sexta-feira, 31 de agosto de 2012

Cuscuz argelino da Yasmin

Ontem fui convidada para o jantar na minha própria casa. E como foi bom. Tinha que trabalhar bastante e elas fizeram desde as compras até a mesa. 

É que a hóspede franco-argelina Yasmin fez cuscuz que costuma fazer em família ou para os amigos da faculdade (é amiga da minha sobrinha Flora no mestrado de geografia na Sorbonne). É um ótimo prato para estudantes porque é simples, barato e pode ser comido sobre o tapete, em prato coletivo, cada qual com sua colher em comunhão.   

A gente sabe que cuscuz no Norte da África é como nosso arroz, feijão, carne e salada,  e pode haver uma diversidade enorme de temperos e legumes variados conforme a disponibilidade local e estes fazem render a carne, seja de vaca, galinha, carneiro ou cabrito. Isto, tanto em Marrocos como na Tunísia ou na Argélia, onde vive a família de Yasmin. 

A receita é muito parecida com aquela feita pela Flora,  que expliquei em detalhes aqui, afinal foi Yasmin sua mestra. Algumas variações que notei: Yasmin não refoga alho e cebola separados, coloca-os junto com as coxas de frango na panela, sem óleo.  Usou 1,3 kg de abobrinha e 700 g de cenoura, 7 unidades de cada (estávamos em sete). Flora e as francesas Cecile e Sofie ajudaram a cortar os legumes. O tomate foi apenas um e a cor do caldo em parte deveu-se à páprica doce e um pouco de pimenta vermelha em flocos que usou. E as abobrinhas foram peladas, assim como o tomate. O tempero era suave. Na falta do has el hanout, a mistura pronta de temperos que se usa no caldo do cuscuz, usou temperos que havia aqui. Aliás, ela ficou fascinada em poder triturar tudo na hora, combinando o perfume da canela com grãos de cominho, pimenta-do-reino e bolinhas de coentro que tomaram conta da cozinha. 

Agora, uma coisa que a deixou frustrada foi a qualidade da sêmola de cuscuz. Ela diz que não gosta de usar sêmola pré-cozida  (destas que encontramos aqui a preços absurdos chamados "cuscuz marroquino"). Prefere hidratar os grãos, cozinhar no vapor, tirar, pulverizar água fria, esfregar nas mãos, cozinhar de novo, pulverizar água, esfregar, cozinhar... , o método clássico de se fazer cuscuz, até as bolinhas ficarem bem hidratadas e macias. Ainda assim, fez o que pode para não ir contra seus princípios. Demorou minutos concentrada soltando os grãos com a ponta do garfo, como um italiano tentando concertar um miojo pra virar espaguete al dente. 

Para todos nós, no entanto, estava tudo ótimo e nos divertimos à mesa. Mas de vez em quando pegava Yasmin cabisbaixa, analisando aqueles grãos, como se desculpando por não estar perfeito.  A amiga Carol chegou, eu me lembrei a tempo do molho harissa para acalorar o prato e Marcos ofereceu cachaça Coluninha para espantar o frio das meninas  pegas de surpresa depois de voltarem de Mangue Seco. Na Argélia, de maioria islâmica, o cuscuz é acompanhado de água ou limonada. Mas na família de Yasmin, não religiosa, vale o vinho tinto.  E a noite terminou alegre com laranja e canela.  


quinta-feira, 30 de agosto de 2012

Vinagre de mel de jataí



A colher é do amigo ceramista Rui Gassen, de quem eram minhas abelhas
Como não coube tudo no espaço da coluna no Estadão de hoje, no caderno Paladar, e como havia prometido na semana passada, aqui vai a receita do vinagre que fiz. Aliás, cada dia tem ficado melhor, devo lhe informar. 

O mel de jataí tem teor de umidade que pode variar bastante, de 20 a 30%, ante 17% do mel de Apis. Por isto, fermenta com facilidade. Se o produto não foi pasteurizado, situação em que a fermentação é estabilizada (com algumas perdas, mas ganho na conservação), o ideal é que se guarde na geladeira. Ou, se quiser se aproveitar da facilidade de fermentação, pense em fazer um vinagre.


