sexta-feira, 30 de maio de 2008

É tempo de uva japonesa





Numa praça aqui do meu bairro descobri uma árvore de uva japonesa (Hovenia dulcis) carregada. No sítio elas já estão secando. No Parque do Ibirapuera também está lá uma árvore frondosa e pesada destes frutinhos doces e crocantes com gosto de uvas passas (da Thompson), peras, maçãs, em forma de ideogramas japoneses. Pouca gente os percebe por causa da cor marrom discreta que os fazem mimetizados entre os galhos mais secos. E, para completar, os frutos costumam estar no alto, longe da nossa visão, afinal a árvore pode crescer até 8 metros. Lá em Fartura, a árvore de uns 3 anos lançou galhos pesados de frutos encostados ao chão.

A planta é muito bem adaptada nos países de clima tropical, mas a uva que chamamos de japonesa não é uva nem japonesa. Veio das zonas úmidas e montanhosas da China. Só em 1820 ela foi introduzida no Ocidente. Por aqui, não pegou, embora tenha um potencial enorme.

Para sermos bem corretos em botânica, não poderíamos chamá-lo de fruto porque seus frutos são as vagens com as sementes que ficam anexadas nas extremidades, em forma de bolinhas não comestíveis. O que chamamos de fruto são os pedúnculos gordinhos e suculentos. Mas o que importa é o uso que damos a eles – como uvas passas ou frutas picadas vão bem em tortas, bolos, recheios, saladas e o que a imaginação puder criar com qualquer coisa parecida com frutas docinhas e crocantes. Imaturos são muito tânicos, mas quando ganham cor marrom avermelhada, murcham ligeiramente e até caem ao chão, aí sim estão super docinhos.

Não sei onde, mas acho que já vi venderem destas frutinhas por aí. Enquanto não acha pra comprar, fique de olho nas praças.

Duas idéias bem bobinhas, mas perfeitas para aproveitá-las:





Torta de banana como uva japonesa


Massa (minimamente adaptada da massa aerada do livro Bolos e Tortas, da Coleção Time Life)

250 g de farinha de trigo
1 colher (sopa) de açúcar
½ colher (chá) de sal
150 g de manteiga em temperatura ambiente
1 ovo inteiro

Recheio
10 bananas em rodelas ou o suficiente para cobrir a torta
1 xícara de uvas japonesas picadas
Suco de um limão
2 colheres (sopa) de açúcar misturadas com 1 colher (sopa) de canela

Faça a massa, peneirando sobre uma tigela a farinha de trigo, o açúcar e o sal. No meio, faça uma cova e junte a manteiga e o ovo. Com um garfo ou com a ponta dos dedos, vá misturando a farinha com a manteiga e o ovo. Quando obter uma massa farofenta, junte uma ou duas colheres (sopa) de água, gota a gota, e vá amassano com as mãos só até conseguir formar uma massa homogênea. Embrulhe em filme plástico e guarde na geladeira por 30 minutos.

Forre com a massa uma forma grande de fundo desmontável ou outras menores. Espalhe no fundo farinha de rosca (para absorver o caldo da banana) e forre com rodelas de banana alternadas com uva japonesa. Esprema suco de limão sobre as bananas e polvilhe com açúcar e canela. Leve ao forno médio (180 graus) por cerca de 1 hora ou até as bordas da torta começarem a dourar.

Rende: 14 fatias ou 14 tortinhas




Inclua em saladas. Esta levou folhas, tomate, salsão e molho com mostarda. Acho que vai bem ainda em saladas com repolho, cenoura ralada e um molho leve de iogurte ou maionese. Ou em qualquer outra que levaria uvas passas e/ou maçãs e/ou peras.


quinta-feira, 29 de maio de 2008

Produto da estação: mangarito


Já falei do mangarito há um ano. Saiba mais sobre ele aqui.

Ontem acabei usando o mangarito do sítio por acaso. Tinha só duas postas de cação e precisei fazer render. Dei uma cara européia a ele juntando azeitonas, páprica defumada, cebolas, tomates, umas favas orgânicas que comprei em Fartura e, como se fossem batatas, umas bolinhas de mangarito. E não é que ficou bom?

