terça-feira, 30 de junho de 2020

Arubé. Coluna no caderno Paladar. Edição de 30 de junho de 2019


Pimentas e mandioca puba 

Hoje tem coluna no Paladar, do Estadão.  O texto está no site do Caderno, no jornal impresso e também aqui. 


Arubé. O molho do Brasil

Com a impossibilidade de bater perna fisicamente nessa quarentena, a gente refaz mentalmente as boas viagens, revisita detalhes dos lugares e valoriza ainda mais aquilo que já não se pode ver e ter com facilidade.  Agora sei com certa sofrência que se eu quiser repor meu estoque de arubé, vou ter que prepará-lo em casa. E já que temos aqui esse espaço, podemos fazer juntos.

Já conhecia de nome o arubé desde que o chef de cozinha Ofir Nobre de Oliveira o apresentou em um evento do Slow Food em Brasília, do qual participei há mais de dez anos.  Era um creme liso com cara de mostarda tal como a pasta que conhecemos mais comumente.  O sabor, ácido e picante, maravilhoso.
Desde então só tinha notícias desse molho por bibliografias diversas, com as definições mais variadas possíveis.  Faça você mesmo a experiência e procure a definição de arubé em buscadores na internet  - prefira o Google Acadêmico.  Em minhas poucas viagens pela Amazônia nunca tinha encontrado para comprar. E olhe que eu sempre procurava por ele.  Mas as Amazônias são várias e a gente vai aprendendo a se livrar das generalizações.  
Calhou, então, de eu ter que fazer um trabalho no começo de 2019, em Lábrea, Sul do estado do Amazonas. Assim que entrei no Mercado Municipal, templo a ser visitado em primeiro lugar em qualquer cidade por onde passo, me deparei com várias bancas vendendo arubé em garrafas pet, sempre junto de feijões, pimentas e tucupis.  Diferente de todo o meu imaginário sobre arubé, que fui construindo a partir do primeiro contato e de quase todas as descrições que tinha lido, ali arubé era um molho fluido, de coloração salmão e, em repouso, separado em duas fases.  Nos bares, nos restaurantes, nas mesas do mercado onde se comem peixes frescos assados na brasa, o arubé era presença constante.  Só não trouxe mais na mala porque o avião de pequeno porte com apenas nove lugares que faz o trajeto até o aeroporto de Porto Velho não comportava grandes volumes.
  A sorte é que o molho é tão comum em Lábrea, que muita gente sabe fazer e não se importa de ensinar.  Das explicações que ouvi, duas eram idênticas e permitiram a repetição por aqui com resultado bastante similar ao que provei por lá. Hoje é esse o tipo de arubé a que me apeguei e que deixo aqui a receita. Mas se for procurar saber mais, vai se deparar com informações às vezes conflitantes.
No livro Panorama da Alimentação Indígena – Comidas, bebidas e tóxicos na Amazônia brasileira (1974), o autor Nunes Pereira se refere ao arubé como uma “espécie de mostarda – é feito com tucupi, tapioca e pimenta triturada, ganhando consistência pastosa. Seu nome é arubé. Como o primeiro molho, referido aqui, nada fica a dever às criações, em matéria de mostarda, que devemos a franceses e alemães”.  Já no livro O Naturalista no Rio Amazonas, com registros do explorador inglês Henry Walter Bates, que esteve em viagem pela Amazônia recolhendo material zoológico e botânico para o Museu de História Natural de Londres, entre 1848 a 1859,  o tempero que se servia com os peixes é descrito como “um molho, em forma de pasta amarela, inteiramente novo para mim, chamado arubé, feito do suco venenoso da raiz da mandioca, fervido antes da precipitação do polvilho ou tapioca, e temperado com pimenta malagueta. É conservado em vasilhas de pedra durante algumas semanas, antes de ser usado, e é apetitoso condimento para o peixe.”
