quinta-feira, 30 de agosto de 2007

Um domingo com Mari Hirata, parte 7 – Sagu


Estou há duas semanas falando dos pratos feitos pela Mari Hirata, com a ajuda de várias pessoas, incluindo esta privilegiada que vos fala, e ainda assim vou deixar algumas coisas para trás ou para depois. É o caso do tofu, de que falarei depois de testar eu mesma a receita, já que não acompanhei o preparo nem fotografei (mas comi, é o que importa, e ela me deu a fórmula que deve, se tudo correr como está previsto, resultar num tofu como o que foi servido - delicado na textura e com sabor maravilhoso). Para este sagu ela usou “pérolas do japão”, que é o nome das bolinhas de sagu feitas do mesmo amido de mandioca que as nossas, só que maiores e uniformes. E bem caras, segundo a Mari. Mas vale tentar com o nosso sagu se não encontrar as bolas grandes (eu já comprei na Liberdade, mas era daquele sagu tostado, de sabor meio estranho – ou eu não soube fazer). A diferença para o preparo tradicional, como conhecemos, é que as bolinhas da Mari são cozidas em bastante água, como macarrão, depois são enxaguadas para extrair o amido solto e terminam a cocção na calda de vinho. Mais uma vez as bolinhas são tiradas do líquido e, agora, moldadas em forminhas. O vinho continua no fogo para virar uma calda que é despejada sobre o enformado de sagu. Mas, vamos à receita certinha.


As bolinhas cozinhando, o vinho flambando
Sagu

1 garrafa de vinho tinto Sirah
1 xícara de açúcar cristal
4 paus de canela
4 cravos
Cascas de meia laranja e de meio limão (só a parte colorida, tirada bem fininha)
1 xícara de pérolas do Japão (sagu de bolinhas grandes)
3 litros de água fervendo
Coloque o vinho numa panela larga, aqueça e flambe para tirar parte do álcool (cuidado com o que tem em cima do fogão). Junte o açúcar, as especiarias e as cascas de laranja e de limão. Espere ferver, tampe e desligue o fogo. Deixe em infusão.
À parte, cozinhe a tapioca na água fervente por 1 hora, em fogo forte – as bolinhas devem ficar com um centro ainda não cozido, opaco. Escorra e lave em água gelada para tirar toda a goma. Retire as especiarias do vinho, ligue o fogo e quando aquecer novamente, coloque as bolinhas para que terminem de cozinhar – devem ficar totalmente translúcidas. Escorra e reserve separadamente o vinho e as bolinhas, que devem ser colocadas ainda quentes em forminhas individuais (ou em forma grande) molhadas com água. Resfrie o sagu, colocando as forminhas sobre água e gelo (na geladeira, endurece). Leve o vinho ao fogo para reduzir e ganhar a consistência de uma calda gelatinosa. Desenforme o sagu numa taça e sirva com a calda fria. Se quiser, junte pedaços de frutas cítricas ou frutas vermelhas.
Amanhã, a tão esperada Maria-mole

quarta-feira, 29 de agosto de 2007

Um domingo com Mari Hirata, parte 6 - Salmão


Continuando o jantar com Mari Hirata, o salmão foi o último prato a ser feito e foi à mesa quentinho e fragrante. O preparo começou um dia antes com o marinada de misso, que deve se infiltrar no peixe de maneira suave, sem agredir e descaracterizar o sabor do salmão. Por isto, Mari usou um pano de gase para isolar o peixe do contato direto com a pasta. As tramas largas do algodão permitem a passagem do tempero na medida exata. Maravilhoso. E na brasa deve ficar muito bom.

Salmão marinado no misso

Cerca de 1 kg de salmão com pele
5 colheres (sopa) de shoyu
5 colheres (sopa) de sake,
5 colheres (sopa) de mirim
500 g de misso branco
500 g de misso vermelho
Manteiga (suficiente para grelhar na frigideira)

Comece o preparo um dia antes. Corte o salmão em pedaços. Numa tigela, misture todos os ingredientes restantes para formar uma pasta. Espalhe a metade desta mistura no fundo de uma travessa de louça ou vidro. Cubra com uma camada de gaze (algodão de tramas largas) e coloque os pedaços de salmão ajeitados numa só camada. Coloque outra camada de gaze e espalhe por cima a pasta restante. Cubra a travessa com filme plástico e mantenha na geladeira. Na hora de servir, derreta manteiga numa frigideira antiaderente e grelhe os pedaços de salmão, até dourar dos dois lados. Se puder, grelhe na brasa. Espalhe por cima um pouco de cebolinha em tirinhas e sirva com legumes cozidos.

terça-feira, 28 de agosto de 2007

Um domingo com Mari Hirata, parte 5 - Legumes no Dashi

Estas folhinhas de bambu, num arranjo da Emi Hirata, dão destaque para os legumes brancos.

Para quem vem acompanhando o jantar da Mari Hirata, aqui vai mais um dos pratos que ela fez no domingo. Bem caseiro, simples, mas de sabor sofisticado (pelo menos para pessoas que gostam de legumes cozidos como eu). É que o Dashi confere um sabor protéico sem deixar perder o frescor vegetal. Sem contar que é um prato nutritivo, discreto em calorias, cheio de minerais, betacarotenos e outros antioxidantes.


Este nabo (kabu) redondo é mais denso que o primo comprido. O sabor é suave e ele fica bom tanto cru quanto cozido.
Legumes cozidos no Dashi

Pedaços de moranga japonesa (cabocha)
Nabos redondos (Kabu)
Inhames de tamanhos pequenos e uniformes
Dashi (para cozinhar, veja receita abaixo)
Molho (veja receita abaixo)

Com descascador de legumes tire um pouco da casca da moranga e arredonde os cantos. Coloque os pedaços numa panela e cubra com Dashi. Cozinhe no fogo médio até que estejam macias, mas firmes. Escorra. Descasque os inhames e os kabus (aqui, deixando um buquezinho de talos) e cozinhe da mesma forma. Para servir, quente ou frio, despeje um pouco do molho para dar brilho.

Repito aqui, para não terem trabalho, a receita do Dashi e do molho com araruta, que já apareceram nos outros pratos.

Para o Dashi: limpe levemente 15 g de alga kombu com um pano seco, coloque numa panela e cubra com 2 litros de água fria. Leve ao fogo médio e, antes que ferva, desligue o fogo (não deixe ferver, se não o caldo amarga e fica gosmento). Junte 50 g de katsuo bushi (lascas de bonito seco) e leve ao fogo. Quando começar a ferver, abaixe o fogo e deixe mais 5 minutos, sem deixar ferver (para o caldo não turvar e o aroma não se perder). Coe o caldo cuidadosamente sobre uma peneira com papel ou pano. O caldo base está pronto para vários preparos japoneses. Ele fica melhor no dia, mas pode ser guardado na geladeira por até 3 dias ou congelado por até 1 mês.


Para o molho: misture partes iguais de shoyu, mirim e sake; depois é só ir colocando Dashi até o ponto de sal que achar necessário para a receita; lembrando que o shoyu é bem salgado. Leve ao fogo e junte araruta (ou polvilho doce) diluída num pouco de água. Cozinhe só até espessar um pouco, ficando com consistência de xarope. Se quiser, compre molho pronto (Kombu dashi tsuyu, da marca Yamasa) e apenas engrosse. Pode ser comprado no bairro da Liberdade. Foi o que ela usou, porque acha mais saboroso.

segunda-feira, 27 de agosto de 2007

Um domingo com Mari Hirata, parte 4 – Cogumelos

Mari escolheu cogumelos de vários tipos e refogou na frigideira com manteiga e cebolinha picada. No final, temperou com sal e juntou a parte verde das cebolinhas escaldadas. Uma delícia para comer com gohan (o arroz japonês cozido) e outros legumes.

A receita era mais ou menos assim:

500 g de cogumelos diversos (enokis, shimejis, shitakes, maitakes)
30 g de manteiga
100 g de cebolinha japonesa (só a parte branca)
100 g de cebolinha japonesa – a parte verde cortada em segmentos de 6 centímetros
Sal a gosto

Corte os cogumelos em pedaços regulares, de modo que fiquem todos do mesmo tamanho (os menores, basta separá-los da base dura).
Numa frigideira grande, derreta a manteiga junto com a cebolinha (parte branca) picada em rodelinhas. Adicione os cogumelos e vá chacoalhando a frigideira até que estejam macios. Junte as cebolinhas verdes escaldadas e sal a gosto.

