segunda-feira, 14 de dezembro de 2015

Panetone com massa de mandioca e passas de jabuticaba

O jeito de fazer, acho que nem preciso repetir. Foi feito com fermentação natural - do mesmo jeito que fiz outros panetones do blog. Este foi o último. Portanto, veja lá antes de começar este.

A diferença é que neste não usei uvas passas e sim "passas de jabuticabas" - a rigor da palavra, não são passas, mas compota de cascas de jabuticaba. Usei também compota de limão zamboa picada. Mas, claro, você pode adaptar estas adições usando outras frutas. O bom é que consegui uma boa massa usando um tanto de purê de mandioca junto da farinha. Nada de aromatizantes que deixam retrogosto por várias horas nem de conservantes e umectantes. A mandioca deixa a massa bem macia e úmida.   Aqui vai a fórmula:

Panetone com massa de mandioca e passas de jabuticaba

Ingredientes para a esponja
100 g de fermento natural/ levain/ isca (se não tiver, comece uma semana antes a prepará-lo em casa, partindo do ponto zero - veja aqui)
200 g de farinha de trigo branca orgânica (uso da marca Mirella)
150 ml de água filtrada
Para a massa do panetone
350 g da esponja acima 
100 ml de leite integral morno
150 g de açúcar
10 g de mel 
1/4 de colher (chá) de sal
350 g de farinha de trigo branca orgânica (ou um pouco mais, se precisar, para uma massa meio grudenta)
350 g de mandioca cozida e espremida 
100 g de manteiga sem sal em ponto de pomada (temperatura ambiente, se for verão)
1 colher (sopa) de casca ralada de cítricos -  limão siciliano,  laranja baia e limão taiti
1 ovo inteiro
2 gemas
300 g de uma mistura de casca de jabuticaba* e casca de limão zamboa, ambas em compota, bem escorridas 
Manteiga para besuntar antes de assar
Modo de fazer

Faça a esponja: Comece no começo da noite, para continuar o pão no outro dia. Numa tigela coloque a isca de fermento/ levain e junte a água e a farinha. Misture bem até conseguir uma massa homogênea. Dependendo da fluidez do seu levain, talvez precise juntar um pouco mais de farinha. Tem que ficar uma massa grudenta.  Cubra com plástico e deixe em repouso por cerca de 12 horas ou até a massa virar uma esponja cheia de bolhas, aerada.

Faça a massa de panetone: numa bacia, coloque os 350 g de esponja da receita acima e junte o leite morno. Misture bem. Acrescente o açúcar, o mel, o sal, metade da farinha e o purê de mandioca.  Misture bem com colher de pau. Junte, aos poucos a manteiga, os ovos e as gemas. Vá colocando devagar a farinha restante e misturando com a colher. Quando possível, deixe de lado a colher e vá trabalhando a massa com as mãos. Bata bem - talvez suas mãos fiquem um pouco melecadas, mas é normal. Se tiver uma máquina de pão potente e grande ou se tem uma batedeira com gancho para massas de pão,  deixe este trabalho para uma delas.
Quando a massa estiver homogênea - deve ficar macia e grudenta e não firme como massa de pão, junte as raspinhas de cítricos e misture bem, cubra a bacia com plástico e deixe levedar (se estiver fazendo frio, coloque no lugar mais quente da casa - se for o caso, faça uma cabaninha ou coloque dentro de uma caixa e cubra com plástico preto) pelo tempo que for necessário - cerca de 6 horas foi o que a minha demorou. A massa deve ficar bem fofa. Espalhe as frutas sobre um pano limpo e seco para tirar o excesso de umidade. Coloque-as sobre a massa e incorpore-as com as mãos. Vá dobrando e achatando a massa até as frutas estarem bem distribuídas.

Divida a massa em 3 partes e coloque em forminhas de papel, próprias para panetone, com capacidade para 500 gramas (compre em casa de artigos para festas).  Coloque uma bolinha de manteiga em cima  de cada um, apoie as formas sobre uma assadeira e deixe-os crescer, em lugar protegido, mais umas 5 horas ou até que a massa ocupe quase todo o volume das formas (não precisa, mas prefiro untar as formas, assim é mais fácil desgrudar depois).  Ligue o forno a 200 ºC e deixe pré-aquecer por 30 minutos (se chegar à temperatura antes, melhor - mas, se tem um forno doméstico e simples como o meu, melhor ligar no máximo e esperar até que esteja bem quente - estes fogões são muito imprecisos, mas cada um conhece o seu).  Leve a assadeira ao forno (confira se os panetones cabem em altura no seu forno - se não, abaixe a grade ou use formas mais baixas, como as de bolo inglês ou marmitas redondas - nestes casos, untadas e enfarinhadas). Deixe assar por 1 hora ou até que a superfície esteja bem corada.

Enfie dois espetinhos de bambu na base dos panetones ainda quentes e emborque-os apoiando os pauzinhos sobre os assentos de duas cadeiras, ou encaixados na abertura de uma gaveta, por exemplo - na foto se entende melhor. Deixe assim até esfriar totalmente  Desta forma, os panetones resfriam sem perder muita umidade e sem que esta se acumule no fundo da embalagem, molhando-a. Duram mais tempo macios. Embale-os em sacos plásticos (também à venda em lojas de festas). Se não for consumir ou presentear em uma semana, melhor congelar.
Rende: 3 panetones com cerca de 500 g

Passas de jabuticaba: Lave bem 2 quilos de jabuticabas e coloque numa panela de pressão com 2 xícaras de água e 2 xícaras de açúcar. Tampe e deixe cozinhar por cerca de 20 minutos. Desligue o fogo, espere acabar a pressão e escorra (o que resta é um xarope que você guarda na geladeira e usa como groselha).  Espere esfriar bem e separe as cascas do caroço. Use as cascas no lugar de uvas passas. Elas são doces e azedinhas, com forte sabor de jabuticaba e vão bem em pães, bolos etc. 


sexta-feira, 11 de dezembro de 2015

Desengordurante ecológico feito instantaneamente com cascas de laranja

Desde que descobri esta solução, estava com uma vontade louca de compartilhar as maravilhas dos resultados, mas tive cautela, experimentei muitas vezes até provar que realmente funciona.