Cação com favas e mangaritos
Aferventei por 1 minuto uns 10 mangaritos, escorri e fui puxando a película de cada um com os dedos, até que ficassem peladinhos. Tirei a pele de umas favas frescas, cerca de ¼ de xícara, que havia cozido por meia hora. Cortei em pedaços menores, para render, duas postas de cação e temperei com sal, alho e pimenta-do-reino. Deixei pegar gosto por 20 minutos. Numa panela, aqueci umas 2 colheres (sopa) de azeite, juntei 2 cebolas pequenas cortadas em pétalas e fatias finas de alho e esperei dourar. Juntei 1 colher (chá) de páprica doce defumada (se não tiver, junte colorau), 2 tomates bem maduros pequenos, picados, 1 pimentão verde pequeno e uma pitada de sal (lembre-se que já tem sal no peixe). Refoguei, mexendo, por um minuto, juntei ½ xícara de água, tampei e deixei cozinhar por 5 minutos. Juntei o peixe, o mangarito e as favas, sem mexer. Tampei e deixei cozinhar por 7 minutos. No final, provei o caldo (juntaria mais sal se fosse preciso), coloquei umas 5 azeitonas pretas que davam sopa na geladeira e juntei umas folhinhas de alfavaca. Desliguei o fogo e deixei a panela tampada até a hora de servir (em seguidinha). Com arroz branco fumegante. Fiz render 4 porções (alguém comeu 2 azeitonas....)


Dica: os mangaritos têm textura cremosa, muito delicada e ficam deliciosos também em purês, sopas cremosas, pães e em quase tudo o que se pode fazer com batatas. E as folhas verdes também se comem como as couves. Para saber se é hora de colher as batatinhas, é só ver se as folhas já estão ficando feias, murchas e amarelas.

Rocambole da dona Angelina



Talvez a ninguém mais interesse esta receita que às minhas irmãs, pois faz parte da nossa memória afetiva de uma infância recheada de comida gostosa, mas também de alguns mitos. Dona Angelina com sua receita de rocambole era um deles. Uma dama das mais requintadas que morava num morro da periferia, tinha uma casa bonita com móveis clássicos e reluzentes de madeira escura, toalhas de crochê engomadas, tapetes fofos e pano de linho branco para deitarem os cachorros, tratados a cremes cheirosos. Não tinha filhos. Os cabelos uniformemente brancos eram azuis de anil bem aparados e ela estava sempre bem vestida e adornada com brincos e colar. Eu lá hoje talvez não achasse nada disto e também não estou com disposição para checar com minha mãe e, quem sabe, desmontar a fábula. Fica o que ficou. Só queria a receita.
Meus pais alugavam o cafofo vizinho à casa do casal. Foi dona Angelina quem comprou na feira um frango de granja quando viu minha mãe grávida no quintal chorando desacorçoada lágrimas de menina grávida com desejo do franguinho caipira, do sitio farto e do pai, que deixou pra trás ao se casar e vir tentar a sorte na aspereza da cidade grande. O frango pálido, cozido em espiriteira, atenuou a vontade, mas a saudade dos pais de uma e a falta de filhos da outra, fez com que a jovem e a senhora se apegassem com amor fraternal. Com ela minha mãe aprendeu a lidar com as coisas urbanas.
Logo os dois jovens juntaram seus caraminguás, compraram um terreno e construiram um casa no mesmo bairro, morro abaixo. Quando me dei por gente, o nome da mulher já era só uma citação. Conheci-a de longe, ela descendo ou subindo a ladeira. Pois as duas ficaram sete anos sem se falar. Dona Gilina, dizia minha mãe (só bem mais tarde descobri o nome certo), era a mulher mais limpa da face da terra, inspiração para nos obrigar toda semana a limpar o chão com palha de aço, passar cera de joelhos e a dar lustro nos tacos com escovão, além de outras tarefas árduas como arear o alumínio até virar prata para secar ao sol. Era um tal de dizer faça de novo, imagine se a dona Gilina visse isto, este chão está brilhando como a casa da dona Gilina ou nem os cachorros da dona Gilina achariam isto limpo, que a mulher não saía nunca da nossa casa. Era dona Gilina pra cá, dona Gilina pra lá. E tudo era dito com certa melancolia, pois a amizade tinha ficado na barraca de frutas do passado. Haviam rompido por causa de uma mexerica polcã, recém-surgida nas feiras. As duas se encontraram na banca de laranjas e uma disse que aquela tangerina era uma verdadeira enganação, que era casca grossa e ar, ao que a outra discordou. Não sei quem falou uma coisa e outra. Só sei que romperam relações. Um dia, não me lembro porque, eu já era grandinha, as duas reataram e foi uma alegria ter a fada por perto. Ela sempre passava perto de casa para ir à feira das terças e muitas vezes eu a ajudava a puxar o carrinho cheio de mexericas pelas ruas íngremes. Num dos meus aniversários ela me gratificou com uma corrente cor de ouro com pingente de chifrinho imitando marfim e um anel brilhante de pedra de plástico verde-limão. Amei ganhar presente sem utilidade aparente, que não era roupa.
Na presença ou na ausência da amizade das duas, nosso lanche da tarde era pontualmente às 15 horas - como o da dona Gilina, que tomava chá com limão e biscoitos com geléia todos os dias no mesmo horário. E de quando em quando nossa broa de fubá ou bolinho de chuva davam lugar ao rocambole aprendido com a dona Angelina, para acompanhar o chá mate ou chá de chocolate bem docinho. E a lenda sentava-se conosco. A vida era boa. Minha mãe visitou até há pouco tempo a mulher que padeceu sozinha, viúva, sem cachorros ou receitas de rocamboles num asilo por coincidência perto de Fartura.

