escrito por Olivier Vianna, de Piraju/SP especial para o ROL
quinta, 07 fevereiro 2008


O conhecimento acumulado como professor de química, já prestes a se aposentar, e a experiência trazida da Itália há mais de um século pela família da esposa garantem bom resultado para um pequeno proprietário rural de Taguaí, Sudoeste paulista. Suas uvas, cultivadas inicialmente apenas para consumo próprio, hoje têm colocação garantida, tanto “in natura” como transformadas em vinho, cuja qualidade vem melhorando a cada ano. A idéia era bem mais arrojada: formar uma cooperativa de produtores de vinho. Ainda não deu certo.



A chácara Sul Paulista, de apenas 4,50 hectares, possui seis mil videiras de 10 variedades diferentes. São plantas bem aclimatadas, uma delas ali plantada há mais de 80 anos. Das três variedades próprias para vinho, uma foi trazida da Argentina por um padre amigo da família, especialmente para obter um sabor da bebida por ele apreciado. Existem ainda várias árvores frutíferas, que fornecem matéria prima para a produção de doces caseiros, atividade que também ajuda a complementar o salário de professor da rede pública.
Experiência é o que conta

Amparado na experiência e na vitalidade do sogro, Sírio Batista Alves, produz vinhos tintos, brancos e rosados, secos e suaves. “Professor Sírio” pretende também fabricar espumantes, apesar da menor demanda. Nesta safra, deve obter quase seis mil litros, principalmente de vinhos tintos.

Os doces caseiros, as uvas e os vinhos são vendidos em feira-livre, na propriedade e na residência da família, em Piraju (SP). A maioria dos seus fregueses são pessoas que já conhecem os produtos e que também se encarregam de divulgá-los.

O sogro de Sírio, Victorio Meneghel, neto de italianos, é nascido e criado naquele mesmo imóvel. Conserva sotaque carregado e, apesar dos seus 83 anos, conserva também muita disposição. É quem executa boa parte das tarefas e quem orienta o serviço de trabalhadores temporários utilizados apenas para ajudar na manutenção da chácara, principalmente, no período da colheita.


Vinho artesanal

A produção do vinho é artesanal. Mesmo com instalações ainda provisórias, o zelo com a higiene é uma das preocupações. Outro cuidado é com o uso de agrotóxicos. Sírio prefere adubos e inseticidas orgânicos, limitando ao máximo o emprego de produtos químicos. “Nesta safra, fomos favorecidos pelo clima, conseguimos boa produção e frutos de excelente qualidade com apenas uma pulverização à base de cobre”, assegura.

Depois de amassar a uva manualmente, o suco (mosto) “descansa” por quatro dias. Em seguida, é transferido de tonel e fica por mais uns dois meses em processo de fermentação e decantação. Só é engarrafado por ocasião da venda. Não tem embalagem nem rótulos próprios.

A diferença entre um vinho seco e o suave, esclarece Sírio, fica por conta da quantidade de açúcar que conserva após o processo de fermentação. Mais açúcar resulta em vinho suave e menos açúcar, em seco.

Tradição

A família Meneghel veio para o Brasil há mais de um século, conta Victório. “Com menos de sete anos eu já ajudava meu avô a fazer vinho. Naquele tempo, ele mandava as crianças se lavarem bem e a gente amassava a uva com os pés”.

Pequenos detalhes influem na qualidade do vinho, ensina Victório. “E não é só cuidado no trato da parreira”. A umidade do ar e até o horário da colheita influem. A vindima tem de ser manual e feita com tesoura para não ofender os frutos. O transporte deve ser feito de forma menos traumática possível, em caixas pequenas. Os frutos feridos devem ser eliminados e os demais, processados imediatamente. Deixar para o outro dia compromete a qualidade da bebida.

“Meu avô era muito cuidadoso com o vinho”, desde a maneira de produzir até a forma de servir, conta Victorio. E descreve um ritual quase místico, que bem retrata o zelo de seus ancestrais com a bebida: “ele dizia que cair raio por perto ou apenas bater nos tonéis estragava a bebida. Comparava com o susto que a gente leva e que agita nosso sangue. Por isso, não deixava ninguém chegar perto dos tonéis”.

