sexta-feira, 30 de novembro de 2007

Tem asa e bico

Pendurados, os aparadores de panela - mania que descubri na foto.

Minha avó Zefa gostava de pegar seu pitinho de palha, se acocorar ao lado do fogão de lenha e brincar com a gente de jogo de advinha. E repetia mil vezes a mesma charadinha: o que é, o que é: tem asa, bico e só vive debaixo da cama? Quantas vezes ela perguntasse, tantas vezes respondíamos o que ela queria ouvir. Se não, perdia a graça. “Penico!”. “Não, suas bobinhas. Bule!”. “Mas bule não fica debaixo da cama”. E ela prosseguia com falso desdém, para arrancar gargalhadas: “O bule é meu, eu guardo onde quero”.

Os meus bules e chaleiras não estavam debaixo da cama, mas espalhados pela casa, por isto desconhecia minha mais nova coleção. A
Marizé elogiou a chaleirinha que aparece junto do bolo; eu comentei sobre a coleção de pilões, minha e dela, e descobrimos mais afinidades - gostamos também de asas e bicos. Combinamos de postar o que guardávamos em casa. Percebi que eu tinha mais de 3 exemplares de cada. Portanto, já daria para chamar de coleção (por critério próprio e aleatório), mesmo sem nunca ter tido intenção de. Comprei alguns e ganhei outros de amigos, que, como eu, não sabiam da tal coleção. Havia uns no armário, outros debaixo da pia, na despensa, junto das louças, do lugar de guardar café, com a caixinha de chá, em cima do fogão, guardado na caixa, junto das xícaras. Só agora uni a turminha e fiquei assustada com a quantidade. Fora os que tenho na casa do sítio. Tem bule e chaleiras que ganhei da Lia; tem bulinho de inox, presente da Rosa; chaleirinha chinesa que ganhei da Song; chaleira japonesa trazida pela Carmem; bule de loja mequetrefe; chaleira de bazar de usados; e até de família de amigos – os dois bulinhos idênticos de louça são herança de mãe e tia do meu amigo Luiz Horta, que confiou a mim a tarefa de preservá-los. Assim será.
As chaleiras que mais uso são as duas de alumínio. A da esquerda porque tem capacidade de 5 litros e é ótima quando recebemos um monte de gente pra tomar chá, que faço com capim santo do quintal. E a outra de alumínio, da direita, pequena, uso no dia-a-dia para esquentar água para o arroz. A do meio é a de que menos gosto porque fica babando a água que ferve pelo bico e o plástico preto da tampa e alça me irrita. O chodozinho dos bules é o fininho, de inox (junto com os de louça), presente da minha amiga Rosa, de Ribeirão Preto. É feito artesanalmente por um senhor em Brodósqui (a terra do nosso Portinari) – leva um coadorzinho de pano por dentro e o bico tem mini-portinhola. Preciso agora organizar a gaveta de instrumentos. Talvez descubra outras coleções. Aliás, vendo a foto depois de tirada, já descobri uma outra mania: aparadores de panela... Vai ficando velha e cheia de manias.

Enquanto isso... a coleção de pilões não pára de crescer: os dois grandes, de madeira e de mármore, ganhei da Cenia Salles; e o mini de coco foi trazido de São Luiz pela minha amiga Mônica Manir.

quinta-feira, 29 de novembro de 2007

Tiririca é chufa


Carreguei ontem estes dois livrinhos pra reler no ônibus. De vez em quando eu volto neles, pois a cada vez é uma coisa nova que descubro. Agora foi a surpresa de saber que tenho no meu quintal caruru-do-reino (Boussingaultia baselloides) e de que tirica é chufa e chufa é tiririca. No Ervas Comestíveis, de Cida Zurlo e Mizi Brandão, duas biólogas especialistas em botânica e taxonomia vegetal, a erva-daninha mais odiada dos agricultores e de quem preza um gramado monotemático, a tiririca ou Cyperus esculentos, aparece como sendo a mesma chufa que faz aquela horchata deliciosa de sabor amendoado dos espanhóis. Pra dizer a verdade, eu nunca provei. Sempre peço para o meu amigo Luiz Horta trazer alguns tubérculos de suas viagens à Espanha, mas nunca coincide com a safra. E agora vou ficar me comichando de curiosidade até chegar ao sítio em Fartura e sair à caça da iguaria. Está certo que na minha rua há uma praça enorme e certamente encontraria a daninha lá. Mas, e a coragem de sair na rua com a enxada no ombro e o embornal atravessado? E pensar que há mais ou menos um mês arranquei do gramado, no muque, uma moita dela! Pelo que li, as bolinhas ficam no final das raízes e certamente se traumatizam e continuam no solo quando a planta é arrancada com violência (como eu iria imaginar que deveria tratar tiriricas com delicadezas?). O negócio é esperar, pois só acredito vendo. Alguém aí já fez horchata de tiririca?
No livro, as autoras dão a receita:

Horchata de tiriricas

250 g de tubérculos de tiririca-amarela secos ou 400 g dos tubérculos torrados
1 litro de água
Mel a gosto

Moa os tubérculos e macere-os em água durante dois dias (caso estejam secos) ou durante algumas horas (caso estejam frescos). Coe, para eliminar a parte fibrosa. Junte água suficiente para completar 1 litro. Adoce a bebida com mel. Leve à geladeira e utilize como refresco.
Fonte:
As Ervas Comestíveis, de Cida Zurlo e Mitzi Brandão – Publicações Globo Rural

Na dúvida, fiquem com a Horchata de arroz da Agdah.

Cozinha da Rita

A festa da Rita estava ótima, com torta de palmito, cuscuz paulista, salmão defumado, saladinhas e molhinhos. Mas a cozinha sempre rouba a cena. O espumante rosé da Salton a la vonté foi o único responsável pela baixa qualidade da foto. Mas, acreditem, esta cozinha é de babar.


Até os aventais são estilosos!

quarta-feira, 28 de novembro de 2007

Petit Comité



Hoje é aniversário da minha amigona Rita Atrib, dona do Buffet Petit Comité, um dos mais bacanas de São Paulo. Ela bola cardápios criativos, deliciosos, modernos e ousados, bem à moda dos bons arquitetos. Durante o ano todo o Petit Comité atende a vários tipos de eventos e é mais conhecido no mundinho da moda e do show business, nos desfiles e bastidores. Quem não tem a sorte de poder se deliciar hoje à noite com as comidinhas e bebidinhas sempre caprichadas da moça, poderá encomendar suas ceias de natal e fim de ano, que são inesquecíveis. A fotinha aí em cima é só uma amostra minúscula. Espiem só o site dela aqui.

Um bolo pra chamar de seu




No domingo fizemos, minha irmã e eu, um bazar de sacolas de pano aqui em casa, com bolo e chá. E, para deixar o trabalho adiantado caso faltasse bolo, pré-aprontei, numa linha de produção, várias misturas secas para um bolo de fubá. Na hora da correria era só pedir pra qualquer ser, mesmo o mais inapto na cozinha: vá lá e prepare um bolo. Não tem erro, é só juntar tudo com óleo, leite e ovos e misturar bem. Sem muita sujeira, sem muitos itens pra pegar. O resultado não chega a ser aquela fofura dos bolos feitos com manteigas aeradas e claras em neve, mas fica bem gostoso macio. Uma relação custo/benefício bem favorável.
Todo mundo tem aquela receita de bolo que dá super certo, seja integral, de chocolate, de aveia. É só juntar todos os ingredientes secos e guardar em saquinhos de plástico ou de papel bem fechados, por até 1 mês (ou limitando-se pelo prazo de validade dos ingredientes). Na hora de preparar, basta adicionar o líquido, ovo e gordura e misturar. No dia-a-dia facilita a vida. Um lanche, uma visita inesperada, uma base para as bananas que amadurecem na fruteira – para tudo isto valem estas misturas. E, no preço, é claro, nem precisa comparar com as caixinhas de supermercado (sem falar dos aditivos).


Na hora de preparar, colher, mixer, batedor de arame, batedeira - qualquer coisa que deixe a massa lisinha.

