Aqui, triturado com kinkã, com beterrada e puro.
Desde a semana passada que estou tentando descobrir o mistério do crem enviado pelos amigos Rui e Mariângela, de Porto Alegre. Queria saber o nome científico da batata pré-histórica para descobrir mais sobre ela, já que não é aquela raiz forte que conhecemos (Armoracia rusticana). Desta, ganhei uma para plantar, trazida da Hungria pelos parentes da leitora e vizinha Verônika (aquela dos menininhos e a abóbora – aliás, até ontem, ela, a abóbora, estava intacta, quando a abri e fiz um creme que publico em breve).
Pois bem, esta é a raiz forte que todos conhecem:
Destas, refoguei as folhas e plantei a raiz no quintal, que já lançou nova folhagem.
Vejam a mensagem da Verônika, me enviada em abril: “olhei no meu quintal e achei duas coisas que você talvez tenha interesse: semente de vinagreira (groselha) e uma muda de raiz forte (com o calor e a umidade, dá menos raiz que na Hungria, mas dá muita folha, para saladas picantes). É preciso cuidar porque se alastra e vai ficando difícil arrancar toda ela - sempre sobra um pedaço de raiz que vai brotar na próxima chuva. Mas um sítio é sempre um sítio”. Acontece que plantei aqui mesmo no quintal. Veremos no que vai dar.
Pois é, quem me conhece sabe que quando encafifo com uma coisa sou capaz de passar horas, dias, procurando obsessivamente mais sobre o assunto. É o que venho fazendo desde a semana passada, deixando de lado até obrigações importantes. Mas chega a hora de jogar a toalha. É que o crem da mãe alemã do Rui é de outra linhagem, embora a Dona Lidia König Gassen o cultive há décadas lá em Santa Rosa-RS dando-lhe o mesmo destino do outro. Coitado do Rui, deve ter se arrependido de ter me dado as batatas. Soubesse ele que ficaria depois infernizando pra saber a origem, o nome científico, não as teria enviado. Na tentativa de aplacar logo minha chatice, mandou algumas explicações práticas, descreveu a velha Hübler que cultivava esquisitices e que presenteou o crem-cipó à mãe, apelou para o irmão, tirou fotos da batata brotando, da planta na cerca e até da mãe, dona Lidia, pra provar que o tal do crem não é rastro de onça. Mas eu quero mesmo é saber o nome em latim. O nome em latim, Rui! Ou qualquer outro nome que não sejá raiz forte ou crem.
A polpa é branca e crocante. Vai bem também ralada em saladas.
Apesar de ter o mesmo sabor e a mesma pungência da Amoracia, as folhas miúdas dão em ramos trepadores. Vejam o email delicioso do Rui Gassen:
Oi Neide
Infelizente não tenho a mínima idéia de onde veio esta versão tubérculo do crem. A versão com raiz veio da Alemanha. A minha mãe falou que ela ganhou as duas versões desta senhora que tinha coisas esquisitas em seu quintal. (talvez até as mandrágoras gritadoras). Lembro também que ela ia com uma carruagem puxada por dois cavalos para vender seus produtos esquisitos na feira verde de Santa Rosa. Eu quando eu era criança, ia no potreiro dela escondido e subia nas árvores para comer ariticum (um tipo de fruta do conde em miniatura). Também tinha medo do marido dela, um senhor taciturno, sem muitas palavras e um olho de vidro, que atravessava todo o sábado a roça de meu pai nos fundos de casa para ir jogar bocha em um clube da colônia. Ele a acompanhava na feira. Parecia um Zumbi. Infelizmente ela e seu Zumbi levaram o segredo para a sepultura. Nós a chamávamos de véia Hübler. Só consegui ir à casa deles porque a vontade de comer mangas das quais só sabia que existiam por livros do sítio do pica-pau amarelo foi maior que meu medo. Juntei meus trocados e voltei com as mãos carregadas de mangas mirradas mas maravilhosas. Tinha a idade da Laura. Não ajudei grande coisa, mas é isto aí
Abraços
Rui
De Porto Alegre pra São Paulo. Aqui a mãe do Rui, Dona Lídia König, que ganhou crem-cipó da Senhora Hübler. Deu pro Rui, que deu pra mim.
Rui apela para o irmão, sem muito sucesso:
Rui e Mariângela,
Sobre a raiz-forte. A mãe recebeu de uma senhora descendente de poloneses, do município de Getúlio Vargas, há 50 anos. Tinha dois tipos de raiz-forte: a tradicional, tipo nabo e a trepadeira, mais rústica. Seguem fotos da raiz-forte trepadeira.
