sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010

Alguém que me fez ser quem eu sou


Este texto não tem nada a ver com comida, mas comigo. E no Come-se a chefe sou eu, que abro eventualmente espaço para elogios públicos e agradecimentos.
Na minha vida nada acontece por acaso. Pelo menos, não de uns tempos pra cá. Nem mesmo romper parcialmente ligamentos de joelho. Entrei hoje, pelo quarto dia consecutivo, na sala de fisioterapia, disse um boa tarde vago, já que nunca ninguém responde (nem aos meus tchaus) e um homem, desta vez, me perguntou: Como é seu nome? Imediatamente o reconheci. Era o Doutor Paulo Afonso de Castro, já com seus cabelos brancos. Abracei e beijei. E quase pedi benção.

Quem me conhece já me ouviu falar dele e do medo que eu tinha de nunca mais encontrá-lo para poder agradecer pelo que sou hoje. Imagino que ele não sabia de toda esta importância. Mas precisava saber.
Muitas pessoas fazem diferença nas nossas vidas, além de nossos pais, e somos a soma de muitas delas. Só que algumas chegam, viram o botão da sua trajetória e você toma um rumo nunca previsto. E a única pessoa que fez isto foi este meu chefe.


Com 17 anos eu já ia para o meu terceiro emprego. Depois daquele trabalho num escritório pequeno, fui escriturária "A" na administração das antigas Lojas Arapuã. Alguma amiga de lá que estava feliz com seu cargo veio me perguntar se eu não queria me candidatar a uma vaga para secretária no Departamento Jurídico do Metrô. Eu quis e fui na hora do almoço. Da Rua Sergipe até a rua Augusta era um pulinho.
Quando cheguei, conversei brevemente com o futuro chefe e ele me disse que o teste de seleção incluía uma prova de datilografia, que avalia tempo e erros. Até aí tudo bem, pois sabia e ainda sei datilografar de olhos fechados. O único problema era que eu nunca tinha visto na minha frente uma máquina elétrica (o auge da tecnologia naquela época - era 1978) e eu deixei isto claro.
Veja lá se alguém é capaz disso: como era hora do almoço, ele disse que sairia para comer e, enquanto isso, eu poderia ficar ali treinando na máquina. Quando voltasse, faríamos o teste. Uma pessoa me mostrou os comandos e também saiu. Fiquei ali sozinha, num salão enorme cheio de mesas vazias e processos. Uma tecla errada que apertava, o carro do rolo disparava sozinho. Outra tecla e a folha era expulsa rolo acima. Datilografava a e saía mil vezes a. A hora de almoço passou rápido e no final já havia dominado a pressão dos dedos e os comandos de mudança de linha, tabulação etc. Fiz o teste - ele ditando a petição que eu já tinha ensaiado; pedi demissão no outro trabalho, onde também tinha um chefe muito querido, e logo comecei no emprego novo.


O trabalho era tranquilo. O que mais fazia era datilografar as petições do Dr. Paulo. Ele era inteligente, tinha estudado na São Francisco, escrevia muito bem e com veemência - foi aí que comecei a aprender a escrever. E era um homem justo, corajoso, falava alto e brigava com a própria Companhia quando discordava de algum acordo de indenização. Sempre defendendo o certo. Cada dupla de advogado do departamento tinha uma secretária e, pra falar a verdade, mal me lembro do outro chefe. Acho que ficava pouco por lá - do paletó alinhado na poltrona, eu me lembro.
Acontecia às vezes de algum advogado, e eram uns dez, fazer trabalhos particulares e usar as secretárias do departamento para datilografar longas petições em letras ilegíveis. Ele nunca fez isto. Se queria algum trabalho particular, pagava por isto. E uma vez ainda brigou com uma colega por ela ter pedido o favor para mim. Anunciou para todos que se eu não tivesse trabalho do Metrô para fazer, que usasse o tempo ocioso ao meu favor.
Depois disso, me mandou ficar às tardes, quando não houvesse trabalho, estudando na mesa dele, de porta fechada, enquanto ele estivesse no fórum - as secretárias ficam num salão coletivo e os advogados em salas fechadas. Por causa dele, comecei a ficar tão encantada com a profissão de advogado, que prestei vestibular para Direito quando terminei o colégio.
Aliás, o colégio foi um caso à parte - ia do trabalho direto para a escola, onde dormia apoiada na carteira por ter acordado muito cedo. Nem amigos eu tinha de tanto que dormia, inclusive na hora do intervalo. E odiava todas aquelas matérias chatas, todos aqueles professores. Não tive aulas de física, química, biologia, história, geografia, matemática, literatura (talvez algumas para cumprir o programa, mas eu não me lembro de nada além de matemática financeira, administração, contabilidade 1, 2, 3...). Não passei no vestibular, claro. Ainda bem, pois teria sido uma péssima advogada, com uma formação básica lastimável. Comecei a fazer cursinho no outro ano.