Viveiro de mudas

Para o próximo ano, quando já estiver aposentado, Sírio pretende produzir mudas a partir das variedades aclimatadas que tem na chácara. “São ótimas e produtivas. Tem pé que chega a produzir 100 kg por ano”.

Ele ainda alimenta o sonho de formar uma cooperativa ou associação de pequenos produtores de uva e tornar a região um centro vinícola.

Para se informar a respeito, informe-se pelo telefone 14 – 3351.3560.

quinta-feira, 7 de fevereiro de 2008

Turu


A sopa e o caldo com leite de coco

Puxando o turu a gancho, para variar embarco num dos temas do caderno Paladar de hoje (que está ótimo, sobre vinhos de verão e muitos textos do meu amigo Luiz Horta). Já estava pra escrever sobre ele desde que voltei do Marajó. Mas e tempo? Agora, vamos lá, já que tinha tudo pronto, só faltava juntar lé com cré e o empurrão do Paladar. Não fui quem ligou o fogo, mas o prato ainda está quente.

Já há uns 10 anos, quando estive em Soure, na Ilha do Marajó, provei o bicho e gostei. Desta vez, fiz mais. Fui para a cozinha com dona Jerônima (minha amiga e dona da Pousada São Jerônimo, citada no Paladar) tão logo chegou o balde cheinho de turus recém catados. Os moluscos crescem protegidos no interior de madeiras caídas no mangue. E manguezal não falta na fazenda São Jerônimo. Os moluscos são compridos e brancos como tentáculos de lula sem pele e têm consistência de ostras com sabor que também sabem a elas, sendo, no entanto, mais suave, delicado. Quando se mastiga - não gosto de engolir inteiro-, sente-se um certo adocicado alegre. Os catadores costumam comê-los crus ainda no mangue com sal e limão. Muito agreste para o meu gosto. Prefiro comer devagar como se estivesse me deliciando com ostras. Ainda no manguezal, ele é limpo e lavado na água salobra. Tira-se a concha que é uma estrutura pequena, como uma cabeça com dentículos raspadores, afinal, precisam ir escavando túneis na madeira. A tripa é puxada com um pauzinho, quase como limpamos o camarão. O que sobra é 100 % aproveitável.

Os moluscos são assim, delgados e alongados.

Quem é ele?
Embora os turus ou teredos (Teredo sp – são várias espécies deste gênero no Brasil, todos comestíveis) sejam cosmopolitas, preferindo águas mais quentes, não tenho notícias de que sejam consumidos em outros países que não o Brasil e a Austrália (numa tabela de composição australiana o molusco aparece como “mangrove worn”, alimento consumido pelos aborígenes – veja dados lá embaixo). Mas certamente o são, pois chamam a atenção pelos prejuízos que podem causar perfurando o casco de embarcações. São como cupins de madeira molhada.
Valor nutricional
Fora os estragos que pode causar, o turu é um alimento e tanto. Além de ser apreciado como afrodisíaco, de novo como a ostra – não descobri qual substância referenda a fama-, ele é riquíssimo em cálcio, talvez porque tenha que secretar esta substância para “cimentar” o túnel calcário onde se aloja. Só para se ter uma idéia, a ostra tem 6 mg de cálcio/100 g ante 153 mg do turu. O leite, melhor fonte deste mineral, tem 113 mg por 100 g. Sem falar no ferro. Apesar de branquinho como leite, nunca vi alimento algum com tal quantidade de ferro - 55 mg por 100 g (o fígado de boi cozido tem 6,29 mg/100 g). Se a tabela está certa e me pareceu fonte segura, que botem turu na merenda escolar para acabar com a anemia infantil. É claro, tem que estudar biodisponibilidade e tal, mas, num primeiro momento, o dado é convidativo. E quer mais? Baixíssimo valor calórico e quase nada de gordura. Idéia para aqueles cardápios do tipo "perca 7 quilos em uma semana" com turu!

RECEITAS COM TURU

Ceviche de turu



Já que todo caboclo marajoara gosta do molusco com sal e limão (a bem da verdade, muita gente no Marajó torce o nariz para o molusco), experimentei deste jeito, mas logo em seguida já pensei num prato como ceviche. Fiz com o que tinha às mãos. Piquei turu, temperei com sal, azeite, cebola roxa, pimenta-de-cheiro, coentro, limão e limão-de-caiena (Averrhoa bilimbi Linn.), azedo como um limão de verdade. Não medi quantidade, mas pode usar qualquer receita de ceviche, que dá certo. Por acaso estava na pousada um amigo da família que dizem ser especialista em turu. E foi aprovadíssimo por ele. Não sobrou turu para contar história.

