segunda-feira, 27 de janeiro de 2014

Banana na penca ou despenca dois. Ou bolo de banana com aveia

Aqui está um tal de chover e acabar energia, a elétrica, não a minha,  que minha ausência às vezes pode parecer férias. Mas não, embora viaje amanhã pra Curitiba. 

O caseiro às vezes chega com uma sacola de abacate, de limão zamboa, de figo ou um cacho inteiro de banana. Aí me sobra a trabalhosa tarefa de fazer a espécie durar, mesmo distribuindo entre parentes e amigos. 

O nome do post é banana na penca ou despensa dois porque o post número um está lá atrás, em 2010: http://come-se.blogspot.com.br/2010/04/bananas-na-penca-ou-despenca-eis.html, quando fiz a experiência de deixar amadurecer as bananas separadas das pencas. 

Pontinhas cicatrizadas
Mesmo super maduras, íntegras por dentro
Acho linda uma penca de bananas, mas quando se tem um cacho para dar cabo, há que se pensar num modo inteligente para que as frutas fiquem sempre à mão e durem sem atrair drosófilas. O método de cortar uma a uma pelo cabinho, separando-as da penca, pode não contribuir em nada para que amadureça mais ou menos rápido - já testei várias vezes, mas é o jeito mais prático para você e todo mundo da casa comer mais, pois você pode pegar uma, colocar na bolsa e ela não se arrebenta. Pode também identificar rapidamente as que devem ser separadas do grupo por estar com danos na casca, contaminada com fungo etc.  Você pode tirar uma da fruteira sem esforço algum que ela estará cicatrizada, com a casca íntegra. Quando as frutas estão na penca, elas despencam facilmente quando começam a amadurecer, deixando uma parte da banana exposta, o que atraí a mosquinha das frutas e apressa a deterioração.  Quando cortada, mesmo quando a fruta está super madura, você abre e a banana está intacta como se vê na foto acima. 

E além de separar as frutas, tenho colocado em redinhas que ficam penduradas - aí no canto inferior esquerdo da foto.  Assim, evita-se que se amontoem, que uma amasse a outra ou que fiquem úmidas e embolorem. E também porque fica mais fácil de dar de presente. Chega gente em casa: tó, leva banana. 

Com tudo isto, ainda sobraram muitas bananas que amadureceram de uma só vez. Então, umas 25 delas viraram bolo que fiz no sítio com os ingredientes que tinha à mão,  só para aproveitar as frutas.  Mais ou menos como este aqui em que usei 32 bananas: http://come-se.blogspot.com.br/2010/01/trinta-e-duas-bananas-ou-bolo-de-banana.html. Outro jeito rápido e gostoso de aproveitar, é este doce não apurado

Bem, o bolo fiz a olho, mas anotei as quantidades dos ingredientes que usei. Lá vai:


Bolo de banana com aveia e canela: numa tigela coloque 5 ovos e misture bem com 2 xícaras de açúcar mascavo. Junte 3 xícaras de farinha integral (orgânica, da Mirella), meia xícara de aveia (orgânica, da Native), meia xícara de óleo de amendoim, 1 colher (sopa) de canela em pó,  1 colher (sopa) de fermento em pó, 1 xícara de leite integral quente (pode ser frio, mas o que eu tinha estava quente e deu certo). Se precisar, junte um pouco mais de leite, até ficar uma massa bem cremosa e densa. Coloque numa forma retangular grande untada com manteiga e enfarinhada, Ajeite as bananas inteiras (sem casca, óbvio)  por cima da massa, de modo que afundem um pouco. Espalhe um pouco de aveia por cima e leve ao forno médio. Deixe assar por cerca de 40 minutos ou até o bolo ficar firme e com a superfície dourada. Rende de 30 a 40 porções. 

quinta-feira, 23 de janeiro de 2014

Ferran Adriá no Roda Viva



Para quem perdeu o Roda Viva desta semana, vale a pena assistir à entrevista do Ferran Adriá. Ele não chegou ao posto que ocupa à toa. Estão aí várias coisas para se pensar.