Tudo começou quando minha amiga Sônia me deu dois tipos destes desengordurantes (veja no site, são muito bons, naturais e eu recomendo) feitos a partir do óleo da laranja, rico em terpenos, especialmente o d-limoneno que age como solvente e ainda é cheiroso. O detergente não faz espuma, portanto não precisa de muito enxague. E o perfume que deixa na cozinhas é um agradável cítrico que combina com comida. A louça enxaguada não fica com cheiro, mas se ficar, é cheiro de limão e de laranja.

Bem, há alguns dias fiquei usando o líquido e pensando...E se triturasse as cascas de laranja e usasse diretamente? Será que daria no mesmo? E ainda economizaria.  Já tinha visto desengordurantes feitos com casca de cítricos, mas deixando em infusão em vinagre ou álcool e tem que esperar alguns dias pra ficar pronto. Ainda assim o vinagre não perde o cheiro forte apesar do cítrico.  E de qualquer forma você tem que comprar algo, álcool ou vinagre. Aliás, há vários desengordurantes caseiros e todos eles você tem que usar produtos químicos comprados, como bicarbonato, amoníaco etc.

Antes

Depois
Neste caso, não. Seria só a água e o descarte da laranja chupada ou usada no suco. Bati, então, a casca de uma só laranja com água suficiente para o aparelho funcionar - algo como 1 xícara de chá. Coei e usei para limpar uma parte esquecida e engordurada do armário e o exaustor. Peguei um pano seco, umedeci com a solução e passei. Esfreguei só um pouco e a gordura se dissolveu.  Aí me empolguei e comecei a limpar fogão, lavar tuperwere engordurado, lavar toda a louça. Incrível!

Como estava muito envolvida emocionalmente com a descoberta, fiz mais solução com outra casca e dei pro marido lavar a louça do jantar. Coloquei o líquido amarelo numa bacia e pedi pra ele ir molhando ali a bucha e lavando pratos, panelas e talheres. No começo ele estranhou porque não fazia espuma. Por fim, lavou toda a louça sem usar detergente ou sabão. Ótimo, disse eu, assim podemos recolher toda esta água e jogar direto na terra pra regar as plantas, já que o óleo estará bem diluído e o resíduo é natural.  Quem sabe assim não vamos diminuir aquela espuma toda que chega pelo Rio Tietê na cidade de Pirapora do Bom Jesus?

Esta solução pareceu tão óbvia que saí a procura de mais informações, se alguém já tinha feito e divulgado. Não encontrei nada além das soluções com vinagre ou álcool, por isto apelidei a mistura aqui em casa de "Solução Kitcheneide" (qualquer semelhança com minha ajudante-mor na cozinha, a batedeira Kitchenaid, não é mera coincidência).  Mas você chama do que quiser. O importante é que faça a mistura e use no canto mais engordurado da cozinha e depois me conte.  Laranja e liquidificador todo mundo pode ter facilmente na cozinha.

Ah, acho que é melhor usar no mesmo dia. Porém, deixei uma mistura num vidro durante três dias e ela ainda estava ativa. O que acontece é que pode fermentar um pouco. Também não sei se as mãos que entraram em contato com esta mistura não possam se queimar se forem expostas depois ao sol se não forem bem enxaguadas. O melhor, na dúvida, é usar luvas. Eu não usei e vivo tomando sol depois de lavar louça. Não aconteceu nada.

E aí, tem laranja na sua cozinha? Faça o teste agora mesmo e verá o quanto poderá economizar num ano sem comprar detergentes - ou pelo menos desengordurantes potentes e tóxicos; o  tanto de espaço que vai poder liberar no armário da sua dispensa; o tanto de espumas e produtos contaminantes que deixará de mandar para os rios. E assim por diante...



Como fazer:  lave bem a laranja a ser usada, descasque tirando preferencialmente a parte colorida e bata esta casca no liquidificador com água suficiente para bater. Bata até triturar bem. Coe em peneira ou pano e use para lavar louça e limpar gorduras em geral. (ou limões de todos os tipos). Guarde em vidro por até três dias (talvez dure mais, precisamos testar - alguém se habilita?)

O resíduo que sobrar no pano pode ser colocado em composteira (acho que não no minhocário caseiro), secar e ir para a terra ou, se estiver usando laranja orgânica, colocar na massa de bolo, pois ainda tem pectina e aroma.  Boa sorte!

Nota: aquela solução contra pulgões que fiz à base de folhas de mamão verde, será estudada por uma universidade. Está aqui outra dica de iniciação científica para alunos de química, economia doméstica, meio ambiente etc. A natureza agradece.

Sagu - mandiopã


Aqui está uma livre interpretação do snack indiano Sabudana Papad, como pode ver aqui.  Pode ser feito também com amido de arroz e lembra nosso mandiopã. Super crocante e gostoso. Ainda mais se temperado com sal e pimenta. Ou o tempero que quiser, já que a gordura permite melhor aderência da especiaria que quiser usar.