Não encontrei nenhuma referência que me guiasse, então o que fiz foi diluir em água filtrada o mel de jataí até conseguir um teor de doçura parecido com o do suco puro de uva.  Um pouco para mais, um pouco para menos, não tem importância.  Tudo o que precisa é de um refresco de mel.  Hoje refiz e medi: 250 g de mel para 750 ml de água filtrada. Todo o procedimento é parecido com o que usei para o mel de maçã, que publiquei aqui recentemente. Veja lá o passo a passo. De qualquer forma, aqui vai um resumo. 

Coloquei em vidro limpo que pudesse ser fechado com rolha, aferventado, ocupando metade do volume. Dissolvi à parte 2 colheres (chá) de fermento biológico seco (fermento de pão) em um pouco de água e despejei ao refresco.  Instalei um pedaço de mangueira de nível no meio da rolha, para fazer um airlock ou selo d´água improvisado.  Fechei bem e deixei a mangueira mergulhada num copo com água (trocada diariamente). Assim, o gás carbônico formado na fermentação saí mas o oxigênio não entra, porque a fermentação deve acontecer em meio anaeróbio. Esta primeira fermentação transforma açúcar em álcool. Conforme fermenta a mistura, bolhinhas podem ser vistas na água saindo da mangueira.  Quando para de borbulhar, já não há mais açúcar para fermentar, então é só esperar mais uns dois dias para passar para a próxima etapa.  

A mãe do vinagre 
Agora, vai acontecer a segunda fermentação que transforma o álcool em ácido acético. Coloque o líquido em um vidro de boca larga, também aferventado e seco, cubra com pano bem limpo, que deve ser amarrado na boca do vidro com elástico ou amarrado com barbante. E agora esqueça-o em local sombreado. De vez em quando pode dar uma volteada no líquido. Com o tempo, começam a surgir umas nuvens brancas  na superfície,  que vão se juntando para formar uma camada bem fina sobrenadante. Esta camada vai se espessando aos poucos e se tornando gelatinosa até cobrir toda superfície. É a “mãe do vinagre”.  Com um mês e meio,  esta camada tinha espessura de uns dois milímetros e então resolvi conferir  o Ph usando um peagâmetro, que é um medidor de acidez.  Mas pode ser usada também uma fita com indicador colorido, dessas usadas em aquário de água salgada. Ou, se o vinagre for apenas para uso doméstico em saladas, basta que esteja ácido e agradável - prove na ponta da língua, afinal todo mundo conhece a acidez de um vinagre.  Para se fazer um vinagre próprio conservas, por exemplo, o ideal é que o Ph seja menor que 4. O meu já marcava 3,1. Portanto, uma excelente acidez.  O sabor é complexo, com leve doçura e resquício floral. 

Salada de folhas com molho de mel, vinagre e saburá de jataí

Foi só misturar 1 colher (sopa) de mel de jataí, 1 de vinagre de mel de jataí, 1 pitada de sal e 4 colheres (sopa) de azeite. Bati tudo, joguei sobre as folhas, espalhei por cima um pouco do saburá e nhac!

Potinho amarelo com pólen


Pólen seco à sombra e passado em peneiras de diferentes tamanhos
demalha para granulações diferentes




O Saburá ou samburá
(trecho do meu texto publicado no jornal). 
A massa de pólen foi tirada facilmente das cápsulas usando uma colher de café. Deixamos dentro de um saco de papel pendurado à sombra. Quando estava seco, passei por peneira para formar grãos e usar em saladas ou sobre frutas. A diferença deste pólen armazenado pelas abelhas em relação ao pólen ao natural encontrado nas flores é que nos potes ele é processado com enzimas para melhor conservação e por isto, no caso das abelhas nativas, este produto recebe outro nome que não simplesmente pólen. E o saburá ou samburá, um ótimo suplemento proteico, rico também em vitaminas, minerais e ácidos graxos, com sabor levemente doce e ácido com notas de flores. Fica uma delícia com banana assada. E na salada. 