Resultado da degustação de pamonhas

De Franca (artesanal, mas presa com elástico, tch tch tch) e de Piracicaba, costurada


A viagem a Piracicaba foi agradável, principalmente porque foi junto minha amiga Silmara, que nunca esteve frente a frente com um pé de milho, segundo confessou depois de reconhecer humildemente que de pamonha não entendia nada. Pois é, o Chanel sempre teimou que a pamonha da terra dele, Franca, era muito melhor que a de Piracicaba. Por isto, chegando lá, sugeri que a degustação, entre membros do Slow Food, fosse às cegas, infiltrando ainda entre as duas pamonhas uma comprada no Rancho das Pamonhas (elas foram codificadas e colocadas nos pratos em pedaços iguais). Para alegria dos piracicabanos presentes, a da cidade deles ganhou, inclusive na votação do Chanel. Embora a do Rancho da Pamonha fosse bem parecida na textura com a de Pira, foi a de Franca que ganhou o segundo lugar. Mas uma coisa é certa, nenhuma delas superou a da minha mãe. A de Pira é muito macia, gostosa, saborosa, mas tem aroma e textura de cural, fina demais para pamonha (os grãos são triturados e coados). O mesmo aconteceu com a do Rancho, com a diferença de que esta é menos saborosa. Já a de Franca tem textura mais próxima da que eu reconheço como de pamonha, mas parece ter sido batida no liquidificador e não ralada. Muito dura, farelenta, fibrosa. Até o Chanel reconheceu (nada como uma degustação às cegas) que não estava boa. Agora, ela tem o verdadeiro cheiro de pamonha e não de cural, o que é muito bom (na minha estreitíssima opinião). Pamonha boa, não tem jeito, é mesmo aquela em que as espigas são raladas uma a uma no ralador (aquele que rala também os dedos – vai ver este é o segredo). Isto faz toda a diferença, pois os grãos não são homogêneos - a porção mais fibrosa dos grãos, por exemplo, não passa pelos furos do ralador, mas vai toda para o liquidificador. Sem falar que na base dos grãos tem o gérmen, que não está presente na parte superior. Segundo os piracicabanos, desde a década de 40 é usada a técnica de costura para fechar o invólucro de palha. Quem está acostumado àquela bolsinha feita com dobraduras de palha estranha um pouco esta modernidade da máquina, que afinal não deixa de ser trabalhoso. Mas é impossível pensar em produção em larga escala, como é feita em Piracicaba, sem abrir mão do trabalho artesanal minusioso (só possível porque a pamonha caseira geralmente é feita em mutirão).


Assim que tiver milho em Fartura, mostro o modo de preparo e a receita da minha mãe, pamonheira das melhores. Talvez demore um pouco porque temos que esperar as primeiras chuvas de primavera, quando as sementes começam a brotar. E depois, mais uns 5 ou 6 meses, já que meu pai usa grãos de milho criolo, de colheita tardia mas muito mais saborosos (os híbridos produzem em menos tempo, mas são inferiores).
Agora, a urbanóide da Silmara, que não conhece um pé de milho ao vivo, já sabe tudo de pamonha (aqui, com prof. Paulo Chanel, líder do Slow Food de Piracicaba).

sexta-feira, 24 de agosto de 2007

Pamonhas, pamonhas, pamonhas


Ainda tenho muito o que falar sobre o jantar com a Mari Hirata, mas vou logo ali em Piracicaba degustar umas pamonhas, pamonhas, pamonhas. De Piracicaba versus Franca. Um evento do Slow Food de lá, liderado pelo meu amigo Paulo Chanel. Depois conto tudo (só na segunda, porque a equipe do Come-se não trabalha nos fins de semana). Só espero que estas pamonhas estejam à altura das feitas pela minha mãe (estas da foto), que rala o milho manualmente, um a um - nunca comi melhores. Estou ensaiando para dar a receita dela, talvez agora haja um pretexto. Veremos.

Um domingo com Mari Hirata, parte 3 - Kimpira gobo


Como já disse no segundo post sobre o jantar com a Mari Hirata, kimpira é um modo de preparo de legumes, que são refogados numa frigideira com um pouco de óleo (de preferência de gergelim) com pimenta e depois temperado com molho à base de shoyu, sake, mirim e dashi. O kimpira de gobo (ou bardana, como conhecemos por aqui aquela raiz bem fininha que, além de deliciosa, é aclamada por suas propriedades medicinais) foi preparada pela Mari da mesma forma que a raiz de lótus ou renkon (vejam parte 2). Lava-se bem as bardanas e raspa só um pouco a superfície com uma faca, sem tirar muito da pele, pois é onde se concentra o aroma. Vá deixando numa bacia com água para não escurecer. Corte em segmentos de uns 4 centímetros, depois em fatias finas e, por fim, em palitos, como os que aparecem na foto. Faça o mesmo com cenouras. Numa frigideira grande, aqueça óleo de gergelim e uma pimenta seca rasgada em pedaços (ou um pedaço de pimenta dedo-de-moça picada em fatias) e junte a bardana e a cenoura bem escorridas. Refogue, mexendo sempre, até ficarem macias, mas ainda crocantes. Em seguida, junte o molho à base de soja, shoyu, sake e dashi (veja receita abaixo). Chacoalhe bem a frigideira até todos os pedacinhos estarem envoltos com o molho. Polvilhe com gergelim torrado e sirva com arroz. Assim como o renkon kimpira, pode ser guardado na geladeira por até 4 dias e servido frio.

Para o molho: misture partes iguais de shoyu, mirim* e sake; depois é só ir colocando Dashi* até o ponto de sal que achar necessário para a receita; lembrando que o shoyu é bem salgado). Chachoalhe a frigideira com o molho e espere secar um pouco. Está pronto. Se achar que não ficou temperado o suficiente, faça outra mistura e junte à preparação, aos poucos. Existe deste molho já pronto (Kombu dashi tsuyu, da marca Yamasa) e pode ser comprado rm lojas de produtos orientais. Foi o que ela usou, porque acha mais saboroso. Mas, se não o encontrar, use a misturinha que ela ensina que também dá certo e os ingredientes são fáceis de encontrar, até em alguns supermercados.
Mirim - é um sake adocicado usado na cozinha. Eu sempre dou uma bicadinha porque é uma delícia.
Receita de Dashi caseiro (receita da Mari Hirata)
15 g de alga kombu
2 litros de água
50 g de katsuo bushi (lascas de bonito seco)
Limpe levemente a alga kombu com um pano seco, coloque numa panela e cubra com a água fria. Leve ao fogo médio e, antes que ferva, desligue o fogo (não deixe ferver, se não o caldo amarga e fica gosmento). Coloque as lascas de peixe seco e leve ao fogo. Quando começar a ferver, abaixe o fogo e deixe mais 5 minutos, sem deixar ferver (para o caldo não turvar e o aroma não se perder). Coe o caldo cuidadosamente sobre uma peneira com papel ou pano. O caldo base está pronto para vários preparos japoneses. Ele fica melhor no dia, mas pode ser guardado na geladeira por até 3 dias ou congelado por até 1 mês
Aguardem parte 4, 5, 6 (ainda tem coisa deste jantar com a Mari Hirata)

quinta-feira, 23 de agosto de 2007

Doce na estante e flores no prato


Oh, Deus, quem mandou a gente faltar à aula da teoria dos conjuntos? - a casa da Nina está assim, com a reforma.

Quem leu meus dois posts anteriores sabe que a dona Nina Horta faltou à aula da Mari Hirata. Agora está explicado. Ela precisava escrever esta crônica para entregar na segunda-feira para a Folha. E a lição sobre a teoria do conjunto me faltou também, já que os livros que ela me deu ainda estão empilhados aqui, risotos com cozinha nórdica, sem ter estantes para acomodá-los. Mas estou feliz assim mesmo. É o que importa. As receitas da Mari, incluindo o tofu citado pela Nina, continuam. Não percam.
Aqui, o texto tirado do jornal Folha de São Paulo, caderno Ilustrada, neste 23 de agosto de 2007 (aliás, vejam o caderno Paladar de hoje, no jornal Estadão - tudo sobre massas, um primor)

