Hoje tem coluna minha no Paladar. Veja lá no
site do caderno - agora tem lá todo o conteúdo das minhas colunas e dos outros colunistas, tudo reunido de modo a facilitar a consulta. E, claro, está também lá no Estadão impresso. E aqui está:
Batata doce roxa
Depois
de uma reforma da subprefeitura no pequeno espaço ocupado pela horta
comunitária City Lapa, cuidada por um grupo de vizinhos da minha rua no qual me
incluo, acabamos ganhando uma calçada que não existia e uma estreita faixa de
terra entre ela e o meio fio, seguindo o modelo de calçadas verdes proposto
pelo paisagismo original do bairro que hoje é tombado. Como isto aconteceu no
final do outono passado, quando ainda
havia alguma chuva mas uma estiagem
invernal das mais severas já estava à espreita,
resolvemos plantar ali rapidamente uma espécie que logo cobrisse a terra
aproveitando o resquício de umidade.
Mudando
o cenário, na cozinha de casa, algumas
batatas doces no copo com água lançavam suas ramas. Não eram batatas comuns,
mas sim das roxas que havia comprado na feira de orgânicos do Parque da Água
Branca. São batatas raras atualmente,
não encontradas em supermercados ou feiras convencionais. Bem, as ramas já iam grandes, precisando de
ir para a terra.
Então,
voltando à horta, foram estas ramas do
copo que plantamos naquela terra árida. No meio da horta também havia outras
ramas da mesma espécie, que plantamos antes
para crescer como trepadeira e proteger do sol a caixinha de abelhas jataí que
temos ali, e parte delas também foram
usadas. A planta, além de ornamental,
tem folhas novas comestíveis, é bom que se diga.
O
fato é que, sem afofar o solo nem acrescentar qualquer tipo de adubo, fizemos uns anéis com os galhos e enterramos,
deixando algumas folhas pra fora. Em
poucos dias os ramos estavam vistosos. Fomos podando e fazendo mais mudas, de
modo que um mês depois não se via mais o vermelho da terra despida. O inverno chegou, a seca castigou a maioria
das plantas, mas a batata resistiu majestosa.
E a cada mutirão tínhamos de podá-la para não invadir a passagem e o
asfalto. Foram muitas ramas doadas por
aí.
Não
sei se pela poda disciplinadora constante ou se porque era mesmo a ordem
natural das coisas, mas quando decidimos renovar o canteiro há poucos dias levamos
um susto com o tamanho das batatas que foram surgindo à medida em que íamos
tirando o tapete de ramagem. A média foi
de 1 quilo para mais, chegando a 2 quilos cada batata. Foram 35 quilos no total.
Sob
o efeito inebriante da farta colheita, fiquei imaginando todas as calçadas e
quintais de São Paulo com seus gramados substituídos por batatas por baixo,
abóboras por cima, ainda mais num momento de precipitações pluviométricas
instáveis e incertas no campo e toda sorte de suscetibilidades vividas pelos
agricultores – das tradicionais saúvas aos recentes caramujos africanos e
javalis que chegam destruindo tudo.
Muita gente está desistindo de plantar culturas como mandiocas, batatas
doces, milhos e abóboras por causa das constantes perdas especialmente para os
javalis que, mesmo quando não comem tudo, cavoucam e mordem todas as batatas
que conseguem desenterrar – para
escolher a melhor, talvez. O jeito vai
ser diversificar o acesso aos alimentos e garantir que pelo menos parte da
nossa comida seja plantada perto de onde vivemos. E o que tem de espaço para
plantar nesta cidade daria para alimentar muita gente.
Só para não dizer que
não falei da espécie, a planta da batata doce (Ipomoea batatas L), que pode ser branca, amarelada, laranja ou
roxa, pertence à família das Convolvuláceas e não guarda parentesco com as
batatas da família das Solanáceas. Originária da América do Sul e América
Central, é cultivo dos mais antigos - resíduos de variedades desta espécie
foram encontrados no Peru em cavernas no Vale de Chilca Canyon, datadas de mais
de dez mil anos.
Ela já foi
considerada comida de pobre, cultivada apenas por pequenos agricultores e tida
como alimento pesado. É que há em sua composição um inibidor de digestão que
atrapalha o trabalho das enzimas digestivas tripsina e quimiotripsina,
retardando o fluxo, induzindo à fermentação e à formação de gases. Mas é só não
exagerar que nada disso acontece. Como compensação para toda injustiça sofrida ao
longo da história, hoje é o legume querido dos atletas ou de quem queira ganhar
massa muscular de forma saudável, pois além de ser energética, rica em
vitaminas e minerais, também possui baixo índice glicêmico – evita a formação
de pico de insulina, mantendo as reservas energéticas por mais tempo. Que isto
não seja puro modismo.