Levain desidratado


Estes foram feitos com levain desidratado
Levain (levam) é uma palavra francesa para o fermento natural, mas todo mundo usa por aqui, não por esnobismo - em alguns casos, talvez -, mas quase sempre pela ausência de uma palavra única que dispense explicações e exclui possíveis confusões com qualquer outro fermento industrializado.  

Tudo pra dizer que levei meu levain para passear e ser usado no sítio. Para facilitar o transporte, desidratei. Já mostrei antes como secar  em bolinhas, mas tenho preferido secá-lo em lascas. Assim, seca rápido e pode ser reconstituído também num instante. 

Com esta canícula que castiga São Paulo nesta época do ano, começar um levain do zero é até covardia, pois em dois dias você pode ter um fermento começado com apenas farinha e água. Ou mesmo recuperar um esquecido no fundo da geladeira por mais de mês. De qualquer forma, estas lascas servem bem ao propósito de transportar, dar de presente ou guardar para o caso de perda de um fermento querido, daqueles que chegaram a um ponto tal de perfume, sabor e acidez, que você quer preservá-lo para eternidade (isto é um mito, claro)

Se você sequer tem um levain para chegar ao ponto de desidratá-lo, comece um do zero. Há vários métodos e já provei alguns. O que acho mais fácil é este que aprendi recentemente:  http://come-se.blogspot.com.br/2012/07/pao-do-zero-com-fermento-natural-levain.html. 

E a receita de pão,  também tenho usado uma só, com variações apenas na composição das farinhas, acréscimos de grãos e frutos secos, nozes etc. É uma fórmula que funciona bem, com quantidades fáceis de decorar: 400 g de levain (já reformado e borbulhante), 400 ml de água, 400 g de farinha branca, 400 g de farinha integral, 40 g de mel, 40 g de manteiga ou azeite, 20 g ou 1 colher de sopa rasa de sal.  O método explicado está lá naquele post.  Para o próximo pão, tenha sempre guardado pelo menos 100 g de levain - reforme então com água e farinha em quantidade suficiente para ficar uma massa de bolo densa e conseguir cerca de 500 a 600 g no total (400 para usar no pão e 100 e pouco para guardar). 

Bem, o que fiz para desidratar o fermento foi espalhar esta massa reformada sobre uma placa de silicone (poderia ser também sobre uma folha de papel manteiga) e deixar exposta ao sol. Quando desidratou totalmente, quebrei em lascas menores, coloquei num vidro e levei de viagem.



Na hora de reconstituir, coloquei umas 3 colheres cheias de lascas, água e farinha para fazer cerca de meio quilo de levain (coloco farinha e água a olho até uma quantidade que julgo suficiente para fazer o pão e guardar um pouco, não precisa ser exato). Deixei fermentando durante uma noite. Exatamente como faria se estivesse reformando um fermento esquecido na geladeira. Ou mesmo aquele sempre lembrado. No outro dia é só fazer o pão e assar mais para o fim do tarde.

Este, com nozes, foi feito com o levain desidratado, assim como os
outros dois lá em cima 

quarta-feira, 22 de janeiro de 2014

Canastra. O Pão de queijo da casa da Romilda

Este post é uma continuação de outros. Portanto, se quiser, volte um pouco no blog e veja o começo da história. http://come-se.blogspot.com.br/2014/01/serra-da-canastra-casa-dos-produtores.html 

Quando chegamos, Mara, Ivo e eu,  à casa da Romilda, no comecinho da noite - depois de um dia inteiro de viagem de ônibus -, a primeira coisa que ouvimos dela é que o pão de queijo tinha acabado de sair do forno para nos esperar. Quentinho, crocante, impossível ficar só no primeiro. Quebrado com as mãos ou aberto nos dentes, liberta o vapor concentrado de queijo canastra que perfuma toda a cozinha e nos dá boas vindas. 

