Hoje tem coluna Paladar. No jornal impresso e no site. Aqui também:
TANSAGEM
Dia desses, me sentei num banco em frente ao restaurante Arturito
esperando as portas se abrirem quando olhei para uma jardineira da qual
brotavam displicentemente algumas ervas comestíveis, como major-gomes, violetas
e a mais elegante de todas, uma roseta de tansagem-grande. Senti-me observando
a aquarela La Grande Zolla, do artista renascentista Albrecht Dürer (1471 –
1528) que parece ter arrancado uma pá de solo vivo do parque para
retratar os matos espontâneos da época, dentre os quais pelo menos duas
comestíveis, dente-de-leão e a mesma tansagem-grande que estava na minha
frente. E, sim, ali há ervas não convencionais no menu, mas vindas de
produtores.
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Restaurante Arturito |
Hoje tansagem é o tipo de erva mais lembrada por seus atributos fitoterápicos
que pelo seu uso alimentício. Caso resolva afinar suas pesquisas sobre as
espécies que atendem por este nome, logo vai poder comprovar qual é a maior
vocação desta planta. É claro que por vezes as duas coisas andam juntas, sendo
ela um ótimo exemplo de comida medicinal ou remédio comestível, como se vê na
receita de lentilhas com tansagem no grande tratado “Matéria Médica” do botânico
grego Dioscórides, que viveu no século I a.C. Aliás, a erva tem ali diversas
aplicações.
Eu a conheci primeiro como alimento e sabia de seus usos como remédio
para garganta mas não liguei um fato com outro quando alguns anos atrás um
vizinho, médico cubano, veio me perguntar se eu conhecia por aqui uma erva que ele
costuma usar em seu país. Disse o nome que só registrei mal e mal de ouvido.
Pela descrição, não identifiquei, mas
cheguei em casa e passei algum tempo no buscador até descobrir a grafia correta
em espanhol – llantén. Ele procurava, então, a tansagem, erva nada rara por estas bandas. Colhi
um belo exemplar com torrão de terra a poucos metros de sua casa e replantei
num pequeno vaso que lhe dei de presente. Eufórico, queria saber onde poderia
encontrar mais da planta e ficou surpreso de saber que crescia praticamente aos
seus pés. A partir daí passei a dar mais atenção aos seus vários usos
medicinais. Mas aqui vamos falar de comida.
Há pelo menos três espécies do gênero Plantago que atendem por nomes populares como tanchagem, transagem,
tranchagem, plantagem. São elas: Plantago australis, P. lanceolata e P. major.
A primeira é bastante comum e tem folhas com leve penugem e roseta bem aberta,
a segunda tem folhas estreitas como lanças apontadas para cima e na P. major as folhas têm formado ovalado de
colher, com base afilada. Há várias características em relação às folhas, raízes
e flores que diferenciam as espécies, mas em comum todas elas apresentam
nervuras proeminentes, por dentro das quais passam linhas brancas que podem ser
facilmente notadas quando a folha é quebrada na base. Estes fios podem ser
puxados na hora de preparar ou são seccionados quando as folhas são cortados na
transversal. E as flores e sementes são agrupadas em espigas eretas e longas.
Os termos em inglês, plantain; em
italiano, piantaggine; e em
castelhado, llantén, também nomeiam
estas três espécies de mesmo gênero e com usos culinários e medicinais
parecidos, tirando algumas particularidades.
Quem tem esta erva por perto, e ela é endêmica em praças, calçadas e
parques - pode se aventurar um pouco
mais na coleta de outras espécies e em situações de sobrevivência, afinal
pequenos arranhões, urticária de urtigas e picadas de abelhas podem ser
resolvidos esfregando na área atingida folha amassada de tansagem. E a planta mais velha tem ainda fibras
flexíveis e resistentes que podem ser usadas para improvisar linhas de sutura, pequenas cordas e linha de pesca.
Para comer, claro, o ideal é que tenha plantas no quintal de casa e para
isto pode sair à caça de sementes ou esperar que nasçam espontaneamente. Uma
hora ou outra elas sempre vêm. Na primavera e verão será fácil encontrar as
sementes. Outra opção é comprar as
folhas em feiras de produtores orgânicos. Certamente haverá tansagem onde há
cultivo de hortaliças, pois é uma daquelas ervas daninhas que seguem os
caminhos do homem – suas sementes se misturam aos grãos de cereais e assim
viajam mundo, colonizando solos compactados, evitando erosão e sobrevivendo a
constantes atropelamentos – certamente já pisou em algum pezinho de tansagem,
tente olhar os gramados por onde anda. Isto faz dela uma planta resiliente,
resistente e fiel aliada, que estará sempre por perto quando precisarmos.