Dirceu
Nas minhas procuras, achei o jeito de preparar a raiz forte comum e adaptei para nosso crem-cipó:
Piquei e processei 250 g de crem-cipó (chamarei assim na falta de outro nome, por enquanto), processei com ¼ de xícara de água gelada e 2 pedras de gelo, até ficar bem triturado. Juntei 1 colher (chá) de sal e 3 colheres (sopa) de vinagre. A uma parte dela, juntei um pedaço de beterraba e processei para ficar vermelho. Juntei mais sal e mais vinagre porque a beterraba diluiu a preparação. A uma outra porção, juntei duas kinkãs finamente picada e uma pitada de açúcar. Processei tudo.
O que vou fazer com isto ainda não sei. Comer com peixe defumado, misturar com manteiga amolecida e servir sobre batatas, usar no molho de carne, com creme azedo. Não sei. Aceito sugestões.
O texto abaixo, leia só se quiser saber mais sobre a raiz forte comum. Adaptei, me auto-plagiando, de um texto maior que escrevi para a revista Caras há séculos, mas ainda vale. Toda a explicação sobre a composição da pungência deve ser a mesma para o crem-cipó.
A planta Armoracia rusticana é originária do Sudoeste da Europa e Oeste da Ásia, mas é cultivada atualmente em toda a Europa, nos Estados Unidos e nas regiões mais frias da América do Sul. A raiz comprida tem casca fina, áspera e marrom clara, tem polpa branca ou creme. Pertence à mesma família da couve, da mostarda, do nabo, do rabanete e outros. Aliás, lembra um nabo daqueles bem fortes e também aquelas folhinhas de mentruz rasteiro.
Em alemão recebe o nome de meerrettich; em francês, raifort; horseradish em inglês e rafano ou cren em italiano. A planta conhecida como “raiz forte verde” ou “raiz forte japonesa” (Wasabi) é diferente botanicamente da Armoracia rusticana, mas assemelha-se por sua raiz também pungente. Então, agora, são três raizes-fortes de diferentes espécies, se contarmos com o crem-cipó. Pelas características da planta, acredito ser de outra família.
Quando está sendo ralada, a raiz forte libera um vapor irritante para os olhos, assim como a cebola. E isto vale para os três tipos. A substância ativa responsável é o isotiocianato alílico, também conhecido como óleo de mostarda, que irrita as terminações dos nervos olfativos, causando lágrimas e salivação. Por isso o procedimento deve ser feita sempre com a janela aberta.
Para ressaltar suas características, a raiz forte pode ser misturada com vinho branco ou vinagre de cidra e açúcar. Para um molho mais sutil e discreto, deve-se usar apenas um pouco de raiz forte para aromatizar creme azedo, iogurte ou creme batido (ou com partes iguais de iogurte e creme de leite) adicionando um pouco de açúcar, sal e um pouco de suco de limão para balancear o sabor. Nozes picadas e cebolinha constituem ótimas combinações para esses molhos. Pode ser servido com roast beef, carnes assadas, peixes, particularmente os defumados, ovos e frango. Fica maravilhoso com beterrabas ou em molho de maçã.
Como usar: lave a raiz forte, esfregando vigorosamente, divida em 3 ou 4 pedaços, e então raspe a casca e rale a quantidade que for usar aproveitando mais a parte externa. A parte central é filamentosa e insípida e deve ser desprezada. Depois de ralada, ela perde sua pungência se deixada exposta. Então, se não for usá-la imediatamente, é melhor congelá-la. Inteira, pode ser congelada por até 1 ano. Para conservá-la refrigerada, coloque os pedaços dentro de um saco de papel e depois dentro de um saco plástico e guarde na geladeira por até 2 semanas. Quando ralar, faça-o em local arejado, pois o vapor liberado é irritante para os olhos, fazendo-os lacrimejar. O óleo volátil que dá o sabor e a pungência é extremamente suscetível ao calor. Por isso, a raiz forte deve ser sempre adicionada no final do cozimento de molhos quentes, quando já estiverem mornos ou, se possível, imediatamente antes de servir. Para fazer um molho com creme de leite, para acompanhar carnes assadas ou peixes defumados, combine 1 xícara de creme de leite azedo, 3 colheres (sopa) de raiz forte ralada, 1 pitada de sal e outra de pimenta.
Nota: Graças ao comentario do Tiago Pilla, temos cá o nome da batata-crem - Tropaeolum pentaphyllun Lam. Para saber mais sobre ela, veja a página 63 desta cartilha de agrobiodiversidade.