A ideia é fazer placas de sagu cozido, secar e fritar. Claro, a gente sabe que o polvilho de mandioca se expande quando colocado no óleo quente. E o sagu, no Brasil, é feito de mandioca. Sagu não é produto indígena nosso e na Ásia é feito com amido do saguzeiro cujo tronco conserva um amido usado para fazer as bolinhas - podem ser feitas com outros amidos. Não é a mesma coisa que fritar o sagu seco - no máximo, terá pipoquinhas soltas. Cozido, pode virar placas e se expande ainda mais.

Na Índia há destes snacks, às vezes coloridos artificialmente ou com pastas de ervas, de tomate, de pimenta adicionados no momento de cozinhar.


O que fiz foi hidratar as bolinhas com infusões coloridas à base de flores. Usei flores de clitória, azul; de malvavisco vermelho que deixou o líquido rosado; de hibisco seco que conferiu tom rosado mais forte; folhas de clitória para o amarelado e a mistura deste tom com o azul resultou no esverdeado.


Você pode hidratar as bolinhas com as cores que tiver por perto - chás, beterraba etc. Eu deixei as bolinhas de molho a noite toda para pegar bem a cor, mas você pode seguir a fórmula abaixo que me guiou e encontrei no site cujo link está lá em cima.  Comece fazendo uma pequena porção. Eu fiz com uma colher de sopa de sagu para cada cor. Aqui, a receita maior, para você fazer e guardar em vidros, pra fritar quando quiser servir. Frite em bastante óleo e coma pouco -  se for capaz. Batizei os torresmos de sagu de sagu-mandiopã.


Sabudana Papad ou sagu-mandiopã

2 xícaras (250 g) de sagu
4 xícaras de infusão fria colorida (ferva flores coloridas ou use água de beterraba, por exemplo)
6 xícaras de água
2/3 de colher (chá) de sal ou a gosto

Deixe o sagu de molho durante 2 horas na infusão colorida (ou use água, se quiser o mandiopã branco). Eu deixei a noite toda e também funcionou.  Leve para ferver 6 xícaras de água. Quando estiver borbulhando, adicione o sagu escorrido. Junte o sal e cozinhe, mexendo de vez em quando, por cerca de meia hora ou até as bolinhas ficarem transparentes. Unte com óleo bandejas e despeje uma colherada que vai se espalhar como  um biscoito. Dê um espaço e coloque outra colherada. Faça isto até acabar o mingau. Deixe secar ao sol durante 3 dias - virando assim que possível para secar dois dois lados.  Frite em imersão, polvilhe sal, pimenta-seca ou outros temperos e sirva com chá ou café, como se faz na Índia. Ou com cerveja bem gelada, que é como combinaria por aqui.  O restante, depois de seco, pode ser guardado em vidro bem fechado, como biscoitos, para fritar na hora de servir. Deve durar uns 6 meses.


quinta-feira, 10 de dezembro de 2015

Creme doce de mandioca. Quinta sem trigo.

Comi esta sobremesa num restaurante africano e fiquei intrigada com o sabor. Perguntei como era feito e a garçonete falou por alto os ingredientes. Cheguei em casa louca de curiosidade para reproduzir. Não sei se a receita africana é feita assim, mas fui testando as quantidades dos ingredientes até conseguir um resultado parecido com o creme que provei.

É super fácil de fazer e você pode deixar a mandioca já cozida e gelada para finalizar na hora de servir. O bom é que nem ao fogo precisa ir. Se bem que levei uma porção ao forno com açúcar polvilhada e também ficou gostoso. Mas ainda prefiro bem gelada com destaque para o ácido.

A que comi não tinha cobertura, mas acho que combina com mais canela ou com uma calda ácida como o vinagre de umbu. Desde então, já fiz várias vezes.

A receita, pois:

A mandioca deve estar cozida. Pode ser fresca  ou congelada
Esta já havia sido congelada e não tinha muita liga - também dá certo

Polvilhada com açúcar e levada ao forno também fica boa. Mas fica melhor
gelada - pode ser polvilhada com canela
Creme doce de mandioca 

350 g de mandioca / aipim/ macaxeira (mandioca mansa) cozida, sem o pavio e picada
150 ml de leite gelado (ou mais a depender da consistência da mandioca)
80 g de açúcar ou a gosto
1 pitada de canela
Suco de 2 limões Tahiti

Bata tudo no liquidificador até ficar um creme liso. Distribua em potinhos, deixe gelar e sirva com calda ácida ou polvilhado com canela em pó.

Rende: 4 porções


Para fazer desenhos com a canela 

Combina muito com calda ácida como vinagre de umbu (umbu fermentado
e reduzido a uma calda)


terça-feira, 8 de dezembro de 2015

As oficinas em Cuité - PB

O convite da professora Michele Medeiros, da Universidade Federal de Campina Grande, era para dar um curso de 3 noites para alunos da nutrição e uma conferência para a comunidade sobre  ingredientes locais.

Participaram das oficinas apenas alunos inscritos de qualquer ano da nutrição e pessoas da comunidade que trabalhavam com comida. Não levei nada daqui e, como já conheço alguns lugares do Semiárido, fiz uma programação baseada no que imaginei encontrar na feira.

Dediquei uma oficina para mandioca - beijus e tapiocas, outra para legumes e frutas, incluindo as verdes como mamão e manga, e a última para ingredientes não convencionais que encontramos durantes as andanças pela zona rural e até pelo espaço urbano - as mangas verdes colhemos nas ruas de Cuité. Usamos beldroegas, bredos, folhas de palma, jaca verde e temperos da feira - cúrcuma, sementes de mostarda, grãos de cominho, erva-doce, cravo, canela e pimentas.