Ganhava no Metrô o dobro do último emprego e minha única despesa grande era a mensalidade do cursinho além de ajudar um pouco em casa. Um dia aconteceu a virada. Doutor Paulo chegou de manhã, me chamou sério na sala dele. Não pensei em bronca, porque ele sempre me tratou com gentileza, mas fiquei assustada.
Pediu para que eu me sentasse e perguntou: O que você faz com seu salário? / Ah, eu pago o cursinho, separo dinheiro pra condução, dou dinheiro em casa, compro roupa, vou na lanchonete com as amigas, faço a unha, compro revistas ... Coisas assim, de extrema importância. Ele foi anotando no papel. No final, eu tive que me esforçar para demonstrar gasto para todo o meu salário (certamente, mais do que ganho hoje). E quanto você guarda para os estudos, para o futuro? / Nada, ué! / Então você vai começar a guardar hoje. Ele é um homem forte, grande, que impõe respeito. Levantou-se e pediu para eu o acompanhasse. Foi comigo até o banco que ficava na parte de baixo do prédio. Chamou o gerente e explicou o que queria (ele queria). A partir daquele momento eu iria fazer um investimento compulsório. Todo mês 1/3, ou cerca disso, do meu salário ficaria retido por um ano, sem que eu pudesse mexer. Foi um choque, pois fiquei sabendo junto com o gerente. Mas foi aí que o botão virou.
Voltanto um pouco, mesmo depois de começar a trabalhar e conhecer algumas poucas pessoas formadas, nunca achei que pudesse um dia fazer faculdade (só de pirraça, fiz três - uma completa), tanto que cursei secundário técnico para ter uma profissão e não para preparar para o vestibular. Na infância, nunca conheci, além dos professores e talvez médicos e dentistas, alguém que tivesse feito faculdade. Na família, ninguém. Na vizinhança, ninguém. Em minha casa (e, por favor, não estou apelando para a cultura do coitadismo) não havia livros, jornais ou revistas. Então achei que minha vida poderia ser um pouco melhor bastando que estudasse um curso técnico. Meus pais também deveriam achar, embora eu sequer tivesse pedido a opinião deles. E, pronto, pararia aí, estava bom. Pra que guardar dinheiro? Não sabia o que aquilo significava. Só no Metrô descobri o que era faculdade e como se fazia para cursar uma.
No cursinho que fiz à noite, também só dormia. Até tentava estudar durante o dia na sala do Dr. Paulo, mas não entendia nada daquelas apostilas resumidas de matérias básicas que eu nunca tive. Não passei em nada no fim do ano, mas também não era pra ser: prestei Direito, Arquitetura e Agronomia!
Foi quando resolvi que precisava estudar de verdade e, graças àquele homem, tive dinheiro suficiente para pagar à vista um ano de cursinho de manhã e todas as minhas outras despesas, incluindo cinemas. Não precisei pedir um centavo para os meus pais durante este tempo. Foi neste ano que me apaixonei pela botânica, que entendi um pouco de gramática e literatura, descobri a matemática e ainda encontrei um amor maduro.

É que de outro canto de São Paulo surgia o Marcos, que tinha feito uma trajetória parecida. Também de família pobre, também começou a trabalhar com 14 anos, também estudava à noite, também deixou um emprego para fazer cursinho de manhã, que também pagou à vista com seu próprio dinheiro, também pela segunda vez. Nos encontramos, nos apaixonamos e vivemos felizes.
Só muito depois me dei conta do que significou o gesto generoso daquele mineiro de Campanha, que estudou na São Francisco, e me passou alguns dos valores que guardo até hoje. E da necessidade de um dia poder agradecer. Hoje o fiz. Daqueles agradecimentos que não cabem em palavras. Conversamos enquanto ele cuidava do pé virado e eu, do joelho roto. Ele disse que o mérito foi todo meu, mas eu sei exatamente o tamanho da sua influência em tudo o que se seguiu.
Faz tempo que não tenho chefes, mas só recebo notícias de prepotentes e desequilibrados (as) que maltratam e humilham seus funcionários, que os chamam de burros, que os fazem chorar. Eu só quero chorar de emoção.

Que todos tenham um bom fim de semana e a sorte de encontrar um anjo deste por aí.