Doce na estante e flores no prato
NINA HORTA
Pascal Barbot desmontou minha tese de que se flor fosse gostosa, não haveria um jardim inteiro
VOCÊS NÃO acreditam na minha exaustão. Casa velha raspando, pintando, consertando janela e armários, livrando-se de papéis e livros. Os cartõezinhos de feliz isto ou aquilo e as fotos em preto-e-branco, pequeninas, que sobrevivem aos mais queridos. Tanta bobagem entulhando a nossa vida...O pior não foram as pinturas e as raspações, mas o pó do chão que sujava a pintura, e o pó da pintura que sujava o chão. E estamos assim, dando volta nos nossos rabos há dois meses (lembrem-se, esta é uma coluna de domesticidade). O pó se entranha em absolutamente tudo. O livro chegado ontem da Amazon parece um alfarrábio achado numa escavação em Ouro Preto. Impressionante o poder da poeira. Imagino que minhas entranhas estão como a dos mineiros ingleses ou como as dos que respiram crack nas esquinas. Minha filha veio me ajudar e, diante da bagunça inarrumável, teoriza que o problema é que faltaram aulas no primário sobre teoria dos conjuntos. Aquilo de lé com lé, cré com cré. É livro misturado com doce e panela, quadros com escova de dentes e pesos para exercício muscular com caixinhas e batons antigos, daquele bem alaranjado que tinha o nome de uma miss, Luz Marina Zuloaga. Ah, ah, é realmente isso que vai ao meu redor... Realmente o mal do Brasil é a falta de teoria de conjuntos, aquela coisa de ter noção do que vai com o quê. Demoramos anos para aprender essa façanha de uso diário. Desde o pré-primário, lembram-se, juntando bola com bola, triângulo com triângulo, reta com reta. Como um pintor e um raspador de chão podem saber que Shakespeare vai com tragédia, e não com os roteiros de "Absolutely Fabulous"? Impossível. Dirão vocês que era minha obrigação guiá-los, mas o trabalho de todo dia? Confiei. Consegui uns pequenos espaços de lazer. Este foi o mês do Boa Mesa, de comilança geral, e perdi todas. Só fui comer o jantar de Pascal Barbot, um cozinheiro três estrelas que passou por aqui, com uma cara de menino, um simpático leprechaun holandês que desmontou minha tese de que se flor fosse gostosa, não haveria um jardim inteiro. Alguém já viu meninos saltando muro atrás de margaridas ou rosas? E de manga? Pois é. Era uma comida gostosa, não toda, porque os cozinheiros que vêm para cá resolvem mostrar que sabem também lidar com com nossas frutas e haja maracujá. Gostei de uma farofinha de brioche com o peixe. Tenho confirmado pelas minhas últimas comilanças que o mais "in" dos "ins" é um caldo feito com carinho extremo, transparente, leves pingos de coisas que você sabe o que são, mas não identifica, e legumezinhos perfeitos boiando nele. É para os muito sofisticados, porque para cada cenourinha mini daquelas, 30 foram afastadas como imperfeitas. Para cada rabanete esférico, morreram 300 concorrentes, loucos para mergulhar no calor daquela sopa. E as florezinhas, tremebundas, lilás, rosadas, flores das próprias ervas que não foram usadas, enfim, uma sinfonia de frescura e frescor, caldos bem diferentes daqueles pedaçudos que costumávamos comer na infância, com cheiro de tutano. Eu não gostava daqueles, detesto sopa, não estou me lamuriando pelo passado, só constatando modas. Vi a Mari Hirata, minha cozinheira preferida, minha professora preferida, mas não agüentei ir cozinhar com ela e minha cunhada nem ir à Liberdade nem à Cantareira. O jantarzinho fruto desse encontro de três dias está se realizando agora, neste minuto em que vos escrevo com os nervos à flor da pele. Foi tudo à la japonaise, pelo que sei. Já experimentei o tofu da Mari. Não tem absolutamente nada a ver com tofu nenhum. É uma coisa leve, cheirosa, que você comeria quilos, como maria-mole, gulosa. Que pena... Perdi os encontros anuais por causa da maldita falta da teoria dos conjuntos.
ninahorta@uol.com.br (este email é divulgado pelo Jornal, portando, se quiserem escrever para ela, fiquem à vontade)

quarta-feira, 22 de agosto de 2007

Um domingo com Mari Hirata, parte 2 - Renkon ou raiz-de-lotus


Trabalho conjunto das irmãs Hirata - uma fritou, a outra arranjou nas cestinhas, que ela fez com finas folhas de madeira, do Japão.

Fritas: As raízes de lótus foram descascadas com descascador de legumes e imersas em água fria para não escurecerem (já vi deixarem em água acidulada com vinagre, mas ela só deixou na água). Depois, foram enxutas, cortadas em fatias bem fininhas na mandolina e fritas em óleo quente, como batatas fritas. Mas elas têm que ser retiradas do óleo enquanto ainda estão bem clarinhas, porque depois escurecem um pouco. E ainda podem ficar amargas.

Cruas, as fatias de raiz de lotus têm textura crocante, que lembra uma fatia de cana sem fibras. São neutras, com sabor algo adocicado, levemente floral. Aliás, esta planta aquática (Nelumbo sp) tem uma flor linda de doer. É da mesma família da ninféa e da vitória-régia. Em vários países asiáticos a raiz é apreciada pelas suas propriedades medicinais (reduz mucos, é antinflamatória, boa para o pulmão etc). Mas o melhor de tudo é que é bonita e gostosa. E pode ser encontrada facilmente no bairro da Liberdade.

Kimpira Renkon: neste prato, estas pimentas secas podem ser substituídas por dedo-de-moça desidratada ou até por uma malagueta pequena

Outra receita que a Mari fez com ela foi o Kimpira Renkon, que nada mais é um refogadinho japonês, como um stir-fried chinês em que o alimento é frito em pouco óleo, fogo quente, mexendo chacoalhando a frigideira até ficar cozido al dente (Kimpira é este modo de fazer). Deve-se aquecer óleo de gergelim torrado (cheire antes, às vezes pode estar rançoso), com uma pimenta seca vermelha rasgada em pedaços. Juntam-se as fatias de renkon bem sequinhas e vai mexendo até que o óleo apimentado esteja bem impregnado nelas. Neste ponto, junta-se um molhinho (misture partes iguais de shoyu, mirim* e sake; depois é só ir colocando Dashi* até o ponto de sal que achar necessário para a receita; lembrando que o shoyu é bem salgado). Chachoalhe a frigideira com o molho e espere secar um pouco. Está pronto. Se achar que não ficou temperado o suficiente, faça outra mistura e junte à preparação, aos poucos. Existe deste molho já pronto (Kombu dashi tsuyu, da marca Yamasa) e pode ser comprado no bairro da Liberdade. Foi o que ela usou, porque acha mais saboroso. Decore com pimentas e, se quiser, com gergelim torrado. Sirva com gohan. Pode ser guardado na geladeira por até 4 dias e comido frio.
Receita do Dashi caseiro
15 g de alga kombu
2 litros de água
50 g de katsuo bushi (lascas de bonito seco)
Limpe levemente a alga kombu com um pano seco, coloque numa panela e cubra com a água fria. Leve ao fogo médio e, antes que ferva, desligue o fogo (não deixe ferver, se não o caldo amarga e fica gosmento). Coloque as lascas de peixe seco e leve ao fogo. Quando começar a ferver, abaixe o fogo e deixe mais 5 minutos, sem deixar ferver (para o caldo não turvar e o aroma não se perder). Coe o caldo cuidadosamente sobre uma peneira com papel ou pano. O caldo base está pronto para vários preparos japoneses. Ele fica melhor no dia, mas pode ser guardado na geladeira por até 3 dias ou congelado por até 1 mês.
Mirim
- é um sake adocicado usado na cozinha. Eu sempre dou uma bicadinha porque é uma delícia.


Este suporte para chips de renkon no microondas, ela trouxe do Japão. É só para as fatias ficarem em pé e não grudarem. Deixa lá, em potência média, até que fiquem crocantes. Funciona, mas fritas são melhores, claro. Deve servir para frutas como caquis, mangas, maçãs. Acho que dá para improvisar com papelão, sugeriu a Ciça.

terça-feira, 21 de agosto de 2007

Um domingo com Mari Hirata - parte 1


Irmãs Hirata, mãos talentosas
Neste último domingo fui à "escola". Cheguei às 2 horas da tarde à casa da Maria Helena Guimarães (do Spot e do Ritz) e lá já estava a nossa mestra Mari Hirata, pilotando a cozinha com as gerentes do Ritz, Ciça e Rose. Fui logo botando o avental e cortando tirinhas de bardana para o kinpira gobo. Enquanto isso, uma hidratava gelatina para a Maria-mole, outra pesava o sagu, e todos os olhos e ouvidos bem abertos. A intenção da Mari era preparar para o jantar vários pratos simples da culinária japonesa e sobremesa de inspiração brasuca. Mas, que simples, que nada. Até nossa comida de brigada, algo assim meio prosaico só para enganar o estômago até o jantar, foi um luxo: gohan com ovos de termas – cozidos por 20 minutos, a 64 graus, como aqueles ovos-manjares dos chefs espanhóis. Pouco antes do jantar, Josimar Melo
ainda chegou a tempo de picar cogumelos e cortar seguimentos de 6 centímetros de cebolinhas verdes - precisa assim era a orientação. E Nina Horta, cunhada da Maria Helena, também convidada para aula e comilança, cabulou, para a tristeza de todos. Sobre o jantar e receitas da Mari, vou falando pouco a pouco, durante esta semana. Por enquanto, a receitinha dos ovos de termas - segundo Mari, no Japão era tradição as pessoas levarem ovos para cozinhar nas águas quentes das termas, que chegam a 64 graus Celsios. Hoje estes ovos são encontrados prontos nos supermercados, bastando reaquecê-los em casa.

