O assunto era pra ser um, mas hoje é quinta, então é outro. É que tem coluna Nhac no Paladar e aproveito para deixar aqui também. Se quiser ver no blog do Paladar, vá lá e aproveite para ler o caderno inteiro, que está muito bom. Ou compre o jornal Estadão, nas bancas.
Já falei muito sobre sagu aqui no blog. Basta ir no campo de busca e ver as opções, mas hoje falo de uma técnica diferente de usar sagu -já tinha mostrado também aqui no Come-se, mas não para os leitores do jornal.
Então, aqui está o texto, um resumo de tudo o que já disse um dia aqui.
Sagu de mandioca
Algumas vezes o marido otorrino já teve
que tirar a bolinha branca do ouvido ou nariz de uma criança e ensiná-la que
sagu é gostoso pra se sugar pela boca quando bem cozido, cremoso, macio,
elástico, escorregadio, quase sempre tingido de vinho tinto para alegria de
adultos e pequenos.
O que não costuma nos ocorrer na hora
do deleite é associar a bolinha às nossas raízes. Aliás, se por um lado a
mandioca é ignorada como matéria prima, por outro, pode-se achar
redundante dizer sagu de mandioca,
afinal toda bolinha branca encontrada nos supermercados brasileiros é feita
com o amido dela. E, pela origem desta
matéria prima, há quem acredite que sagu seja produto da terra. Não é. Nem tão óbvio que o ingrediente seja
sempre a mandioca, nem que a técnica seja expertise indígena, embora a farinha
de tapioca do Norte tenha alguma semelhança.
Tradicionalmente, as pérolas de sagu ou pearl sago, como se diz na língua inglesa, são feitas do amido
extraído do interior do tronco de palmeiras encontradas na Ásia e Pacífico,
todas do gênero Metroxylon, incluindo
a M. sagu, mais comum, que dá origem
ao nome popular em quase todo o mundo. No século XIX as bolinhas brancas que aumentam
de tamanho e se tornam translúcidas depois de cozidas começaram a fazer parte
da dieta da tripulação dos navios que voltavam da Ásia trazendo chá para a
Europa. Cruas, ocupavam pouco espaço. Cozidas, inchavam, enganavam a fome. Não
demorou muito e o sagu foi incorporado como ingrediente na cozinha inglesa. E aos
poucos foi se transformando em pudins, manjares e mingaus infantis.
O que isto tem a ver com nosso sagu de mandioca? Acontece
que as bolinhas fizeram tanto sucesso, que a produção asiática à partir do
amido da palmeira não conseguiu atender à demanda e, assim, elas passaram a ser
feitas com outros tipos de amido com características parecidas, sendo o mais
similar e mais farto o de mandioca. Mas podem ser feitas também com uma mistura
de amidos de mandioca e de batata doce, como fazem os chineses. Ou ainda com
araruta, usada em vários países da América do Sul. Féculas de batata, de feijão e de milho são
outras escolhas. O fato é que sagus são produzidos com tipos de féculas
diferentes, geralmente as que são mais fartas no lugar. No nosso caso, de
mandioca. O importante é que resultem em
pequenos grãos esféricos que fiquem translúcidos ou transparentes com textura
elástica e gomosa depois de cozidos.
Na Índia o sagu é feito de mandioca como
o nosso, mas podem ser brancos ou coloridos e ainda hoje uma grande parte é
produzida artesanalmente. O processo doméstico
envolve a extração da fécula – ralar a mandioca, lavar, separar a fibra, deixar
o caldo leitoso em descanso para que o amido se sedimente e desprezar o líquido
sobrenadante – do mesmo jeito que extraímos a goma para a tapioca. A massa
úmida pode ser agitada sobre tecido para se formem grânulos ou pode ser pressionada contra peneira perfurada. Depois
as bolinhas passam por secagem em tachos para pré-gelatinizar o amido e extrair
a umidade. Elas ficam soltas e opacas. Na indústria, a diferença é que todas
estas fases são mecanizadas, só isso. As
raízes passam por extratores do amido que segue, por sua vez, seu trajeto entre
granuladores, cilindros giratórios, placas aquecidas, fornos, desidratadores e
empacotadores. Com isso, as pérolas de sagus encontrados no comércio são
pequenas esferas perfeitas.
Perfeitas, mas insípidas como também
são as artesanais independente do tipo de amido usado. O que confere sabor é o
tempero que vai no preparo. Por
aqui, o mais comum é cozinhar com
vinhos, frutas vermelhas, cravo e canela. Porém, mundo afora o sagu tem tantas
variações que a gente não faz ideia. Se da farinha de tapioca que é nossa não
conhecemos da missa a metade, do sagu então, menos ainda - pelo menos não vemos
por aí muitos usos além dos clássicos sagus doces do tempo dos mingaus ingleses
ou imitações de caviar quando tingidos de preto – aliás, eles absorvem bem
pigmentos e sabores.