Nigauri



Este foi o que ganhei da Marisa, do blog Delícia (e agora também do blog do Alho Negro). Depois de dois dias, estava maduro
Deveria ter preparado assim que ganhei, quando estava firme, verde, íntegro. Guardei, no entanto, na geladeira num saquinho. Em dois dias o legume tinha rachado mostrando sementes tremendamente vermelhos e brilhosos, provalmente porque estava já no auge do desenvolvimento. Neste ponto, assim, depois demaduro, fica mais mole, mais gelatinoso, mas ainda assim dá para comer - não fica muito bonito, razão pela qual não fiz foto do prato pronto, mas estava gostoso. Isto, pra quem gosta de amargo, muito amargo, que fique claro. Se estiver verde, pode ser quardado por até uma semana na geladeira.
Este legume é fruto de uma cucurbitácea asiática (Momordica charantia), tendo a Índia oriental e sul da China como possíveis centros de domesticação. Hoje é largamente cultivado em todo o mundo justamente pelo valor de seus frutos imaturos e amargos - embora as folhas novas e bem macias sejam também comestíveis.

Sua principal marca é mesmo o amargor. Por isso, em várias línguas essa característica é ressaltada no próprio nome. Nigauri, nome mais comum no Brasil devido à forte presença dos japoneses, vem de nigai (amargo) mais uri (pepino). O mesmo acontece nas Filipinas, onde é conhecido como Amargozo, além de Ampalaya. Na língua inglesa, é bitter melon (melão amargo) ou bitter gourd (abóbora amarga), lembrando que o melão, a abóbora e o pepino são também cucurbitáceas. Por seu valor na medicina popular, é também conhecida na língua inglesa como balsam pear ou balsam apple.
O princípio amargo que dá nome ao fruto é um alcalóide, momordicina, e não a cucurbitacina, comum em outros membros das cucurbitáceas como o pepino.


Há variedades brancas e verdes (estes, comprei no bairro da Liberdade). O miolo, verde ou maduro, deve ser descartado

Trata-se de uma planta trepadeira, melhor adaptada em climas quentes e moderados e cresce bem em vários tipos de solos. O fruto é sempre comprido como um pepino, porém mais bojudo e com a casca toda cheia de protuberâncias que lhe dá uma aparência curiosa.
Há vários grupos hortícolas que variam no tamanho, na coloração e estilo, havendo os mais claros, mais bojudos, com menos protuberância e até os de formato cônico. E o grau de amargor também pode variar de acordo com os diferentes tipos de nigauri e do estágio de maturação - geralmente os menores e verde-escuros são mais amargos enquanto que os mais claros, amarelados, são mais suaves.
Os frutos podem ser consumidos em qualquer estágio, mas são tipicamente colhidos quando atingem o ponto máximo do desenvolvimento, estando ainda verdes, mas com polpa firme e crocante. Se amadurecem, ficam como o meu, com polpa mais gelatinosa e sementes vermelhas.

Melão-de-caetano, em Fartura
Pertence à mesma espécie, mas à variedade diferente, que o melão-de-são-caetano, encontrado abundantemente por aqui, na zona rural, bem menor, alongado, afilado nas pontas e com casca fina e quinada - quando maduro, ganha tom laranja vivo e se abre como uma flor deixando à mostra as sementes avermelhadas e adocicadas (as do nigauri não são adocicadas, têm gosto de dedo). Em alguns lugares, principalmente no Sul, o nigauri é também chamado de melão-de-são-caetano.
Além da cozinha: o legume é cultivado ainda pelas várias propriedades medicinais a ele atribuídas, entre elas a de reduzir o açúcar do sangue, de curar males estomacais etc. Atualmente vem sendo notícia entre os asiáticos por seus apregoados benefícios contra a AIDS, embora não tenha sido nada comprovado ainda. Mas na medicina popular o alimento amargo sempre foi tido como remédio para as doenças de estômago e fígado. O seu amargor, embora seja um sabor a ser adquirido por uns, é uma característica muito desejada para outros que incluem nesse grupo o jiló, a alcaparra, o almeirão e tantos outros alimentos apreciados justamente por essa característica. Sobre amargos, veja mais aqui.

Na cozinha: já fiz refogado com shoyo, cozido no vapor e temperado com pimenta e gergelim preto e também frito, que fica uma delícia. Mas como ele podem ser feitos omeletes, saladas e pratos principais quando combinado com carnes e frutos do mar, como fazem os filipinos - o prato Pinakbet combina diversos vegetais como abóbora, berinjela, vagem e nigauri em molho pastoso e picante de camarão. Já os chineses o preparam refogado ou recheado com carne de porco e cozido no vapor. No Japão é comum refogá-lo com missô e açúcar (foi a dica que dona Margareth Ono me deu), entre tantos outros pratos. E os indianos fazem vários tipos de curries temperado com especiarias como cúrcuma. Nos mercado dos países asiáticos ele pode ser encontrado não só fresco, mas também enlatado ou seco.