Mal conseguimos jantar naquele dia. Dois dias depois era hora de fazer mais. Quantas vezes por semana você faz pão de queijo, Romilda? Uai, tem dia, não. Nunca fica sem. Acaba um, faz outro.  Desta vez vamos anotar tudo direitinho. Mara pegou um caderno e eu corri pra pegar um meu, porque ela não espera, não. Vai fazendo como quem respira e vai adiantando: Não precisa anotar nada, não, uai, é só copiar a receita que está aí, referindo-se à receita no folder do filme "O Mineiro e o Queijo".  Teimamos em tomar nota pois já vi que começou diferente. Ué (ela fala uai, eu falou ué), Romilda, mas na receita do folder diz 16 ovos e você está usando só 10! Uai, mas tem problema não, se você usar ovo de granja pode ser 16, mas se for caipira, use 10, se não fica muito amarelo.  E, se quer saber, com 4 ovos dá pra fazer um quilo de polvilho. Se tem menos ovo, completa com água uai.  Mas, Romilda, seu pão de queijo é sempre muito bom. O segredo é o polvilho?  Não é, não, ela disse. Outro dia uma mulher falou que o dela não ficava bom por causa do polvilho. Eu pedi pra ela trazer o polvilho que ela usa, da yoki, eu acho, e ela trouxe. Fizemos o pão de queijo e ele ficou melhor que o meu. Ué, se não é o polvilho, então é o forno? Que nada. Eu já fiz em forno elétrico, em forno à gaz, forno a lenha. Fica tudo igual.  Ué, então é a quantidade de queijo? Nada disso, uai, mesmo que tenha só um pouquinho de queijo, vai ficar bom também. Já sei, é o tempo de maturação do queijo? Imagina, você pode usar queijo de qualquer idade. Eu uso até queijo bem fresco do dia que ainda não foi nem enformado.  Ah, então só pode ser o tipo de queijo? Ah, bem, aí pode ser. E tem o tempo, o clima, o ar. Fora daqui fica igual não. E tem também a mão, o carinho, o ponto certo (o dedo seco tem que grudar na massa ou uma bolinha feita tem que se ajeitar na mão - se ficar intacta, ainda não está no ponto, precisa de mais líquido). 

Ou, quem sabe, não é a cruz que ela faz na massa no final? Diz que tem que fazer, porque, sei lá, dizem que é bom, afasta os negativos. E se tudo que é ruim é levado pra longe, só pode dar certo, né?

Fomos anotando tudo e quando estava tudo medido, ela pegou água morna e foi juntando a olho. Ué, Romilda, mas e esta água que não estava nos ingredientes? Pera aí, pera aí. Ah, isto é pra dar o ponto, uai.  Zé Pão completa que, se tiver soro, é até melhor. O pão fica com a crosta mais macia.  O fato é que eles sabem até onde pode ir com os improvisos e tudo o que acontece quando usam banha, óleo ou manteiga, ovo de mais ou de menos, de granja ou caipira, polvilho doce ou azedo, soro, leite ou água etc. São poucas variações diante das infinitas repetições e observações da mesma receita. A gente levaria uma vida pra aprender. 

De qualquer forma, congelamos no espaço aquela justa receita, naquele justo momento do perfeito pão de queijo que comemos em seguida. E a receita é a que dou abaixo, já com minha versão adaptada para meio quilo de porvio, como diz Romilda com graça. Eu tinha soro de queijo aqui e foi o que usei para completar o ponto. Mas como ela me diz e faz você pode usar água morna. O queijo ideal, claro, é o Canastra. Mas, se não tiver,  use um bom queijo artesanal curado,  de preferência feito de leite cru.  O meu não ficou igual, mas posso dizer que ficou muito bom. E de fato o soro faz diferença na crosta. Ficou macio mesmo no outro dia. 


Outro jeito congelado no espaço, você pode ver aqui neste vídeo que alguém que não conheço fez ao visitá-la. Vale a pena ver. Neste, tem até uma técnica que ela não executou quando fez pra gente - a de sovar o polvilho com água pra desfazer eventuais pelotinhas. No final do vídeo tem a receita escrita, com dicas, e uma conversa com Romilda.  Dê audiência a quem fez o vídeo. Portanto, vá lá ao yutube, veja, positive, comente. 






