quinta-feira, 31 de outubro de 2013

Plantas e Abelhas não convencionais


Panc com anc
Já que o assunto de capa do Paladar de hoje é abelhas, especialmente as sem ferrão, aproveito  para falar do bate-papo promovido pelo Sesc Campinas na semana passada dentro do evento "Bate-papo: saberes populares e práticas sustentáveis - Meliponicultura e Pancs.  Afinal, uma coisa depende da outra. A conversa foi entre mim, que falei das pancs - plantas alimentícias não convencionais, especialmente as ervas espontâneas, e o biólogo e meliponicultor Wesley Gama, cujo conhecimento sobre o assunto extrapola o que se aprende nos bancos da universidade, afinal começou a lidar com isto desde menino com o pai.  

Foi a primeira vez que pude sentir diferenças grandes entre os méis que ele levou para provarmos. E, segundo ele, há diferenças também dentro da própria colmeia - diferentes potinhos podem guardar méis de floradas diferentes. Vimos através de um plástico transparente as abelhas se movimentando em suas colmeias, aprendemos as diferenças entre elas, os tipos de caixa mais apropriados, modos de fazer armadilhas para capturar abelhas enxameadas etc. 

Mas o que quero mesmo deixar aqui é o contato do Wesley. Ele é uma pessoa generosa (mocinho de tudo) e experto no assunto, que vale a pena conhecer. E o melhor: vende caixas já com enxames de vários tipos de abelhas nativas sem ferrão, na região de Campinas.  Eu quero todas. 

Aqui o contato do  Weslley Gama para quem quiser comprar caixinhas da jataí, tujuba, mirim etc: 
weslley@imobiliariaindepencia.com / weslley.snipes@ig.com.br



Dia D, de Drummond

Exemplo de flor feia. Buva: Conysa bonariensis, aquela que ganhou a batalha
pela vida contra o glifosato.  E Come-se! 
Hoje é dia dele. E aqui um poema de que gosto. 

A flor e a náusea (do livro A Rosa do Povo, Carlos Drummond de Andrade)
"[...]
Uma flor nasceu na rua!
Passem de longe, bondes, ônibus, rio de aço do tráfego.
Uma flor ainda desbotada
ilude a polícia, rompe o asfalto.
Façam completo silêncio,
paralisem os negócios,
garanto que uma flor nasceu.

Sua cor não se percebe.
Suas pétalas não se abrem.
Seu nome não está nos livros.
É feia. Mas é realmente uma flor.

Sento-me no chão da capital do país às cinco horas da tarde
e lentamente passo a mão nessa forma insegura.
Do lado das montanhas, nuvens maciças avolumam-se.
Pequenos pontos brancos movem-se no mar, galinhas em pânico.
É feia. Mas é uma flor. Furou o asfalto, o tédio, o nojo e o ódio "


quarta-feira, 30 de outubro de 2013

Festa Gastronômica Nossa Pitada, em Goiânia: Cúrcuma de Mara Rosa

Gosto de oficinas assim, escolhe um ingrediente e explora, mostra tudo, como é plantado, como é processado, o que se faz com ele. Foi deste jeito a aula sobre cúrcuma de Mara Rosa no festival Nossa Pitada em Goiânia.  As chefs Monick Braga e Gabriela Borges, professoras da PUC-GO, mostraram um vídeo sobre plantio e secagem do açafrão-da-terra na cidade de Mara Rosa, cidade responsável por 90% da produção goiana e que faz até festa para a cúrcuma.  E mostraram receitas. 

É uma cultura fácil, farta e limpa  - não requer uso de adubos e defensivos industriais. Foi introduzida na cidade de Mara Rosa pelos bandeirantes, que a plantaram em fileiras para demarcar a terra onde se encontrava ouro.  Hoje há uma cooperativa (Coperaçafrão) que processa os rizomas e manda para todo o país. Quem puder comprar direto desta cooperativa, não deixe pra depois, pois Goiás exibe a melhor cúrcuma que já provei, talvez por causa da pureza do produto, a maioria vem de Mara Rosa. 

Antes de produzir o pó, a cúrcuma é lavada, cozida e desidratada em fornos - tanto o rizoma principal como os dedinhos que ficam em volta dele. Com o calor, a coloração fica mais forte. A cúrcuma fatiada, seca ao sol e socada em pilão, tem coloração mais fraca. 

Na aula, Monick e Gabriela mostraram o uso da cúrcuma não só em pratos salgados como tantos que há em Goiás  - não dá pra fazer uma galinhada sem cúrcuma, por exemplo. Mas também em sobremesas. Mil folhas em texturas cúrcumas, bolo amanteigado, brigadeiro branco, crocante de massa de harumaki, compota de peras... tudo com cúrcuma. 