As receitas abaixo são da dona Jerônima Brito:

Caldo de turu simples

Separe 1 litro de turu e corte em pedaços de 2 centímetros. Tempere com sal e espere 5 minutos. Enquanto isso, refogue num pouco de óleo 2 dentes de alho bem socados, meia cebola cortada em quadradinhos e 1 folha grande de cipó-alho. Junte 1 pitada de pimenta-do-reino com cominho e 2 xícaras de água. Quando ferver, junte o turu e cozinhe por 1 minuto (no máximo 2, para não ficar borrachento). Desligue o fogo e acrescente um fio de azeite de oliva e cheiro-verde a gosto (chicória-do-pará, alfavaca e coentro).

Rende: 6 porções

Caldo de turu no leite de coco

Separe 1 litro de turu e corte em pedaços de 2 centímetros. Tempere com sal e espere 5 minutos. Enquanto isso, refogue num pouco de óleo 2 dentes de alho bem socados, meia cebola cortada em quadradinhos e 1 folha grande de cipó-alho. Junte 1 pitada de pimenta-do-reino com cominho e 2 xícaras de leite de coco de verdade – não industrializado. Para não talhar, mexa devagar até ferver. Junte o turu e cozinhe por 1 minuto (no máximo 2, para não ficar borrachento). Desligue o fogo e acrescente cheiro-verde a gosto (chicória-do-pará, alfavaca e coentro).

Rende: 6 porções

Sopa de turu



Separe 1 litro de turu e corte em pedaços de 2 centímetros. Tempere com sal e espere 5 minutos. Enquanto isso, refogue num pouco de óleo 2 dentes de alho bem socados, meia cebola roxa cortada em quadradinhos e 1 folha grande de cipó-alho. Junte 1 pitada de pimenta-do-reino com cominho e 2 xícaras de água. Quando a água ferver, junte o turu, 1 tomate cortado miudinho e 3 pimentas doces verdes, picadas. Tampe e cozinhe por 2 minutos. Desligue o fogo e acrescente folhinhas de manjericão e um fio de azeite. Se quiser, use os cheiros típicos: chicória-do-pará, alfavaca e coentro.

Rende: 6 porções

Abafadinho de turu
Separe 1 litro de turu e corte em pedaços de 2 centímetros. Tempere com sal e espere 5 minutos. Numa frigideira, refogue num pouco de azeite 2 dentes de alho bem socados, meia cebola cortada em quadradinhos. Junte o turu escorrido e 1 pitada de pimenta-do-reino com cominho. Tampe e cozinhe por 2 minutos. Na hora de servir, junte cheiros à vontade.

Turu à milanesa
Corte os turus do tamanho que quiser, passe na farinha de trigo, no ovo e na farinha de rosca. Frite até ficar crocante. Se quiser, passe apenas na farinha de trigo e frite. Ou misture queijo ralado à farinha de rosca.

Para saber mais

Composição nutricional em 100 g de Teredo sp (mangrove worm ou shipworm)

Description: Wild harvested Australian indigenous food.
Group: Indigenous Foods
Derivation: Analysed
Sampling Details: Sample collected in the wild prior to 1990.
Reference: Brand Miller, J., James, K.W. and Maggiore, P. (1993) Tables of Composition of Australian Aboriginal Foods. Canberra: Aboriginal Studies Press.
Edible Portion: 100%

Calorias – 24
Proteínas – 4,4 g
Gordura – 0,7 g
Cálcio – 153 mg
Cobre – 0,20 mg
Ferro – 55 mg
Magnésio – 71 mg
Potássio – 117 mg
Sódio – 229 mg
Zinco – 0,4 mg
Tiamina (vit. B1) – 0,04 mg
Riboflavina (Vit. B2) – 0,25 mg
Vitamina C – 3 mg
Veja também:
Tabela de composição de alimentos autralianos
Sobre frutos do mangue: Ong Novos Curupiras