Alguns alunos não haviam passado ainda pela disciplina de técnica dietética, que nos emprestou o laboratório para a atividade. A rotina do laboratório não é diferente do que foi para mim na USP. Todo mundo de jaleco de cientista em vez de avental, touca descartável de centro cirúrgico em vez de lenços, faixas e cabelos presos. Normalmente os ingredientes já são separados e vão para as bancadas dos grupos como substâncias para fórmulas. Faltam mesas nos laboratórios e sobram bancadas de inox ou granito. A comida é tratada de maneira muito protocolar - é preciso saber fator de correção, fator de cocção, rendimento etc. E isto está tudo certo. Mas faz falta um ambiente de cozinha, uma mesa colorida, umas cestas para dispor os ingredientes e o sentimento de partilha à mesa na hora da degustação, ainda que seja ela de estudo, afinal comida é cultura em qualquer lugar, até num laboratório.

Por isto gosto de arrumar os ingredientes todos juntos e cada um pega o que precisa. Gosto que observem a composição, que sintam atração pela forma, pela cor, pelo conjunto. Ouso acreditar que os ingredientes assim arrumados atraiam olhares e ditem ideias. Nutricionista tem que gostar de cozinhar, se interessar por técnicas e por ingredientes e não apenas por nutrientes - o que vai à boca é prato pronto. Pelo menos esta consciência a gente já se pode notar nos alunos mais jovens e isto é um alento.

Na oficina, mesmo quem nunca tinha cozinhado, quem não conhecia um jiló, quem não sabia que todos aqueles temperos podem ser encontrados na feira local, gostou da aventura de cozinhar com mais legumes locais com uso de técnicas não usuais e de cozinhar para confraternizar em volta de uma mesa farta.

No último dia foi a vez do improviso com o que foi encontrado. Sorte que neste Come-se tem de tudo um pouco e consegui elaborar um plano horas antes de começar a oficina usando os ingredientes encontrados e aproveitando o que havia sobrado dos dias anteriores. A sensação foi a jaca verde no leite de coco.

As fotos não estão à altura do prazer que senti nem do bom desempenho e animação dos alunos - ou eu trabalhava ou batia fotos - , mas deixo aqui como registro.  E, mais uma vez, agradeço à querida Michele Medeiros pelo convite e a todos os amigos que conheci e que me acolheram como se eu fosse de casa. Helena, Vanille, Mário, Vivi, Tarcísio, Elias, Clébio, Mônica e outros queridos, obrigada!













quinta-feira, 3 de dezembro de 2015

Tucupi manso. Coluna do Paladar. Edição de 05 de dezembro de 2015

Você pode ver o passo-a-passo de como fazer o tucupi em outro post aqui no blog. Se quiser ver a coluna no jornal Estadão, é só comprar nas bancas e ir ao caderno Paladar. No blog do caderno, o texto está também publicado. 

Mas deixo aqui também:

O leite da macaxeira ou tucupi manso

Que fique bem claro, ninguém aqui está querendo mexer no tucupi dos nortistas. É perfeito do jeito que é e que continue intocável para que possamos ter saudade das tardes quentes e úmidas a tomar um cuia de tacacá nas calçadas, seja em Rio Branco ou Belém, embora aqui e ali algumas tacacazeiras adicionem à sopa pitadas de açúcar e glutamato, o que a torna enjoativa, pelo menos pra mim. 

Recentemente viajei para a Ilha do Marajó e vi no mercado tucupi branco que a vendedora disse ter sido feito com mandioca mansa. A referência que precisava. Tradicionalmente o tucupi, um caldo amarelo, aromático e ácido, de origem indígena, é feito à partir do sumo da mandioca brava ou amarga, que tem altos níveis de glicosídeos precursores de ácido cianídrico, tóxico para homens e animais. A mesma substância é encontrada nas amêndoas amargas e talvez seja este o segredo do excelente sabor do tucupi.  

Esta variedade tóxica, chamada simplesmente de mandioca, é usada principalmente para fazer farinha d´água e tucupi, pois o processamento dos dois produtos envolvem fermentação.  Já a mandioca mansa ou doce, para diferenciar da outra, recebe nomes como aipim ou macaxeira, especialmente onde as duas coexistem. Em São Paulo e Minas, por exemplo, chamamos a mansa de mandioca, já que não se planta da brava.
Claro, entre as muitas etnias indígenas e comunidades que lidam com a mandioca e seus produtos,  são cultivadas dezenas de variedades da raiz, mais úmidas ou mais secas, mole ou dura, mais amarela ou branca, venenosa ou mansa.  E cada uma tem um uso, cada qual, um nome próprio.

Mas a mandioca mansa é mais usada mesmo como mandioca de mesa. Ela cozinha melhor, se desmancha, tem sabor mais adocicado.  Embora em quantidades menores, ela também contém os tais glicosídeos cianogênicos e portanto o caldo tem sabor parecido.  Então, não tendo mandiocas bravas, façamos nosso tucupi mais mansamente, que também será bom.

O processo tradicional consiste em ralar a mandioca amarela, extrair o sumo em prensa ou tipiti, deixar sedimentar a goma, separar o líquido que é deixado a fermentar por dois dias, ferver  por meia a uma hora ou deixar alguns dias no sol e está pronto para servir com carne de caça, rã, peixe, camarão. Um pouco de água é adicionada no processo, de modo que 1 quilo de mandioca rende cerca de meio litro de tucupi. Ou muito mais, conforme se aumenta a diluição e o lucro, com perda de qualidade. Atualmente se tempera com folha de cipó de alho ou alho, coentro-de-pasto, alfavaca, pimenta-de-cheiro e sal.