Não me lembro de tê-lo comido no lanche da tarde depois dos 14 anos, quando comecei a trabalhar. Desta vez, em Fartura, pedi à minha mãe que fizesse, aproveitando as bananas e o meu desejo de registrar, mais pela carga de significados destes sabores esquecidos – embora seja uma delícia com chá, vinho de sobremesa ou com uma bola de sorvete. Fiquei sabendo coisas novas como a de que o recheio pode ser feito também com amendoim triturado e adoçado e que nunca levou canela, embora fosse dela o cheiro que me vinha na lembrança.

O recheio tem ser cremoso, mas não mole, para não vazar

O pano ajuda a enrolar


Rocambole da dona Angelina

Recheio
4 bananas grandes amassadas ou picadas
2 maçãs vermelhas médias, sem pele, picadas
½ xícara de açúcar (90 g)

Massa
4 xícaras de farinha de trigo (480 g) ou mais, se necessário
1,5 xícara de açúcar (270 g)
1 colher (sopa) de fermento químico
1 colher (café) de sal
6 ovos pequenos (300 g)
Raspas de um limão
1/2 xícara de manteiga sem sal em temperatura ambiente (100 g)

Cobertura
2 colheres (sopa) de açúcar cristal
Água ou suco de limão

Recheio: numa panela misture a banana, a maçã e o açúcar e leve ao fogo, mexendo sempre para não grudar no fundo, até adquirir consistência pastosa. Não pode ficar molengo. Deixe esfriar.

Massa: sobre uma tigela, peneire a farinha, o açúcar, o fermento e o sal. Junte os ovos, a manteiga e as raspas de limão e mexa primeiro com uma colher de pau e depois com as mãos, só para misturar, até formar uma massa homogênea. Se precisar, junte um pouco mais de farinha, mas a massa não deve ser nem dura nem elástica, mas macia e flexível. Faça uma bola, divida em duas partes e, com um rolo de macarrão, abra cada uma delas sobre um pano limpo e enfarinhado, até formar um retângulo de 30 por 17 centímetros. Se for preciso, polvilhe farinha no rolo.

Divida o recheio em dois e espalhe-o sobre as massas, deixando uma pequena borda. Vá levantando o pano, para enrolar a massa como um rocambole. Coloque numa forma untada e enfarinhada, com a emenda virada para baixo e leve ao forno médio. Quando começar a dourar, depois de uns 30 minutos, pincele por cima a cobertura (o açúcar umedecido com o líquido) e deixe corar mais um pouco. Corte em fatias ainda morno e sirva frio.

Rende: cerca de 40 fatias

Dica: ele fica bem crocante e sequinho, de modo que pode ser guardado num vidro por alguns dias – a dona Angelina guardava numa lata.

quarta-feira, 28 de maio de 2008

Tempo de exagero ou a ditadura do recheio

Fotos: Tarsila Rigo
CHEESE-TUDO (X-TUDO) E UM POUCO MAIS - pão de hambúrguer com recheio de churrasco de patinho, hambúrguer de carne, hambúrguer de frango, linguiça calabresa, bacon, queijo, pão de forma, alface, tomate, ovo frito e molhos à vontade.