Outras descrições sequer mencionam a pimenta.  É o caso do catálogo A Arca do Gosto no Brasil (Slow Food Editore, 2017) que elenca alimentos, conhecimentos e histórias do patrimônio gastronômico no país.  Nele, o arubé é descrito como “um concentrado de tucupi (sumo da mandioca) usado pelos indígenas para conservar as caças e que, com o passar dos anos, foi deixando de ser produzido e consumido na maioria das tribos. É conhecido, inclusive, também como mostarda indígena”.   Mas na grande obra do Luiz da Camara Cascudo, História da alimentação no Brasil: cozinha brasileira (1983), o arubé aparece junto com o tucupi como dois molhos de destaque no extremo-norte do Brasil e em sua composição aparece a pimenta malagueta – “o arubé contem malagueta, sumo da mandioca fervido, sal e outras substâncias aromáticas, bem trituradas. O arubé em massa, também chamado arubé-de-sauvataia, além desses ingredientes contém tanajuras torradas e em pó”.  Outra descrição, agora em artigo de 1929, do Hermano Stradelli, Vocábulos da Língua Geral Português-Nheêngatu e Nheêngatu-Português, citado na própria obra do Cascudo, o molho é descrito como “massa de mandioca puba curada ao sol com pimenta malagueta, usada como tempero de comida” e cita ainda variações de grafia: arumé, arumbé e arubé. 
Como podemos ver, e aqui só registrei algumas das citações, o que as variações de arubé têm em comum é mesmo a mandioca, que pode ser mansa ou brava, pubada (deixada em água até amolecer) ou fresca ou ainda na forma de manipueira, o seu sumo ou o tucupi já pronto. O acréscimo de pimenta parece ser uma derivação natural e surge como parceria quase que obvia, já que as duas espécies coexistem em boa parte das culturas indígenas na América do Sul.
Embora não seja um molho tão comum como o tucupi, feito a partir da manipueira fermentada e temperada com pimenta, alfavaca, alho e coentro-de-pasto, o arubé pode ser encontrado em alguns mercados na região Norte. Em São Gabriel da Cachoeira, o arubé se parece com o que conheci, com a diferença que há a opção com saúva. Na última vez que estive em Manaus, estava no aeroporto, numa loja de lembranças, e me deparei com arubé industrializado, em embalagem plástica como as bisnagas de mostarda. Não resisti e comprei para provar. Um creme amarronzado, muito picante e saboroso. Na lista de ingredientes: massa puba, alho, polpa de tomate, cebola, sal, especiarias, pimenta murupi, conservante sorbato de potássio.  Pra mim foi uma novidade especialmente o tomate e o sorbato, já que o que se diz do arubé e o que pude comprovar é que depois de pronto não estraga nunca. Os meus, tanto os comprados em Lábrea quando o que fiz em casa, duraram muitos meses sem nenhuma alteração no aspecto ou no sabor.  As duas vendedoras com quem conversei, Maria das Graças Marques e Raimunda de Souza, não me passaram a fórmula exata, pois não há, já que quem faz pode ir dosando a ardência com proporções diferentes de pimentas ardidas e mansas e corrigindo a consistência com mais ou menos puba. Mas, com generosidade, me contaram exatamente como faziam e o que fiz em casa ficou muito parecido.  Lá é feito com mandioca mansa, conhecida simplesmente por macaxeira, pubada - os pedaços são deixados imersos em água em temperatura ambiente por vários dias até amolecer. Pode ser em potes de barro, tanques ou no rio, dentro de sacos, em água corrente. Para não ficar muito forte, mistura-se um tanto de pimenta-de-cheiro ou cheirosa com outro tanto de pimenta ardósia, nome genérico para as pimentas ardidas.  Elas são  picadas e aferventadas em água com alho. O líquido então é triturado e despejado ainda quente sobre a massa de mandioca fermentada que vai sendo escaldada e pressionada sobre a peneira.  Depois de pronto, nas garrafas, o aspecto é de um molho bifásico, com a massa de mandioca no fundo. Na hora de servir,  basta chacoalhar.  Porém, conforme o molho vai acabando, sobra na garrafa a parte mais densa e a consistência pode ser bem cremosa. Há quem coloque na hora do preparo, junto com o caldo das pimentas um pouco de água de urucum pra ficar um molho mais vermelho. Pode-se ainda deixar umas pimentas inteiras dentro da garrafa.  Geralmente é um molho de mesa e acompanha qualquer tipo de prato salgado, mas é indispensável para acompanhar peixes assados ou fritos. E, claro, serve para temperar sopas, caldos, cozidos, refogados de qualquer natureza.  Tabasco é bom até, mas prefiro Arubé.


Arubé à moda de Lábrea
2 xícaras (230 g)  de pimentas variadas ardidas e mansas (pimenta-de-cheiro, pimenta malagueta, pimenta murupi, dedo-de-moça etc) 
1 litro de água  (pode usar opcionalmente a água fervida com grãos de urucum e peneirada)
2 xícaras (300 g) de pedaços de mandioca (macaxeira, aipim) puba enxaguada  - descascada e deixada imersa em água, em temperatura ambiente, até amolecer
2 dentes de alho (opcional)
Sal a gosto