Se não tiver sua própria receita, aqui dou a minha, bem comunzinha, de um caderno de família:

Bolo de fubá
Juntei em cada saquinho: 1 xícara de fubá amarelo, 1 xícara de farinha, 1 xícara de açúcar, 1 colher (café) de sal e ½ colher (sopa) de fermento (usei medida padronizada com volume de 240 ml).
Na hora de preparar: coloque numa tigela 2 ovos inteiros, ½ xícara de óleo e 1 xícara de leite. Mexa bem e junte a mistura do saquinho (se achar que precisa, peneire). Bata com colher de pau, mixer, batedor de arame ou batedeira, até a massa ficar homogênea. Se quiser, junte 1 colher (chá) de grãos de erva-doce. Coloque numa forma pequena de buraco no meio e leve para assar em forno médio por cerca de meia hora ou até crescer e dourar (um pouquinho de queijo ralado polvilhado por cima vai bem).
Obs.: se não pretende usar mixer, já pode deixar as sementinhas de erva-doce na mistura.
Esta massa é densa, então pode receber pedacinhos de queijo e/ou de goiabada - na hora de fazer.
Rende: 20 pedaços
Este poderia ter sido assado um pouco menos.

terça-feira, 27 de novembro de 2007

Temporada de pequi


De trás pra frente: o fruto cortado, o caroço inteiro e
partido do meio, que mostra a polpa comestível (camada externa mais escura) e a castanha branca, no centro.
Ao redor do Mercado da Lapa, aqui em São Paulo, há sempre um comerciozinho informal de coisas da terra: são carriolas com feijão de corda verde, mandiocas amarelas e produtos sazonais como umbu e os deliciosos pequis. Sempre nesta época de chuva, que é o tempo deles, compro os pequis para conservar no freezer para a entressafra. Eles congelam muito bem. O cheiro é frutado, lembra maracujá, e a polpa, cremosa, saborosa. Uma das melhores invenções da natureza. Dos caroços cozidos no arroz ou no frango, inteiros, dá pra ir raspando o molinho com os dentes (não é coisa que se coma de garfo e faca) até chegar à camada mais dura. Aí é que mora o perigo, pois há uma infinidade de espinhos soltos e doidos pra grudar no céu da boca dos desavisados. Mas é só ir roendo com cuidado e não insistir quando encontrar resistência. Enquanto a polpa está macia, você está num campo seguro. Quando a coisa endurece é hora de parar. A foto mostra a parte comestível, bem fininha – a camada superficial de tonalidade mais forte. Dentro, depois dos espinhos, há uma castanha deliciosa, já explorada comercialmente. Sinceramente não sei como extraí-la e cortar o caroço ao meio não é pra qualquer faca. Trouxe um pouco das amêndoas de Brasília e aproveito para reproduzir aqui o texto do jornalista Jaime Gesisky, do Instituto Sociedade, População e Natureza, que conheci no Terra Madre, em que explica sobre o pequi e o trabalho da Ong.
Olá, Neide.
Nos falamos no Terra Madre e eu fiquei de lhe enviar a história dos catadores de pequi do norte de Minas, que estão exportando a produção para outros estados e até para Nova Iorque. Segue abaixo com nos nossos contatos. Espero que você tenha aproveitado o encontro em Brasília.
Abração.
Jaime Gesisky
Pequi vira ouro nas mãos de extrativistas do norte de Minas Gerais

Fruta típica do Cerrado, de cor amarelo-ouro e considerada uma iguaria gastronômica, o pequi está mudando a vida dos extrativistas do município de Japonvar, a cem quilômetros de Montes Claros, no norte de Minas Gerais. Apreciado ancestralmente pelos habitantes da região, o pequi conquista paladares sofisticados no Brasil e já começa a fazer carreira fora do Brasil. O pequi do Norte de Minas está sendo vendido em centros cosmopolitas, como Nova Iorque, nos Estados Unidos.

De Japonvar, sairão este ano cerca de 15 toneladas de pequi; dois mil litros de óleo da fruta e 600 quilos de castanha-de-pequi beneficiados pela Cooperativa dos Pequenos Produtores Rurais e Catadores de Pequi de Japonvar (Cooperjap). Parte da produção deverá ser exportada. O restante será comercializado aqui mesmo, garantido renda média de R$ 400 para cada um dos 200 cooperados. “Estamos melhorando de vida”, disse o produtor José Antônio Alves dos Santos, presidente da cooperativa.
Na safra, que acontece no período das chuvas (novembro a fevereiro), a coleta do pequi emprega cerca de cinco mil pessoas e movimenta quase um milhão de reais. É significativo para a economia de um município de pouco menos de nove mil habitantes em uma das regiões com menor Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) do país. Fora da safra, a comunidade coleta e beneficia outros frutos nativos: umbu, araticum, buriti, mangaba e caju.
Além do sucesso nas vendas, a história da Cooperjap tem contornos ambientalmente corretos. O pequi é coletado de tal modo que não compromete a sobrevivência das árvores. Os frutos são colhidos somente na época certa e as matas nativas são preservadas pela comunidade que se beneficia da biodiversidade local. É um círculo virtuoso.
O pequi é considerado pelos nutricionistas como um alimento funcional. De acordo com estudos da Embrapa, em cada 100 gramas de pequi, existem dois gramas de proteína, sete miligramas de caroteno e 79 miligramas de vitamina C. Devido às suas propriedades antioxidantes, o fruto começa a ser cobiçado também pela indústria de cosméticos.
Produtos ecossociais ao alcance dos consumidores
Os recursos para montar a Coperjap vieram do Programa Pequenos Projetos Ecossociais (PPP-ECOS), que financia no Brasil atividades agroextrativistas sustentáveis com recursos do Fundo das Nações Unidas para o Meio Ambiente (GEF). O programa é implementado pela organização não-governamental Instituto Sociedade, População e Natureza (ISPN).
O PPP-ECOS apóia atualmente cerca de cem comunidades nas regiões de Cerrado. São extrativistas, indígenas, quilombolas e pequenos agricultores. As comunidades produzem frutas em conserva, desidratados, doces, licores, farinhas, polpas, castanhas, mel de abelhas nativas e artesanato.
Os produtos podem ser adquiridos por meio da Central do Cerrado, uma rede de apoiada pelo ISPN criada para estabelecer o elo entre a comunidade e os mercados interno e externo. A venda do pequi do Norte de Minas para os Estados Unidos é um exemplo do papel da rede na organização do comércio para as comunidades. O objetivo da rede é tornar os produtos acessíveis aos consumidores conscientes, que querem alimentos saudáveis e que são obtidos por meio de processos ambientalmente corretos e socialmente justos.
Jaime Gesisky
Telefone da Cooperjap:
38 3231 9310

segunda-feira, 26 de novembro de 2007

Batatas com folhas de feno-grego


A foto poderia ter ficado melhor, mas e a pressa de comer?

Outro dia mesmo fiquei babando por uma receita da Agdah que levava folhinhas frescas de feno-grego. Nos Estados Unidos deve ser fácil encontrar, mas nunca vi pra vender por aqui, então fui correndo ver se eu ainda tinha as sementinhas para plantá-las, esperar crescer só para usar as folhas. Não tinha mais, droga! Já plantei em Fartura, esperei as folhas secarem para colher as vagens. É dentro dela que se agrupam as sementes achatadas que temperam curries e que a indústria de temperos usa em cubos de caldos de galinha (tanto que já vi em feiras-livres com a plaquinha: caldo de galinha natural)

Da família das leguminosas, a planta Trigonella foenum-graecum é originária do sudeste da Europa e oeste asiático, mas atualmente é cultivado em várias partes do mundo, incluindo Norte da África, Estados Unidos e Índia. As sementinhas contêm alcalóides, principalmente trigonelina e saponinas esteroidais - diosgenina, yamogenina, tigogenina e neotigogenina, responsáveis, segundo estudos recentes, pela diminuição da absorção e síntese de colesterol, e fibras mucilaginosas que podem ajudar no controle dos níveis de açúcar sanguíneo dos diabéticos. Agora, como esses efeitos só são conseguidos quando usados na forma de medicamento, com dosagem controlada, fiquemos com sua faceta lúdica, no prazer do aroma das sementes e no sabor do feno – a folhagem era usada com alimento para gado no segundo século depois de Cristo e os Romanos o chamavam de foenum-graecum porque era o tipo de feno comprado da Grécia como forragem.

No Norte da Índia, junto com cravo, canela, cominho, sementes de coentro, cardamomo e macis torrados e moídos, as sementes fazem parte de muitas variações de masalas. Elas podem ainda ser germinadas e usadas em saladas. E as folhas são usadas na Índia e parte do Oriente Médio como verdura ou tempero – ligeiramente salgado com um fundinho ácido e um quê amargo, tudo banhado de um leve aroma das sementes. Costuma-se combiná-las com legumes amiláceos. Deve ficar bom com mandioca (aipim, macaxeira).