Adoçante pro cafezinho
Gostava do tempo em que ninguém tinha medo dos bons carboidratos e proteínas e gorduras eram consumidos com moderação. E sanduíche era composto de um bom naco de pão com algum recheio protéico (um bife, uma linguiça, um ovo frito, um pedaço de queijo ou umas fatias de embutidos) além dos adereços clássicos como folhas, mostardas e até um pitada de maionese, vá lá. Para mim, o sanduíche ideal é aquele que possa substituir um prato de comida e ser comido com as mãos, sem malabarismos. E que numa só bocada se possa alcançar as duas bandas do pão pressionando uma camada fina e imóvel de recheio. Sem que escape maionese de um lado, katchup de outro e anomalias por cima e por baixo. Não sei se começou com a aberração de se meter 300 g de mortadela no meio de um pão francês, e São Paulo tem disto. Pode ser a melhor Ceratti ou o escambau, isto não é humano. Só sei que tenho visto por aí combinações grotescas. Na última ida a Fartura paramos no posto Rodoserv, na Rodovia Castelo Branco. Enquanto tomávamos um café com pão de queijo, vimos passar uma garçonete apreensiva se equilibrando para não deixar tombar o sanduíche em forma de um prédio disforme. Fora de brincadeira, ela tinha que segurar a bandeja por baixo e o topo do edifício-sanduba por cima. Supliquei para a cara-de-pau da minha sobrinha Tarsila ir à mesa do comilão e, com a delicadeza que lhe é própria, pedir permissão para a foto. Aí está. Até pão de forma tinha no recheio. Ui.

terça-feira, 27 de maio de 2008

É tempo de hibisco ... de novo


A flor cai depois de fecundada. O fruto cresce e seca com as sementes, enquanto o cálice (ou sépala) avermelhado se espessa - é isto que comemos.

Já falei de hibisco aqui e aqui. De novo é tempo dele. Caruru-azedo, quiabo-roxo, quiabo-róseo ou simplesmente Hibiscus sabdariffa L.. Os mexicanos o chamam de flor da Jamaica e os franceses, de roselle. Não tem nada a ver com as groselhas, frutinhos redondos, em cachos, vermelhos. Mas talvez a similitude com roselle levou a nomes como rosélia e, finalmente, a groselha - já vi escrito assim em hortifrutis. Também não tem nada que ver com ameixas, embora japoneses o chamem de umê, pois pode ser feito em conserva como umeboshis. Quando batido é gosmento como o quiabo. Aliás, são da mesma família, originários da África. Por isto, a melhor maneira de fazer suco com ele é cozinhando ou picando para liberar a cor, mas não a baba (a acidez mais o calor cortam qualquer intenção babenta). Para geléia com pedaços, pode ser triturado ligeiramente ou picado. Para geléias límpidas, o melhor é usar a infusão combinada com suco de maçã. As folhas azedinhas também podem ser usadas como verdura. No Maranhão, é chamada de vinagreira e entra no Cuxá, prato que combina as folhas com camarões secos, gergelim e farinha de mandioca e é servido com arroz.

No Clube da Cidade (Pelezão, aqui na City Lapa) há dezenas de pés carregados espalhados pela trilha de caminhada. E em Fartura um só pé produziu o suficiente para muita coisa. Aqui vão algumas idéias:

Para descartar o fruto com as sementes, é só cortar a base e empurrar com o dedo ou com a própria ponta da faca.
Para desidratar: tirei o miolo com as sementes – é só cortar o fundinho e empurrar o fruto seco central (só descobri isto ao caso há pouco tempo e me parece a forma mais óbvia), lavei bem, sequei com pano limpo e espalhei numa peneira. Cobri com tule e coloquei sob sol - no final do dia, tem que recolher por causa do sereno. Quando saí de lá, ainda não estavam prontos. Mas agorinha meu pai disse que já estão guardados num vidro. Cinco dias no sol.


Para fazer chá de hibisco: coloquei numa chaleira 1 litro de água, 5 ou 6 hibiscos frescos (em lojas de especiárias há deles secos), sem sementes, umas 3 rodelas de maçã, um pau de canela e dois cravinhos. É só levar para ferver por 3 minutos ou até o pigmento ser todo liberado (os frutos devem ficar esbranquiçados). Adoce se quiser. Tome quente ou frio (gelado, numa taça de vinho) ou use para fazer reduções, gelatinas, sorbet, sugoli, sagu ou para reduzir o álcool do vinho-quente.

Muito melhor que aquelas caixinhas com pó artificial.
Para fazer sagu de hibisco: levei o chá para ferver, juntei ½ xícara de bolinhas de sagu e mexi delicadamente, só para evitar que fiquem grudadas. Deixei cozinhar por uns 30 minutos em fogo baixo ou até que as bolinhas ficassem translúcidas. Juntei ¼ de xícara de açúcar nos últimos 5 minutos e mexi devagar para dissolver. Servi com natas (2 a 3 porções).