Prato da amiga ceramista Silvia Lopes

Banana assada com mel e saburá de jataí:  é só assar no forno a banana até ficar macia, abrir,  jogar por cima o mel, espalhar um pouco de pólen,  canela ralada e nhac!  
  

Mel de Jataí. Coluna no Paladar 3


Os textos da coluna Nhac de hoje do Paladar, já estão no blog do caderno. Veja lá, questione, sugira, comente (não deixe de ver também a coluna do Luiz Horta, que é capa, sobre suas experiências com vinho guardado - imperdível)


http://blogs.estadao.com.br/paladar/mel-das-fadinhas-do-jardim/
http://blogs.estadao.com.br/paladar/melista-iniciante-seringa-ou-espremedor/
http://blogs.estadao.com.br/paladar/receitas-com-mel-de-jatai/

Alguns contatos que merecem estar também aqui:


Caixas para jataí no Apiário Santo Antônio, na Fernão Dias

Instituto Sociedade População e Natureza: traz o livro do Jerônimo em pdf, podendo ser baixado gratuitamente.  No final do livro há vários links interessantes sobre o assunto -  ispn.org.br

Embrapa Amazônia Oriental: tem disponível para dowload o livro "Criação de abelhas indígenas sem ferrão" -  mel.cpatu.embrapa.br.

Baldoni: vende mel, caixas e apetrechos para apicultura e meliponicultura - baldoni.com.br .

Meliponário Abelha Brasil: vende o mel, caixa vazia e caixa povoada - marco@abelhabrasil.com.br.  Tel. (16) 3724-1516 begin_of_the_skype_highlighting            (16) 3724-1516      end_of_the_skype_highlighting ou (16) 8137-9686 begin_of_the_skype_highlighting            (16) 8137-9686      end_of_the_skype_highlighting

Apiário Girassol: vende caixas de jataí-  tel. (34) 3236-1922 begin_of_the_skype_highlighting            (34) 3236-1922      end_of_the_skype_highlighting

Empório e Apiário Santo Antonio: tem mel e caixas de jataís, que podem ser povoadas sob encomenda  -  apiariosantoantonio.com.br, tel.             (11) 4416-9202       / (11) 4416-8137  

quarta-feira, 29 de agosto de 2012

Utensílios de cozinha: conchas de quengas

Conchas de quengas de coco

Raspa-coco de banco
Na sexta-feira passei uma tarde gostosa, com mais de quatro horas de conversa boa, com Ana Rita Suassuna e Mara Salles, na mesa do jardim do restaurante Tordesilhas, longe dos outros clientes, mas com a mesma comida deliciosa de sempre. O restaurante encheu aos poucos, lotou, raleou, esvaziou, e a gente nem percebeu, tão farto era nosso burburinho sobre milhos, mandiocas, raspa-cocos e quengas. 

Ana é autora do livro Gastronomia Sertaneja,  indispensável para quem se interessa por nossa comida e costumes.  Ela trouxe duas conchas de quenga de coco. Uma furada, com o furo do próprio olho do coco e a outra não. Uma é pra feijão com caldo, outra pra pescar só os grãos. O cabo é de pau de marmeleiro, passado pelo meio da cuia. No par ou impar, fiquei com a sem furo e a Mara com a outra. 

Quenga é igual mulher da vida, mas também é cada uma das bandas do coco, as cuias. Quando se queria ofender uma mulher e suas duas filhas moças, lá no sertão, costumava-se dizer, segundo Ana,  "a senhora é como coco, tem duas quengas e ainda acha pouco".  Em Maceió vi o cartaz de um restaurante que anunciava cuscuz na quenga e só agora entendo que devia ser a cuia feita cuscuzeira. Era servido na própria cuia, com coberturas a escolher. Fiquei só na vontade, pois estava de passagem. 