Tem que tirar o miolo. Você pode cortar o legume ao meio e tirar o cerne com uma colher fina. Basta, então, fatiar

Pode também cortar o legume de comprido e tirar a polpa raspando com uma colher. Aqui, cozido no vapor e passado em temperos como óleo de gergelim, alho, gengibre, pimenta e gergelim
Agora, temperado com shoyo, missô, alho, gengibre, pimenta, gergelim e açúcar

E aqui, frito como chips e coberto com temperos (depois de fatiados, polvilhei com sal, deixei perder umidade e sequei bem - assim fica mais suave)
Outras dicas de preparo
Para tirar o excesso de amargor do nigauri, envolva os pedaços em sal - o suco começará a drenar. Comprima os pedaços para sair todo o suco e enxague. Outra forma de amenizar o amargor é cortar em pedaços, aferventar por 3 minutos, escorrer e polvilhar com um pouco de açúcar. Pode ser consumido também cru com molho vinagrete.
Para fazer um caril indiano, corte 500 g de nigauri em pequenos pedaços, adicione 2 colheres (sopa) de sal, 2 colheres (sopa) de pó de cúrcuma e deixe por 15 minutos. Aqueça 6 colheres (sopa) de óleo numa frigideira, adicione ½ colher de sopa de grãos de mostarda. Quando elas começarem a estourar, adicione o nigauri espremido (portanto, parte daquele sal será descartado), uma pitada de pimenta em pó e mexa bem até cozinhar. Sirva com arroz branco.
Para prepará-lo recheado como na China, faça o recheio com 500 g de carne de porco moída, 1 fatia de gengibre ralada, 2 cebolas picadas, 1,5 colher (sopa) de saquê, xerez ou cachaça, ½ colher (sopa) de sal e ½ de açúcar, 1 colher (sopa) de molho de soja, 1 ovo batido, 1 colher (chá) de maisena. Corte o nigauri em fatias de 2,5 centímetros, retire as sementes e coloque o recheio. Cozinhe sobre um prato, no vapor, em panela fechada, por 20 minutos. Junte o líquido que escorreu no prato com caldo de galinha, sal, um pouco de saquê e de óleo de gergelim. Engrosse com um pouco de maisena e sirva com o nigauri recheado.
Para fazer salada filipina com camarão, pique em palitos 400 g de nigauri, polvilhe um pouco de sal - quando soltar bastante água, esprema, enxágüe e escorra. Misture com 150 g de camarão cozido, 1 colher (sopa) de vinagre, 3 de óleo vegetal, ½ de açúcar, 1 cebola fatiada. Misture tudo e tempere com sal e pimenta-do-reino a gosto. Sirva gelada.
Outra forma chinesa de preparo: retire as sementes de 400 g de nigauri, corte em fatias e passe em água fervente por 2 minutos ou então polvilhe sal, escorra e enxágue (ambos procedimentos para diminuir o amargo). Numa panela do tipo wok, em fogo alto, refogue 3 dentes de alho picado em 2 colheres (sopa) de óleo. Adicione o nigauri e refogue, mexendo, por 2 minutos. Junte 2 colheres (sopa) de molho de soja, 1 de sherry ou saquê, 3 de água, 2 colheres (chá) de açúcar. Aqueça por 2 minutos, junte 2 colheres (chá) de óleo de gergelim e sirva.

quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010

Extra, extra: Leitores do Come-se em Lisboa tem desconto na peixaria do Mercado da Ribeira!

Acabei de receber um comentário da Fernanda Maia, da banca número 17 do Mercado da Ribeira, no post sobre os peixes de lá. Achei que pudesse ser uma brincadeira, mas já falei com ela e chequei a informação (pelo menos, tudo indica que é verdade). Agora é só algum amigo português escrever para o email (sandramaia_20@hotmail.com) de véspera e reservar o peixe que quer, ir lá e conferir a peixada. E depois me contar se realmente o Come-se tem mesmo este prestígio.
Diz ela: "por exemplo, ali viram atum marcado a 13 euros, pois para o pessoal do blogue faço desconto de 2 euros e se levar mais de 2 kilos, o desconto passa a 3 euros; dourada a 8 euros? nada disso, para vocês do blogue, 7,5 euros o kilo; robalo a 8,5 euros? não, para vocês, 7,5; carapau de assar a 3,5!" Só pede para que escrevam de véspera reservando. Chegando lá, é só perguntar onde fica a banca da Fernanda Maia. Que tal um peixinho frito ou assado no sábado?