Para fazer geléia de hibisco
(ou chimia de hibisco, como se diz lá no Sul): numa tábua piquei grosseiramente 350 g de hibisco bem lavado e sem sementes e coloquei numa panela de inox com 1 xícara (180 g) de açúcar. Mexi para dissolver o açúcar e cozinhei em fogo baixo até virar um doce cremoso e começar a soltar do fundo (cerca de 15 minutos). Sirva com torradinhas ou use para fazer sorvetes ou batidas com saquê (testei só por brincadeira e deu muito certo).


Batida de hibisco
: use açúcar, hibiscos frescos picados, bastante gelo e saquê ou cachaça para completar. Mas, se quiser, faça como eu: coloquei 1 colher (sopa) da geléiade hibisco no fundo do copo, juntei um pouco da bebida e misturei para dissolver. Enchi o copo com gelo e completei com a bebida escolhida. Ficou gostoso, ligeiramente ácido, doce, refrescante e com uma cor linda.


No México este hibisco comestível é chamado de flor de jamaica. É que esta variedade, diferente dos tipos ornamentais, tem os cálices ou sépalas da flor espessos e são estas as partes úteis. A próxima receita, traduzida do livro Sazones de México, de Marilyn Tausend, não testei, mas não tem como dar errado. Por isto, transcrevo-a com segurança aqui:

Água de Jamaica: numa panela cozinhe por 5 minutos 1,5 litro de água e 2 xícaras de hibiscos secos (185 g). Se quiser, junte a casca de 1 laranja para cozinhar junto. Passe para uma jarra refratária, junte 1/2 xícara de açúcar ou 185 g de mel. Mexa bem. Depois de resfriado por 10 minutos, junte 2 colheres (sopa) de suco de limão. Junte mais açúcar ou mel, se julgar necessário (lembre-se que este suco será diluído - nota minha). Tampe e refrigere por até 3 dias. Na hora de servir, dilua a gosto o suco com água mineral com ou sem gás ou com suco de laranja. Sirva em copos altos com bastante gelo e rodelas de limão.

segunda-feira, 26 de maio de 2008

É tempo de...


Fartura: por enquanto os patos são poupados

Minhas idas a Fartura, nos feriados prolongados, têm servido de um verdadeiro laboratório na cozinha com minha mãe ou no campo com meu pai, que sabem das coisas pela experiência. Não há caderno de dicas ou receitas; é tudo na base da tradição oral e até agora têm funcionado. Mas acho que chegou o tempo de resgatar, padronizar e registrar. Desta vez não freqüentei minha casa que também mantenho lá, nem pra dormir. Levo sempre livros para ler, filmes para ver, trabalhos para escrever, panos para costurar, linhas para crochetar, e tudo volta intacto. Do café da manhã ao jantar, foi o tempo todo na cozinha da dona Olga, em volta do fogão de lenha. Fazendo queijo, limpando frango e cozinhando peru, orelha-de-padre, geléia de hibisco, rocambole de banana, pamonha, polenta com fubá de milho de lá, arroz integral recém-colhido, carne de fumeiro com feijão preto e por aí foi. Só saí de lá para buscar milho, colher cúrcuma e chupar muita mexerica no pé. Sob um céu de azul limpo, ensolarado e meio gelado.


Hibisco, que colhemos para secar e fazer geléia


Banana, que nunca falta e usamos para fazer um rocambole de família, cuja receita virá em breve



Cará-moela ou cará-do-ar (Dioscorea bulbifera), que também tenho no meu quintal aqui em São Paulo. Vou fazer com carne de porco.



Mangarito (Xanthosoma mafaffa Schott), sobre o qual já falei aqui.



Cúrcuma ou açafrão-da-terra, cujas folhas ficam amareladas nesta época. Os tubérculos podem ser arrancados, lavados e usados frescos. Falarei mais dele em breve.


Orelha-de-padre (Lablab purpureus L. Sweet), uma vagem que lembra ervilha-torta, com sabor de infância.