Nunca dei tanta importância para as folhas até ver aquelas batatas. Coincidentemente a Nina Horta veio aqui ontem e me trouxe um saquinho delas secas. Certamente é inferior às frescas - ou não, nunca experimentei, mas as batatas feitas com meio saquinho delas ficaram divinas. Bem, a Agdah criou sua própria receita à partir de duas outras (esta
e aquela). Como é natural em mim, fiz cá também minhas adaptações e cheguei à minhas batatas. Vale como uma idéia, mas se alguém quiser seguir a receita, anotei direitinho.


O presentinho da Nina

Batatas picantes com folhas de feno-grego

Ingredientes
5 batatas médias com casca, bem lavadas e cortadas em pedaços (mais ou menos 2 x 2 centímetros)
1 colher (chá) de sal ou a gosto
1 colher (sopa) de óleo
1 colher (sopa) de manteiga
2 colheres (chá) de grãos de cominho
1 cebola roxa cortada em quadrados
1 dente de alho cortado em fatias
Meia pimenta dedo-de-moça verde picada em rodelas
Meia pimenta dedo-de-moça madura picada em rodelas
1 colher (chá) de cúrcuma (açafrão-da-terra) ou a gosto
1 colher (chá) de açúcar
3 colheres (sopa) de folhas de feno-grego secas (kassori methy) ou 1 maço delas frescas
1 colher (sopa) de gordura de coco

Modo de fazer: cozinhe as batatas numa cesta de vapor (ou na cuscuzeira), polvilhe com sal e cozinhe até ficarem macias, mas firmes. Enquanto isso, numa frigideira aqueça o óleo com a manteiga e toste o cominho até começarem a estourar. Junte a cebola, o alho e as pimentas e deixe dourar um pouco. Adicione a cúrcuma, o açúcar e as folhinhas de feno-grego secas e mexa bem. Ao mesmo tempo, em outra frigideira aqueça a gordura de coco e doure nela as batatas. Despeje na outra frigideira e sacuda bem. Confira o sal e corrija, se necessário. Se quiser, polvilhe pimenta vermelha em pó ou páprica picante.

Rende: 6 porções

sexta-feira, 23 de novembro de 2007

Cupuaçu cheiroso


Da primeira vez que fui à Ilha do Marajó enlouqueci com as frutas da fazenda da Dona Jerônima, mãe da minha amiga Kátia: murici, tucumã, taperebá, bacuri, só pra citar minhas preferidas. Na época, nos informaram que não poderíamos carregar cupuaçu no avião, já não me lembro porquê: se por causa do cheiro forte ou para não disseminar a vassoura-da-bruxa, a peste que devasta as plantações de cacau, da mesma família. Mas, se não me engano, era mesmo por causa do cheiro, pelo menos foi ele que nos causou certa saia justa no avião. Isto me fez lembrar do durião, uma fruta que dá no sudeste da Ásia. Há muitos anos li no jornal que este tal de durião ou durian (Durio zibethinus) fede à fossa, creme de queijo, cebolas e outras iguarias sulfurosas. É considerada a fruta mais fedida do mundo, proibida, em Cingapura, nos metrôs, hotéis e aviões - o piloto poderia passar mal e deixar cair a aeronave. Mas também, a melhor em sabor. Não conheço, mas duvido um pouco que seja assim tão fedida quando eu mesma fantasio. Era assim com a assafétida, aquele tempero indiano. Imaginava-o como um esterco do inferno, até conhecê-la. É parruda, imponente e indispensável na comida indiana e um pouco só fedidinha. Um verdadeiro glutamato hindu pois realça o sabor. Ainda alivia o efeito flatulento das leguminosas (feijões, lentilhas, grão-de-bico, ervilhas). E tem mais, se o cheiro ruim é o anúncio de uma coisa boa, a gente passa a gostarzinho também dele. Eu amo sentir o cheiro do estrume fresco do pasto quando vou chegando ao sítio. Tem gente também que acha jaca fétida.
Mas, voltando ao durião.... Não, ao cupuaçu, avião... Então, mesmo sabendo que não deveríamos levar a bordo o cupuaçu, desobedecemos e o escondemos bem vedado na bagagem de mão. Em certo momento, o cheiro passou do limite do aceitável e ganhava ares de denúncia explícita. Eu olhada com cara de culpada pro Marcos; ele olhava com cara conivente pra mim e nós dois espiávamos discretos a reação dos passageiros que pareciam meio entorpecidos. Nem um risinho de escárnio conseguíamos esboçar. Estávamos realmente preocupados. Só quando o avião pousou, respiramos com desafogo. Ninguém vomitou, a aeromoça não deu pito, o avião não caiu. Todo mundo em pé tirando coisas do bagageiro quando ouvimos um do casal da frente, em segredinho: Égua!, nosso cupuaçu fedeu, hem?! Neste mundo, não estamos só, ufa.

Bem, como já disse, estou esquentando os tamborins para o carimbó do Pará que se aproxima. Não vejo a hora de voltar à Ilha do Marajó, que cheira bem a cupuaçu e no meio de dezembro estarei lá. Encontrei no supermercado a frutona. Muito melhor que a polpa congelada. Dá um pouco de trabalho, mas vale a pena, pois congela bem e pode ser usada a qualquer momento em bolos, cremes, sorvetes e sucos - e tudo o que se pode fazer com ele.

Para tirar a polpa: tem que quebrar o fruto com um martelinho e ir cortando a polpa com uma tesoura. Já tentei várias técnicas, mas a única que funciona é a paciência de ir cortando a polpa, como a uma núvem molhada. Corta três, come um, corta dois, come um... E depois ainda chupa os caroços. O quanto sobrar, embale em saquinhos separados e congele.

quinta-feira, 22 de novembro de 2007

Grumixama



Assim que cheguei em Fartura meu pai tirou do bolso umas frutinhas indignado “olha só o que o abiuzeiro deu”. Ele já tinha me falado desta frutinha que nasce de um pé que lhe venderam por abiu. Mas nunca tinha coincidido minha ida com a frutificação. Ou a gente se esquecia de ir ver no pomar. Desta vez ele colheu antes para me mostrar. Só de ver, já fui palpitando. É cereja-do-rio-grande! Ele disse que não, que eu deveria provar antes de ficar falando tolices. E também, não estava vendo que era mais redondinha? Provei e me surpreendi– não era mesmo a tal cereja. Mas que era parente, disto tinha certeza. Nunca tinha provado algo parecido, perfumada, suculenta, doce, ácida. Ou melhor, tinha sim. Todas as mirtáceas que conheço. O sabor é um verdadeiro blend de várias frutas da família: jabuticaba, feijoa, goiaba, pitanga, araçá, uvaia. Tudo ali, sintetizado numa drupinha do tamanho de uma ponta de dedo. Abiu é bom, mas ela é infinitamente melhor e acho que meu pai saiu no lucro comprando lebre por gato, isto sim. Já fiquei imaginando sucos, geléias, sorvetes, tortas, bolos, xaropes, licores. Só imaginando, pois é claro que corri no pé e o que tinha lá só deu pra consolidar o aprendizado do gosto.
É mais esférica, enquanto a cereja-do-rio-grande é mais ovalada.
O duro foi descobrir o nome da bichinha. Saí em busca de coleções de mirtáceas: camu-camu, jambo, jambolão, jabuticabas, camboins e pitanguinhas. Até que me deparei com a grumixama que conhecia de nome mas ignorava a majestade. Para quem não conhecia, como eu, esta aí apresentada a frutinha nativa e rara - desconheço cultivos comerciais e comercialização. Já vi que vários viveiros vendem a muda. É só tomar cuidado para não levar abiu que, aliás, não tem nada a ver, nem mirtácea é. E aproveitemos, pois lá fora já estão de olho na nossa brasilian cherry, grumix-aneira of Brasil, cerisier du brésil.

quarta-feira, 21 de novembro de 2007

Já que falei de jaca verde



Dizem que quem planta uma jaqueira não come da fruta, tanto que ela demora a crescer e frutificar. Sorte nossa que já compramos o sítio em Fartura com uma jaqueira madura. Todo resto segue superlativo na jaqueira (Artocarpus integrifolia), espécie da família das moráceas, a mesma da fruta-pão e da amora. Se o clima é quente e úmido, a árvore alcança até 20 metros de altura e os frutos podem chegar a 50 quilos e abrigar 500 sementes. A nossa deve ter uns 10 metros e os frutos são fartos mas não tão extravagantes. Agora, seja qual for o tamanho do fruto, o cheiro é sempre exagerado. Para quem gosta, é muito perfumado, com algo de banana madura e maracujá, talvez. Já para quem não gosta é fedido, enjoativo demais. Eu sou das que amam e já fui capaz de comer uma inteira sozinha sem passar mal.
Em países como Tailândia, Indonésia e Sri Lanka, o fruto verde é usado fresco ou em conserva - lembra um pouco uma alcachofrinha na textura. O sabor é frutado, sem ser doce, nem amargo, nem ardido, nem travoso. Uma delícia. O ruim é que a gente não encontra jaca verde no supermercado ou na feira, mas sempre resta a esperança de uma jaqueira perdida por aí (na minha rua tem jaqueira; no Instituto da Mulher, na Rua Doutor Arnaldo também tem).