Mas, na primeira vez que estive em Belém, uns quinze anos atrás, voltei com o claro propósito de reproduzir em casa o tucupi que temperava o pato e fazia o tacacá. Para quem não sabe, tacacá é aquela sopa que se forma na hora de comer, dentro da cuia: leva tucupi, mingau de goma feito a partir da fécula fresca ou seca misturada com água e cozida até ficar transparente, jambu cozido - a erva que adormece a boca -  e camarões secos cozidos. Pimenta, só para quem quer.  Sabendo um pouco da técnica,  cheguei em casa e adaptei com o que tinha em mãos usando a mandioca mansa. Fiquei feliz com o resultado e satisfeita quando publiquei no meu blog e leitores paraenses, longe de casa, em São Paulo ou na Europa, não só conseguiram prepará-lo como o acharam tão gostoso como que conheciam. Na Europa, usaram mandiocas parafinadas vindas da África.

Nesta última viagem ao Pará, escolhi comprar no mercado Ver o Peso  o tucupi de aparência bifásica – por cima é mais esbranquiçado e no fundo fica o líquido mais denso e amarelo.  É que o tucupi uniformemente amarelo às vezes é resultado de adulteração com corante artificial e há vários deles assim.  Se o líquido for cozido sem parar de mexer até começar a ferver, a coloração se mantém uniforme também, cheguei à esta conclusão na prática. Mas o adulterado é de um amarelo mais infantil, fácil de notar.  O artifício é mais gritante no mercado de Rio Branco, no Acre. Não sei se ainda é assim, mas há uns 4 anos, quando estive lá, estranhei os tucupis de amarelo vivo vendidos em sacos plásticos. Perguntei para uma vendedora que pigmento eles costumavam adicionar para dar aquela cor uniforme e ela me mostrou uma caixinha à venda contendo, conforme dizia o rótulo, corante artificial amarelo tartrazina – pelos males que causam, é proibido em alguns países mas não aqui -, além de açúcar e glutamato monossódico.

Isto não é pra desanimar nem pra convencer você a fazer seu tucupi em casa, afinal hoje já há bons produtos no mercado e mesmo em São Paulo podemos encontrar tucupi.  Em Belém, no ano passado, visitei uma fábrica com plantação própria, certificação orgânica,  processo de produção todo mecanizado e resultado excelente.  Vi também na Ilha do Marajó produtores que conservam técnicas artesanais indígenas de trituração manual e extração do líquido através de tipiti – a prensa com trama de fibra vegetal em formato de cobra. Depois de fermentado, deixam no sol por vários dias em vez de ferver. Estes, são inigualáveis.  Porém,  eles nem sempre estão por perto.

Como diz Câmara Cascudo, o tucupi e o tacacá não se aclimataram no Sul, no Centro e Nordeste do país, mas nunca é tarde para começar uma nova história com um ingrediente tão farto, ainda que seja um tucupi mais manso e mais pálido, e ampliar seu uso. O líquido fresco extraído da mandioca ou macaxeira para o feito de farinha e extração da fécula costuma ser um importante contaminante do solo ao redor de casas de farinha e fecularias. Pesquisadores vivem buscando uma solução para seu aproveitamento – coagulante para látex, fertilizante, alimentação animal etc, quase nunca envolvendo alimentação humana. 

No entanto, inspiração para uso não nos faltam: em Iquitos, no Peru, o sumo da mandioca vira um reduzido molho picante chamado ají negro. Em Roraima ou no alto Rio Negro, as etnias indígenas também reduzem o tucupi para fazer o tucupi preto usado em muitos pratos – às vezes, com formigas.

Sei que está morrendo de vontade de ir até a feira ou supermercado e comprar umas raízes, agora vendidas já descascadas, para extrair o puro leite de macaxeira que vai temperar sopas, fazer marinadas, cozinhar carnes, servir com assados, fazer caldas doces – já fiz até caramelo usando o sumo como único ingrediente, sem açúcar.  E ainda combinar com caldo de frango, caldo de peixe, leite de coco e ervas a gosto. Quem se anima?


Como fazer em casa o tucupi manso

1 kg de macaxeira descascada
1,5 xícara de água
Temperos: folhas de alfavaca, pimenta-de-cheiro, chicória-do-pará ou raiz de coentro, alho ou folha de cipó de alho e sal a gosto 

Pique a macaxeira em pedaços pequenos e divida em 4 porções. Junte a água à primeira porção e bata no liquidificador até formar uma massa. Coe num pano (um saco de fibra sintética próprio para lavar roupas em máquinas de lavar – sem este uso, é claro –  faz um ótimo coador), apertando bem. Vá guardando a fibra. Use o líquido coado para bater a próxima porção. E faça isto até bater tudo. Deixe o líquido em repouso por duas horas ou até a goma assentar no fundo. Separe o líquido, coloque numa jarra ou bacia, cubra com pano e deixe fermentar em temperatura ambiente por 48 horas. Leve o líquido ao fogo com os temperos e deixe cozinhar por meia hora, mexendo sempre só até começar a ferver. O restante do tempo, deixe em fogo baixo.  Espere esfriar, peneire e guarde na geladeira por até uma semana. Ou congele.

Rende: cerca de meio litro

Tudo se aproveita: a fibra que fica no pano pode ser usada para fazer os beijus mostrados na última coluna – basta temperar com sal, passar por peneira grossa diretamente sobre uma frigideira e cozinhar dos dois lados. Pode temperar com coco, castanhas ou ervas.  E a goma assentada pode ser seca com pano limpo, temperada com sal e usada para fazer beijus de tapioca.