Ana trouxe ainda um raspa-coco de banco, que sem ele o coco cheio não vira cuia. Era seu, e agora, do acervo do Tordesilhas. Grande para segurar nas mãos, é próprio para apoiar entre a perna e banco, de modo que ele fica fixo e o que se move é o coco que se livra das raspas que viram cocada, tempero para o cuscuz etc.


Ana Rita Suassuna e seu livro cheio de preciosidades 

Ana falou ainda dos cacos de café, cacos de milho, paninho para o vinagre de cana e um monte de outros utensílios, técnicas e ingredientes, como a fuba que não é o fubá, que você pode conferir lá no livro dela.

terça-feira, 28 de agosto de 2012

Ritmos de jardim


Videira

Capuchinha


Pimenta Nina Horta 

Camapu que ganhei da Daniela

Flor de rúcula 

Adoraria ter paciência para meditar, porque é uma prática que me faz bem. Na verdade, é só se programar para isto, eu sei. Mas há outra atividade que me faz desligar enquanto pratico, da qual eu não tenho como fugir, porque o ritmo do jardim e o tempo seco impõem. E que me obriga a ter alguma rotina, de que eu  tanto gosto - a vida em ciclos como a natureza que nos rege.  E os resultados visíveis desta ação dão um prazer inexplicável. 

Regar as plantas pela manhã me consomem no máximo 10 minutos diários, marcado de relógio como diz a Eliana. Cinco para molhar e outros cinco para conferir os avanços que alegram o espírito. É uma das poucas coisas que podemos fazer diariamente com resultados positivos tão rápidos, um bom exemplo do conceito ação e reação.  

Tem gente que rala, dá um duro danado, e os resultados demoram tanto para vir. Às vezes nunca vêm. Mas cuidar de um jardim, nem que seja apenas dar água passando os olhos, alegra até os mais desiludidos e pessimistas, pois não tem como dar errado. É lógico que não estou falando da grande lavoura nem da monocultura, é só de um jardim. Olhar uma planta todos os dias faz você enxergar os primeiros pulgões e cochonilhas e arrancá-los na unha. Perceber folhinhas de manjericão recheadas de larva minadora e arrancá-las todas faz de você uma pessoa vitoriosa quando percebe nos dias seguintes novas folhas surgindo no lugar. Depois de desligar a mangueira é que me abaixo até as plantas e noto a cada vez uma novidade capaz de alegrar o dia. Se acha que seus dias são sempre iguais, precisa  urgentemente ter um jardim ou uma jardineira na janela. 

Às vezes me esqueço de uma planta ou uma semente e quando vejo ela já está alta pouco se importando para o meu olhar, mas não ignorando meus zelos - disso tenho certeza. Não, não sou de abraçar e conversar com árvores, mas é bom saber que elas respondem bem aos meus cuidados. Outro dia, em Piracaia, resolvi que não perderia dois pequenos limoeiros todos inteiramente cobertos de fumagina, com aparência de pó de carvão, resultado do ataque de cochonilhas de anos. Tomei coragem e arranquei todas as folhas, uma a uma, enterrei fundo e longe, peguei um balde com escova de tanque e sabão de coco e dei um banho de espuma bem dado como quem tira macuco de calcanhar de menino.  Fiquei curiosa pra chegar o outro sábado e ver como a planta tinha reagido. Toda cheia de novas folhas, verdes, brilhantes. 

Se você olha todos os dias para as plantas do seu jardim, não vai deixar chegar neste estado, assim como não deixamos criar macuco nos pés de nossos filhos. E não adianta, há certas coisas que não dá para delegar. Cuidar do próprio jardim é uma delas. Claro, se você faz questão apenas do resultado estilístico adornando a casa, se isto te deixa feliz, contrate alguém, mas se você quer todos os dias tomar na veia uma pequena dose de prazer, sentir uma sensação de leveza que dilui os aborrecimentos por vir, conquistar um estado de alma difícil de conseguir nas atividades mundanas e pagas, comece colocando uma semente para germinar, espete um galho de rosa na terra, enterre a raiz da cebola ou da cebolinha comprados na feira, apoie a semente de um abacate num copo com água, bote para germinar as sementes da melancia, sei lá, invente. Observe, em você e na planta, as mudanças a cada dia. Você vai acordar com mais ânimo, só para ver se aquela vida respondeu aos seus estímulos. 