Antes de qualquer coisa, é melhor já cozinhar e descascar.


Só se tira a casca. Todo o resto é aproveitado: fibras, talos e embriões dos caroços.
Se tiver oportunidade, escolha jaquinhas do tamanho de um chuchu ou, no máximo, de um abacaxi. Muito pequenas, têm formação, gosto e consistência de talo.
Como se prepara: lave bem, corte em quatro e leve pra cozinhar em bastante água com um pouco de vinagre e sal. Quando ficar macia (após uns 30 minutos), escorra, descasque e corte a polpa em pedaços pequenos. Outra forma de preparar é cozinhar os frutos inteiros por cerca de 1 hora e só depois descascar. A polpa fica mais branquinha. Use como uma alcachofra em conserva em saladas, recheios para pastel, em molhos para massa. Ou adicione a ensopados com carne de frango ou porco. Para deixá-la com cara de comida indiana, faça um refogado com cebolas, gengibre, cúrcuma, cardamomo, sementes de coentro, cominho e neem doce (folhas de curry), junte os cubos da jaca e leite de coco. Deixe ferver, corrija o tempero e sirva com arroz branco (basmati, de preferência).
Sobre a jaca madura
Verde, tanto faz. Mas, quando madura, é importante reconhecer os dois tipos principais de jaca: a dura, mais crocante e maior, e a mole, perfumadíssima, doce e um pouco ácida. Para fazer chutneys e pratos de carne, os gomos mais firmes são ideais. Na jaca mole, é tão grande a quantidade de frutose e glicose quando está madura, que ela não endurece ao congelar, quase como um sorvete. Aliás, faça assim nos dias de calor: espalhe os gomos numa bandeja e leve ao freezer por cerca de três horas. Coma neste ponto ou passe os gomos para um recipiente que feche bem e conserve no freezer para uma emergência.

Aproveitando os caroços da jaca madura
Para tirar as sementes da jaca dura, basta fazer um talho no gomo e pressiona-lo; na jaca mole, aperte com um garfo e as sementes escorregam facilmente. Lave bem e cozinhe em água e sal. Com uma faquinha, retire a película translúcida e dura e estará pronta para comer como aperitivo ou um legume qualquer. Por exemplo, doure na manteiga com alecrim ou use como se fossem batatas, inclusive para fazer purês. Podem também ser usadas para fazer curries.
Sem grude
Aquela seiva chicletenta presente nas jacas verdes e maduras é lipossolúvel e não vai ser problema se você untar com óleo mãos e facas. Tirando isso, é aproveitar, que jaca temos de sobra.

Para o meu curry, me baseei nas receitas do livro “The food of Sri Lanka” e, como sempre, fiz cá minhas adaptações.

Curry de jaca verde



Ingredientes
2 colheres (chá) de ghee ou óleo
1 cebola branca picada em quadrados
2 colheres (chá) de sementes de mostarda
2 galhos de folhas de curry (neem doce)
2 pimentas dedo-de-moça sem sementes, cortadas de comprido
½ pimentão verde picado em quadrados
½ pimentão vermelho picado em quadrados
3 xícaras de cubos de jaca verde cozida (veja acima como preparar)
1 tomate grande cortado em gomos
2 colheres (chá) de pó de curry
1 colher (chá) de cúrcuma em pó (açafrão-da-terra)
1 colher (chá) de sal ou a gosto
1 vagem de tamarindo cozida com 1,5 xícara de água e coada (usa a água)
1 colher (chá) de grãos de coentro tostados e triturados na hora
1 colher (chá) de cuminho tostado e triturado na hora
100 g de folhas de espinafre (usei ora-pro-nobis)

Modo de preparo: numa panela, aqueça o ghee e doure as cebolas junto com as folhas de neem, as sementes de mostarda e a pimenta. Junte os pimentões e refogue por 1 minuto. Acrescente os outros ingredientes, com exceção do espinafre ou ora-pro-nobis e mexa delicadamente, tampe a panela e cozinhe por 10 minutos. Junte o espinafre ou ora-pro-nobis e cozinhe só até a verdura murchar (cerca de 2 minutos). Se quiser, substitua parte da água que dissolveu o tamarindo por leite de coco. Prove o sal e corrija, se necessário.

Rendimento: 6 porções

Obs.: num gesto de ousadia extrema, substituí o espinafre por ora-pro-nobis - primeiro porque não posso desperdiçar e meu pezinho está carregado; e depois porque pois achei que o molho ácido eliminaria a baba das folhinhas que ficariam parecidas com espinafre. Acertei.


terça-feira, 20 de novembro de 2007

Verdes em Fartura ou compota de pêssegos

Fazia tempo que não passávamos tanto tempo na nossa casa em Fartura. Marcos estudou o tempo todo no fresco da sombra e protegido dos mosquitos dentro da casa, enquanto eu reinava fora dela, sob um sol de rachar mamona, espantando mosquitinhos-pólvora. Mesmo voltando com o corpo em pruridos, as mãos estropiadas, calejadas com bolhas rasgadas, unhas no toco, um micuinzinho aqui outro carrapatinho ali, mesmo assim volto feliz, malhada de vera academia e mais sabida das coisas do campo (afinal, sou bicho capial da metrópole).
Como sempre, venho carregada de comeres e levo quase um dia pra botar tudo em ordem. Trouxe mandioca da branca e da amarela – e da muita - que tive que descascar, cozinhar e congelar um tanto e ralar outro. Manga verde, de montão, e vou ter que arrumar receitas para elas (no sítio fizemos suco delicioso e geléias temperadas com gengibre e com pimenta e deram muito certo). Além de banana de vez pra amadurecer, jaca verde para curries (também já cozinhei e congelei) e outras verdurinhas. Meus pais acham estranho usar mamões, jacas e mangas verdes, mas se elas são usadas assim em vários países asiáticos, porque não podemos? Na zona rural as mangas perdem-se quando amadurecem todas ao mesmo tempo, mas poderíamos já ir comendo quando ganham tamanho de um limão galego. Frutas que não têm tanino quando verdes (que não são amarrentas, travosas), podem muito bem ser comidas como legumes nutritivos ou em compotas. É só uma questão de costume.
Para o suco de manga verde (nas Filipinas há dele até em caixinhas longa-vida), basta bater no liquidificador polpa de manga verde descascada, picada, com água, gelo e açúcar – 2 ou 3 mangas por litro de água, ou a gosto. Se quiser, junte uns galhinhos de hortelã. Se preferir um suco mais fino, coe. Mas não precisa. A receita da geléia, dou depois.

Há no sitio um único pezinho de pêssego, mas os frutos maduros são sempre descobertos antes por passarinhos e outros bichos, por isto é quase certo que se lhes abreviem a maturidade nesta época do ano afogando-os, os frutos, ainda verdes em compota. E isto minha mãe faz muito bem. É um dos meus doces preferidos, com os pêssegos gordos e suculentos, desajeitados na boca, deliciosos de se chuparem até os caroços. Comecemos, então, pela sobremesa. Amanhã, curry de jaca verde (que foi o almoço de hoje).

Compota de pêssegos verdes da dona Olga
Numa panela coloque 1 kg de pêssegos verdes, água que cubra os frutos e 1 colher (chá) de sal amoníaco (pode ser bicarbonato de sódio também - servem para soltar a pele do pêssego). Assim que ferver,escorra, espere esfriar e deixe no freezer até o outro dia. Agora é só ir passando as frutas embaixo da torneira e puxando as pelinhas. Se preferir, descasque um a um com uma faquinha bem afiada. Os caroços ficam. Coloque-os novamente na panela, cubra com água e cozinhe até ficarem macios, mas não molengos. Escorra a água (deixe sobrar um pouquinho dela, que vai ser necessária para a calda) e coloque 2 xícaras de açúcar - ou mais, se quiser mais adocicada. Mantenha no fogo só até formar uma caldinha como xarope. Está pronta a compota. Não precisa de cravo nem canela (aliás, minha mãe os proíbe no caso deste doce, pois “matam” o perfume do pêssego). O próprio caroço será o tempero.
Rendimento: 8 porções

quinta-feira, 15 de novembro de 2007

Fomos comer em outra freguesia – voltamos na terça ou quarta-feira


A natureza não perdoa o abandono. O implacável mamoeiro emerge do forno em uma das cozinhas de Fartura-SP.