Maria Hirata mora no Japão e, entre tantos talentos e afazeres, é colunista do site Basílico
Veja entrevista com ela no jornal Nippo-Brasil



Para fazer o Gohan, ela usou arroz para culinária japonesa, de origem californiana, comprado na Liberdade - o Uruguaio é mais ou menos; e o nacional, meio ruinzinho, segundo ela. Mas também, se não encontrarmos o arroz perfeito, vamos usar o que for possível. O segredo é cobrir o arroz com água, escorrer bem, pressionar os grãos sem água com as mãos, fazendo-os atritar um pouco, colocar água de novo, escorrer e assim, mais duas vezes. Só então, adiciona água (1 parte de arroz para 1,2 de água) e cozinha na panela elétrica. O arroz fica macio, brilhante, cremoso, mas não grudento.
Para os ovos de termas: coloque ovos numa panela grande, cubra com bastante água fria e leve ao fogo, controlando a temperatura para que não passe de 65, 66 graus. O ideal é ficar nos 64. Complete com mais água fria, à medida que a temperatura for aumentando. Aprendi direitinho, porque a tarefa ficou sob minha responsabilidade. É só colocar sobre o arroz, regar com um molho, cuja receita dou logo abaixo e nham nham nham.
Para o molho: misture partes iguais de shoyu, mirim* e sake; depois é só ir colocando Dashi* até o ponto de sal que achar necessário para a receita; lembrando que o shoyu é bem salgado. Leve ao fogo e junte araruta (ou polvilho doce) diluída num pouco de água. Cozinhe só até espessar um pouco, ficando com consistência de xarope. Se quiser, compre molho pronto (Kombu dashi tsuyu, da marca Yamasa) e apenas engrosse. Pode ser comprado no bairro da Liberdade. Foi o que ela usou, porque acha mais saboroso.
*
Mirim: sake adocicado, usado em culinária.
Dashi: caldo de peixe (bonito), que pode ser feito em casa com lascas do peixe e água ou comprado pronto, em pó, bastando diluir.
Receita de Dashi caseiro (receita da Mari Hirata)
15 g de alga kombu
2 litros de água
50 g de katsuo bushi (lascas de bonito seco)
Limpe levemente a alga kombu com um pano seco, coloque numa panela e cubra com a água fria. Leve ao fogo médio e, antes que ferva, desligue o fogo (não deixe ferver, se não o caldo amarga e fica gosmento). Coloque as lascas de peixe seco e leve ao fogo. Quando começar a ferver, abaixe o fogo e deixe mais 5 minutos, sem deixar ferver (para o caldo não turvar e o aroma não se perder). Coe o caldo cuidadosamente sobre uma peneira com papel ou pano. O caldo base está pronto para vários preparos japoneses. Ele fica melhor no dia, mas pode ser guardado na geladeira por até 3 dias ou congelado por até 1 mês.

segunda-feira, 20 de agosto de 2007

Oficina da Ana Soares no Boa Mesa 2007

Para quem gosta de fazer massa, esta maquininha é um bom investimento

Antes de passar para o próximo post em que vou falar do domingo na cozinha com a Maria Hirata, quero terminar o assunto do Boa Mesa, que me tomou tempo pra caramba na semana passada. Encontrei e conheci gente que gosta de falar de comida, trocar dicas, receitas e principalmente verdades - todo cozinheiro tem a sua, única e incontestável. Vi aulas de chefs estrelados no Guia Michelin e tudo o mais. Dá uma preguiça danada falar de tudo e às vezes nem vale mesmo muito a pena. Mas não posso deixar de registrar aqui o workshop da Ana Soares, do Mesa 3, que fala pelos cotovelos e joelhos, anda de lá pra cá, gesticula e tenta ensinar naquelas poucas horas tudo o que levou anos para desenvolver e aperfeiçoar, pelo menos sobre massas (ela tem muitas outras especialidades). Muita calma nesta hora para reunir tudo num caldeirão e tampar logo para não evaporar. Os outros, não sei, mas eu saí com a panela cheia. Aqui, algumas receitas que ela ensinou. Para quem não viu, vale a pena guardar.

Passateli ao perfume de limão siciliano (esqueci de totografar, mas o prato fica lindo)

Ingredientes
200 g de pão francês seco, ralado
200 g de parmesão ralado
Raspas de limão siciliano a gosto (ou outro, se preferir)
3 ovos inteiros
Gemas até dar o ponto
30 g de manteiga amolecida
Sal e pimenta-do-reino a gosto
Noz moscada ralada a gosto
1,5 litro de caldo de carne
Legumes picados a brunoise

Modo de fazer: numa tigela grande, misture a farinha de pão, o queijo parmesão e as raspas. À parte, bata os ovos com a manteiga e despeje na tigela, mexendo bem. Vá juntando gemas até conseguir uma mistura cremosa e firme (que possa passar no espremedor de batatas). Cubra e deixe na geladeira por 15 minutos.

Ela aqueceu o caldo de carne desengordurado, colocou a massa dentro do espremedor de batatas e foi apertando, deixando cair sobre o caldo fervente os fiozinhos de massa. Juntou os legumes (cenoura, salsão e abobrinha em cubinhos mínimos) e cozinhou por mais dois minutos. Pronto. Uma sopinha deliciosa e delicada. Delícia!!
Rendimento: 8 a 10 porções


Para o Caldo de carne
Coloque numa panela 3 litros de água, 500 g de músculo, acém ou carcaça de frango (se assim preferir), 1 cebola de 150 g de cebola com 4 cravos espetados, 150 g de cenoura, 150 g de salsão, 2 dentes de alho, 150 g de alho poro, 7 grãos de pimenta-do-reino e ervas frescas à gosto (salsa, manjerona, tomilho e cebolinha). Deixe cozinhar em fogo brando por cerca de 1 hora ou até a carne ficar macia, retirando a espuma da superfície durante o cozimento. Coe o caldo, desengordure e use. Deve render 1,5 l. Se não, complete com água quente.















Papardelle de porcini

Coloque 50 g de cogumelo porcini seco de molho em 100 ml de água. Deixe por 1 hora ou até amolecer. Escorra bem a água. No liquidificador bata ligeiramente 2 ovos e 3 gemas, 10 ml de azeite e os cogumelos. Reserve.

Numa tigela coloque 200 g de farinha de trigo especial misturada com 150 g de sêmola de grão duro e uma pitada de sal.

Faça um vulcão nas farinhas e despeje a mistura do liquidificador. Misture com as mãos até conseguir formar uma bola de massa homogênea. Abra com rolo em superfície enfarinhada ou no cilindro, até obter a espessura de 2 milímetros. Com carretilha, corte em tiras largas de 1,5 por 20 centímetros. Cozinhe em bastante água e sirva com algum molho forte como ragu de coelho, de perdiz ou de cordeiro.


Massas básicas e coloridas
Modo de fazer: para qualquer uma das receitas abaixo, com a farinha (ou farinhas), forme um vulcão numa bacia e despeje no meio os ovos ou a mistura de ovos, temperos e corantes batidos no liquidificador. Bata ligeiramente com um garfo até umedecer toda a massa. Trabalhe, então, com as mãos, até obter uma massa homogênea. Abra a massa com rolo ou máquina com cilindro, corte no formato desejado e vá colocando os pedaços sobre um pano úmido. Se quiser, embrulhe a massa em saco plástico e guarde por até 3 dias antes de cortar. Antes de cortar em espaguete, papardelle ou talharim, deixe a massa aberta secar um pouco, para não grudar. Polvilhe semolina ou fubá na massa já cortada para que não grude enquanto corta o restante.


Massa branca de ovos
280 g de farinha de trigo especial
120 g de sêmola de grão duro
4 ovos

De espinafre
280 g de farinha de trigo
120 g de sêmola de grão duro
4 ovos
20 g de espinafre em pó (ou 70 g dele fresco, cozido e bem espremido)
Integral
100 g de farinha integral
50 g de farelo de trigo
150 g de farinha de trigo
100 g de sêmola de grão duro
5 colheres (sopa) de leite
5 ovos

De beterraba
280 g de farinha de trigo
120 g de sêmola de grão duro
4 ovos
30 g de beterraba em pó (ou 100 g dela assada + 50 g de cenoura do mesmo jeito)
T
omate

280 g de farinha de trigo
120 g de sêmola de grão duro
3 ovos
100 g de extrato de tomate
50 g de colorau

Dica dada na aula: as massas coloridas são mais frágeis, então você pode passar no cilindro massa branca e massa colorida separadamente unir as duas fazendo uma dupla face (como a do cappelletto da foto). Molhe uma das massas com paninho úmido para grudar, una as duas e passe no cilindro. Da mesma forma você pode fazer listras na massa. Corte a massa colorida em talharins e grude na massa branca, deixando espaços. fixando com rolo ou passando no cilindro.

sábado, 18 de agosto de 2007

Amigos virtuais de verdade

Neide deu guariroba de Fartura para a Lica, que retribiu em empadas nas forminhas que ganhou da Akemi, lá do Japão


