Tudo bem que eu disse que a
charada estava fácil, mas não pensei que só a Cristina acertaria. Tudo bem também que eu fui um pouco ardilosa em colocar as frutinhas dentro de um micro almofariz de modo a enganar sobre o tamanho. Mas, como não sou de toda sacana, coloquei junto a planta com flor. Ok, meio desfocadas, mas a dica, quando há, tem que estar na entrelinha, se não não é charada, né não?
Então, pronto, faz tempo que estou pra falar da maria pretinha, que todo mundo conhece e muitos de nós comeram a frutinha quando era criança. Com o tempo a gente vai acumulando medos espalhado por um ou por outro. Culpam-na de venenosa só porque tem lá uns alcalóides do tipo solanina, parecidos ao que aparecem no tomate, na berinjela, etc.
Mas se você consultar fontes seguras como Harri Lorenzi, Valdely Kinupp (veja a tese dele sobre plantas alimentícias não convencionais
aqui) ou o livro "Black Nightshades: Solanum Nigrum L. and Related Species", de Jennifer M. Edmonds, James A. Chweya (que pode ser
consultado aqui), vai ver que a planta é comestível e tem histórico de uso na alimentação. Só se deve evitar os frutos verdes e as folhas cruas - na Ásia e na África as folhas são consumidas como verdura. Os frutos maduros são agradáveis, ricos em vitaminas, minerais e nutracêuticos como a antocianina - assim como as uvas, jabuticabas e blueberries -, que lhe dá o tom arroxeado.
Quanto à classificação taxonômica, não ouso afirmar que a espécie que tenho é a
Solanum americanum (quase certo que seja), pois depois de ler o livro citado acima, não ouso ser categórica, já que tanto a
S.americanum como a
S. nigrum podem ter variações na folhagem. Sorte que as duas, espalhadas por todo o continente americano, são muito similares e não há risco de confusão já que ambas são comestíveis.
Elas são classificadas como ervas-daninhas e duramente castigadas quando aparecem onde não deviam estar - especialmente nos roçados de feijões, cafés etc. Mas, sorte minha, nasceu no meu quintal espontaneamente. No início, até achei que fosse um pezinho de pimenta cumari, pois se parecem na juventude. Aliás, são parentes. Só para citar alguns da família: camapu ou fisalis, tomate, pimenta, pimentão, batata, berinjela, jurubeba, jiló, lobeira. Bem, as florezinhas brancas lembram as da pimenta cumari. Mas logo vieram as bolinhas. Cuidei como pude e levei para nosso sítio. É lamentável dizer mas todas as ervas "espontâneas" que hoje lá estão foram levadas daqui, pois toda a terra era tomada por braquiária, que subjuga todas as demais espécies. Plantei a maria-pretinha do lado de fora do viveiro e agora não dou conta de tanto colher frutinhos. Eles são pequenos e agrupados em cachos como se os talinhos fossem hastes de um guarda-chuvas nu. A planta adorou o lugar, se espalhou, frutificou e as formigas não comeram.
Com ela já fiz geleia como faria de amora. Com umas gotinhas de limão, a cor fica ainda mais vibrante, mas não tem muita pectina. Com maçã deve ficar muito mais firme. Fiz também compota - só cozinhei os frutinhos em calda rala. Dá pra usar como calda para tortas e sorvetes. Mas o que mais gosto mesmo é acrescentar à massa de panqueca, principalmente se elas forem de massa mais grossa.
No domingo fiz as panquecas para o café da manhã e realmente dá pra pensar que são de blueberries. Mas que blueberry, que nada. Poderiam chamar, apelando para vender, de black mary, ou little blackmary, como sugeriu o Marcos. Mas é como maria-pretinha que todo mundo por aqui a conhece, embora haja outros nomes como garaquinha, araxixu, caraxixá e erva-moura, entre outros, segundo H. Lorenzi. Não, em inglês não é blackmary, mas black nightshade, nome comum a espécies relacionadas, que também gera confusão. E, não, não adianta me perguntar onde vende. Saia observando nas ruas e terrenos baldios. Recolha frutinhos e plante em vasos ou no jardim (Suzana, minha irmã, diz que tem na jardineira).
Sorte que já tinha feito e tirado foto outro dia, pois separei umas panquecas lindas para fotografar e servi as outras. Avisei minha irmã que eram pra foto, mas antes de almoço, achando que eu já havia fotografado, ela não resistiu e acabou com a possibilidade de você ver aqui a foto de panquecas mais apetitosas que estas que apresento. Segundo ela, o gato atacou primeiro. Bem, sinal que gostaram. Mas encontre maria-pretinha por aí e faça a sua própria versão. Aqui a receita da minha - uma panqueca normal com um pouco mais de farinha e açúcar.
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Quentinha com manteiga. Nhac! |
Panquecas com maria-pretinha
1 xícara de leite
1 ovo
6 colheres (sopa) de açúcar
1 pitada de sal
1 colher (sopa) de manteiga
1,5 xícara de farinha de trigo
1 colher (chá) de fermento em pó
1/4 de xícara de maria-pretinha lavada e seca
Bata todos os ingredientes, menos a maria-pretinha, no liquidificador, junte as frutinhas, e cozinhe uma colherada (de servir) de cada vez, em frigideira antiaderente, deixando dourar de um lado e depois do outro.
Dá pra 6 pessoas (mais que uma por cabeça)
Mais fotos:
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Os frutos, só maduros. As folhas, só cozidas |
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Minha irmã Suzana. Colheu e comeu |
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Geleia: sem muita pectina. Funciona como uma deliciosa calda |
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Em compota, sobre manteiga sobre pão. Nhac! |