Multiplicação das sálvias


Estas já não estavam tão frescas, mesmo assim funcionaram
Como muita gente tem me perguntado como fazer mudinhas de sálvia, embora eu já tenha falado há algum tempo, de um modo geral, sobre reprodução de ervas aromáticas, aqui vai de novo um jeito prático de se fazer uma mini-estufa com o que se tem em casa (é só a gente sair procurando na dispensa e armários, que vem a solução). Usei uma caixa de ovos e um aquário sem tampa. A função da estufa é evitar a evaporação e favorecer a circulação da umidade retida. Durante o tempo em que a erva fica na estufa, não é preciso regar. A terra só é umedecida no início, para plantar as ponteiras.
Pra começar, vá até uma feira, supermercado ou hortifruti e compre sálvia o mais fresca possível. Se ela estiver meio baleada, corte a extremidade dos galhos e deixe alguns minutos num vaso com água. Ou compre manjericão, melissa, alecrim, poejo, alfavaca, orégano, manjerona, hortelã, tomilho, segurelha, estragão – a técnica vale para todas elas. Aí é só cortar as ponteiras – a parte final em que o galho tem cor mais clara e é mais tenro, plantá-las em terra comum ou areia úmidas e cobrir com vidro ou plástico. As folhas nem chegam a murchar. Deixe as mudas na sombra, quietinhas, por cerca de 1 mês. Ao fim deste período, elas deverão estar enraizadas. Passe, então, para o lugar definitivo. Se quiser, cubra sua mudinha individualmente com um copo transparente ou um vidro de Nescafé, já no lugar definitivo. Isto, desde que não seja uma jardineira ensolarada, pois o vapor quente concentrado na mini-estufa poderá queimar sua planta. O ideal, nesta fase de enraizamento, é que a estufinha esteja posicionada em local claro, bem iluminado, mas sem a incidência direta do sol, que pode botar tudo a perder.

Corte as ponteiras assim

Plante enfiando o galhinho na terra e apertando bem com os dedos ao redor dele. Aí é só cobrir com o aquário de vidro ou plástico e jamais deixar numa soleira como esta da foto – tem que ser na sombra. Mas só nesta fase, pois depois de muito tempo na sombra, a plantinha começa crescer estiolada (fina, branca, comprida), em busca de mais luz.

Podando as ervas para ter mais: se você tem uma planta já formada destas ervas que citei, quanto mais você poda, mais os galhos se ramificam, pois é nas ponteiras que o hormônio ácido indol-acético se concentra. E ele é responsável por inibir o desenvolvimento das gemas laterais. Se você corta fora a ponta (e usa na cozinha ou para fazer outras mudas), ele deixa de agir e outros galhinhos surgirão – dois, três ou até mais, deixando sua plantinha muito mais cheia e vistosa. Então é assim: quanto mais usa, mais tem.



Vejam este pé de alfavaca: estas folhinhas novas e pequenas só surgiram depois que tirei as ponteiras. Nem precisa de tesouras, quando não se pretende usar as ponteiras para nada. Às vezes eu faço isto: passo pelo pé e já dou uma beliscadinha nas duas últimas folhas. Ele agradece.
Veja também aqui no Come-se: Plantar, colher, comer.

quarta-feira, 14 de novembro de 2007

Muffins de pitanga



Aquelas pitangas que colhi na praça, usei-as no lugar dos mirtilos (blueberries) numa receita de muffin. Escolhi uma fórmula (New York cookbook by Molly O´Neill) que usasse iogurte, para que eu pudesse substitui-lo por o kefir que estava dando sopa na geladeira. Aí vai a receita ligeiramente adaptada.

Muffins de pitanga com kefir

Ingredientes
½ xícara de manteiga sem sal, derretida
1 xícara de açúcar
2 ovos
½ xícara kefir ou iogurte
2 xícaras de farinha de trigo
1 colher (chá) de bicarbonato de sódio
1 pitada de sal
Raspas da casca de dois limões (um taiti e outro siciliano)
1 xícara de pitangas sem caroço polvilhadas com farinha

Modo de fazer: unte com manteiga e polvilhe com farinha 15 forminhas de muffins. Numa tigela combine a manteiga derretida fria com o açúcar, os ovos e o kefir. Misture bem. Peneire sobre esta mistura a farinha, o bicarbonato e o sal. Misture até virar uma massa homogênea. Junte a casquinha de limão e as pitangas e mexa delicadamente para incorporar. Divida a massa entre as forminhas – deixando espaço para crescer. Leve para assar em forno médio preaquecido, por cerca de 30 minutos.
Rendimento: 15 muffins

Enfarinhe as pitangas sem caroços
e passe por peneira para tirar o excesso da farinha.

Obs: se preferir, use aquelas forminhas de silicone (menores - vão render mais), que não precisam untar.
Foram usadas medidas padronizadas e rasadas: 1 xícara=240 ml; 1 colher (sopa) =15 ml e 1 de chá=5 ml.

terça-feira, 13 de novembro de 2007

Patê de fígado



Ninguém acredita quando digo que na cozinha não sou expert em coisa alguma, mas simplesmente uma curiosa sem medo de errar (e como erro!!), uma especialista em coisas gerais, isto sim. Só o Marcos e a Ananda acreditam. Prova deste falso julgamento a meu respeito é que muitos amigos evitam me convidar para comer suas comidas. Quando convidam, o fazem com receio, como se vê neste email da Judith: Olá, Neide: estou com saudade e gostaria de cometer a ousadia de convidar você e o Marcos (e o Nilson, claro) para jantar um dia. Vocês se arriscariam, conhecendo as minhas credenciais culinárias?
Judith Patarra foi minha editora na revista Caras durante 12 anos. Mais do que isto, foi uma grande professora que me instigava a navegar por mares desconhecidos. Muita coisa me ensinou e ainda assim me trata com tanta reverência. Foi uma honra jantar com ela no sábado. Estava divino, tudo caprichadíssimo, ambiente aconchegante, convidados agradáveis e bem humorados (dois advogados, uma médica e o Nilson Garcia, meu amigo e editor na Caras, há 13 anos), vinhos em harmonia, comida alemã deliciosa – nunca comi um Spätzle tão delicado (para meio quilo de farinha, só dois ovos, uma pitada de sal e água até ficar uma massa elástica, receita da mãe dela – aí é só ir pingando na água como inhoque), servido com o molho da carne que veio fatiada, acompanhados com um perfumado repolho roxo agridoce. Só os fartos antepastos já seriam suficientes para encantar, ainda mais porque teve patê de fígado, minha paixão. Com o pão de centeio quentinho, não precisava de mais nada. Ele rescendia a um leve conhaque e veio pincelado com uma geléia de pimenta - felizes para sempre. É claro que pedi a receita que, como podem ver abaixo, foi ensinada por uma amiga dela, a psicanalista Anna Verônica Mautner. A Judith modificou e adequou às suas condições do momento – e deu muito certo, posso atestar. Eu vou tentar ser fiel, mas já sabendo que a receita permite uma certa liberdade, não prometo nada. E vocês, fiquem à vontade. Mas, só pra gente não se perder, dou aqui a receita original da Anna.
Neide, aí vai a receita do patê de fígado de minha amiga, exatamente como ela me mandou:

Patê de fígado da Anna

Para três pratos de fígado de galinha, daqueles pratos quadrados que tem no Santa Luzia, duas colheres de sopa de cebola picada miúda, que são fritos no bacon (não adianta reclamar, isso não é comida saudável). Uma vez refogada a cebola, coloque os fígados e dê uma rápida refogada. Enquanto isso, derreta na água fria três folhas de gelatina sem sabor e três pãezinhos amolecidos no leite, bem encharcados. Joga tudo dentro do liquidificador e tempere com sal, pimenta do reino e umas quatro colheres de sopa de conhaque. Bata e experimente para ver se está bom de sal e pimenta. Ponha numa forma retangular ou daquela forma de bolo que tem buraco no meio. Sem buraco não dá. Ponha a forma dentro de uma travessa com água no forno até começar a ficar marronzinho em cima e um palito ficar quase limpo e guarde um pedaço para mim” Anna Verônica Mautner
“Gostou, Neide? Agora como eu fiz. Claro que descobri que não tinha leite nem pãozinho. Com preguiça de sair outra vez (acabara de chegar do supermercado) usei creme de leite e pão de centeio (natureba, da ArtePane). Diluí com água (sempre do filtro) porque o creme de leite originou uma maçaroca dura. Acho que errei na gelatina porque só tinha em pó e coloquei um envelope inteiro; penso que deveria ser metade para o patê ficar mais macio. De resto fui pura obediência à receita. Ah, não, teve mais uma diferença. Comprei um pacote de fígado de galinha da Korin no Pão de Açúcar, só um (ela manda três, mas no Santa Luzia são menores). Ah, outra coisa, deixei os fígados um pouco no leite (leite em pó Molico, horrível, mas como você já sabe, não tinha leite em casa) antes de fritar.
Ufa. Acabei. E claro que você pode pôr a sua foto no seu blog, imagine - será honra e tanto para uma pobre marquesa”
Judith Patarra
Lembrete do Come-se:
1 bandeja de fígado da Korin tem 600 g
1 envelope de gelatina em pó branca sem sabor tem 12 g
que equivalem a 6 folhas de gelatina
A forma precisa ser untada com óleo, azeite ou manteiga
Antes de desenformar, deixe na geladeira até gelar e endurecer (recomendo fazer um dia antes).