Galho de camapu (phisalis)




Sementes abandonadas numa jardineira


Claro, há plantas que independem de você e de seus préstimos, que conservam seu vigor em suas batatas, por exemplo. E aí, a recompensa também é boa.  Achar que aquele crem tinha morrido e de repente rever as folhinhas das quais nem se lembrava mais subindo pelo muro é quase mágico, assim como acompanhar os primeiros brotos de uma videira podada que parecia pau morto. Tudo isto pode se passar em cinco minutos: descobrir que as sementes enviadas pela leitora Nilce estão germinando, assim como as sementes desconhecidas que encontrei na gaveta; ver que o galho da rosa cor de rosa roubado de uma casa abandonada vai vingar e já mostra as primeiras folhas;  perceber que é tempo de capuchinha pelas flores que começam a se espichar por trás de um vaso; que as sementes abandonadas numa jardineira começam a inchar e mostrar os germes; que os passarinhos andam comendo daquela pimenta; que o camapu ganhado da Daniela já tem frutos maduros e que o galhinho quebrado brotou em outro vaso; que o amaranto que eu trouxe do Cerrado germinou no terceiro dia; que os ingás no sol estão melhores que os que ficaram à sombra; que já despontaram flores amarelas nos dois vasos com planta seca que achei na rua, que a for de rúcula é bonita e tem quatro pétalas etc etc. Com tanta novidade a cada dia, é difícil que esta sensação não contamine o dia, é difícil fugir da metáforas óbvias e evitar esta sensação de recompensa quase viciante. Aliás, se você está fugindo de um vício, tente substituí-lo pela jardinagem e depois me conte. 

segunda-feira, 27 de agosto de 2012

Bertalha-coração. O mesmo que caruru-do-reino. Com carne de porco

Gostei deste nome, bertalha-coração.  Talvez seja melhor que caruru-do-reino. Melhor seria se não fosse nem caruru nem bertalha, já que a planta não pertence a nenhuma destas espécies, mas bertalha coração remete ao formato das folhas e está bem assim. Foi a leitora Sara Stumpt Michell, quem me disse que no Rio Grande do Sul, particularmente em Porto Alegre, este tem sido o nome usado. Como se trata de um ingrediente praticamente desconhecido por aqui, podemos começar a adotar esta nomenclatura.

Sara estuda a planta na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e, em seu blog, mostra um vídeo sobre a invasão da planta na Austrália. Como a espécie não produz frutos por aqui, a dispersão se dá a partir dos bulbilhos que caem da planta-mãe. Por aqui, não se tem notícias de problemas com a planta nativa, mas não custa ficar alerta para não levar os bulbilhos para locais onde ela possa crescer desembestadamente.  É uma boa planta para se ter em cativeiro, na varanda, num vaso, e, se todo mundo aproveitar para comer as folhas e os bulbilhos,  não vai acontecer de virar praga. E ainda as flores são melíferas. 

Já falei da planta aqui - eu tenho medo de caruru-do-reino - e acolá

Para não jogar no lixo os restos da poda, nem levar para Piracaia sem minha supervisão - vou  plantar perto da casa para ficar ao alcance dos olhos -, coloquei galhos, folhas e restos de bulbilhos numa caixa plástica e fechei até decidir onde os jogaria. E esqueci. Quando me lembrei, outro dia, abri a caixa, as folhas estavam mortas, mas os bulbilhos estavam todos vivíssimos, já lançando muitas raízes, esperando uma oportunidade para se fixar e se multiplicar. Deu mais medo. Pelo menos, quem tem uma planta dessas perto de casa não vai passar fome. Nos bulbilhos, carboidratos, fibras, mucilagens; nas folhas, muitas vitaminas, minerais, fibras, mucilagens. É uma opção para se ter nas escolas e entrar na merenda escolar. Na panela, é um ingrediente fantástico, bonito, nutritivo e gostoso. 