Na Índia, eles entram em saladas, sopas,
bolinhos com batatas, em discos brancos ou coloridos fritos e crocantes como
chips e, claro, sobremesas. Nos mercados chineses, as bolinhas de sagu podem
ser encontradas em tamanho maior e coloração enegrecida graças à passagem por caramelo ou pigmentos
alimentares - no bairro da Liberdade, em São Paulo, não é raro
encontrá-lo. Os chineses usam o sagu
escuro no Bubble tea, feito com chá verde gelado. Os japoneses chamam
uma bebida parecida de Pobá ou bobá
que pode ser feita com leite ou suco de frutas. Nos dois casos, o sagu representa
a parte mastigável e divertida do suco. Nas Filipinas, uma cobertura de sagu
com calda de açúcar faz parte da guloseima vendida na rua, o taho, espécie
de coalhada de leite de soja . Na Tailândia, há inúmeras sobremesas, de pudins
a sopas, feitas com as bolinhas.
Como tem a mesma composição da
tapioca, não demora muito e será a próxima estrela das academias.
Não importa o que pretenda fazer com o
sagu, uma boa forma de preparo é deixá-lo coberto com bastante água por algumas
horas ou durante a noite, depois deixar escorrendo numa peneira por 4 horas até
perder o excesso de umidade e aí sim prosseguir o preparo. Em vez da água, pode
usar água colorida naturalmente com pigmentos vegetais – com flor de hibisco,
malvavisco ou feijão-borboleta, por exemplo. Se for cozida, cerca de 25 minutos
em bastante água fervente são suficientes. Mas se esqueceu de deixar de molho e
quer usar imediatamente, cozinhe em bastante água fervente – cerca de 1 xícara
de sagu para 3 litros de água por cerca de uma hora, escorra, enxague em água
fria para extrair o excesso de goma diluída e siga o preparo – com vinho ou
leite, por exemplo. As bolinhas hidratadas podem ser apenas salteadas como verá
na receita a seguir.
Só para
ilustrar, escolhi um prato indiano com ingredientes que temos em comum e que
pode ser servido quente ou frio. Além de delicioso, é colorido, refrescante,
fácil de guardar, servir e transportar, sendo uma ótima escolha para fazer com
antecedência em dias de festas ou para levar em refeições comunitárias ou piqueniques.
Sagu de festa
3/4 de xícara de sagu
1 xícara de água
3 colheres (sopa) de
óleo
2 colheres (chá) de
grãos de cominho e 2 de grãos de mostarda preta
2 batatas cozidas, com
ou sem pele, cortadas em cubos (ou batata-doce)
1 pitada de açafrão-da-terra
em pó (cúrcuma)
8 tomates cereja
cortados em metades ou 1 tomate picado em cubos
1/2 colher (chá) de pimenta vermelha em pó
1 pimenta dedo-de-moça
verde, finamente picada
1/4 de xícara de
castanhas de caju tostadas – ou use amendoins com pele torrados
1/4 de xícara de uvas
passas e/ou damascos picados hidratados por uma hora e escorridos
Sal a gosto
2 colheres (sopa) de
suco de limão fresco ou a gosto
Coentro picado a gosto
Hidrate o sagu: cubra as bolinhas com 2 litros de água e deixe de molho durante
uma noite ou por pelo menos 5 horas. Escorra pela manhã e deixe na peneira por
cerca de 4 horas ou até o momento de preparar. Estas bolinhas já hidratadas
podem ser guardadas na geladeira por até três dias, para usar depois.
Em uma frigideira
grande, aqueça o óleo em fogo médio. Junte o cominho e a mostarda e espere
começar a pipocar. Acrescente as batatas em cubos e refogue-os por 5
minutos ou até começarem a ficar crocantes. Neste momento, junte a cúrcuma em
pó e misture. Em seguida adicione o tomate picado, pimenta em pó e a
pimenta picada e refogue rapidamente, só para o tomate murchar (3 a 4
minutos). Coloque as castanhas e as frutas secas e tempere com sal a
gosto. Refogue só para aquecer bem (1 a 2 minutos). Junte o sagu e já
desligue o fogo. Vá mexendo devagar, de baixo pra cima, até as bolinhas ficarem
translúcidas e soltas. Só o calor dos ingredientes e da frigideira dever[a ser suficiente
para cozinhar as bolinhas. Se as bolinhas não ficarem translúcidas, ligue o fogo mas não pare de mexer a mistura
delicadamente para evitar que as bolinhas se grudem. Espalhe por cima o suco de
limão, mexa, junte o coentro picado e sirva quente, morno ou frio.
Rende: 4 porções
|
Muitas variações são possíveis |