segunda-feira, 12 de novembro de 2007

Encontrei por aí ou salada de mato


Pitangas, dente-de-leão, três cerejas-do-rio grande e um jatobá

Toda segunda-feira de manhã quando volto a pé do clube onde faço ioga, passo por uma praça pública linda, com vários pés de frutas - mangas, abacates, cerejas-do-rio-grande, amoras, pitangas e uvaias. Aproveito para colher algumas quando tem. E agora estamos em plena safra de pitangas. Para completar a cesta, costumo trazer algumas folhinhas de mato comestível do clube. Acontece que o meu horário sempre coincide com a caminhada do meu vizinho mais deselegante, mal-educado e metido a besta. Sem me cumprimentar, ele lança aquele olhar superior de comiseração como se eu estivesse salvando a comida do dia por não ter o que comer em casa. Hoje passei rápido por ele, que fazia alongamento no playground, para que não me visse. Não teve jeito, logo ele passaria pelo caminho onde eu me equilibrava pra pegar as frutinhas do alto. E, é claro, com o mesmo olhar de sempre. Tudo porque certo dia descobri com meus próprios olhos que era ele o vizinho que levava todos os dias seu poodle pra fazer cocô no gramado da minha calçada. E deixava lá. Ele não gostou quando, no dia seguinte, eu deixei no local um cartaz enorme dirigido ao inocente cachorrinho, rebaixando o vizinho à sua real insignificância. Algo como: “querido cachorrinho, avise seu dono que sabemos o que fazem aqui todos os dias e blá blá blá..”. Ainda tive a sorte de presenciá-lo, da janela, arrancando o cartaz e levando-o embora. Queria ter um apito nesta hora. Depois disso, ele nunca mais me cumprimentou e fica a fiscalizar minhas coletas pelo bairro. Não sei porquê.

Mas, deixe pra lá. Às folhas de dente-de-leão juntei outros matinhos comestíveis e espontâneos do meu quintal e fiz uma salada com molho de cereja-do-rio-grande (achei 3 num pezinho que não me chega ao joelho). O mel do molho e as sementinhas de girassol por cima das folhas foram inspirados pela salada da Fer (do chucrute com salsicha). A mistura de ervas amargas (serralha, dente-de-leão, serralhinha), picantes (mentruz, folhas e flores de capuchinha), azedas (azedinha, trevos e flores de begônia) e tremelicante (jambu) com a semente crocante e o molho adocicado faz uma combinação perfeita e estimulante. O gostoso é misturar todas estas ervas ditas daninhas, mas mansas, que não temos pra comprar na feira. E as pitangas, usei para fazer muffins (depois dou a receita).
Salada de folhas silvestres ao molho de cereja-do-rio-grande



Usei as seguintes folhas e flores
Dente-de-leão (Taraxacum officinale)
Azedinha (Rumex acetosa L)
Trevo vermelho (Oxalis corniculata)
Mini-couve rendada
Mentruz rasteiro (Coronopus didymus)
Brotos de Ora-pro-nobis
Capiçova vermelha (Erechtites valerianaefolia)
Folhas de menta
Folhas jovens de tanchagem (Plantago major)
Folhas e flores de capuchinha
Folhas de jambu
Flores de begônia
Folhas de serralha (Sonchus oleraceus)
Folhas de pincel-de-estudante ou serralhinha (Emilia sonchifolia)

Para o molho
3 cerejas-do-rio-grande sem caroço, bem vermelhas
1 colher (chá) de mel
½ colher (chá) de sal
Pimenta-do-reino a gosto
Suco de 1 limão-rosa (limão cravo, vinagre, caipira)
Azeite a gosto (até ¼ de xícara)


Sementes de girassol fritas em azeite e escorridas
Modo de fazer: lave bem as folhas e flores, desinfete com solução de hipoclorito, enxágüe, seque na centrífuga e distribua sobre uma saladeira. Faça o molho, misturando todos os ingredientes com um mixer. Espalhe por cima das folhas as sementinhas de girassol tostadas no azeite e sirva o molho à parte.


O molho deve ser regado sobre as folhas na hora de servir

Veja também aqui no Come-se: Cereja-do-rio-grande

sexta-feira, 9 de novembro de 2007

ECO-FRIENDLY PACKAGING

Aqui uma pequena exposição das nossas embalagens ecológicas por natureza.


Rapadura na palha da bananeira e doce de buriti em caixa feita com o pecíolo da folha do próprio buritizeiro (uma palmeira).



Pamonhas na palha de milho


Pamonhas na folha de caetê


Pau-a-pique (broinha de fubá) na folha de bananeira


Doce de laranja de cortar na folha de bananeira e taiada (doce de rapadura com farinha de milho) na palha de milho roxo.


Farinha d´água embalada no paneiro de arumã



Folhas de bananeira podem ser usadas no lugar do papel alumínio - aqui, na feira de São Joaquim, Salvador - BA.
ENQUANTO ISSO
:


Milho cozido em prato plástico, nas ruas de São Paulo
Moderno?
Sempre foi assim: o milho cozido, aqui em São Paulo, era vendido em carrinhos ambulantes na rua e embalado na própria palha de milho. O único problema era a falta de um fio dental por perto. No mais, era um charme. Até o sal era espalhado com um pincel artesanal também feito de palha de milho. Agora resolveram modernizar e a praga se espalhou pela cidade. Cortam o milho sobre uma tigelinha de plástico pra se comer com colher também de plástico. Come-se na rua, nos pontos de ônibus, andando, e haja cestos pra tanto lixo além dos sabugos. Uma parte vai pro chão; tudo, depois, vai pro lixão; e o resto a gente já sabe.

Um alento:
A Alessandra Madeo, do Viva com Orgânicos, faz a maior campanha para aumentar a vida útil das embalagens que normalmente desprezamos. Ao entregar nossos
pedidos da semana, o motorista recolhe bandejas de isopor, caixas de papelão e embalagens de ovos que são reaproveitadas pelos produtores. E ainda óleo usado para sabão, que não dou porque faço o meu próprio.

quinta-feira, 8 de novembro de 2007

Arca do Gosto e Fortaleza no jornal Folha de São Paulo de hoje


Castanhas de baru no Terra Madre

Em extinção
Catálogo elenca produtos gastronômicos ameaçados de desaparecer; sete ingredientes brasileiros estão em projeto para proteção
JANAINA FIDALGO
DA REPORTAGEM LOCAL


Quando Noé construiu sua arca, protegeu do dilúvio casais de animais. Fosse hoje, talvez o personagem bíblico incluísse também alimentos tradicionais ameaçados de extinção. E eles não seriam poucos, conforme revela um catálogo mundial feito pela associação Slow Food que identifica e divulga produtos em risco de desaparecer. Dos mais de 750 produtos listados na Arca do Gosto -uma alusão à embarcação de Noé-, 23 são do Brasil, entre eles o feijão canapu, o babaçu, o pirarucu e a castanha-de-baru."A Arca reúne produtos de pequenos agricultores, extrativistas e indígenas", diz Roberta de Sá, coordenadora dos projetos do Slow Food no Brasil. "Para entrar na lista, o produto deve ter excelência gastronômica, ser ligado à história da comunidade, ter produção artesanal com ênfase na sustentabilidade e estar em risco de extinção."


A ameaça de desaparecimento, segundo Roberta, pode ser justificada de inúmeras maneiras, como a perda da tradição do modo de fazer -caso da marmelada de Santa Luzia-, ou pela localização do alimento em uma área devastada.