Receita de pão de queijo - adaptada da receita da Romilda

500 g de polvilho azedo 
1/2 xícara de leite 
1/2 xícara de água
1/2 xícara de óleo (ou manteiga, ou banha) 
1/2 colher (sopa) de sal 
3 ovos
Mais ou menos 1 xícara de soro morno ou água morna
100 g de queijo canastra ralado grosso 

Ligue o forno bem quente. Coloque o polvilho numa bacia. Leve para ferver o leite, a água, o óleo e o sal. Quando o escaldo ferver, despeje sobre o polvilho e mexa com uma colher. Espere esfriar um pouco para começar a amassar. Vá juntando os ovos aos poucos e sovando com uma só mão (se você meter as duas mãos na massa liguenta, vai inutilizar as duas para pegar os outros ingredientes). Amasse bem e vá juntando soro ou água aos poucos (eu usei uma xícara) até a massa ficar numa consistência que grude no dedo seco quando encostado a ela. Junte o queijo e misture bem. Unte a mão limpa com óleo e tente moldar uma bolinha. Se ela ficar intacta, ainda cabe mais líquido. Se ela se assentar ligeiramente na palma da mão, está boa. Lave às mãos, unte com óleo e ajeite a massa na bacia. Unte a superfície com óleo, faça uma cruz e está pronta pra modelar. Faça bolinhas do tamanho que quiser, retirando porções com uma colher e moldando com as mãos untadas. Coloque em forma sem untar e leve ao forno quente. Deixe assar por cerca de meia hora ou até que fiquem corados.  Os meus, tirei com boleador de sorvete e ficaram grandes. O que não coube na forma grande, virou bolinhos menores. O rendimento do grande fica em torno de 15 unidades. 

E nhac, cortado ou partido. Ainda no dia seguinte, macios. 





terça-feira, 21 de janeiro de 2014

Precisa-se de um notebook


Antes que me questionem, não, não, o João Vitor não pediu para eu pedir pra ninguém. Pediu pra eu ver o preço de um notebook usado, de um i-phone usado, de i-pad usado. O aipim novinho ele tem lá e pode oferecer cozido aos visitantes.  Ele vive só com os pais, Zé Pão e Romilda, os produtores de queijo sobre os quais falei aqui: http://come-se.blogspot.com.br/2014/01/serra-da-canastra-casa-dos-produtores.html. Eles vivem e produzem queijo numa fazenda da qual não são donos. 

Está certo, quando a gente vai lá é uma delícia, só aproveita a parte boa. Quando a visita vai embora, o trabalho duro continua e o menino, de férias, fica um pouco entediado por estar tão longe da cidade, de outros jovens e sem comunicação.  Ele gosta de tecnologia, de fotografia, entende um pouco, mas não tem como praticar.  Os celulares não pegam ali, mas meu i-phone, com chip Vivo, tinha bom sinal. Ele quer comprar um, mas acho um absurdo de caro, para isto teria que vender uma vaquinha ou mais. E assim fariam menos queijo, já vendido a preço tão baixo. A família vive com muita dignidade, porém, qualquer coisa fora do orçamento exige um sacrifício extra .  E, sim, ele prometeu que vai ajudar mais os pais, fazer por merecer. Agora, mesmo que vá enchendo o cofre porquinho, isto pode demorar e desanimar. 

Tirando muda de bambu verde-e-amarelo para eu trazer
Na cozinha de casa (a casa e a fazenda são do padrinho, para quem os pais
trabalham)

Jogando pedra no rio

Como sei que muito leitor ou leitora vira e mexe troca de equipamento porque precisa se atualizar, ganha de presente ou simplesmente não resiste ao último lançamento, peço aqui a doação. Não quero fazer nenhum favor com chapéu dos outros, não. Se eu pudesse, eu mesma compraria. Posso passar o endereço e a pessoa manda diretamente para o menino. Ou então, que vá dar um passeio à Canastra, entrega o presente ao João Vitor e de quebra leva um dos melhores queijos da Canastra vendido por aí sem identidade. Também vou mandar uns livros (ele nunca leu Harry Potter e gostaria de ler).  Enfim, a vida no campo é boa, mas ter contato com o mundo também ajuda a reforçar este valor e saber que é possível viver longe da cidade sem ficar isolado.  Ele disse que adoraria ler, por exemplo, o Come-se. Então, veja aí se não tem um notebook encostado. 