Faça em local aberto para evitar o vapor irritante das pimentas. Coloque as mandiocas, que devem estar bem amolecidas, sem os pavios, sobre uma peneira apoiada em uma tigela. Reserve. Lave bem as pimentas, tire os cabinhos, coloque numa panela com a água (e o alho, se for usar) e leve ao fogo até que amoleçam (cerca de 3 minutos). Bata aos poucos no liquidificador. Enquanto o líquido ainda está bem quente (se for preciso, volte ao fogo até ferver), despeje-o aos poucos sobre a mandioca, banhando toda ela, amassando bem com uma colher conforme vai escaldando.  Espere esfriar, misture bem e coloque garrafas PET pequenas, deixando espaço de 3 centímetros até a tampa. Aperte a garrafa até o líquido chegar na boca e feche bem. Deixe em temperatura ambiente e quando a garrafa estiver dura, estofada, desrosqueie devagar e deixe escapar o gás. Aperte de novo a garrafa e feche bem. Repita o procedimento por 3 a 4 dias ou até não formar mais gás. Se formar uma natinha branca por cima enquanto fermenta, não tem problema - basta chacoalhar para homogeneizar.  Quando parar de formar gás, pode misturar bem e passar para vidros limpos (ferva e deixe secar ao forno ou ao sol para maior garantia). Feche e use como molho de mesa ou como tempero para pratos cozidos.  Mantenha em temperatura ambiente, em local fresco, por prazo indeterminado. Ou guarde na geladeira pra ter certeza de que vai durar para sempre.
Rende:  1,2 litros

sexta-feira, 19 de junho de 2020

Bolo de cacau e especiarias com fermentação natural


Faz tempo que me pedem um bolo de fermentação natural. Já fiz uma vez um de cenoura, mas nem sei se está aqui no blog ou no instagram. Resolvi fazer um para usar o cacau que tinha guardado (já não me lembro mais de quem ganhei) e o chocolate cem por cento cacau da Arcelia Gallardo, que ganhei da própria.  Fiz duas vezes pra chegar ao que queria e, claro, sempre tem espaço para melhorias. Comecei me baseando numa receita de bolo de chocolate que já publiquei no blog tempos atrás e fica uma delícia (veja aqui) . E fui fazendo mil adaptações até chegar ao que considero do meu gosto. Não sei se será do seu porque é meio rústico, tem pedacinhos de cacau que triturei com casca, tem grãozinhosde especiarias, tem farelo do trigo, do centeio, mas é tudo o que gosto num bolo. E pra cobertura, fui me aventurando na panela de banho maria. Um pouco de leite junto ao chocolate picado, um pouco de açúcar, um pouco de licor de umê que eu fiz.  Mas vou deixar a receita tal qual eu fiz e você faça as modificações que julgar pertinentes, começando por mudar o cacau bruto por cacau já em pó que será mais fácil de encontrar.


Com morango do quintal 

Com café. Nhac! e

Dendê desesperada 

Furadinho, recebeu banho de licor de umê 

Este primeiro ficou meio seco, embora fofo 


Cacau torrado e passado no liquidificador 

Esse primeiro, meio seco, embora gostoso 

A massa do segundo, com açúcar mascavo 
A fórmula, conforme fui fazendo 

Bolo de cacau e especiarias com fermentação natural 

100 g de levain (fermento natural) já ativado e aerado
300 ml de água
200 g de farinha de trigo branca
100 g de farinha de trigo integral
50 g de farinha de centeio
100 g de manteiga
100 g de óleo
250 g de açúcar mascavo
3 ovos
1 xícara de cacau moído
2 colheres (sopa) de especiarias trituradas misturadas (cardamomo, anis estrelado, cravo, canela)
1 pitada de sal
Passas, nozes e raspinha de laranja a gosto

Licor de umê para umedecer

Cobertura: cacau cem por cento derretido com um pouco de açúcar, leite e licor de umê (use uma cobertura de chocolate à sua escolha)

Misture bem numa tigela o levain com a água e junte as outras farinhas. Cubra com pano úmido e deixe fermentar por cerca de 6 horas. 
Numa batedeira coloque a manteiga, o óleo e o açúcar e bata bem. Misture os ovos inteiros e vá juntando à mistura da batedeira com o aparelho ligado. Deve ficar uma mistura bem cremosa. Junte aos poucos a mistura de farinha fermentada,  o cacau, as especiarias e o sal, sem parar de bater, até a massa ficar homogênea. Junte passas e nozes a gosto (opcional). Distribua a massa entre duas formas de bolo inglês untadas e enfarinhadas e deixe em temperatura ambiente até que fermentem e quase atinjam a borda da forma (cerca de 3 horas).
Leve para assar em forno pré-aquecido a 190 C, por cerca de 40 minutos ou até que enfiando um garfo ele saia limpo. Espere esfriar um pouco, desenforme, fure e regue com um pouco de licor (pode ser de sabugueiro) e coloque a cobertura de chocolate (se preferir, misture chocolate em barra com mesma quantidade de creme de leite e derreta em banho-maria).  Se quiser, espalhe por cima raspinhas de laranja. Preferi os morangos do quintal.
Espere esfriar e seja feliz.