Mexericas de todas as raças, para chupar no pé, fazer suco e geléias


Frango, pato, peru e angola. Alguns destes foram para a panela


Uva japonesa (Hovenia dulcis), para bolos e tortas (a fazer)


Comer coquinho de gabiroba, por pura diversão. Lembra o coco da Bahia


A grumixama florescer


Acordar cedo pra ver o sol secar o orvalho da rosa

quarta-feira, 21 de maio de 2008

Polenta na mesa


Já começo a achar que isto de fato não aconteceu. Que eu não vi, certo dia, numa zapeada pela tv, a cena da Sophia Loren num filme despejando a polenta sobre a mesa e a família comendo ali mesmo. Eu estava saindo e não vi o nome do filme. A cena ficou grudada em mim, mas ninguém até agora me foi capaz de confirmá-la. O moço da videolocadora não agüenta mais procura-la nos filmes com a atriz. Em compensação, tenho visto e revisto ótimas outras situações envolvendo comida com a atriz, que, aliás, a prefiro madura. Mas polenta sulla tavola, que é bom, nada. No sábado estava tentando assistir ao filme Mamma Lucia, em VHS, quando a fita enroscou, esticou e arrebentou. Não tem em dvd, era a única da locadora e ainda assim nem me cobraram multa. Dizeram que vão arrumar. Será que a cena está lá?
No último domingo foi minha grande oportunidade. Antes já tinha tentado fazer para os amigos da Ananda e ela recusou com medo do mico. Desta vez teve a maratona de revezamento aqui em São Paulo e Marcos, corredor animado, organizou um grupo de amigos do aikido para dividir a empreitada. Chegariam aqui com fome de leão e polenta, na mesa ou na travessa, e apesar de rústica, é sempre uma comida fácil, macia, generosa. Uma amiga trouxe a salada; outros, os petiscos, as frutas, as bebidas. Fiz um molho à bolonhesa para a polenta amarela, de sêmola de milho, e outro de cordeiro para a polenta branca.
O preparo começou com a lavagem da mesa, que uso para abrir massas e não era usada há tempos. Na hora combinada, os pernas-bambas chegaram varados pela fome e a polenta foi literalmente à mesa. Alimentou, confortou e divertiu pela performance.

Polenta para um batalhão

6 litros de água
3 colheres (chá) de sal ou a gosto
6 xícaras de sêmola de milho (ou fubá grosso)
6 colheres (sopa) de manteiga

Leve para ferver 5 litros de água com o sal. Quando ferver, mistura a sêmola com a água fria restante e despeje na panela, mexendo com batedor de arame, até virar um mingau. Mexa mais um pouco com colher de pau, tampe a panela, abaixe o fogo e deixe cozinhar por 1 hora. Quando estiver pronta, coloque a manteiga e misture bem. Confira o sal e corrija, se necessário. Deseje sobre a mesa lavada e coloque por cima um molho à base de tomate (com carne moída, cubos de carne, almôndegas ou lingüiças).

Rende: De 20 a 24 pessoas

A receita de polenta branca, já dei aqui:


Comecei lavando a mesa de madeira crua, sem verniz, cera ou selante


A polenta tem que ter consistência de um mingau grosso e não de angu, para não escorrer


Minha fifi Ananda gosta de polenta de qualquer jeito


Ingredientes que usei para o molho: tomate pelado, coxão duro moído, cebolas, pimentas, cenoura, alho, tutano, gordura de costela, bacon, alfavaca e salsa


Para a polenta branca, fiz também um molho de tomate, só que com carne de cordeiro e azeite em vez das gorduras animais

segunda-feira, 19 de maio de 2008

Volto já

Minha máquina pifou. O "homem-do-suporte" a levou para formatar, remendar. Sabe-se lá se volta boa ou sequelada. Esperemos. Quem sabe amanhã estarei de volta. Para falar da chimia de laranjinha kinkan, dos peixes de Porto-Alegre ou da polenta sulla tavola de ontem.

sexta-feira, 16 de maio de 2008

Ma-tcha e o ritual do gesto


Na casa da Maria Helena Guimarães a gente é tratada a pão-de-ló. Vai lá entregar um trabalho e é recebida assim, com ma-tcha e docinho de pêra. Sentei-me à mesa e fui servida por mãos de dama que, num ato de atenção, simplicidade e generosidade, também preparou, ela própria, o chá verde em pó como deve ser - a água, à temperatura certa e os movimentos, precisos. Quase um ritual zen em que cada gesto fazia o sentido.

A água tem que estar a 80 graus numa proporção de 60 ml para dois gramas de pó, para uma porção individual. Para se chegar à temperatura certa, deve-se levar a água a ferver, passar para um tigelinha ou xícara de cerâmica para que a temperatura caia de 100 para 90 graus. Em seguida, para a água perder mais 10 graus e chegar ao ponto desejado, deve-se transferi-la para a xícara onde o chá será servido (tea bowl ou chawan, com uma altura específica e que eu desconheço). Agora é só colocar o pó e bater com uma vassourinha de bambu até a mistura espumar. Serve-se em seguida. Simples assim.
De um folheto trazido pela Maria Helena do Japão. A queda de temperatura a cada mudança de recipiente.
Maria Helena me serviu com cerimônia o chá verde e brilhante de aroma herbáceo acompanhado de um doce de pêra francês, que casou com o amargo adocicado do ma-tcha. Às vezes, mais que o que se come e o que se bebe, os gestos me comovem. Neste caso, ambos me alegraram.
O ma-tcha e equipamentos podem ser encontrados na Loja do Chá.
E o doce de pêra pode ser substituído por marmelada.