Esta vida de blogueira dá um pouco de trabalho, mas compensa. Quem pensa que trabalhar em casa como autônoma e passar horas na frente do computador é sinônimo de uma vida solitária, engana-se. De uns 15 anos para cá fiz grandes amizades reais através de contatos virtuais. Isto porque, devido à minha irritante timidez que joga contra mim, passo por arrogante ou desinteressante nos primeiros contatos quando eles são presenciais ou por telefone. Desinteressante, pode até ser. Mas, arrogante, juro que não sou. Quando entro num ambiente cheio e passo sem cumprimentar ninguém é porque usei a única armadura que me restou. Depois vou colocando a cabeça pra fora e enxergando rostos conhecidos, falando, sorrindo. Cada tímido encontra um jeito de sobreviver. Este é o meu. Mas o que mais me ajuda e facilita os primeiros contatos é que felizmente toda esta inibição se esconde nas entranhas do teclado e me vejo livre e até desavergonhada demais quando escrevo para alguém. Antes da era digital, já abusava do selos, mas agora tudo é mais fácil. E com o blog, então, tenho descoberto um outro mundo cheio de conquistas e leitores carinhosos, como a blogueira Eliana, a quem tinha prometido um palmito gueroba (ou guariroba, como queiram), por sabê-la goiana. Não esperava nada em troca, mas nosso encontro me rendeu, além do prazer de conhecer pessoalmente uma pessoa tão querida, estas deliciosas empadinhas, que foram meu almoço e meu lanche numa sexta-feira corrida de Boa Mesa. Aliás, próximo post, fantásticas receitas de massas da oficina da Ana Soares, no Boa Mesa.

quinta-feira, 16 de agosto de 2007

Boa Mesa 2007 - Aula do chef francês Jean Christophe Ansanay-Alex

Cavaquinha com figo assado na manteiga e molho de coral. O maracujá está sobrando aí.

Não tem nada pior para um cozinheiro que um prato dar errado, ainda mais em público. Eu sempre me condôo com a vítima nesta hora, pois já senti isto na pele várias vezes, com o atenuante de que meu público é sempre composto de amigos íntimos e solidários. Mas não deve ser à toa que seu restaurante Aurberge de L´ile , em Lyon, tem duas estrelas no Guia Michelin. Pois é, mas aconteceu de a musse de chocolate talhar. E o molho de coral de cavaquinha ou lagostim (não sei direito qual usou) ficou lindo, mas pela cara do chef pôde-se perceber que não era aquilo que ele esperava - que nosso maracujá é muito azedo etc. Também achei isto quando degustei. Já a misturinha que ele pretendia usar para empanar seu sonho de ervas, e estava descrita na apostila, com farinha de arroz e de tapioca, não deu liga e ele improvisou uma massa pronta para tempurá. Decisão acertadíssima, pois ficou uma delícia. A gente não fica ofendida por não ter conseguido enfiar a farinha de tapioca, que já tem usos bem interessantes por aqui. Ninguém teve coragem de falar nada, mas o molho inglês com tomilho para o mil folhas de mousse de chocolate branco não foi uma idéia muito feliz, eu achei. Provavelmente porque ele deve usar tomilho-limão (pura especulação) na França e a produção comprou tomilho comum, aquele com sabor de orégano, que vai muito bem na pizza e no molho de tomate. E sorte dele que não experimentou o nosso figo que foi assado na manteiga e serviu com o crustáceo. Se não provou antes, e acho que não o fez porque tinha chegado cansado de viagem, foi uma decepção a menos, porque vamos e venhamos nossos figos são muito sem-gracinhas, muito diferentes daqueles europeus que amadurecem no pé e são doces e perfumados como mel. De qualquer forma, valeu a boa intenção.

Dica do Come-se: para fazer o creme inglês com tomilho, ele fez uma infusão da erva com o leite. Ferveu com a erva, tampou, esperou uma hora, peneirou e usou o leite perfumado. No lugar deste tomilho de pizza eu uso, para aromatizar leite que vai ser usado em doces, ervas como folhas de cítricos, manjericão-anis (é fácil ter no quintal), tomilho-limão, menta, melissa ou malva-cheirosa. Sem falar nas especiarias que também combinam (cardamomo, anis-estrelado, erva-doce, cravo, canela, casca de tangerina, de laranja ou de limão)

Bem, mas a idéia de empanar ervas aromáticas com a improvisada massinha de tempurá valeu a aula. Coisa simples e de efeito. De verdade, Chef! Pena que não tirei foto. Comi antes. Experimentem!

Sonho de ervas
1 colher (sopa) de estragão
1 colher (sopa) de salsa
1 colher (sopa) de menta
1 colher (sopa) de coentro
1 colher (sopa) de manjericão
Massinha de tempurá

Misture as ervas numa tigela, junte um pouco da massa só para envolvá-las e vá pegando com os dedos uns punhados desta mistura e fritando em óleo quente. Só até ficarem crocantes. Salgue depois de fritos. Forme uma montanha destes tempurás num prato e sirva. Fica muito bom.
Segundo nos contou o ajudante brasileiro do chef, no restaurante do chef, eles intercalam no montinho verde chips de beterraba, batata-doce, mandioca. Fica parecendo uma árvore de natal.

Dica do Come-se: a mistura para massa de tempurá pode ser comprada em lojas de produtos orientais – basta juntar água conforme instruções. Ou então, faça em casa: misture 50 g de farinha de trigo branca, 50 g de amido de milho, 1,5 colher (chá) de fermento, 1 ovo batido e 200 ml de água gelada. Outra receita, 1 ovo, 200 ml de água gelada – bata bem e junte 2 xícaras de amido de milho (maisena).

Boa Mesa 2007 - Aula do Edinho Engel


As aulas do Edinho são sempre recheadas de dicas imperdíveis sobre ingredientes brasileiros. Ele fala pelos cotovelos e não tem dó de distribuir o que tem de mais precioso. Já fiz muitas aulas no Boa Mesa e alguns chefs não entregam o ouro, não adianta. A gente tem que arrancar a forceps. Não é o caso do Edinho, generoso como sempre. Ontem, por exemplo, ele explorou aqueles peixes de que gosto – bons, frescos e baratos. Já tinha usado o carapau (falarei dele em breve) para fazer assado com mel, gengibre, óleo de gergelim e cebolinha verde. Tem carne vermelha, compacta, macia, boa altura e sabor de atum. Aliás, é como uma miniatura de atum, com preço de sardinha. Com o carapau, o Chef fez um delicioso tartar que serviu com salada de feijão carioquinha e calda de jabuticaba (esta eu dispensaria). Mas o tartar não ficou devendo nada às versões clássicas feitas com atum. É claro que o peixe tem que estar muito fresco. É só separar os filés, tirar a pele, descartar aquela parte próxima da espinha, mais escura, e picar bem fininho. Tempera-se com com sal, pimenta, azeite, suco de limão-cravo e a parte branca da cebolinha bem picada. Deixa-se na geladeira para gelar e serve-se moldado em aro com uma salada de feijão fradinho (feijão cozido e temperado com erva-doce picada, coentro, hortelã, suco de limão, sal, pimenta, azeite). E a calda de jabuticaba – simplesmente os frutos abertos e cozidos em pouca água até formar uma caldinha rala. É só coar e usar para decorar o prato.



A outra receita foi uma forma inventiva de servir sardinha – cada banda de filé foi temperada com sal e pimenta e frita em pouco azeite em frigideira antiaderente. Ele fez um molho de tomate com lingüiça picante. 600 g de tomate picado para 100 g de lingüiça bem picante. A idéia é assim: faça um molho comum com tomate fresco. À parte, refogue a lingüiça com alho-poró, junte uma colher (sopa) de vinagre e o molho de tomate. Cozinhe uns 15 minutos e bata tudo no liquidificador. Ele serviu as sardinhas sobre este molho e algumas favas cozidas (que eu também dispensaria). E ainda decorou com as espinhas fritas (ótima fonte de cálcio, fiquem sabendo), que também são comidas como aperitivo junto com o molho e pão italiano. Eu experimentei, uma delícia. Ótima pedida para acompanhar uma cervejinha bem gelada.