Os bulbilhos que ficaram trancados numa caixa
No meu quintal  - se fico três meses fora, a planta teria coberto a casa
Mas, por favor, não leve os bulbilhos para fora do seu ambiente natural. Veja o vídeo sobre a planta exótica e invasiva na Austrália.




Depois da poda, já estou com saudade da planta. Sorte que guardei bulbilhos e hoje fiz com carne de porco. 


Bulbilhos de bertalha-coração com carne de porco 

Temperei meio quilo de barriga de porco, em pedaços, sem o couro, com um dente de alho bem socado com 1/2 colher (chá) de sal, um pedaço de pimenta e um de cúrcuma fresca. Juntei uma colher (sopa) de suco de limão, misturei tudo e deixei a carne neste tempero por duas horas. Coloquei os pedaços numa frigideira, cobri com água e deixei cozinhar em fogo baixo até secar a água e a carne ficar macia (se não ficar macia, junte mais água). Deixei dourar na própria gordura. Separei a carne e juntei à frigideira 1 xícara de bulbilhos de bertalha-coração cozidos por 10 minutos em água salgada e escorridos. Juntei 1 colher (sopa) de cebolinha verde e uma pitada de pimenta vermelha em flocos. Voltei a carne para a frigideira e nhac! 

sexta-feira, 24 de agosto de 2012

Pães, padeiros, padarias

Baguetes da padaria PPG, Ilha do Pesqueiro - Soure, Marajó - PA
Trigo em excesso não é bom, mas o que seriam de nossas melhores lembranças sem ele?  Quando eu tinha quinze anos meus pais viajaram de férias para o sítio dos meus avós e pela primeira vez eu não pude ir junto porque já trabalhava. E não era época de férias escolares - eu estudava à noite. Estava triste, mas logo na primeira falha em casa alheia a recompensa viria, pois para não ficar sozinha me hospedei na casa de uma amiga. Chegamos da escola depois das onze e a surpresa. Ela morava na parte de cima de uma padaria. A surpresa foi o aroma que já invadia a rua assim que descemos do ônibus. Só então ela me contou que ali funcionava uma padaria e que os padeiros começavam a assar o pão no começo da noite, para o outro dia.  Em vez de subirmos a escada da sua casa, que saia da porta da rua, entramos pelo portão lateral que dava para os fundos da padaria já fechada para o público. Fiquei encantada e saímos de lá com um saco de pão francês quente de queimar os braços. Com todos da casa dormindo, abrimos o saco na cozinha que repousava já limpa da louça da janta. Passamos manteiga e comemos muito, tipo uns três pães cada uma. Fui dormir feliz, animada para a chegada da próxima noite,  até torcendo para que minha família não voltasse logo. E assim se repetiu durante cerca de uma semana que passei ali. Não sei quando engordei, mas me lembro que fiquei fortinha. Era o perfume do pão quente. Isto realmente me tira do sério até hoje. 


Os padeiros de Florença

Tive a mesma sorte em Florença, quando duas amigas e eu alugamos no escuro um apartamento que, apesar do calor, ficava em cima de uma padaria. E já contei esta história aqui

E acho que tive hoje estas lembranças porque o pão da semana não deu muito certo - quis testar aumentar a quantidade de polvilho junto ao trigo, mas acho que coloquei mais do que a massa suportava e saiu um pão duro e abiscoitado. Restam, portanto, as boas lembranças. 