Asinhas de frango no tucupi manso: tempere e asse meio quilo de asinhas de frango. À parte, coloque numa panela 3 colheres (sopa) de cebola roxa picada, meio tomate picado, 2 pimentas-de-cheiro doces picadas, 2 colheres (sopa) de cebolinha e coentro picados e 1 colher (sopa) de óleo. Deixe aquecer e junte 1,5 xícara de tucupi manso. Se quiser, junte pimentas ardidas inteiras. Deixe ferver, junte os pedaços de frango e cozinhe por 10 minutos só para apurar o sabor. Prove o sal e corrija, se necessário. Junte folhas de coentro e sirva com arroz ou farinha.


terça-feira, 1 de dezembro de 2015

Mala de cuité - PB

Justo desta vez que economizei nas compras (também, não aceitavam cartão em nenhum lugar), descobri no aeroporto que poderia trazer 43 quilos. Mas tudo bem, não trouxe tudo o que queria, mas tudo o que eu trouxe eu bem quero muito.

Quem lê minhas postagens pelo blog e não pelo email teve a possibilidade de ver as postagens de viagem no instagram. Quem quiser saber mais como foi o curso que dei na Universidade Federal de Campina Grande, campus de Cuité, para o curso de nutrição, pode dar uma espiada nas pílulas que fui publicando ao longo de minha estada naquela cidade.

Visitar o Semiárido é sempre um prazer para mim. Apesar da estiagem, dos açudes vazios, das torneiras secas, eu só aprendo. Sempre trago mais do que deixo e gosto de conversar com as pessoas, visitar a feira, comer a comida diferente.

Depois mostro fotos das atividades, por enquanto é só para avisar que já voltei com a mala recheada de compras e presentes. Ganhei de Michele Medeiros, a professora que me convidou, uma cesta de cuité (que dá nome à cidade - mostrei no instagram) e uma cachaça Volúpia; da amiga Adriana Lucena, que encontrei no aeroporto de Natal, um mel de jataí da associação Joca; do amigo Cláudio, que saiu de João Pessoa, foi até Cuité e me acompanhou até o aeroporto de Natal, ganhei castanhas e favas. Na feira de cuité comprei ralador de coco e peneira de alumínio. Na feira de Santa Cruz, já em Natal, comprei bolo de macaxeira, tapioca de forno, grude e pé de moleque - todos à base de macaxeira. E ainda comprei em Areia - PB queijo de cabra e biscoito mata-fome. Fora as pimentas e as sementes que trouxe de Cuité.

E o mais importante, é que ganhei novos amigos em Cuité, para onde pretendo voltar um dia. Aos poucos vou chegando, pois neste ano não viajo mais.



sábado, 21 de novembro de 2015

Malassada, a tortilla do sertão


A base da receita é da Ana Rita Dantas Suassuna, registrada no seu livro "Gastronomia Sertaneja" como mal-assada. Já vi por aí malassada, que prefiro, para diferenciar de outro prato com este nome, que uma carne com molho.

Na receita de minha mãe, que a chama simplesmente de omelete, a malassada leva farinha de trigo. Mas provavelmente a original era com farinha de milho, coisa da roça. Também leva ovos com claras batidas em neve. Depois junta a gema, sal e pimenta-do-reino (e este perfume de ovos com pimenta-do-reino povoará pra sempre minhas melhores lembranças da cozinha). Ao final, sem mexer muito, junta cheiro-verde - salsa e cebolinha -, cebola picada e às vezes tomate, não muito para não aguar.

Na versão sertaneja, aos ovos em espuma junta-se farinha de milho - que é a farinha feita a partir do milho demolhado, triturado, peneirado e torrado. Mas já vi outras versões que levam a farinha de mandioca. Ou seja, você usa a farinha que quiser, em pequena quantidade, só para os ovos não baixarem. E, claro, pra fazer render a omelete.  A de Ana Rita também pede couro de porco. Os ovos são colocados sobre os pedaços de torresmo na mesma frigideira onde foram fritos. Bem, só tenho a dizer que é uma receita simples, dá pra ser prato único servido apenas com uma salada. Pode-se ainda acrescentar à massa outros temperos ou o que tiver às mãos como frango desfiado ou carne moída, segundo me disseram. Flexibilidade e simplicidade em pratos deliciosos são marcas fortes na comida sertaneja.

O registro do livro traz apenas o modo de fazer sem determinar quantidades, já que há muitas variações deste clássico da cozinha sertaneja. Por isto, aqui está a minha versão, com as minhas quantidades, baseada na receita da Ana. O torresmo, usei sem o couro, e ainda acrescentei ramos de almeirão com brotos de flores - aferventei antes, e fatias de cebola roxa.


Malassada 

100 g de barriga de porco sem o couro
3 ovos, com claras separadas
Sal e pimenta a gosto
3 colheres (sopa) rasas de farinha de milho (ou de mandioca)
3 colheres (sopa) de folhas de coentro picadas

Pique a barriga de porco em cubinhos e leve ao fogo na mesma frigideira onde fará a malassada. Vá mexendo até dourar e soltar a gordura. Escorra o excesso de gordura se for o caso e use para cozinhar arroz ou feijão, por exemplo. Reserve.
Bata as claras em neve. Em seguida, junte as gemas, o sal e a pimenta e misture. Acrescente aos poucos a farinha e o coentro. Mexa com delicadeza.
Aqueça a frigideira com os torresmos e despeje por cima a massa. Tampe e deixe cozinhar por cerca de 4 minutos ou até começar a se soltar das beiradas. Com ajuda de um prato, vire a fritada e deixe dourar do outro lado.

Rende: 4 porções

Nota: se quiser fazer como o meu, afervente ramos de almeirão (sei que vai ser difícil encontrar se não tem um pé),  ou qualquer outra verdura que tenha por perto - nirá, brócoli, cebolinhas etc, e coloque no fundo da frigideira junto com o torresmo. Acrescente cebola roxa, se quiser.