Meu email: neide.rigo@gmail.com 

sexta-feira, 17 de janeiro de 2014

Canastra. Fazenda do Zé Mário e da Valdete

Se quiser ver e ler sobre a primeira vez que estive na fazenda do Zé Mario e da Valdete, lá na Serra da Canastra, clique aqui: http://come-se.blogspot.com.br/2012/01/queijo-da-canastra-na-fazenda-do-ze.html

Verá, pelas fotos, que pouca coisa mudou na rotina desta família produtora de um dos melhores queijos da Canastra - já abocanhou prêmio de melhor queijo artesanal mineiro duas vezes e só não ganhou mais porque não foi inscrito novamente dando chance aos outros. Este, sim, pode ser encontrado aqui em São Paulo (na loja A Queijaria). 

Apesar da secura do tempo que faz Zé Mário evitar olhar para a plantação de arroz - diz que fica triste porque as folhinhas ficam enroladas para se preservar -, a pastagem continua verde, as vacas seguem sadias, taioba sempre tem, um cacho de banana três quinas pendurado perto da casa nunca falha, uma abobrinha ou outra, o quiabo e o jiló, mesmo que não fartos, dão conta para o lobozó. E a mandioca está sempre ali debaixo da terra, eterna provisão. Na despensa não faltam polvilho para as quitandas e a carne de porco conservada na manteiga de porco, o verdadeiro fast food caipira, o nosso confit.  E tem os queijos maturados e sobras frescas da produção do dia, sempre à mão para completar a mistura,  que conta também com ovos e galinhas que ciscam no quintal. 

Dete é metódica e zelosa no trabalho e na casinha só ela entra, toda paramentada, com higiene impecável. Não é à toa que é um dos mais caros queijos da Canastra. Mas já falei tudo isto no post citado lá em cima. Enquanto ela terminava o trabalho, fomos adiantando o almoço, colhendo mandiocas, picando a taioba e os legumes. Como a comida da Romilda, não há muito tempero além da banha, do alho e da cebolinha. Não precisa de mais nada. A leve fumaça da lenha dá o toque final aos pratos que encantam pela simplicidade e sabor. Não há ali pratos requintados no desenho, mas a técnica é apurada, a cozinheira, habilidosa e os ingredientes, de primeira.  Não tem como comer e não repetir. 

Desta vez, não pousamos lá. Estávamos hospedados na casa do Zé Pão e da Romilda que é sobrinha da Dete. Decidimos ir a pé (mesmo porque não havia outra possibilidade) até a fazenda do Zé Mário que fica a uns 4 quilômetros, serra abaixo, num lindo vale. Saímos muito cedo para não pegar sol. João Vitor, filho dos nossos anfitriões, foi nosso guia e, para descer, todo santo ajuda. Na hora da volta, porém, lá pelas quatro da tarde, pegamos um sol de meio dia, de castigar. Vinha curva, virava curva, e a estrada só fazia subir, subir. E nem um diabo velho montado num trator que fosse passou para dar carona. Nem uma boa gameleira surgiu na beira da estrada para nos fazer sombra. O jeito foi ir fazendo pequenas paradas nas poucas sombras de barranco que encontrávamos. Demoramos mas chegamos e a visita valeu cada gota de suor. 