A partir do catálogo, a fundação, que prega a combinação do prazer à alimentação consciente e responsável, partiu para a captação de recursos financeiros para bancar as Fortalezas, projetos que visam a melhoria da qualidade dos produtos ameaçados. No Brasil, elas são sete e muitas participaram no último mês, em Brasília, do Terra Madre Brasil, um encontro nacional de ecogastronomia.


Não existe um padrão para as Fortalezas. As iniciativas variam de acordo com a realidade e as necessidades de cada comunidade, mas objetivam: 1) promover os produtos artesanais; 2) criar padrões de produção; 3) e garantir a viabilidade futura dos produtos.Na Fortaleza do palmito-juçara, planta nativa da mata Atlântica que há 12 anos está sendo plantada pelos guaranis da aldeia Ribeirão Silveira (litoral norte de São Paulo), a próxima etapa é conseguir um selo que permita aos índios comercializarem o caule comestível.


"Estamos inventariando as palmeiras nativas para criar um plano de manejo, provar que somos produtores e conseguirmos a autorização para vendê-lo", diz o cacique Adolfo Timótio Verá Mirim.


Na Fortaleza do umbu, que reúne os municípios baianos de Uauá, Curaçá e Canudos, por exemplo, foram construídas minifábricas onde o fruto é transformado em doces, geléia e polpa pasteurizada. Da produção total, 55% é destinada à merenda de escolas do sertão do Estado, 30% vai para países como França e Áustria, 10% é vendida em feiras e exposições e 5% fica no mercado regional.


"É mais fácil exportar que vender aqui dentro", diz Jussara Dantas de Souza, da Fortaleza do Umbu. "Lá fora, a Associação Comércio Justo deposita 50% do valor antes de começarmos a produção. Aqui, você investe, entrega o produto e só recebe 60 dias depois."


Mas, para quem acredita que, para preservar, é preciso fazer a população conhecer os produtos, ainda há um importante passo a ser dado, que é o da distribuição dentro do Brasil. Como se faz hoje para comprar os produtos da Arca? "Há realmente uma dificuldade muito grande que é a parte do transporte. [A distribuição] É o nosso maior desafio", diz Roberta.


Folha de São Paulo, 08/11/2007

quarta-feira, 7 de novembro de 2007

Tucupi feito em casa


Aqui, o tucupi pronto depois de fervido com temperos - usei pimenta dedo-de-moça na falta da cumari-do-pará.

Estou querendo voltar à Ilha do Marajó, no Pará, ainda neste ano, por isto deixe-me ir esquentando os tamborins. Foi lá que tomei meu primeiro tacacá numa tarde de calor úmido. Inesquecível aquela sensação gostosa de pachorra, a que todo paulista estressado tem direito, e que nos coloca em pé de igualdade com o mormaço ambiente.


Conheci lá o tucupi, o jambu, o coentro-do-pasto (chamam de chicória), a pimenta cumari-do-pará e um jeito novo de comer camarão seco. Tudo novidade. Aliás, tudo lá parece ser estrangeiro. E, no entanto, é uma das culturas mais autênticas deste país.

Quanto ao tucupi, fora do extremo norte do Brasil ele é praticamente desconhecido e quando aparece aqui em São Paulo é vendido a preço de fina iguaria, o que realmente é. Mas no local de origem, é ingrediente corriqueiro, barato e indispensável. Com ele se faz este tacacá que tomei no Marajó e é o caldo mais popular e desejado nos fins de tarde, em Belém. Na cuia a vendedora coloca, à frente do freguês, uma concha de tucupi tirado de um grande caldeirão de alumínio bem areado e outra de mingau neutro de goma, feito com o amido da mandioca. Alguns camarões e um punhado de jambu - a erva que amortece e faz fremir lábios e língua - completam a sensação.

Há várias maneiras de se extrair o suco da mandioca ou manipueira, base do tucupi. Podem ser usadas prensas manuais de parafuso ou prensas hidráulicas. E, para pequenas quantidades, a raiz ralada pode ser espremida num pano. Mas, apesar das novas tecnologias de prensagem, um utensílio já encontrado aqui pelos europeus sobrevive ainda hoje. É o tipiti, usado na transformação artesanal da mandioca em farinha, goma e tucupi. Trata-se de uma bolsa cilíndrica, comprida, feita de palha, num trançado que a faz retrátil, como possuindo molas. Dentro se coloca a massa de mandioca ralada, que é espremida quando o tipiti é tracionado. Da massa enxuta se faz a farinha e o líquido escorrido será a base do tucupi. A princípio leitoso, este caldo (manipueira) torna-se de um amarelo límpido assim que o amido (fécula, polvilho ou goma) sedimenta no fundo do recipiente. Depois de fermentado por um ou dois dias e fervido com alho, alfavaca, pimenta-de-cheiro e chicória (o coentro-do-pasto), se transforma no molho tucupi, de aroma penetrante e sabor ácido inconfundíveis.
A coloração do tucupi é dada pelos pigmentos betacarotenos presentes na mandioca amarela, variedade mais indicada para o preparo do molho, justamente pela cor. Mas a mandioca branca também rende bom tucupi, conhecido como tucupi-doce. Está certo que o sabor é muito mais delicado e a cor, mais desbotada. Mesmo assim, há quem o prefira para o preparo do tacacá e de um bom mingau de arroz para se comer no café da manhã. Aliás, a cor amarela do tucupi muitas vezes é intensificada com a adição de corante artificial. Para identificar a adulteração basta ver se o amarelo é uniforme. No verdadeiro, o pigmento tende a se acumular no fundo da garrafa, deixando uma faixa mais clara próximo à superfície. Menos difundido nas cidades, o tucupi-pixuna ou tucupi-preto é um molho denso, concentrado e escurecido depois de demorada redução. Acompanha patos, carnes e peixes.
No mercado Ver-o-Peso, em Belém, pilhas de tipiti e litros e mais litros (garrafas de PET reaproveitadas) de tucupi em vários tons de amarelo forte, às vezes com pimentas imersas, mostram a importância do molho na cozinha local. Além de ser usado no tacacá, ele tempera carnes de sabor marcante - pato, peixe, leitão, paca. Talvez o prato mais famoso seja o conhecido internacionalmente Pato-no-tucupi (assado, separado de sua gordura e fervido com tucupi e jambu). É um bom exemplo da cozinha regional, saborosa, leve e marcada pela pouca influência européia sobre a predominância indígena.
Modo de fazer
Como me recuso a pagar R$ 10,00 por uma garrafinha de tucupi congelado que se encontra às vezes no Mercadão, faço o meu próprio. É fácil, veja:
Pique 3 quilos de mandioca amarela e bata, aos poucos, no liquidificador com 1 litro de água. Faça isto aos poucos. Coloque quanto de água for necessário para a primeira leva. Coe, esprema num pano e volte o líquido ao liquidificador com mais mandioca. Faça assim até terminar. Quanto menos água usar, melhor. O ideal é ralar e espremer, mas e tempo? Por fim, esprema de novo tudo num pano de algodão limpo. Torça bem para extrair todo o sumo.

Espremendo num pano de algodão

Aqui, a goma sedimentada no fundo do recipiente - é só separar.

Deixe esse líquido leitoso (manipueira) descansar por 4 horas, ao fim das quais separe o amido sedimentado do líquido amarelo (o amido é a goma, que pode ser seca ao sol para virar polvilho ou ser usada ainda úmida para fazer tapioca ou o mingau de goma que compõe o tacacá.

A manipueira (o caldo) já fermentada - veja umas bolhinhas na superfície.

Cubra com pano o líquido e deixe fermentar de um dia para outro. A este líquido fermentado, adicione um pouco de sal, um dente de alho, uma pimenta-de-cheiro, alguns galhos de alfavaca e a chicória (coentro-do-pasto). Deixe ferver por 30 minutos, coe e está pronto o tempero para ser usado em peixes, galinhas e patos. Guarde na geladeira por até 1 semana.