E tchau, tchau, que estou indo pra Cuité, na Paraíba! Volto em  uma semana.

quinta-feira, 19 de novembro de 2015

Aquafaba para fazer merengues sem ovo

De uns tempos para cá começou a pipocar a novidade: fazer espuma razoavelmente estável sem aditivo com a água de cozimento do grão-de-bico. O jeito de fazer já foi publicado no facebook do Papacapim e parece que a técnica foi descoberta por Joël Roessel, que testou antes vários outros ingredientes vegetais, incluindo água de cozimento de outros grãos. O que teve melhor desempenho foi a água de grão-de-bico e atende pelo nome de "aquafaba".

Portanto, caros leitores, o que publico aqui não é nenhuma novidade. Simplesmente testei o que já tem aos montes espalhado pela rede. Mas vai que o leitor também demorou a saber, como eu.  Bem, na viagem ao Marajó, o chef espanhol Andoni Luis Aduris falou que tem usado a mucilagem da linhaça no restaurante Mugaritz, com o mesmo propósito. De garbanzo ou grão-de-bico, disse que não conhecia.

Com a linhaça, ainda não consegui, mas com o grão-de-bico, já testei duas vezes. A primeira, com a água de cozimento. A segunda, com a água de uma conserva pronta. Ambos deram certo. No caso de usar a água de cozimento, certifique-se que está bem reduzida - concentrada. Quanto mais concentrada, mais densa será a espuma.  Bata na batedeira para que possa incorporar muito ar.  Na mão, não vai ser fácil conseguir. Outra coisa, tente sempre aromatizar a espuma para disfarçar o sabor de grão-de-bico, que não é marcante, diga-se. Umas gotas de limão, essência de baunilha, raspas de limão, de laranja, cardamomo etc.

É um ótimo substituto para as claras nos preparos em que a espuma é fundamental. Não tem proteína para coagular, portanto não dará estrutura a um omelete, por exemplo. Mas funciona bem para aerar uma musse ou fazer coberturas para bolo ou tortas. Uma ótima saída para aqueles que não podem (ou não querem) comer ovos e ainda assim poderão continuar comendo guloseimas.

Minha espuma se transformou em suspiros, mas ainda não fiquei muito feliz com eles. Talvez devesse reduzir mais o caldo - estes, fiz a partir dos grãos em conserva.  Vou testar mais algumas vezes.

Bati meia xícara de caldo até espumar. Juntei 3/4 de xícara de açúcar de confeiteiro aos poucos. Achei que ficou muito frágil e juntei mais 2 colheres (sopa) de polvilho doce. Fiz os suspiros sobre uma assadeira levemente untada, levei ao forno bem baixo (tipo 100 graus) e deixei até que ficassem secos - cerca de 2 horas.  Depois de frio, guarde em recipiente bem fechado. O meu, aromatizei com açúcar de baunilha e juntei flores comestíveis.

Mas estando com o merengue pronto, inclua-o nas receitas em que usaria claras em neve e depois me conte.




quarta-feira, 18 de novembro de 2015

Beiju de mandioca com içás

Estava no Marajó quando alguém postou no instagram um formigueiro em revoada. Imediatamente escrevi para os caseiros e recomendei que não se esquecessem de mim quando saíssem as içás.   Para minha surpresa, a revoada por ali já tinha acontecido e as formigas já estavam congeladas. De modo que tenho um certo suprimento de tanajuras para o ano, até o início da próxima temporada de trovoadas no ano que vem.

Pode fritar a formiga inteira e só depois descartar cabeça, tórax e cintura
(come-se o gordo abdômen). Ou já separa antes a parte comestível 




Sim, vou fazer a tradicional paçoca de içás, mas por enquanto o que me veio à mente foi usar a massa de mandioca que tinha na geladeira para fazer um beiju macio salpicado de crocantes içás que dourei antes na banha de porco até que ficassem cozidas e listradas - só a parte do abdômen, sem cintura, cabeça e tórax.   Foi só espalhá-las no fundo da frigideira junto com umas rodelas de pimenta e peneirar a massa de mandioca por cima. Fogo baixo, frigideira tampada, até se soltar das beiradas. Virei, deixei cozinhar mais uns minutinhos e aí está.

Já mostrei como fazer estes beijus de mandioca aqui e falei sobre içás ou tanajuras ali e acolá.  

Muito bom!

terça-feira, 17 de novembro de 2015

Bricelets com flores e corações



Minha amiga Mônica esteve recentemente na Suíça e me mostrou fotos de bricelets com flores feitos por uma mulher que saí pela floresta coletando espécies comestíveis.  Bricelets ou brislets são biscoitos crocantes como casquinha de sorvete. Naquele país há formas elétricas como as de waffle, porém são marcadas com mandalas, flores e símbolos que desconheço -  deve haver muitos significados para cada impressão deixada no biscoito. No passado estas formas eram de ferro com cabo comprido para que as pessoas levassem a base até o meio da lareira para fazer os biscoitos individuais. As formas elétricas atuais fazem até 4 biscoitos de uma só vez. Enquanto ainda estão quentes, os biscoitos podem ser moldados em canudos ou telhas. Muitas são as variações de receitas. Algumas levam creme, outras só manteiga. Às vezes suco de limão, outras, licor de cereja.  Encontrei uma receita razoavelmente boa, mas se tivesse tempo, testaria outras versões. Só precisei adaptar a forma de assar. Na ausência da forma própria, improvisei com meu grill elétrico antigo que tem chapa lisa, sem frisos. Imagino que possam também ser levados ao forno. A vantagem de usar um grill é que o biscoito é pressionado ao mesmo tempo em que é assado por baixo e por cima. Cada biscoito - ou grupo de 3 ou 4, a depender do tamanho - leva cerca de 2 minutos e 40 segundos para ficar dourado. 