Apesar da fama (Zé Mário e família já apareceram no filme O Mineiro e o Queijo, em entrevistas e, recentemente, no Globo Repórter), a família continua a viver com simplicidade e decência, sem ambições. Zé Mário filosofa, por exemplo,  que não acha certo dar soro para vaca - não acha ético a vaca beber o que ela própria produz. Diz também que o ideal é que cada vaca produza o menos possível, pois, coitadinha, como pode carregar um úbere tão pesado? Então, ali, não tem essa de incrementar a dieta do rebanho com ração aditivada para que as vacas fiquem bombadas, não. A ração que recebem por dia - cerca de 2 litros de milho produzido ali, é só para fazer o manejo no curral na hora da ordenha e servir de veículo para medicações como o remedinho homeopático que usam para evitar carrapatos.  Ali, segue-se o lema de que nada demais é bom, nem dinheiro demais presta, como Zé Mário disse recentemente no Globo Repórter (o vídeo pode ser visto aqui

Enquanto estávamos lá chegou o funcionário do Fernando, da loja A Queijaria, que vai buscar pessoalmente as joias. E o bom é que a relação entre produtor e vendedor é pra lá de justa. Almoçamos todos juntos. Juntou-se a nós uns produtores de queijo Canastra de Medeiros - que provei ontem na casa da minha irmã, maravilhosos -, que chegaram para também mandar a encomenda para a Queijaria. Então, se quiser comprar o queijo do Zé Mário na loja, já vá sabendo que não é barato e que pratica-se aí um comércio justo em que a pequena produção  - pouco mais de uma dezena de queijos por dia é produzido ali - é resultado de muito trabalho e excelência que de forma alguma faz destes pequenos fazendeiros gente rica de dinheiro. Mas de saúde, de alegria, de ética e bons costumes, ah, disto tudo há uma riqueza imensa.  

Bem, aqui algumas fotos:

Mara e Ivo até tentar arrancar a mandioca
Mas Zé Mário chega de mansim

E num instantim mostra como é que se faz


A mandioca solta a casca assim
  
Desta mesma mandioca se faz o polvilho que faz o biscoito

Melão de São Caetano que enfeita a horta

Zé Mário gosta de filosofar sobre a vida e os costumes

Pimenta é sempre no molho para acompanhar a comida. E ovos frescos.

Uma sobra de queijo do dia vai pra panela no lobozó

Suco de limão cravo com capim santo,  minha contribuição. Pimenta e angu

Taioba, abobrinhas e jiló da horta


Ô comida boa que faz esta Dete

Carne de porco, mandioca, feijão de dois tipos

Taioba e carne de porco
Comida simples que enche o prato
Zé Mário e Dete vivem lá embaixo

Mas vamos lá
Na hora de subir...
Onde encontrar o queijo do Zé Mário em São Paulo:  A Queijaria: Rua Aspicuelta, 35 - Pinheiros - São Paulo - SP - Telefone: (11) 3812 6449

quinta-feira, 16 de janeiro de 2014

Zé Pão, queijo, queijo

Sobre o Zé Pão, a Romilda e João Vitor, esta família de produtores de queijo em São Roque de Minas, na Serra da Canastra - MG, já falei um pouco ontem e dois anos atrás, nestes posts: http://come-se.blogspot.com.br/2014/01/serra-da-canastra-casa-dos-produtores.html e 
http://come-se.blogspot.com.br/2012/01/na-casa-do-ze-pao-e-da-romilda.html

Mas sempre há um pouco mais a dizer. Zé Pão é uma figura quieta, gentil e trabalhadeira que quando a gente acorda já está no curral tirando leite, ainda escuro. Se vai a um compromisso à noite na cidade, uma reunião por exemplo, pede desculpas, se despede mais cedo que todo mundo e vai pra casa dormir porque no outro dia tem que acordar às 4 e meia, às vezes até antes, se não não dá conta de terminar a ordenha até a hora do almoço. Sorte que tem uma companheira que acompanha. A forma como trata a mulher Romilda - são casados há mais de 30 anos -  deveria ser um exemplo a muitos marmanjos destemperados que se dizem educados na cidade grande. É Bem pra cá, Bem pra lá.  Se ela pede qualquer coisa, mesmo que ele esteja no meio de um trabalho, reconhece na hora a urgência da empreita e se apressa na execução, com cara boa, sem reclamar, com gosto. Pode acender o fogo pra mim, Bem? É pra já, ele responde e sai em passo apressado. Acabou a água? Lá vai ele conferir as conexões do cano. A recíproca é igual. Zé Pão se senta num banco ao lado da mesinha onde ficam o filtro de água e o pequeno tonel de cachaça. Dá umas bicadas, mas só depois que terminou tudo, no fim da tarde, sem contudo perder a sobriedade. Se o menino faz qualquer comentário maldoso sobre o hábito, Romilda é a primeira a ralhar para defender o marido, "respeita seu pai, menino".  Para o menino, ele faz todos os gostos. 