Comida de época



Aqui, a vagem de Okinawa, com quatro quinas com babados, conhecida no Japão como vagem quadrada ou shikaku ingen

Ainda não pude ir conhecer o sítio onde Marisa Ono (do Blog Delícia e dos alhos negros) mora, em Ibiúna, mas dona Margareth, sua mãe, que tive o prazer de conhecer numa visita à Liberdade, pediu que me mandasse por Sedex os legumes que tinha acabado de colher à tardinha. No outro dia de manhã a caixa amarela já batia à porta, com legumes da estação: três tipos de vagem, berinjelas, nigauri, alho-poró e até aspargos. Comi legumes tenros e saborosos desde então e ainda tenho duas berinjelas. Só não devia ter deixado o nigauri esperando, pois, junto com o alho poró num saquinho, amadureceu totalmente em dois dias. As sementes ganham um arilo vermelho formidável. Depois mostro fotos. Ainda assim, piquei e comi refogado com cebolinha. Amargo mais que jiló e jurubeba juntos,mas eu adoro. Aspargos foram cozidos em vapor e servidos com frango grelhado. Alhos porós entraram numa sopa. Berinjelas foram ao forno com cebolas, passas, pimentões, amendoas, vinagre e azeite. Vagens foram refogadas na cebola e finalizadas com cheiro-verde. A rendada, cozinhei com pimentões. Eita presentinho bom, Marisa!

E hoje Marisa me mandou a foto da mais recente colheita, nesta cesta ensolarada:




Aproveito para deixar aqui uma entrevista com Carlo Petrini, fundador e presidente do Slow Food Internacional, sobre alimentos bons, limpos e justos (em português).

O que é, o que é? Bacalhava ou bacalhuva?


Esta é só uma brincadeira minha sobre uma palmeira de Rugendas
Mas agora é sério: ontem, na mostra sobre a Expedição Langsdorff, no Centro Cultural Banco do Brasil, embaixo de uma aquarela de Aimé-Adrien Taunay (ou Amado Adriano Taunay, artista que entrou para a equipe depois de Rugendas abandonar a empreidada por se desentender com o chefe da missão), aparecia a legenda "Índio bororo retornando de uma caçada. A carne de jacaré (crocodilo) é para eles saborosa e, como o coco de bacalhava, é a base de sua nutrição". Já, na própria aquarela, a legenda com letra caprichada do artista dizia que o jacaré (crocodilo) avec le coco de bacalhuva era a base do menu. Com e não como. Bacalhuva e não bacalhava (o que será que descobriu sobre o fruto, hermético em qualquer uma das grafias, a pessoa que traduziu as legendas?)
Voltei pra casa encafifada sobre que coco era aquele. Pesquisei os dicionários, livros dos viajantes e nenhuma resposta. Gooogle, Google acadêmico, Google imagens, Arquivo do Museu da Casa Brasileira e nada. Aí fiquei imaginando um coco diferente, quem sabe na forma de bacalhau. Encontrei várias palmeiras no livro do Rugendas, "Viagem Pitoresca através do Brasil" (com trabalhos que o artista levou com ele quando abandonou a equipe, quebrando o contrato). Encontrei várias palmeiras, mas nada que me remetesse àquela bacalhuva ou lhava. Até brinquei de redesenhar uma delas, imaginando um coco-bacalhau, enquanto não parava de pensar: bacalhuva, bacalhava; bacalhava, bacachuva. Escrevendo o post e pensando: bacalhava, bacalhuva.... De repende, quase agora, já quase clicando "publicar mensagem", errei de pensamento e saiu bacalhava, bacalhuva, bocalhuva. E plim!!!
Será bocaiúva? Alguém aí, vizinhança dos bororos, saberia me dizer?

Panela de pressão - uso não autorizado



Aprendi com a cozinheira de Eldorado, acima. Testei a técnica em casa: cinco minutinhos


Estes dois modelos são de pipoqueiros do Parque da Redenção, em Porto Alegre


Esta é a versão do Seu Toninho
Hoje, a estrela da matéria de capa do Paladar é a senhora panela de pressão, desfazendo mitos. Há dias em que uso tanto as minhas, que duas ou três estão chiando ao mesmo tempo sobre o fogão. Diferente dos bolinhos de mandioca, nunca explodiram.
O interessante é notar que elas se prestam para outros fins obviamente não autorizados pelos fabricantes. Aproveito o gancho pra mostrar. É o caso das pipoqueiras que vi no parque da Redenção, em Porto Alegre. Existe por lá um profissional que faz o serviço para os pipoqueiros. Perguntei o preço, mas já me esqueci, mas, segundo os usuários, o preço da adaptação compensa, porque ficam bem melhores que as pipoqueiras tradicionais. E outro dia, cheguei ao sítio e meu pai, sem saber daquelas do Sul, veio me mostrar uma nova versão de pipoqueira que "tinha inventado" com a velha e boa Clock que já não segurava mais pressão. Apenas tirou a válvula e adaptou uma pazinha com manivela externa. E tem o jeito prático de se fazer cuscuz - cerca de um minuto, que descobri com um pessoal do Vale do Ribeira no Revelando São Paulo. Em casa, fiz logo dois.
E se ainda procurarmos panela de pressão nas obras do Hermeto Pascoal ou Smetak, certamente encontraremos outros ritmos para ela.
Saiba mais
Se quiser saber como funciona direitinho uma panela de pressão, o que acontece dentro dela e porque acontece, não deixe de ver este material produzido pela USP São Carlos:
http://educar.sc.usp.br/licenciatura/2003/fc/versaodolivro2.pdf. Se não conseguir acessar em pdf, veja em html, aqui.

quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010

O germe da lima da pérsia ou a sede de nascer



O corte plano não revelou nada. Quando eu ia pro segundo quarto da suculenta lima da pérsia, um pequeno ser verde radiante se desdobrou e parecia se mover em direção à luz. Era o germe da lima que se apressava pra a vida. Calma, calma, que a sede é minha.

Perigo na cozinha ou Nem tudo dá certo na cozinha do dona Neidoca



Purê lisinho, massinha fácil de modelar
Nos comentários do post da coxinha com massa de batata e farinha de mandioca, a leitora Juliana comentou "Há muito tempo, no interior de SP, íamos sempre à Festa do Quentão em Alvares Florence. Como eu era criança nem sentia o cheiro do quentão, mas a coxinha feita com massa de mandioca ainda está na memória. Era feita por uma quituteira famosa da cidade, mas sabe-se lá se alguém ainda a prepara." E eu respondi: "Juliana, que bom saber. Eu mesma nunca tinha comido uma assim. Da próxima vez vou trocar a batata pela mandioca."
Pois bem, ontem à noite, no calorão, pensei num sorvete, mas decidi cumprir a promessa que havia feito à Juliana (às vezes eu cumpro), não só para conferir se minha sugestão era acertada mas também porque poderia comer os bolinhos com uma cerveja bem gelada.
Comecei a fazer tudo no maior capricho. Para o purê de mandioca ficar bem lisinho, bati no processador, temperei e segui à risca a mesma recomendação para a batata: usei 400 gramas de purê para 200 gramas de farinha de mandioca e usei uma bem fininha, riquíssima em amido, a farinha de copioba. Ficou como massinha de modelar.
Certamente a coxinha a que Juliana se refere era feita com massa mista de farinha de trigo e mandioca. Pois mandioca com farinha de mandioca virou uma massa de modelar gostosa de trabalhar, mas resistente e liguenta demais, já fui suspeitando. Era muito amido de mandioca junto e amido dos mais liguentos.
Ainda assim, prossegui e quis moldar os bolinhos na forminha de oniguiri. Nisto, o Filipe Miguez, meu amigo do Rio, me escreveu e, coincidentemente, estava fazendo o que? "Foi maior que eu. Cheguei na cozinha, Mina estava amassando batatas, numa quantidade que parecia um quilo. Além disso, uma carninha moída já pronta com azeitoninha, que ia rechear o bolo de batata. No armário, potes de farinha repletas de amido que Teté trouxe para a aula dela. Você já sabe o que aconteceu, né? Resolvi fazer coxinhas de boi. Peguei só metade da batata (pesei meio quilo) e fui juntando farinha, mas parei antes de chegar a 250 g. Me pareceu demais! É isso mesmo? Tá lá na geladeira agora, rolão de 4 cm, com uma cara parecidíssima com a foto do blog. Ai, ai. Acho que vou formatar as coxinhas e congelar, pra fritar só quando tiver mais gente. Amanhã, quarta-feira, não tem Mina, e Rafa viajando vou estar sozinho em casa. Ok, talvez frite umas quatro...Beijo!" Ao que respondi: "Fil, frite aí suas 4, que estou fritando também. Só que, em vez de batatas, mandioca. Veremos no que dá. E a carne também é de boi, soltinha, com salsinha. Usei de novo 1 parte de farinha pra 2 de mandioca. Dá certinho. A massa fica bem firminha. E se começar a grudar, umedeça a mão com água mesmo. beijinho, n (depois me conte)"



Esta poderia ter sido minha última mensagem nesta vida. Pois depois que fritei a primeira leva de croquetes, um estouro forte "Poou". Sorte que estava a uns dois metros da panela, mas me joguei sobre o fogão pra desligar o fogo. Mal tive tempo de passar a panela de óleo pra boca de traz do fogão e o segundo estouro: "Poooou". E foram mais dois, um dos quais empurrou pro alto uma escumadeira que eu nem sei onde estava (veja na foto, foi parar entre o armário e o fogão). Saí correndo manquitola como pude sem me livrar, no entanto, dos respingos quentes que chegaram ao teto.