E ainda teve robalo dourado no azeite e cozido brevemente em caldo aromático feito com a carcaça do peixe e temperos. Foi servido sobre rodelas de cará e vários acompanhamentos: pirão, arroz com coco (arroz fresquinho misturado com coco fresco ralado grosso), maxixe refogado, banana-da-terra cozida e uns temperinhos servidos de forma decorativa: casca de tangerina ralada, flor de sal, pimenta. Simplesmente chique.


quarta-feira, 15 de agosto de 2007

Boa Mesa 2007

Clô Dimet - dividindo seu pão
Começou ontem no Jockey Club, e vai até o dia 18, o festival de gastronomia Gula & Design Boa Mesa 2007, com estrelas nacionais e chefs franceses. Este ano as atrações são as estrelas do Guia Michelin. Perdi a aula da Carla Pernambuco, mas me fartei na oficina de pães da Clô Dimet (Restaurante Clô e La Table), nas aulas do Edinho Engel (Restaurantes Manacá e Amado), que ensinou a usar com classe peixes pouco valorizados na gastronomia; e do francês Jean Christophe (restaurante Auberge de l’Ile, em Lyon, duas estrelas Michelin), que mostrou a transformação, pelo calor, das ovas verdes de uma lagosta em molho vermelho e aromático.
Oficina de pães da Clô Dimet
A oficina de pão foi bem interessante, pois os pães da Clô são famosos e a gente sempre aprende uma técnica nova, um jeito diferente daquele a que está acostumada. Mas o importante é que ela frisou aquilo em que também insisto: não se deve ter medo de fazer pão. Acho muito mais fácil que fazer bolo, que tem uma estrutura frágil e os ingredientes são muito mais atuantes. Para o pão, bastam farinha e fermento com água e sal. O resto é complemento e a técnica ajuda. As massas já crescidas, cada um levou a sua para assar em casa. Cheguei aqui com as ditas bombando. Tive que reamassar e moldar. Conclusão, era meia noite e eu estava cá acordando vizinhos com cheiro de padaria. Mas hoje no café da manhã, a família fez a festa. Fórmulas novas são sempre bem-vindas. A não ser pelo excesso de fermentação (devido à longa espera – pois assisti a duas aulas depois da oficina), eles ficaram ótimos. Quem quiser as outras receitas – de pão integral como aveia e rosca da rainha, é só me pedir. Ou aguardem para quando eu resolver repeti-las. Por enquanto, repasso aqui a fórmula do pão de leite, com manteiga e mel, o meu preferido da noite. A receita da apostila mandava fazer um jeito, mas ela fez de outro. Então boto aqui minha própria interpretação, sem mudança de conteúdo, é claro. Todas dão certo, garanto.

Moldei, polvilhei com farinha de trigo, e meti no forno

Aqui, a fórmula do pão de leite e mel

Numa bacia grande, coloque 1 kg de farinha. Faça uma cova no meio e coloque aí 40 g de fermento. Despeje sobre ele ¼ de xícara de leite (tire dos 600 ml que vai usar na receita) e uma pitada de açúcar (tire dos 80 g que vai usar). Enquanto isso, bata no liquidificador 600 ml de leite (menos o que já usou), 20 g de sal, 80 g de açúcar (menos ou que já usou), 100 g de manteiga e 200 ml de mel. Despeje sobre a farinha e vá trabalhando com as mãos até que possa passar para uma superfície enfarinhada. Continue trabalhando a massa espichando e enrolando, até formar uma bola macia, homogênea. Se precisar, vá juntando farinha aos poucos, mas sem deixar a massa dura. Volte a massa para a bacia, cubra com plástico e deixe crescer até dobrar de volume. Divida a massa em dois ou 4, forme os pães como quiser (eu fiz bolas e filões), polvilhe com farinha, faça cortes com uma faca bem afiada, e deixe crescer de novo até dobrar de novo de volume. Leve ao forno preaquecido, bem quente, por 10 minutos. Abaixe o fogo e deixe assar por mais 50 minutos.

Dicas da Clô: se quiser, substitua parte da farinha de trigo por farinha integral e coloque temperos, ervas, azeitonas ou tomate seco. Pode ainda substituir a gordura por bacon ou lingüiça picada.

Dicas do Come-se: Depois de moldados, pulverize os pães com água misturada com mel e role-os em flocos de aveia.

Guariroba ou gueroba


Dois já estão prometidos

Há alguns anos, Marcos e eu compramos uma terrinha ao lado do sítio do meu pai, em Fartura. Isto, depois de já termos construído nossa casa na parte dele. A área é pequena, cerca de 18 mil metros, menos de 1 alqueire. Não podemos plantar nem construir nada porque a mata é protegida. Um pedacinho dela já havia sido desmatada para o plantio de 600 pés de cafés, uma mixaria que se soma aos do meu pai e rende alguma coisa. Mas compramos mesmo só para que a vegetação fosse mantida. Porque, mesmo proibido, todo mundo acaba desmatando para pasto ou lavoura, não poupando nem mata ciliar. Uma pena. Aí vem o Ibama, dá uma multinha e pronto. O estrago está feito e não há mais concerto. E queríamos justamente continuar protegendo aquele pedacinho de mata, que abriga pássaros, alguns felinos pequenos e bravos borrachudos, ui. Abrimos uma picada e de vez em quando vamos andar na trilha. Além deste prazer, nos dá também algum palmito guariroba que extraímos clandestinamente (sei que nem isto poderíamos fazer). Mas não tiramos mais que 2 palmeiras ao ano, só para consumo próprio (também para presentear a Eliana, goiana e cozinheira de primeira, a quem havia prometido). E, em compensação, plantamos vários outros pés de guariroba, pupunhas e juçaras pelo sítio. De modo que não nos sentimos assim tão devastadores.

Gurariroba (Syagrus oleracea)
Também chamado de garirova, gairoba, gairova, jaguaroba ou pati-amargosa, é uma palmeira típica do Cerrado, mas pode ser encontrado em outras partes, como em Fartura. O uso do seu broto na alimentação é herança indígena, e agora, quem gosta mesmo de consumir esta iguaria amarguinha, são os goianos e mineiros. O empadão goiano não é nada sem ele e seu amargor é indispensável.

Se cortar e deixar espostas, as fatias se oxidam e escurecem

Como preparar
Deve-se tirar toda a camada fibrosa e deixar só o miolo que pode ser cortado facilmente com uma boa faca afiada. De aço inoxidável, sempre. As fatias devem ir caindo dentro de uma bacia com água (ou água e limão), para não escurecer. Aí é só refogar em alho, cozinhar num pouco de água até amaciar. Pode ser temperado com pimenta, cebola, urucum (opcional), sal, pimenta-do-reino e muito cheiro-verde. Depois de cozido, em separado, pode ser juntado ao frango cozido. No arroz, também fica muito bom. Neste caso, basta juntar as rodelas na hora de refogar e ele vai cozinhar no mesmo tempo do arroz. Quem não gosta do seu amargor, pode aferventar em água com uma pitada de bicarbonato. Mas, sinceramente, acho que neste caso é melhor consumir pupunha ou qualquer outro palmito mais adocicado. Porque é justamente o amargor que lhe dá personalidade. Não sei se ele é vendido em São Paulo, mas no Centro-Oeste é fácil encontra-lo fresco ou em conserva.


Pratinho bem brasileiro: frango com guariroba, arroz com pequi, escarola refogada e pimenta

Fiz um ensopado com sobrecoxas desossadas e temperadas com alho, cebola, pimentão, pimenta, óleo de urucum, cheiro-verde. Cozinhei o palmito à parte e juntei ao frango quando ele já estava cozido e temperado. No final, acrescentei cheiro-verde picado e servi com arroz de pequi - arroz comum ao qual se adicionam sementes de pequi no momento de refogar os temperos.

Na panela de barro, o arroz com pequi fica muito melhor

Os pequis congelam bem, então, quando é época eu compro vários no Mercado da Lapa e deixo no freezer para quando der vontade. Ele é superperfumado e lembra um pouco o aroma do maracujá. É da turma do coentro, da jaca, do jiló e daqueles que atraem para si só dois tipos de sentimentos: amor ou ódio. Para quem ama, é só deixar as sementes para o fim, pegá-las com as mãos e ir raspando com os dentes a camadinha amarela e macia. À medida que se caminha para o centro do pequi, a coisa vai ficando perigosa por causa dos inúmeros espinhos. Para quem não tem o fruto fresco, há conservas bem decentes com a semente inteira ou só a parte comestível, em tiras. Pelo menos aqui em São Paulo, é comum nos Mercados municipais.

Laranja-champanhe


Achei intrigante minha mãe ter mandado de Fartura uma única laranjona embrulhada num saco plástico. Meio toranja, meio sem-cheiro e sem-graça, ainda mais sendo apenas uma. Tudo que vem do sítio, costuma vir em fartura, dúzias, pencas, cachos. Por isto liguei para perguntar. Que negócio era aquele de me mandar uma única laranja, com casca meio esponjosa ainda por cima? "Ah, veio do vizinho, é fim de temporada, mas consegui salvar uma para você experimentar". E que gosto tem, perguntei desconfiada. "Ah, você vai ver, é uma coisa única, maravilhosa". Corri pra cozinha e comecei a tirar a casca grossa e leve. Já começou aí a surpresa: um aroma de limão-cravo se desprendia a cada volta da faca. A cor da polpa é de laranja-lima e o sabor, um mix de tangerina com laranja-bahia. O nome talvez se refira à cor, mais clara que a maioria das laranjas. E o tamanho é o de uma grapefruit, mais de meio quilo. Comi a metade com o bagaço macio e fiz suco com o restante. Foi difícil aceitar a realidade de ter que comer apenas uma laranja, ainda que sendo grande. O sabor é mesmo único como resumiu minha mãe. Incrivelmente doce e super perfumada. Fui pesquisar e descobri que é uma variedade híbrida de laranja-bahia com tangerina-cravo, como notei, desenvolvida pelo IAC (Instituto Agronômico de Campinas). Finalmente um alento para os comedores de laranjas, saudosos das doces seletas e fragrantes bahias. E se tivesse mais delas, talvez ousaria um sorbet, uma musse, uma gelatina, um recheio, quem sabe um coquetel. Fica para a próxima safra ou para quando ela aparecer no mercado. Se a virem por aí, me avisem, pois virei fã.