Padaria PPG, no Marajó - o padeiro e o fotógrafo da Saveur
Padaria PPG - os pães
Padaria PPG - o cliente 
Lembrei também dos pães incríveis da Padaria Pequena e Grande lá no Marajó, cuja história contei lá na revista Saveur, abrigada numa casa de madeira de teto muito baixo que machuca a cabeça dos descuidados. Quando provei aquelas baguetes crocantes e deliciosas, com queijo marajoara, no café da manhã, lá na Fazenda São Jerônimo, me comprometi a acordar cedo no outro dia e ir comprar o pão com Seu Brito. E cumpri o acordo. Ainda dava pra sentir a brisa da manhã vinda do mar, que ficava a poucos metros da padaria, na Praia do Pesqueiro. Estava tudo em silêncio no vilarejo que ainda dormia. Da pequena padaria de nome PPG (Padaria Pequena Grande) vinha um bom aroma de pão quente. Achei que James Oseland, da Revista Saveur,  iria adorar aquela paisagem. Chegando à fazenda, o convenci de que deveríamos voltar para fotografar a padaria e o vilarejo. O proprietário Edvaldo Luiz Antonio Pereira é do Marajó, de uma praia ali perto. Ele me mostra, apontando com o dedo, o Areião, aonde só se chega de barco. Diz que aprendeu a trabalhar como padeiro na prática. Entrou como faxineiro, virou padeiro e depois foi gerente de uma grande padaria em Belém, quando era moço. Mas resolveu voltar a viver no sossego e já tem vinte e um anos que mora na região. Sem ambição e com a ajuda do filho, Deni, e do vizinho Luciano ou Tiquinho, está feliz com a fabricação de apenas dois tipos de pão em pequena quantidade – cerca de cento e setenta pães doces de massa fina e quinhentos salgados de massa grossa, como ele mesmo classifica. O salgado é uma baguete pequena e fina, de casca crocante, delicioso para se comer com manteiga ou queijo marajoara. Perguntei se ele tinha uma masseira e ele me mostrou as mãos. Aliás, ele conta todos os seus segredos para um pão de tanto sucesso: usar as mãos em vez de masseira, fazer a própria receita em vez das misturas prontas, como acontece nas grandes padarias e, finalmente, o mais importante é não ter pressa para assim poder usar pouco fermento. Sua receita leva apenas 15 gramas de levedura granulada para 20 kg de farinha, 3 colheres (sopa) de açúcar e 8 colheres (sopa) de sal. Amassa, modela e deixa crescendo a noite toda, no ritmo marajoara.


Padaria Santo Antônio - Uauá - BA

Xeba ou Cheba - Padaria Santo Antônio - Uauá - BA

Bicicleteiro entregador - Padaria Santo Antônio - Uauá - BA 

Padaria Santo Antônio - a família 
Em Uauá, sertão da Bahia, visitei duas padarias cujo modelo está entre esta do Marajó e as do Senegal que consiste simplesmente de um forno de barro coberto e um cocho de madeira para a massa, além de uma bancada à frente do forno que serve para deixar repousando ou os pães a crescer ou o padeiro a descansar. Como no Senegal, as padarias são tocadas pela família, que vendem no local e com o bicicleteiro que percorre o bairro. Na padaria Santo Antônio havia  não só o pão mas também a cheba (ou xeba?), que é a massa do pão aberta como pizza grossa e polvilhada de açúcar que sai do forno caramelizada. Deliciosa. 

Já no meu bairro há uma padaria que faz o melhor pão francês da região, mas o atendimento é tão ruim e a acolhida tão pouco gentil que nunca me interessei em me aproximar muito. Em vez de placa de boas vindas, avisos de é proibido, é ilegal, não pode entrar.


Padaria Dias - Uauá - Bahia
Padaria Dias - a família, herdeirinhos


Padaria Dias - o padeiro 
Padaria Dias - os clientes 

Em Uauá ou no Marajó, onde se fala português, padaria é padaria. Em Florença, é panetteria.  Em Paris ou no Senegal, com língua oficial francesa, padarias se chamam boulangeries. E, engraçado, aqui em São Paulo também... 



Boulangerie em Paris

Boulangerie no Senegal 

Boulangerie no Senegal -  a matéria prima e a masseira

James, padeiro francês, saindo de uma padaria senegalesa

Padeiros senegaleses 

Padeiros franceses com padeiros senegaleses 
James e Michel, padeiro francês, numa padaria senegalesa com seu padeiro
Padaria no meu bairro: proibido entrar sem camisa, proibido entrar de
capacete, proibido entrar animais, comprar de bicicleteiro é ilegal