Parece que até o final do século X, ela ainda teve uso expressivo
na cozinha europeia, especialmente antes da chegada das espécies da
América. Depois foi perdendo
importância. Há registros de uso tradicional da tansagem nas cozinhas dos
países mediterrâneos, como Espanha, Itália, Eslovênia, Croácia, Turquia e
Líbano e o costume ainda sobrevive em algumas regiões. As folhas externas são
usadas para alimentar animais e as internas, mais tenras, para saladas ou como
verdura em sopas, purês, refogados, recheios de pasteis, quiches, para dar cor
a massas, fazer risotos etc. Agora, não dá para esperar que tenha a mesma
popularidade de um brócolis ou de uma alface, pois a tansagem tem lá suas
idiossincrasias.
Na mesa italiana, a erva esteve presente desde tempos remotos,
especialmente em momentos de escassez, junto com chicórias silvestres, urtigas,
dente-de-leão, rúcula e outras ervas espontâneas. Atualmente, o movimento de
retomada da biodiversidade à mesa para trazer de volta às panelas espécies
comestíveis esquecidas tem despertado interesse não só no Brasil mas no mundo
todo por estas plantas tidas às vezes como daninhas. Por isto já não é difícil nos
depararmos com receitas saborosas com a erva. É o caso de inúmeras fórmulas de
pestos di piantaggine ou de zuppa (sopa) di piantaggine entre outros pratos
tradicionais ou contemporâneos. Para
fazer o pesto, coloque no copo do liquidificador 30 folhas de tansagem picada,
15 g de amêndoas, 20 g de queijo parmesão ralado, 5
colheres (sopa) de azeite de oliva, 2 colheres (sopa) de água e meio
dente de alho (opcional). Ligue o
aparelho e triture até ficar um molho homogêneo. Sirva com massa
Embora possam ser consumidas cruas, as folhas são meio adstringentes e
amargas. Já quando cozidas são gostosas, com taninos e amargores bem atenuados
e um sabor agradável de cogumelos em destaque, resultado de uma associação
destas espécies com fungos. Nas flores e sementes o sabor de cogumelos secos é
ainda mais marcante e podem ser consumidas em qualquer estágio – quando as
espigas estão ainda bem tenras, podem ser cozidas como pequenos arpargos e
quando as sementes estão já maduras, basta debulhar e usar em pães, biscoitos,
bolos etc – com ou sem as fibras que as envolvem.
As folhas mais firmes, quando aferventadas por 4
minutos em água salgada, ficam com consistência de algas. Uma outra forma de consumir as folhas é como chips, temperando
com azeite e temperos e deixando secar no forno em temperatura baixa. Ficam bem crocantes e podem ser servidas como
aperitivo ou algas secas – veja receita. E um jeito de fazer que adoro é
simplesmente cortar bem fininho como couve e refogar como tal. É só dar um
susto no azeite bem quente com alho, para murchar, temperar com sal e nhac!
Chips
de tansagem
30 folhas grandes de qualquer espécie de tansagem
2 colheres (chá) de óleo de gergelim ou azeite
1/4 colher (chá) de sal
1/2 colher (chá ) de pimenta calabresa
1 colher (sopa) de sementes de gergelim branco e/ou preto
1 colher (chá) de
açúcar
Pré-aqueça o forno a 150 ºC. Lave as folhas e seque-as com
pano de prato limpo e seco. Em uma
tigela grande misture as folhas com o tempero. Espalhe as folhas de uma só vez
em assadeiras. Talvez seja necessário mais de uma assadeira. Se puder forrá-la com papel siliconado,
melhor.
Deixe assar até as folhas ficarem crocantes, mas não queimadas,
cerca de 10 a 20 minutos, dependendo do
tamanho das folhas. Tire do forno,
espere um pouco e prove. Se ainda não estiverem crocantes, leve ao forno
novamente por cerca de um minuto.
Quando estiverem completamente frias, guarde as folhas em
recipiente que feche hermeticamente. Assim podem ser conservadas por várias
semanas. Sirva como aperitivo ou use
como tempero - esfarele sobre o arroz,
por exemplo.