segunda-feira, 13 de agosto de 2007

Laranjas de chupar ou o mercadinho do português


Seu Emílio é o português que há pouco tempo abriu um sacolão aqui perto de casa. Moramos numa zona residencial estrita e não há nenhum comércio muito perto. Agora, é só andar um pouco que eu chego lá e compro as melhores laranjas do bairro. Afinal, ninguém mais dá importância para laranjas de mesa. Até os produtores estão na fila para comprar mais mudas visando o próspero comércio de suco para exportação. Ninguém mais quer saber de morder e mastigar uma laranja suculenta. Estamos criando uma geração de crianças que só conhecem frutas pelos melados sucos das caixinhas de tetra-pack. Pois eu gosto de levar uma tigela para a frente da televisão com laranjas de vários tipos e comer inteiras umas 3 ou 4. Nós todos aqui em casa temos este hábito esquisito. Aliás, minha família toda faz isto e a gente acha que é a coisa mais normal do mundo (hoje sei que não é). Desde que me conheço por gente não me lembro de um só dia na casa de meus pais em que a cesta, ou a gaveta da geladeira, não estivesse cheia de laranjas. Minha avó paterna se sentava embaixo de uma limeira da pérsia e chupava limas até não poder mais. Uma vez passou mal e teve que ir para o hospital. Meu pai chupa umas 8 por dia. E quando é época delas no sítio, até mais. Mas o Seu Emílio têm sempre ótimas frutas – laranja-lima e bahia, lima-da-pérsia e pêra, todas suculentas e doces. Sabe-se lá onde ele vai buscar. Só sei que no Hipermercado Extra, o comércio mais próximo daqui, as laranjas são horríveis. E quase tudo o mais. As limas são sempre murchas, os melões, aguados e os pêssegos, esponjosos. Minha implicância é mais pelo tamanho monstro daquilo que devorou todo o pequeno comércio do redor. Por isto, estou feliz com o mercadinho do português que vende, além de frutas e hortaliças, vinhos lusistanos e produtos de supermercados. Um adeus ao Extra e a todos os hipermercados. Viva o mercadinho do português que sempre me cumprimenta “bom dia, ó filha”. Torço para um dia aquilo vire um Santa Luzia e vivo perguntando como está indo o negócio. Responde sempre que o importante é o cliente, ó filha - seja lá o que isto queira dizer (acho que está indo bem). Por enquanto o que tem lá é o essencial, mas do bom e do melhor. E é assim: chego, compro uma porção de coisas e ele manda entregar. Às vezes vem ele mesmo dirigindo o carro e ainda pergunta se quero carona (além de proprietário, é caixa, empacotador, entregador e ótimo anfitrião). Peço apenas que dê um tempo para minha caminhada de volta, prefiro, quando tenho esta vista do Pico do Jaraguá.


Minha rua, fim de tarde, vista para o pico do Jaraguá

sexta-feira, 10 de agosto de 2007

Trilha: o peixe com sabor de camarão para apressadinhos


Sexta-feira é dia de peixe. De manhã trabalhei no consultório. Atrasadíssima para o almoço, me lembrei que não havia tirado nada do freezer pela manhã. Desci do ônibus em frente ao Mercado da Lapa às 12h26, espiei os peixes, não resisti às trilhas e em menos de 10 minutos já havia tomado outro ônibus e estava em casa como aquelas mulheres-chavões, sempre ocupadíssimas, dos filmes americanos, apoiando o telefone entre a cabeça e o ombro; uma mão limpando o peixe; a outra mexendo o refogado de cebola para o arroz, o pé fechando a porta da geladeira e os olhos bem abertos cuidando do gato. E às 13h05, quando o Marcos chegou, estava tudo pronto. Ou quase. O peixe, saindo da frigideira, o arrozinho tailandês, soltando a última lufada de vapor e o brócoli, que já estava cozido, recebendo às pressas complementos como azeitonas, tomate e cebola. Às 14 horas o Marcos já estava com seus pacientes e eu aqui trabalhando. Foi bom (e a pobre da Ananda lá na faculdade o dia inteiro, comendo de bandejão....).


A trilha é um peixe delicioso, macio, cozinha num piscar de olhos, e o sabor lembra muito o do camarão, principalmente a pele e partes mais próximas. Não é sempre que aparece no mercado. Por isso, quando tem, aproveito para congelar. Hoje foi o caso.


Para fritar: azeite e óleo de urucum, para dar um tchan


Para as que estão congeladas talvez eu use uma receita especial, mas hoje foi tudo sem pensar, não dava tempo. Tirei as escamas e tripas, lavei bem tirando vasos de sangue e fiz uns cortes na pele. Temperei com sal e pimenta (a carne é muito frágil, melhor não usar limão ou ingredientes ácidos), polvilhei uma camada bem fininha de farinha de trigo e fritei num pouco de azeite misturado com óleo de urucum (só para intensificar a cor). Cerca de 2 minutos de cada lado. Tirei os peixes, escorri o óleo da frigideira, juntei um pouco de azeite limpo e fritei nele alho e salsinha, tudo bem picadinho. Joguei por cima e nhac com o arroz bem quente.


A apresentação não ficou lá estas coisas, mas foi como comer camarõezinhos fritos

quinta-feira, 9 de agosto de 2007

Piruás peruanos


Na feirinha peruana e boliviana (já estou ficando monotemática) há alguns tipos diferentes de milho, mas sabemos que no Peru são dezenas ou centenas até. Por aqui também havia milho nativo de várias cores e formas, mas o amarelo chegou pisando em todos eles. Ouvi dizer que perto de Cunha-SP ainda se cultiva milho roxo e com ele se faz fubá. Imaginem uma polentinha mole feita com ele.. Mas fora pequenos produtores e algumas tribos, nenhum grande agronegócio quer saber destas variedades pouco rentáveis. Em compensação, se der uma praga no milho amarelo, estamos danados, pois a biodiversidade, perdida, é fundamental para evitar estas catástrofes. Mas se depender de mim, logo logo o Brasil estará novamente povoado com estes milhos índios, pois já dei sementes para o meu pai cultivar em Fartura e neste fim de semana nossos amigos João Bosco e Sirley levaram para plantar em São José do Rio Preto. A vantagem é que eles não são híbridos e germinam com facilidade. Já testei.
Na feira boliviana, eles são vendidos já debulhados, em saquinhos
No Peru e na Bolívia são várias receitas de cremes e refrescos com o milho roxo, que, aliás, faz um ótimo chá - publicado aqui ontem. Agora, o que me fascina mesmo são as pipocas peruanas que nada mais são que piruás viáveis, mastigáveis e crocantes. São pipocas que estufam, extrusam, mas não viram do avesso. E o sabor é maravilhoso, daquele piruá que deu certo, que não vingou mas não encruoou. Foi meu amigo Ives, peruano, quem me apresentou a elas. Sempre que posso, compro variedades diferentes e frito tudo junto numa só panela. É como fritar pipoca, mas o pulinho delas é pequeno. Um ótimo tira-gosto para uma cerveja gelada (calma, calma, o calor vai voltar). E ainda pode ser levada na bolsa para comer no cinema, pois não faz aquele barulho insuportável - desde que você a leve num saquinho silencioso, de preferência de pano. E também porque não faz muita diferença comer quente ou fria. Boa de qualquer jeito.

quarta-feira, 8 de agosto de 2007

Chá de especiarias com milho roxo

O mesmo chá na jarra e na xícara, com limão-rosa - com o ácido do limão, a cor se torna mais viva

Gosto de bebidas vermelhas – vinhos tintos, chás e sucos, nesta exata ordem. Todas têm em comum antocianina, o pigmento que confere aqueles tons que vão do vermelho ao arroxeado em certos alimentos. E alguns deles fazem ótimos chás desde que misturados a algumas especiarias. Os que já são ácidos, nem precisam de incrementos. Hibisco, mirtilo, uva, amora, framboesa são azedinhos e ficam ótimos mesmo sozinhos. Mas outros como o milho roxo e o arroz negro cedem a cor para a água e são neutros de sabor. Então basta usá-los apenas para dar mais charme aos chás de especiarias. E nestes casos é bom acrescentar limão no final - isto se nos ingredientes não houver nada ácido como abacaxi ou maçãs. É que as antocianinas ficam mais avermelhadas em contato com ácido. Já em meio alcalino, elas ficam azuladas ou arroxeadas. Por isso, alguns bolos de blueberries ou de framboesas, feitos com bicarbonato, ficam meio azulados. Quando fiz o chá pela primeira vez foi por porque havia acabado o hibisco e eu me lembrei da
chicha morada dos peruanos, o refresco feito com o tal milho, maçãs, abacaxi, cravo, canela e limão. A chicha se toma gelada, é uma delícia, mas o meu chá você toma do jeito que preferir e fica também muito bom. Quente no inverno; com gelo no verão. Comprei o milho, maíz morado, na feirinha boliviana (São Paulo, Praça Kantuta, bairro do Pari, domingos à tarde), mas se não encontrar, faça com o arroz preto, com a casca da jaboticada ou da uva (que não tenham defensivos) ou com as frutinhas vermelhas que citei. No caso do arroz, deixe os grãos de molho por umas 3 horas, escorra e use só a água. Se cozinhar os grãos, o chá ficará algo gorduroso, o que não é muito agradável quando se quer um chá e não uma canja.