De vez em quanto Romilda pega um copinho de café e  vai até a janela enquanto bebe e pensa na vida olhando longe. Zé Pão se aproxima, a abraça acompanhando o olhar dela e fala "vai chover" ou "a serra tá bonita".  Uma vez ela já ficou muito chateada com ele com a frase dita numa hora de irritação de um dos dois:  "Vai cangar grilo" teria xingado  Zé Pão como quem diz vá pentear macaco, catar coquinho na ladeira ou enfim não enche. Ela virou as costas ofendidíssima e o deixou só. Logo deram os dedinhos certamente.  Ela diz que não moraria no Senegal porque não ia aceitar dividir seu homem com nenhuma mulher, não, como é a prática islâmica por lá. E que não gostaria de ter morado na cidade porque não encontraria em lugar algum homem como aquele seu Zé Pão da Canastra.  Enfim, eles se amam de verdade e se tratam com carinho e respeito. 

Quando dá oito e meia, nove horas, Romilda para o que está fazendo no curral, vai até a casa, coloca café doce até metade de uma caneca de alumínio areado, uns pedaços de bolo e pão de queijo numa vasilha e volta para junto do marido que completa a caneca com leite esguichado direto da teta da vaca. E ele sabe qual delas tem o melhor leite. Sai quente, espumoso, cheiroso, como nenhuma máquina ou estabilizante são capazes de produzir. Zé Pão se acocora sobre o banquinho de um só pé e vai despejando leite aos pouquinhos sobre a bocada de pão a ser mordida. Molhar o pão de queijo no leite seria o esperado, mas talvez não o faça para não comprometer a pureza. Da próxima vez pergunto. 

Descobri que ele toma o lanche quando chegou à metade das vacas ordenhadas. São quarenta e tantas, na mão. Quando o recipiente de 60 litros está quase cheio ele para, coloca aquele peso todo no ombro e anda até a casa de queijos. No intervalo para o almoço, senta-se à mesa e se serve de arroz bem branco, ainda saindo vapor dos furinhos formados na superfície, feijão de caldo grosso perfumado a alho e cozido a baixa temperatura durante longas horas da manhã no fogão de lenha, carne de porco ou frango caipira na panela de ferro e legumes refogados (é disso que eu gosto, ele diz). Depois do almoço não dá pra parar muito, não. Logo é hora de voltar ao trabalho na casa de queijo. Os dois trabalham juntos e quietos e quando se falam é com sorriso no rosto. Reviram o queijo do dia anterior, separam o pingo, fazem novo queijo, higienizam tudo e deixam o ambiente em ordem para o outro dia. 

E eu ali com meu braço espichado empunhando uma canequinha com pouco café para completar com leite. E como gostamos destes queijos canastras tão trabalhosos. Quem quiser provar o queijo do vizinho e parente Zé Mário, sobre o qual falo depois, tem lá na A Queijaria.  Do Zé Pão, tem pra vender não. 

Umas fotinhas de lá (e, por favor, autor do  https://www.facebook.com/vendadaroca, não roube as fotos para postá-las sem crédito como se fossem suas, não, que é feio e eu posso ficar brava) 

Zé Pão tira leite 

Enche minha caneca e a dele

Toma seu lanche molhando o pão de queijo com leite

A casa de queijo

Os panos usados para escorrer o soro lavados secando ao sol
Minha bagagem da viagem: queijos do Zé Pão e do Zé Mário (o com pano
branco é meu:  fiz com pingo da Canastra e leite de Piracaia) maturando
naquela queijeira improvisada feita pelo Zé Marcos aqui de casa