A bichinha Dendê não quis voltar pra cozinha de jeito nenhum nem com a promessa de que poderia lamber restos de carne do chão. Tive que levá-la no colo.
Desta vez nem deu tempo de me preocupar com a Dendê que mendigava ao redor do fogão atraída pelo cheirinho de carne. Ao primeiro estouro ela já se mandou e subiu com o rabo entre as pernas para o andar de cima. Depois de alguns minutos de silêncio voltei para ver o estrago. Uma das bombas ainda não havia sido detonada. Pensei se era o caso de chamar a equipe do Guerra do Terror. Mas a gordura foi resfriando e o perigo passou.
O problema agora era limpar tudo aquilo. Gotas de óleo pingavam do exaustor e escorriam dos azulejos e janelas. Fogão, chão, meu vestido, meu sapato, minha chaleira, tudo respingado. Poderia ter ficado cega se os primeiros cinco tivessem estourados, porque fiquei sem óculos virando-os com a escumadeira, um a um. A segunda leva deixei lá fritando enquanto me afastei um pouco pra responder o email do Filipe. Eu nunca levo o laptop pra cozinha, mas quis ouvir umas músicas que tinha acabado de baixar e, nesta, o Filipe me salvou.
Daí a gente vê a importância de se testar uma receita antes de sair por aí divulgando. Tudo bem, aqui é um blog, quando eu não testo e divulgo receita de outros, deixo isto claro. Mas tem revista que ganha dinheiro com vendas e ainda assim publica receitas que só de ler já sabemos que não vai dar certo. Se apenas não dá certo, ainda tudo bem, você apenas perde tempo e ingrediente (e ninguém reclama), mas e se colocar vidas em risco?
Quando eu fazia trabalho na cozinha experimental de uma grande empresa, me lembro de um caso de uma consumidora que moveu uma ação, e ganhou, contra a empresa porque esta divulgou em seus receituários um bolinho de polvilho que se comportava como os meus bolinhos. Acabou estourando e machucando gravemente a mulher. Uma revista de culinária também teve que dar outro microondas para a leitora porque o caramelo de uma receita explodiu dentro do aparelho inutilizando-o.
O recorte abaixo é bem antigo, mas fiz questão de guardar para mostrar para clientes que me pediam receitas sem testar, só pra não pagar pelo trabalho. É claro que há várias receitas que podem ser dadas na forma quase de dicas, sem testes, para quem já sabe cozinhar um pouco. E é claro também que vai demorar para acontecer no Brasil uma situação extrema como esta da revista Seleções. Mas um pouco de cuidado na hora de divulgar receitas pode evitar aborrecimentos para todo mundo. Vai que um dia o leitor resolva fazer tudo certinho conforme orientação da receita e queira reclamar caso não dê certo? Por enquanto isto não existe porque todo mundo por aqui comete suas transgressões ao executar uma receita e não se vê no direito de reclamar depois. E outra é que receitas, como as de muitos chefes por exemplo, que dominam as revistas de gastronomia, quase nunca trazem medidas exatas - ou nem próximo disto. Algo vago como um fio de azeite pode representar 150 ml de azeite (isto já comprovei). É que muitos não gostam de ensinar seus truques, não querem dar a receita, mas o fazem apenas pro forma quando esta é a única forma de lhes garantir visibilidade na mídia. Mas as coisas podem mudar...
Por enquanto, então, não façam aquela coxinha com mandioca+farinha de mandioca. Quem sabe com batata baroa/ mandioquinha?

terça-feira, 23 de fevereiro de 2010

Sorvete de goiabada

Agora, aqui no meu escritório, seis da tarde, o termômetro ainda marca 32,5 ºC. Sorte que sou como um lagarto resistente, ainda assim só penso em sucos e coisas geladas. Por isto, me lembrei deste sorvete que fiz no sábado de carnaval. Aproveitei que um pedaço de goiabada padecia endurecida na minha geladeira há meses para dar um fim ainda mais refrescante a ele.
Resolvi cortar 200 gramas do doce, juntar 1 xícara de água e derreter no fogo. Esperei esfriar, juntei 2 xícaras de kefir (pode usar iogurte) e misturei bem. Acrescentei 2 colheres de sopa de creme de leite, bati bem com o mexedor de arame e deixei a mistura gelar um pouco na geladeira. Coloquei na sorveteira e deixei até que a pá tivesse dificuldade de continuar o trabalho. Levei ao freezer por uma hora para firmar, enfeitei com umas florezinhas de manjericão-anis (que, obviamente, deu um toque de anis) e, depois da foto, nhac. O sabor fica muito bom.
Nota
: se não tiver sorveteira, dê um jeito de congelar esta mistura - em picolé, na tigela, tirando do freezer e batendo, como geladinho etc - e garanto que não vai se arrepender. E, claro, quanto melhor a goiabada, melhor o sorvete. Mas uma coisa é certa - a goiabada pode estar super desidratada que vai dar certo. Outra coisa, teste o açúcar e se achar muito doce, junte um pouco mais de água ou iogurte
.