Para o Tacacá, faça assim: Junte água fria àquele amido sedimentado na tigela, na proporção de 1 xícara de goma para 2 litros de água. Misture bem e leve ao fogo, mexendo, até engrossar. Este é o mingau de goma. Numa cuia coloque uma concha de mingau, outra de tucupi bem quente, alguns camarões secos demolhados e escorridos, um punhado de jambu cozido e espremido e pimenta. Igualzinho, igualzinho, ao paraense, não fica. Mas garanto que ameniza o desejo de estar lá.

terça-feira, 6 de novembro de 2007

Mandioca e beijus


beijus coloridos - foto cedida pelo Joselito Motta

Aumenta o que está pouco, esfria o que está quente, engrossa o que está ralo e, na pança, é quem dá sustança Joselito Motta

Chegou em boa hora. Já estava determinada a mostrar hoje aqui como se fazem tucupi e polvilho em casa com a mandioca (macaxeira, aipim) comprada na feira, mas recebi esta mensagem do meu recém-amigo Joselito, pesquisador de mandioca da Embrapa, que amplia e enriquece ainda mais o assunto comida-de-raiz e me dá o maior prazer de poder passar o assunto na frente e em frente. De quebra, ele nos manda notícias sobre eventos do mandiocal e, no mesmo embornal, veio ainda a esperança de talvez ganhar umas mudas de araruta, de que falei ontem, e de mandiocas coloridas. Eba!
Beijus e outras receitas
O Joselito é um daqueles pesquisadores apaixonados pelo que faz e é autoridade em produtos da mandioca. Estes beijus coloridos da foto foram desenvolvidos por ele quando se deparou com uma paleta de beijus coloridos artificialmente. Foi só pensar nas possibilidades naturais de cor e usar estas opções no lugar da água que umedece o polvilho seco. Além de mais gostosos, são mais nutritivos e fazem o maior sucesso com as crianças (melhores que aqueles isoporzinhos carregados de gordura e sabor artificial que nossas criancinhas comem por aí). Em Brasília, no Terra Madre, provei os beijus de abacaxi, cebola e beterraba e eram maravilhosos - saborosos, derretiam na boca. Para quem não conhece, beiju é como uma tapioca, só que fininho e crocante, feito sobre chapas de ferro sobre lenha. Quando eu tiver um tempo dando sopa, farei as tapiocas coloridas (a chef Teresa Corção, do Rio, faz umas deliciosas, até com chocolate).

Em outro email Joselito me mandou receita de torta salgada e suco de mandioca com limão, mas publicarei depois de testar e fotografar. Aguardem.

Beijus no mercado - foto cedida pelo Joselito Motta

O email do Joselito:
Prezada Neide,
Como vai? Nem sei por onde começo a lhe dar explicações; ocorre-corre não foi só nas despedidas do Terra Madre Brasil. No retorno, começou outra roda viva com uma série de viagens que terminaram no XII Congresso Brasileiro de Mandioca que aconteceu em Paranavaí/PR de 23 a 27 do mês passado. Agora, já mais tranqüilo, iniciamos o III Curso Internacional sobre Produção e Processamento de Mandioca para países africanos de língua portuguesa (Angola, Guiné Bissau, São Tomé e Príncipe, Cabo Verde e Moçambique) e do Timor Leste. São onze participantes e terei atividades com eles nas duas últimas semanas. Anexo o programa para você que também é mandioqueira de quatro costados, como se diz no Nordeste rural. Quanto ao seu blog, não posso omitir elogios; você escreve fácil demais e encanta o texto com fotos ainda mais bonitas! você foi premiada com muitos dons. Descreveu a farinha d'água sem retoques. Que foto aquela do paneiro do seu Bené!!! Teresa deve ter babado.Vamos aos beijus coloridos; estou em contato com o Reinaldo Lichti do Mais Você, recomendado por Ana Dorneles, do Globo Repórter e hoje enviei um texto com fotos que vou enviar para você; tenho algumas tiradas na FISPAL 2006 quando andei fazendo umas oficinas no evento capacitando um monte de paulistas. Se lhe interessar mando depois. Estou acompanhando seus escritos no blog e vi o último sobre araruta; recebi um colega aqui na sala, hoje de manhã, que tem uma coleção com algumas espécies; se tiver sítio e quiser posso tentar conseguir algumas sementes para você, inclusive dos aipins biofortificados por natureza ricos em beta caroteno e licopeno. Seguem fotos e arquivo por partes. Fico por aqui.
Um abração,
Joselito da Silva Motta
Pesquisador - Usos da mandioca
Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária - Embrapa
Brasilian Agricultural Research Corporation - Embrapa
Embrapa Mandioca e Fruticultura
Embrapa Cassava & Fruits
Cruz das Almas - Bahia - Brasil

segunda-feira, 5 de novembro de 2007

Araruta fajuta


Livreto editado pela Embrapa
Bingo. Teimei com o vendedor de araruta no Mercado da Lapa que a araruta da marca Stival que ele vendia não era araruta coisíssima nenhuma. Ele não acreditou. É que eu me lembrava de já ter ligado para esta empresa há mais de um ano movida pela mesma desconfiança e o engenheiro de alimentos havia dito que não, não era mesmo. Era amido (fécula, goma, polvilho) de mandioca, mas que no Paraná o polvilho era também chamado de araruta (conte outra!), que os dois produtos têm a mesma aplicação e mesma performance (me engane, que eu gosto), e que outra embalagem corrigida já estava a caminho (estou esperando). E o preço mais alto? Bem, para isto ele não teve explicação.
Hoje o engenheiro rezou a mesma missa. Só que desta vez resolvi denunciar a empresa por lesar o consumidor. O vendedor do Mercado da Lapa, por outro lado, havia garantido que aquela era araruta verdadeira, que sempre vendeu, que não teve reclamações, que ela tem propriedades medicinais, que tem dado certo (efeito placebo, todo mundo conhece) e que eu iria perder meu tempo ligando para a empresa. Mesmo assim, concordou que se o que eu dizia era verdade, seria caso de polícia, porque ele também paga mais caro pelo amido.
Hoje liguei pra ele avisando do engodo, dei até o nome do engenheiro com quem falei. O mínimo que ele poderia fazer era devolver a mercadoria e se recusar a vender um produto fajuta pelo dobro do que vale. Mas as coisas no Brasil não funcionam assim. Ele disse que não tem o que fazer, que está amparado pela nota fiscal, que tem que acreditar no que o produtor diz, que se a empresa está errada, problema deles e que vai continuar vendendo, afinal ele é o único do Mercado que tem a mercadoria “autêntica”. E isto lhe confere certo prestígio, certo?
O que eu não contei é que a Vigilância Sanitária vai bater lá no Box dele (é claro que ele não tem culpa, mas pelo menos avisei). Há outras ararutas e ararutinhas no mercado que também enganam o consumidor, mas pelo menos assumem o ingrediente em algum cantinho da embalagem: fécula de mandioca. Mas isto é crime também, afinal é como anunciar feijão e nos dar arroz, devidamente revelado na lista de ingredientes. Por isto, desconfiemos sempre.

É triste reconhecer que nós, consumidores brasileiros, estamos a anos-luz de ganhar respeito como tal e somos enganados a todo momento por acreditarmos sem questionar em tudo o que está impresso (nas revistas, nos rótulos, no jornal).

Agora, mais triste ainda foi levar a denúncia adiante: liguei primeiro para o Procon, mas, como não comprei o produto, me mandou ligar para a Anvisa (agência nacional de vigilância sanitária), que pediu que eu ligasse para a Vigilância Sanitária do Estado, que, por sua vez, me deu o número da agência do Município, que, por fim, mandou ligar na própria Prefeitura, 156, que ninguém atende. Várias tentativas depois, uma secretária eletrônica me fez escolher uma opção (animais e vigilância em saúde), após enumerar longamente 7 delas. Quando consegui ouvir uma voz de verdade, foi difícil me fazer entender (mas como assim: araruta não é polvilho de mandioca? O vendedor trocou a embalagem?). A denúncia está feita. Agora é esperar. E, enquanto isso, quem tiver mudas de araruta, estou aceitando.
Sobre a araruta
Originária das regiões tropicais da América do Sul, a Maranta arundinacea era encontrada especialmente nas regiões costeiras das Guianas até o Rio de Janeiro. Os índios Caraíbas e Caiapós a tinham como remédio e fonte energética (a raiz fibrosa é ralada e o amido é separado por sedimentação, como o amido da mandioca). Há várias versões para o nome. Parece que os ingleses passaram a chamá-la de Aruak root starch ou polvilho da raiz dos Aruak (nome de uma tribo que habitava as margens do Amazonas até o Caribe). Acabou virando arowroot, em inglês, e araruta em português.

Se hoje, para a indústria, é mais rentável e fácil produzir amido de mandioca, que ela abandone de vez o apelo do nome, seja honesta, assuma: não temos mais araruta industrializada no Brasil. Deixe que ela seja um item raro e rentável para pequenos produtores que podem resgatar esta cultura tradicional e devolver à araruta seus dias de mingaus cremosos, brevidades macias, bolos fofos e biscoitos crocantes.

Para saber mais, veja no site da Embrapa Agrobiologia
Cartilha sobre araruta (a da foto)
Araruta: resgate de uma cultura tradicional

Veja mais também aqui no Come-se.