É que a hóspede franco-argelina Yasmin fez cuscuz que costuma fazer em família ou para os amigos da faculdade (é amiga da minha sobrinha Flora no mestrado de geografia na Sorbonne). É um ótimo prato para estudantes porque é simples, barato e pode ser comido sobre o tapete, em prato coletivo, cada qual com sua colher em comunhão.
A gente sabe que cuscuz no Norte da África é como nosso arroz, feijão, carne e salada, e pode haver uma diversidade enorme de temperos e legumes variados conforme a disponibilidade local e estes fazem render a carne, seja de vaca, galinha, carneiro ou cabrito. Isto, tanto em Marrocos como na Tunísia ou na Argélia, onde vive a família de Yasmin.
A receita é muito parecida com aquela feita pela Flora, que expliquei em detalhes aqui, afinal foi Yasmin sua mestra. Algumas variações que notei: Yasmin não refoga alho e cebola separados, coloca-os junto com as coxas de frango na panela, sem óleo. Usou 1,3 kg de abobrinha e 700 g de cenoura, 7 unidades de cada (estávamos em sete). Flora e as francesas Cecile e Sofie ajudaram a cortar os legumes. O tomate foi apenas um e a cor do caldo em parte deveu-se à páprica doce e um pouco de pimenta vermelha em flocos que usou. E as abobrinhas foram peladas, assim como o tomate. O tempero era suave. Na falta do has el hanout, a mistura pronta de temperos que se usa no caldo do cuscuz, usou temperos que havia aqui. Aliás, ela ficou fascinada em poder triturar tudo na hora, combinando o perfume da canela com grãos de cominho, pimenta-do-reino e bolinhas de coentro que tomaram conta da cozinha.
Agora, uma coisa que a deixou frustrada foi a qualidade da sêmola de cuscuz. Ela diz que não gosta de usar sêmola pré-cozida (destas que encontramos aqui a preços absurdos chamados "cuscuz marroquino"). Prefere hidratar os grãos, cozinhar no vapor, tirar, pulverizar água fria, esfregar nas mãos, cozinhar de novo, pulverizar água, esfregar, cozinhar... , o método clássico de se fazer cuscuz, até as bolinhas ficarem bem hidratadas e macias. Ainda assim, fez o que pode para não ir contra seus princípios. Demorou minutos concentrada soltando os grãos com a ponta do garfo, como um italiano tentando concertar um miojo pra virar espaguete al dente.
Para todos nós, no entanto, estava tudo ótimo e nos divertimos à mesa. Mas de vez em quando pegava Yasmin cabisbaixa, analisando aqueles grãos, como se desculpando por não estar perfeito. A amiga Carol chegou, eu me lembrei a tempo do molho harissa para acalorar o prato e Marcos ofereceu cachaça Coluninha para espantar o frio das meninas pegas de surpresa depois de voltarem de Mangue Seco. Na Argélia, de maioria islâmica, o cuscuz é acompanhado de água ou limonada. Mas na família de Yasmin, não religiosa, vale o vinho tinto. E a noite terminou alegre com laranja e canela.