Rende 2 bolos.


segunda-feira, 1 de junho de 2020

Tupinambo. Coluna do Paladar, edição de 29 de maio de 2020



Já ia me esquecendo de colar aqui a última coluna do Paladar, sobre Tupinambo, essa delícia. Está lá no site do Paladar, no jornal impresso de 29 de maio e agora aqui também.



É tempo de tupinambo!

Nesse outono podemos colher tempestades, dessas silenciosas e devastadoras que talvez tenhamos plantado um dia, mas não podemos esquecer de tirar da terra nossas raízes, bulbos e tubérculos que nos dão energia para seguir rumo à primavera com força para vencer.  É hora de colher cúrcumas, ararutas, mangaritos, tupinambos.
De uns tempos para cá, a cada ano, vejo aumentar gradativamente a colheita de tupinambo (Helianthus tuberosus), geralmente de plantios agroflorestais, e o consequente interesse. Ainda assim, essa batata é considerada uma Panc (plantas alimentícias não convencionais), porque dificilmente vamos encontrá-la nas feiras livres e supermercados.  Todo ano, ganho de alguém que plantou ou encontro em feiras de produtores.  E sempre, nessa época, também chegam perguntas sobre como usar, como plantar, como colher e o que fazer com essa batata deliciosa com sabor particular.
Parente do girassol e da alcachofra, a planta tem a aparência de um, com lindas flores amarelas, e o sabor do coração da outra, com aquele toque mineral adocicado presente também na bardana e nas folhas de guasca, todos da mesma família das Asteráceas. 
A minha provisão da temporada veio da Unidade de Pesquisa do Polo Regional do Leste Paulista em Monte Alegre do Sul, interior de São Paulo. É que o pesquisador e agrônomo Joaquim Adelino Azevedo está iniciando estudos com a espécie e me mandou um pouco para experimentar. Então, com pesquisas assim, quem sabe, em breve poderemos ter mais tupinambos sendo cultivados por pequenos produtores e talvez possamos encontrá-los mais facilmente nas feiras.
Por enquanto, é iguaria destinada aos obstinados em plantar e aos sortudos que se deparam circunstancialmente com ela, como foi o meu caso. A primeira vez que vi um tupinambo ao vivo foi em Paris, anos atrás, e me apaixonei de cara. Comprei sem saber direito como se preparava, mas logo que se corta e sente a consistência entre uma cenoura e uma batata não é difícil imaginar o preparo. Sopas pedaçudas ou em creme, purês, saladas, curries de vegetais e uma infinidade de pratos podem ser feitos com ele. Inclusive se come cru, embora todo o sabor de alcachofra apareça depois de cozido  - como é o caso da erva parente, guasca ou picão branco, Galinsoga parviflora, que já mereceu uma coluna aqui, e tem sabor muito próximo. 
Mas mesmo na França, o vegetal já foi mais presente. Hoje faz parte do grupo dos légumes oubliés, os legumes esquecidos que só são encontrados em empórios empenhados no comércio de frutas e legumes pouco convencionais, como as batatas andinas, as coloridas etc. – são as Panc dos franceses.
Embora seja de fácil trato e tenha ótimo rendimento, há alguns artifícios para se conseguir fazê-lo produzir em terras tropicais, já que tem origem na América do Norte onde enfrenta invernos rigorosos.  Então, em regiões com inverno tolerável, o segredo é colher as batatas quando as folhas secam, no outono, e separar alguns bulbos na geladeira para plantar da primavera. Há algumas técnicas para que resistam sem ressecar nem apodrecer.  Deixar as batatas dentro de um recipiente com areia limpa, fervida, escorrida e úmida é uma. A outra é selecionar pedaços com mais gemas, cortar e passar a parte cortada em canela em pó para não apodrecer, como faz o pesquisador Joaquim Adelino. Basta então colocar os pedaços dentro de um saco de papel e outro de plástico. Assim, ficam até o começo da primavera quando podem ir para a terra – fofa, fértil, com boa drenagem. Em pouco tempo crescem e florescem como girassol. O aspecto, porte alto, ramificado, com lindas flores amarelas, é muito parecido ao girassol a que chamamos de margaridão ou mão-de-deus, não comestível.
O fato de ser uma variedade de girassol e ter tubérculos com sabor de alcachofra explica alguns de seus nomes. Na América do Norte, o Helianthus tuberosus já era cultivado pelos ameríndios antes da chegada dos europeus.  Mas o nome em inglês que se consagrou foi jerusalem artichoke. Artichoke é alcachofra e jerusalem é corruptela do italiano girasole, girassol. Atende também pelo nome composto sunchoke, de mesma motivação.  Agora, o nome em francês, tupinambour, tem origem curiosa.  Em 1613, seis índios brasileiros Tupinamba foram levados por missionários a Paris como curiosidade. Metade morreu na viagem e os sobreviventes foram batizados com nomes franceses, na igreja dos Capuchinhos, vestidos e desenhados com trajes locais da época, e apresentados à corte de Luís XIII, causando sensação.  Na mesma época, o cultivo do girassol batateiro foi introduzido na França, o que se levou a acreditar que a origem da espécie fosse brasileira, dos Tupinamba. Virou tupinambour em francês e tupinambo em português.  Ou seja, uma homenagem falaciosa oriunda de um fato vergonhoso.  Mas sempre podemos chamá-lo de alcachofra de Jerusalém.
Uma característica em comum com a alcachofra e outros membros da família das Asteráceas é que o tubérculo do tupinambo armazena inulina, um tipo de carboidrato considerado fibra solúvel, importante substrato para a flora intestinal e por isso considerado um ótimo aliado para o bom trabalho de nossa microbiota intestinal e bastante funcional para diabéticos. Em excesso, porém, pode causar muita fermentação e desconforto por causa dos gases formados.  Basta usar com moderação. Como o sabor é agradavelmente marcante, para quem é mais sensível, é só usar uma pequena quantidade combinada a outros legumes para dar um sabor especial a sopas, cremes, purês, saladas etc.
Há muitas variedades da mesma espécie, com bulbos mais organizados, menos disformes, mas a vantagem é que mesmo aqueles com mais protuberâncias podem ser consumidos com a pele.  Podem ser cozidos inteiros, por cerca de 20 minutos, começando com água fria como para cozinhar batatas, ou já picados ou fatiados, por 5 minutos ou mais a depender da espessura dos pedaços.  Na sopa, qualquer pedaço dele já confere um sabor muito bom e pode ser usado como tempero.
Apesar da textura firme como uma cenoura, é frágil como a batata-baroa ou mandioquinha e, se deixado desprotegido em temperatura ambiente, logo perde umidade, ficando murcho e apodrece com facilidade.  Então, quando o encontrar em feira de produtores, para consumo, o melhor jeito de conservar é dentro de recipiente bem fechado na geladeira. Antes, porém, embale os tubérculos em saco de papel para que absorva a umidade evitando apodrecimento.  E se estiverem murchos, mergulhe-os em água fria e limpa e espere meia hora. Ficarão firmes novamente.
Segue aqui uma receita circunstancial que fiz com os ingredientes que tinha em casa. O modelo pode ser o mesmo e você adapte com o que tenha por perto, mantendo, claro, os tupinambos, que farão toda a diferença.