Outra adaptação que tive que fazer foi para conseguir introduzir na massa flores e folhas - usei flor de cosmus e folha de bertalha-coração. Quando colocava direto na chapa, invariavelmente queimava. Então, improvisei umas rodelas de folhas de amendoeira-da-praia, sete-copas, chapéu-de-sol (veja post sobre esta planta aqui). Elas funcionaram como papel-manteiga. 

Bem, aqui vai a receita adaptada: 


Bricelts com folhas e flores 

100 g de manteiga em ponto de pomada
125 g de açúcar
2 ovos
1 pitada de sal
1 colher (chá) de essência de baunilha
1 colher (sopa) de suco de limão
Raspas de 2 limões
250 g de farinha de trigo

Bata a manteiga com o açúcar até ficar um creme. Junte os ovos aos poucos, sem parar de mexer, até formar uma emulsão. Junte, então o sal, a essência de baunilha, o suco e as raspas de limão. Misture bem e junte, aos poucos, a farinha de trigo. Incorpore bem, enrole a massa em plástico e guarde na geladeira por 1 hora. Separe pequenas bolinhas (as minhas tinham 12 gramas), coloque no grill e feche. Asse por cerca de 2 minutos e 40 segundos. Ou faça primeiro um teste. Enquanto os biscoitos estão quentes, são flexíveis e podem secar sobre um pau de macarrão para que fiquem curvados como telhas.
Para colocar flores, fiz assim: coloquei flor de cosmus ou folhas de bertalha-coração sobre um círculo de folha de sete-copas com a parte brilhante virada pra cima e apoiei sobre a flor ou folha uma bolinha de massa. Fechei o grill e esperei assar. Tirei a folha de sete-copas e esperei esfriar.  Depois de frios, guarde-os em vidro bem fechado.
O rendimento? não sei, pois errei tanto antes de acertar...

Testando outras folhas, outras formas

segunda-feira, 16 de novembro de 2015

Andoni. Um chef estrelado no mangue do Marajó

Como já disse naquele post sobre o Marajó, o chef espanhol Andoni Luis Aduriz, do premiadíssimo restaurante Mugaritz, foi convidado a ir ao festival de Ópera no Marajó e aceitou. Já tinha estado lá uma vez, gostou da dona Jerônima, mãe de Kátia Brito, organizadora do festival, e lá desembarcou novamente junto com a mulher Garbiñe, preparados para passar alguns dias desfrutando o lugar, se abanando por causa do calor e se besuntando de repelente. Assim foi. Não reclamaram de nada. E não foram nada assediados - como se Roberto Carlos de repente se visse num vilarejo onde ninguém o conhecesse.  Quem conhecia Andoni por ali? Quase ninguém. Durante a estadia pediu caldo de turu, que já conhecia,  se encantou com o perfume da folha do cipó de alho e fez tudo com muita calma. Enfim, pode descansar como um mortal merecedor qualquer. E isto deve ser bom de vez em quando para celebridades como ele.

Andoni e Mara 

Andoni e a chefe Mara Salles, do restaurante Tordesilhas, eram apenas convidados especiais. Eu sou amiga de Dona Jerônima e da Kátia, e estaria ali preenchendo qualquer buraco. Acontece que o chefe acordado para fazer o banquete desistiu de ir porque não tinham como atender às exigências dele, então lá fomos nós para a cozinha ajudar dona Jerônima. Era muita gente pra comer todos os dias, incluindo músicos e trabalhadores da produção.

Andoni havia viajado 40 horas e embora Mara e eu tenhamos insistido para que descansasse, que nós daríamos uma força na cozinha, ele não quis saber, descansou meia hora e lá veio improvisar um molho de ceviche para uma salada de manga que servimos na cuia de um coco verde no primeiro jantar.  Ficou uma delícia, como já era de se esperar.

Andoni, Zeca Camargo, Mara Salles,
Dona Jerônima
A Mara eu já conheço e sei que é dessas de arregaçar as mangas e fazer a coisa acontecer. O que não esperávamos era que o chefe também entrasse na cozinha sem ter se programado para isto. Mas ele foi de uma simplicidade e generosidade ímpares. Acabou participando do projeto-piloto como se fosse da família. E ainda deu uma palestra sobre seu processo criativo, no meio da floresta, como se estivesse em Harvard. Depois de tudo terminado, ficou com os de casa, andou de búfalo, caminhou na praia da fazenda, nadou no mar, passeou de canoa pelo igarapé.



Na última noite, saímos para jantar e ele escolheu comer espaguete com turu, pediu uma cachaça - industrial mesmo, vá lá - que acompanhou o cigarro, enquanto Garbiñe se encantava com as caipirinhas. Garbiñe contou que a rotina do casal inclui tomar café da manhã juntos - mesmo ele tendo chegado tarde. Ela sai pra trabalhar na cidade de sua mãe, a 30 quilômetros de onde moram,  e leva junto a filha deles que fica na escola, perto da casa da avó. Na hora do almoço, come com sua mãe. No fim da tarde, volta para casa com a criança e a família janta junto -  é Andoni quem prepara o jantar:  frango assado, tortilla, salada, nada de glamouroso. Só depois, ele vai para o restaurante. Come de vez em quando no Mugaritz?, perguntei.  Não, aquilo é o trabalho dele. Ao ano, como lá umas duas vezes, quando muito, diz ela.  


E, claro, sempre ao redor da mesa, muita conversa interessante sobre o assunto que mais gostamos de abordar.  Mas não só.