Sorvete de cambuci em Paranapiacaba




Acima, o casario circundado de mata atlântica florida de manacá. Abaixo, a melhor casa da vila, que foi a do engenheiro chefe da ferrovia, construída em 1897, e hoje é museu
Durante o feriado de carnaval aproveitamos o domingo ensolarado para passear em Paranapiacaba, uma vila ferroviária pertencente ao município de Santo André. Construída pela São Paulo Railway em 1897, tem interesse histórico por ser a única vila ferroviária conservada no Brasil.
O lugar, encravado na serra do mar, é fantástico, mas ainda tão precariamente estruturado para o turismo. Uma pena. O restaurante onde comemos oferecia um peixe na telha até que bom (com frutas desnecessárias pra enfeitar) sobre toalha de plástico meio engordurado e comidas mexidas, frias e pouco atrativas em rechauds de aço inoxidável Os outros restaurantes parecem seguir o mesmo esquema de self service (nada contra, mas é preciso talento e cuidado dobrados para poder manter a comida atraente - mais fácil é manter um menu enxuto, com duas opções caprichadas, servidas em travessas refratários em vez de inox, pra que mais?). E também não gosto de comida apoiada em várias folhas de alface como elas fossem papel que depois vão murchas para o lixo em vez de chegar na mesa viçosas e temperadas com azeite e vinagre que seja. Acho que só falta por lá uma boa orientação para explorar todo aquela vocação para o turismo de um dia (fica só a 50 km de São Paulo).


Com Marcos, Darly e Suzana, minha irmã
Em compensação, andando a esmo pelas ruas depois do almoço, nos deparamos com uma casa com uma plaquinha pirografada no portão "sorvete de cambuci e outros". Dona Edina Leschice Santos, filha de mãe ioguslava fugida da guerra, mora em Paranapiacaba há 22 anos com o marido ferroviário Almir R. Santos. O casal nos recebeu na cozinha de sua casa, já com a louça do almoço lavada, o fogão fechado, o chão varrido e toalhinha com enfeite na mesa. Abriu o freezer de sua geladeira e nos serviu os potinhos de sorvete cremoso de puro cambuci. Ah, disto eu gostei! Quem quer, pode se sentar num banquinho do jardim.

O casal quis arrumar o cambuci pra foto. Seu Almir até foi buscar umas mudas que não se ajeitaram na produção. Tudo bem, para se tomar ali o sorvete poderia ser servido num potinho de vidro ou até numa xícarae e colher de verdade em vez da de plástico. Mas vale a pena assim mesmo. O pote que dá pra dois custa R$ 3,00.
Sorvete da Dona Edina e Seu Almir: Av. Fox, 435 - Paranapiacaba

O cambuci
está presente no imaginário e realidade do lugar (e também agora na Arca do Gosto, do Slow Food) e como é uma fruta que congela bem e que não se presta para comer in natura, pelo menos sorvetes e sucos podem ser encontrados praticamente o ano todo. Nativa da Mata Atlântica, o cambuci permanece verde mesmo depois de maduro - quando torna-se mais bojudo e com um verde mais amarelado. Tem sabor um pouco adstringente, principalmente se ainda imaturo, mas é extremamente saboroso e lembra um pouco a jabuticaba (mirtáceas as duas).

O salão do Confraria do Cambuci. Limpinho, agradável, só implico com estes plásticos todos

No caminho para o estacionamento (que fica na parte alta, antes da linha do trem), visitamos a Confraria do Cambuci (11-4439-0425), restaurante dedicado a alguns pratos feitos com cambuci, além da tradicional cachaça e peixe frito na hora todos os dias. Mas já não estava mais funcionando e só conhecemos o salão.

E tomamos suco de cambuci no Kiko de Oliveira, Arte e Café, na Pousada do Artista (11-4439-0437), um lugar simpático (o imóvel azul), com suco delicioso, já indo para a parte alta da vila.

O mercado foi construído em 1899 e restaurado em 2003. Servia para a venda de produtos alimentícios, como qualquer mercado. Mas, outra pena, foi desativado nos anos 70 e neste dia estava vazio, mas serve como espaço multi uso.


Há mais de 25 anos eu ia pra lá de trem, que saía da Luz. Agora o trem só vai até uma estação antes, Rio Grande da Serra. Outra pena pra o lugar. O relógio imita o Big Ben de Londres e foi construído em 1890.

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