quinta-feira, 15 de maio de 2008

Barrigas de freira


Foto do buffet, emprestada pela Nina

Na postagem de terça-feira sobre a degustação de pêssegos na casa da Nina Horta, mencionei os docinhos portugueses chamados de barrigas de freira. No meio da pizza chegou um portador do buffet Ginger trazendo o presente de dia das mães para ela, com cartão carinhoso. A encomenda grande era para uma festa do Ginger - para quem não sabe, além de ser a musa inspiradora de muita gente que escreve, Nina Horta é também dona de Buffet junto com a Andrea Rinzler e capricham nas festas de gente de bom gosto. Mas uma das caixas era presente pra Nina e, de quebra, quem estivesse por coincidência boa do destino lá naquela hora (Dulce, Marcos, Ananda e eu). É claro que ela ficou emocionada e nós, alegres pois teríamos de sobremesa mais que pêssegos de lata. Mas a caixa era grande e não é para se comer muito, de modo que deixamos ainda bastante para o domingo das mães. A Ananda perguntou se podia mastigá-lo, já que é feito com hóstias. De verdade, acho que o biscoitinho fino e branco como papel deve servir apenas para acobertar aquele doce cremoso, doce bem doce, amarelinho, perfumado. E nos inocentar do eventual pecado que é comer itens condenados pela nutrição - gemas e açúcar. Mas é só comer de joelhos, morder em bocadinhos e esperar que derretam na boca. Um ou dois comidos assim não é pecado, não. Chega-se até bem perto do céu.
Veja aqui a Nina falando deles numa crônica e dando endereço de quem faz, no Rio. Hoje já não vêem de taxi, mas chegaram intactos. O preço também não deve ser o mesmo, mas não devem ter aumentado muito. Lá embaixo estão os telefones.
COMER COM DEVOÇÃO
Por: Nina Horta

Só as monjas faziam doces e papeizinhos recortados como os que se usam agora, novamente. Não há festa de casamento sem doces, sem mesa de doces de pegar com a mão, com fôrmas de todos os jeitos. São lembranças das antigas mulheres de convento, que, rezando, recortavam com tesourinha os papéis e embrulhavam os doces, trabalho de chinês com dentista, de tão delicado. Ressuscitaram, andam às soltas em São Paulo, competindo feio com as monjas de antanho, mas num sistema quase industrial.
Temos duas freiras que trabalham para nós, muito malucas, deveriam ser tombadas como as últimas espécies do Brasil. É brincadeira, são doceiras, simplesmente, Mônica e Naná, moram no Rio, fazem barrigas de freira, o nome do doce vem, supostamente, de barriga de freira não tomar sol nunca. As de Copacabana, sabe-se lá. A hóstia é dobrada como um pastel e recheada com doce de ovos, de uma amarelo claro, sombreado pelo marfim da cobertura. Existe mais gente que faz o mesmo doce, portuguesas geralmente. Mas os doces de Mônica e Naná não têm nada a ver com estes que vemos por aí, ou alguma vezes comemos nos restaurantes do Rio. Duram dois dias no máximo, são absolutamente perfeitos, feitos de madrugada e, adivinhem se é possível, trazidos de táxi por uma delas até São Paulo. Não, não é de avião, pois não poderiam vir abraçadas às caixas, é de táxi, mesmo. Chegam aqui lá pelo meio-dia (só atendem a pedidos mínimos de mil doces), preparam as bandejas, asseguram-se que nada quebrou, que vai ser servido naquele dia mesmo, e lá se vão embora no táxi que espera na porta! Já imploramos para que mandassem, de táxi que seja, mas mandassem, nós arrumaríamos as bandejas. São de uma teimosia portuguesa arquetípica, ciosas da excelência. Admiro as duas e dou a São Paulo o nome e telefone, pois não merecem ficar escondidas dos paulistas, e nós ganhando os elogios com a mão do gato. (Mônica e Naná, tel. 0/xx/21/ 2557-4076 ou 0/xx/21/2556-3460). De nós cobram R$ 2,50 por doce, sem embalagem.