 


Macarrão chumbinho com tupinambo

200 g de macarrão chumbinho
50 g de amêndoas cruas picadas grosseiramente
3 colheres (sopa) de azeite
100 g de cebola média picada finamente
100 g de cenoura picada finamente
100 g de vagem picada em fatias finas
250 g de tupinambo bem lavado, sem descascar, picado finamente
50 g de uvas passas pretas
Sal a gosto
1 pitada de pimenta calabresa
2 colheres (sopa) de salsa-do-líbano picada finamente (use salsa comum, se for mais fácil)

Em uma panela com 2 litros de água fervente e 1 colher (chá) de sal, cozinhe o macarrão até ficar macio, cerca de 5 minutos. Escorra e passe em água fria, para tirar o excesso de amido. Deixe escorrendo.
Numa frigideira grande, coloque a amêndoa e leve ao fogo médio, mexendo sempre, até que comece a dourar.  Reserve.
Na mesma frigideira, coloque o azeite, leve ao fogo e espere aquecer. Junte a cebola e refogue, mexendo, até que fique transparente. Junte a cenoura, a vagem, o tupinambo, as passas, o sal e a pimenta.  Deixe cozinhar sem parar de mexer delicadamente até que os legumes estejam cozidos mas ainda crocantes.   Junte o macarrão escorrido e incorpore aos legumes. Assim que estiver bem quente, desligue o fogo, distribua em 4 pratos e espalhe por cima as amêndoas e a salsa picada.  Sirva quente.
Rendimento: 4 porções