Quando tiver em mãos tangerinas ou laranjas sem defensivos, seque e guarde as cascas para chás

Chá de milho roxo com especiarias

1 litro de água
1 colher (sopa) de grãos de milho roxo seco
1 pedacinho de casca de tangerina seca (ou fresca)
1 vagem de cardamomo aberta
2 dentes de cravo
1 pau de canela
2 anis estrelados
Açúcar, se gostar
1 fatia de limão

Leve ao fogo a água com o milho e as especiarias. Deixe ferver por 10 minutos, coe e sirva. Adoce a gosto e junte umas gotinhas de limão para que a cor fique mais viva e o sabor, mais equilibrado.

A antocianina
Presente também nos vinhos tintos, este pigmento é um tipo de flavonóide que se caracteriza pelo efeito antioxidante, que protege as membranas celulares dos efeitos dos radicais livres. Assim, diminui os riscos de doenças do coração e previne contra doenças degenerativas. Então, quem não pode beber, que tome o suco à vontade.

Outras sugestões

  • Milho roxo, cravo, canela
  • Milho roxo, cravo, canela, maçãs, abacaxi
  • Milho roxo, hibiscos e cravo
  • Arroz preto (só a água de demolho), maçãs secas, cravo, canela, gengibre, limão
  • Arroz preto (só a água de demolho), maçãs secas, abacaxi, canela, limão
  • Amora (ou qualquer outra fruta vermelha), erva-doce, casca de laranja
  • Casca de uva, canela, casca de tangerina e limão
  • Casca de jaboticaba, maçã, gengibre, cravo e canela
  • Casca de uva, uva passa, maçã e canela
  • Casca de jaboticaba, pedaços de maçã fresca, casca de tangerina e canela
  • Todas podem ser usadas para fazer sagu ou gelatina (12 g de gelatina hidratada e derretida para 500 ml do chá quente e açúcar a gosto - é só gelar)

terça-feira, 7 de agosto de 2007

Massinhas frescas e outras frescuras

A luz no Fasano é sutil e a massa estava toda envolvida com molho cremoso. Mas pude ver bem, as fregule eram quadradinhos do tamanho de grãos de milho verde. Ou estou enganada? Por isto achei que bastava cortar finamente os talharins e pronto, teria minha fregula fresca. Faltou tempo e paciência, por isto não a sequei ao sol nem tostei no forno. Ficou muito bom o prato, mas não tem nada que ver com o que comemos no Fasano. Nem era minha intenção, claro. Também pesquisei mais sobre a massinha sarda, e a forma clássica de se fazer é muito diferente inclusive da versão servida no restaurante. No mercado, a massa seca tem forma de bolinhas, como um cuscuz graúdo. Já a fresca é feita numa tigela de barro chamada xivedda onde se coloca a sêmola de trigo duro que é molhado com água temperada com sal e açafrão. A farinha úmida é esfregada com as mãos contra o fundo da tigela formando bolinhas. Depois são soltas com farinha mais fina. Algumas receitas levam ovos, mas geralmente é a água que umedece a massa. Depois são espalhadas e deixadas a secar por uma noite e então tostadas no forno. Estas massinhas me fizeram lembrar do Walter Tassi, que conheci porque a Nina reproduziu na Folha de São Paulo uma carta dele. Gostei da escrita, procurei no Google e achei seu blog. Meio abandonado por ele; uma pena, porque escreve muito bem sobre coisas gostosas. A questão é que encontrei lá uma sopa rara, que já testei e deu super certo, um achado (não fotografei porque a fome era maior que o dever – depois repito). E as massinhas que vão se soltando das mãos lembram as fregule. Se quiserem ver o texto inteiro, vejam , mas destaco aqui o trecho que fala da sopa:

Minha velha avó quando se via apertada para preparar o almoço e tinha feijão já cozido, fazia uma sopa deliciosa que nunca vi em nenhum outro lugar. Amassava o feijão e fazia um caldo que punha a ferver. Quebrava um ovo em um prato e batia ligeiramente. Em outro prato colocava um pouco de farinha de trigo. Molhava a palma das mãos nos ovos batidos e depois batia na farinha de trigo. Sobre a panela, com o caldo fervendo, esfregava as mãos uma na outra fazendo farelos e rolinhos disformes caírem diretamente na sopa. Repetia a operação até acabar com o ovo e pronto. Lá tínhamos uma sopa maravilhosa e original, com um macarrão inusitado. Pode experimentar. É rápida, única e deliciosa. E é comida de verdade. Se tiver convidados, melhor. Ficarão maravilhados com seu engenho e originalidade e nunca encontrarão nada semelhante no Fast Food da esquina. Walter Tassi

Aproveito para anexar aqui o complemento na nossa conversa por email. Assim, se alguém souber o nome destas biribinhas, todos ficaremos sabendo.
Lamentavelmente o nome da técnica ou da sopa se perdeu no tempo. Minha avó, italiana, falava algo como "Ïnbilibandi" mas a pronúncia é mera lembrança. Já procurei na internet soletrando de diversas maneiras e nunca achei nada a respeito. WT

Já meus quadratini ficaram mais parecidos com tagliardi (quadradinhos como 3 centímetros de lado) ou maltagliati (cortados irregularmente). Os meus são quadradinhos de 1 por 1 centímetro. Pronto, inventei um formato. Neidinbrazil.

É só separar um pouco os talharins, enfarinhar e cortar em quadradinhos

Deixe secar um pouco ao sol. Se não, mantenha-os bem enfarinhados e neste caso, cozinhe em bastante água, para não virar um mingau de farinha.

Quadratini con carciofi (em italiano, para dar mais credibilidade)

Para a massa
300 g de farinha (de preferência de trigo duro)
3 ovos
1/2 colher (chá) de sal

Para as alcachofras
800 g de alcachofrinhas
1 colher (sopa) de azeite
1 colher (sopa) de manteiga
2 dentes de alho bem picados
1 colher (sopa) de salsinha
1 xícara de caldo de carne

Para o molho
2 colheres (sopa) de manteiga
1 cebola bem picada
1 cenoura bem picada
2 talos de alho-poró – a parte macia, bem picados
2 talos de salsão bem picados
500 ml de caldo de carne
Alcachofrinhas picadas (do passo anterior)
1 xícara de creme de leite
4 colheres (sopa) de salsinha picada
Sal a gosto

A massa: bata no processador todos os ingredientes até formarem grumos grandes e úmidos. Se os ovos forem muito pequenos, junte água fria aos poucos até dar o ponto. Junte a massa formando uma bola, embrulhe em saco plástico e reserve por meia hora. Pode ser feito à mão, colocando tudo numa bacia e mexendo vigorosamente.
Divida a massa em pequenas porções, passe no cilindro de macarrão, deixando-a não muito fina. Corte no modo talharim e, aos poucos, numa mesa enfarinhada, corte-os em quadradinhos, que devem estar bem enfarinhados para não grudarem. Vá colocando-os numa peneira, para que saia a farinha excedente. Reserve. Se não tiver cilindro de macarrão, abra a massa em pequenas porções, com um pau de macarrão. Enfarinhe, enrole como rocambole e corte fatias de 1 centímetro. É só desenrolar e os talharins estão prontos. Corte agora em quadradinhos.

As alcachofrinhas: descarte as sépalas e as pétalas mais duras, corte as pontas finas de cada flor e parta-as ao meio, de comprido. Aqueça o azeite com a manteiga, doure o alho com a salsinha. Refogue rapidamente, junte as alcachofras e refogue por 1 minuto. Acrescente o caldo de carne e sal a gosto e deixe cozinhar em fogo baixo até o líquido secar. Reserve algumas inteiras para decorar os pratos e pique o restante para juntar ao molho.

O molho: Numa panela aqueça a manteiga e refogue a cebola até murchar. Junte a cenoura, metade do alho-poró e o salsão. Despeje o caldo de carne e sal a gosto e deixe cozinhar até os legumes ficarem bem macios (cerca de 20 minutos). Junte o restante do alho-poró, as alcachofras picadas e deixe ferver até o caldo ficar denso. Reserve.

Cozinhe a massa: Coloque bastante água numa panela grande. Quando ferver, junte a massinha e cozinhe por cerca de 3 minutos ou até ficar macia. Escorra.

Finalize: Misture a massa ao molho, junte creme de leite e mexa com cuidado. Espere ferver novamente, junte a salsinha picada e sirva com as alcachofrinhas reservadas.

Rende: de 4 a 6 porções