Talvez seu cultivo
tenha sido deixado de lado por não ser tão doce quanto as brancas, nem tão fácil de lidar como a batata branca -
é que o pigmento escapa para o caldo, tinge todos os outros ingredientes e ainda
pode reagir com meio alcalino e tornar o prato desagradavelmente esverdeado. Porém,
agora a batata roxa é tão bem quista, que quem seguiu plantando não consegue
atender à demanda do varejo. É um ótimo legume para preparos de textura
homogênea como doces em pasta, cremes, sorvetes, mingaus, pães e massas, desde
que não leve bicarbonato. Quanto mais
ácidos os outros componentes da receita, mais atrativa será a sua cor.
A coloração
avermelhada do miolo da batata doce roxa crua se transforma em lindo púrpura
quando o legume é cozido lentamente e se dá pela presença de antocianina, o
mesmo pigmento do vinho tinto, das amoras, jabuticabas etc. que, mais que corante, é um potente antioxidante que previne doenças.
Diferente de outros vegetais que perdem a coloração quando cozidos, esta batata
tem sua cor intensificada com o calor.
O creme com mel de
engenho e licuri a seguir é só uma ideia de uso, mas lembre-se dos doces de
cortar, da linda cor que poderá dar aos seus pães e da provável cara de encanto
das crianças diante de um creme tão gostoso e colorido como o de açaí ou de
frutas roxas.
Veja algumas dicas
para o caso de se deparar com as ditas ou de colher algumas nas calçadas do seu
bairro.
- Guarde as batatas doces em cestas, em
temperatura ambiente. Quando começarem a lançar ramas, tire o pedaço brotado,
plante numa jardineira e use o restante da batata para comer. Para aumentar a
produção de ramas, mergulhe a batata pela metade na água limpa – e troque
sempre, claro.
- Para assar, besunte
a casca com azeite, embrulhe em papel alumínio e deixe no forno a 180 ºC por
cerca de 1 a 1 hora e meia, dependendo do tamanho, e a textura ficará lisa,
úmida e uniformemente púrpura. Tire a pele, esfregando com as mãos e pronto, é
só usar.
- Atenção para não usar bicarbonato em receitas
com a batata doce roxa, ela poderá se transformar em algo oxidado e
desagradável aos olhos.
- Para cozinhar, lave
bem com escova, deixe a pele e corte a batata em pedaços, se for muito grande. Cubra com água fria e
leve ao fogo médio. Deixe cozinhar por cerca de meia hora ou até que amacie. Descarte
a água, espere amornar e tire a pele com as mãos.
- Se tiver muitas batatas, cozinhe, corte em
pedaços menores e congele em aberto. Guarde em recipiente fechado e use os pedaços
individualmente conforme a necessidade (cremes e vitaminas, por exemplo).
- Sirva as batatas cozidas bem quentes com
leite gelado adoçado. Fica muito bom. E as assadas, com manteiga, açúcar mascavo, especiarias ou
amassadas com melado, sal e e
pimentas.
Creme de batata doce roxa com mel de engenho e licuri
500 g de batata doce cozida ou assada½ xícara de kefir ou iogurte natural
4 colheres (sopa) de açúcar mascavo
1 pitada de sal
½ colher (chá) de canela
Para cobrir: manteiga de mel de engenho
2 colheres (sopa) de manteiga
1 colher (sopa) de mel de engenho (melado de cana)
50 g de licuri torrado
Lave
bem as batatas doces , coloque numa panela, cubra com água fria e leve ao fogo
para cozinhar – cerca de meia hora ou até ficarem bem macias. Escorra, tire a pele e amasse bem. Junte o
kefir, o açúcar mascavo, o sal e a canela.
Faça um creme bem liso usando o mixer ou processador. Se precisar, junte mais kefir ou iogurte para
acertar a consistência. Passe para um
prato de servir e faça a manteiga de mel
de engenho: derreta a manteiga, junte o melado, mexa bem para homogeneizar e
desligue o fogo. Despeje ainda quente sobre o creme em temperatura ambiente. Se
precisar guardar o creme, conserve-o na geladeira e só faça a manteiga na hora
de servir, despejando bem quente sobre o creme, para não solidificar. Espalhe por cima o licuri e sirva. Se
preferir, divida o creme em taças individuais.
Rende: de 4 a 6 porções