Reprodução parcial da crônica publicada no Jornal Folha de São Paulo
Caderno Ilustrada, em 15 de dezembro de 2005




Estes foram pro papo depois da pizza


Olhe o capricho: separados por papéis de seda
Os docinhos podem ser encontrados também nas festas feitas pela Nina e Andrea:
Buffet Ginger
buffetginger@uol.com.br Fone/Fax: 55 11 3816-2612

Porto Alegre, parte 9 – Arroz de carreteiro



Meu fogãozinho de lenha do quintal foi usado aqui só pra fazer tipo: eu cozinhei de verdade no fogão comum.

Pura coincidência: hoje tem arroz de carreteiro no caderno Paladar, do jornal O Estado de São Paulo, com ótimo texto e receita do Dias Lopes. Tudo explicadinho. Nem preciso falar muito aqui. Está tudo lá. Corra à banca.

Mas, sem querer ser oportunista e você pode não acreditar, a receita estava pronta pra hoje. Quem viu o post de ontem, sabe que falei dele. E uma parte da carne seca que usei para o cozido da fronteira foi reservada para a delícia. E falar em Cozidos, eles também estão lá hoje no Paladar, excelente pedida para estes dias geladinhos. Mariângela e Rui (personagens desta minha saga a Porto Alegre), nos levaram para comer churrasco gaúcho com direito a danças típicas e muita carne, é claro. O arroz de carreteiro estava lá, mas, embora tenha degustado um pouco, era muita informação para uma refeição só e achei que merecia testar direito a receita e comer como prato único. Depois de muito pesquisar, aí está minha versão, bem parecida com a do Dias Lopes, porém, em proporções menores, para o tamanho da minha família. Mas também não tem segredo. É charque, cebola e arroz. O floreio brasileirinho fica por conta do verde dos cheiros e do amarelo e branco do ovo cozido que pode ir por cima. A pimenta vermelha foi por minha conta. E ainda peço perdão aos puristas, mas usei Jerked Beef, que não aconselho, embora não tenha feito feio. Se puder, procure um bom charque no Mercado da Lapa ou em qualquer outro mercado popular.

Como Dias Lopes bem explica, é comida de viagem, dos antigos carreteiros ou motoristas de carretas, os carros de boi com rodas de madeira que já circularam um dia pelos pampas gaúchos. Eles andavam cerca de 3 quilômetros por hora e um farnelzinho era providencial aos carreteiros. Todo mundo sabe a quantas andam nossas máquinas potentes e velozes pelas vias de São Paulo. Logo teremos que criar soluções modernas para a boquinha no meio do trânsito que avança mais ou menos à velocidade das carroças. Talvez a prefeitura devesse instalar microondas e fogões elétricos nos acostamentos da Marginal.

Ao que interessa:



Arroz de carreteiro para 3 pessoas


200 g de charque (se for servir como acompanhamento; para prato principal, dobre a quantidade)
1 xícara (200 g) de arroz branco cateto (o da Blue Ville, arroz gaúcho ou para arroz de carreteiro é um cateto macio, excelente – faltou-me no momento)
1 colher (sopa) de óleo
½ cebola pequena, picada
½ cebola dedo de moça sem sementes, picada
Água quente e sal, se necessário
Opcional: cheiro verde e ovo cozido ralado ou esmigalhado

Limpe, tirando gorduras, e pique a carne em cubinhos pequenos. Cubra com água fria e deixe de molho por cerca de 3 ou 4 horas, trocando a água neste período umas 2 ou 3 vezes. Escorra bem.
Numa panela coloque a carne e 1,5 xícara de água (ou mais, se estiver usando o dobro de carne). Leve ao fogo. Quando ferver, abaixe o fogo, tampe a panela e deixe cozinhar lentamente até a carne ficar macia (de meia hora a quarenta minutos). Escorra e reserve a carne e o caldo. Coloque numa panela de ferro o óleo, a cebola e a pimenta e refogue em fogo alto até a cebola murchar. Junte a carne escorrida e frite um pouco até ela começar a dourar. Coloque o arroz lavado e escorrido, refogue, mexendo, até aquecer bem. Complete o caldo da carne reservado com água quente até dar 2 xícaras e despeje no arroz. Prove o sal e corrija, se necessário. Assim que ferver, abaixe o fogo no mínimo, tampe a panela e cozinhe até a água secar e o arroz ficar bem macio - de 15 a 20 minutos. Espalhe por cima cheiro-verde e ovo cozido esmigalhado, a gosto.

Rende: de 3 (prato único) a 4 porções (como acompanhamento)