No fim, ainda ganhamos potinhos de cúrcuma em pó. E os dedinhos secos, quem quis, levou embora. Imagine se minha bolsa não ficou cheia deles. 




Remédio bom para garganta
Estava neste dia quase sem voz por causa da combinação de falar em local barulhento e resfriar o corpo em ar condicionado e o chef Marcus, marido da Monick, me ensinou um remédio de cúrcuma com mel. Fizemos na hora com o mel de florada de jabuticaba que trazia na bolsa e não é que a garganta foi melhorando.  É só fazer uma pastinha com o pó e ir comendo um pouquinho de vez em quando. 


terça-feira, 29 de outubro de 2013

O que é, o que é? Ou: que flor é esta?


No meu jardim quase tudo é comestível e não paro de ganhar sementes, mudas, bulbos, tubérculos. Às vezes guardo para quando tiver tempo de arrumar recipientes adequados, etiqueta, terra etc. Ou então deposito num canto de terra sombreado até o tempo aparecer. Acontece também de recolher vasos com plantas desacordadas por circunstâncias naturais ou negligência e cuidar até a recuperação. Não é raro me esquecer a origem. Quando percebo, a coisa está brotando e acontece de não me lembrar o que é. Foi o caso destas batatinhas. Forcei a memória pra me lembrar de onde vieram, mas que nada. Elas se parecem com ariá, cheguei a provar um pedaço, mas não reconheci. Vi que estavam começando a brotar. Coloquei como prioridade separar os tubérculos e encontrar vaso adequado, mas quando percebi já despontava uma flor branca e lilás. Depois, outra e logo outra mais. Na pressa, agora, enfiei todas batatas juntas num só vaso e não para de sair flor. As flores surgem diretamente do tubérculo à moda dos Crocus, cujas flores que brotam de bulbos são mais simétricas, rosáceas.  Nada de ariá, portanto, que tem folhas grandes.  Bem que podiam ser comestíveis, bem que eu poderia me lembrar como foram parar no meu jardim. Se esqueci o nome de quem me deu, peço desculpas desde já. Caso não seja de comer, ainda assim agradeço pela beleza das flores como candelabros. E, claro, qualquer dica de floristas de plantão será bem vinda. O que é, o que é?

Festa Gastronômica Nossa Pitada, em Goiânia: O maior jabuticabal do universo

Pode parecer exagero, mas de fato visitamos o maior jabuticabal do universo. Pois do Brasil é com certeza e só aqui.  O passeio foi promovido pelos chefs Rafael Correia e William Carvalho, que dariam no festival uma aula só sobre jabuticabas.  A Fazenda e Vinícola Jaboticabal fica em Nova Fátima, perto de Hidrolândia, não muito distante de Goiânia e dispõe de 35 mil pés de jabuticabas. Depois de um estresse hídrico naturalmente sofrido durante a estiagem (de pelo  menos dois meses), o pomar começa a ser irrigado em 18 de julho. Dois meses depois, passa a ser liberado em lotes aos visitantes. Assim que as plantas começam a receber água, começam a florescer desesperadamente cobrindo-se de uma névoa de flores brancas e melíferas.  O  período de colheita e abertura à visitação (e comilança) começa em setembro e segue até novembro (neste ano, até 15 de novembro - portanto, corra lá). 

Plantação a perder de vista 
O proprietário, Paulo Rodrigues, recebia um grupo de estudantes de agronomia no dia e dividiu com nós a atenção. Ou melhor, multiplicou a atenção, pois foi o tempo todo solícito igualmente com os dois grupos. Ele contou que o pai era pedreiro e que na década de 1940 pegava uns bicos de levar para vender,  na jovem Goiânia,  carregamentos de jabuticabas em carros de boi.  Logo comprou seu próprio boi e plantou um pequeno pomar. Começou a plantar mais e mais, pois sabia do potencial da fruta numa capital que nascia com vigor. Muitos zombaram dele enquanto seu negócio só prosperava e inchava como uma jabuticaba tinindo de madura.  Hoje é isto aí, 35 mil pés de frutas. Só nos finais de semana, durante a safra, a fazenda chega a receber 4 mil visitantes que pagam para entrar e podem passar o dia comendo jabuticaba até morrer. 


Nossa hanami
As pessoas armam rede debaixo das árvores prenhes de bolinhas pretas. Quem já advinha que vai desmaiar de tanto comer leva até colchão para estender naquele tapete de frutas. Podem fazer picnic durante a floração e colheita, preparar churrasco. Ou ficar ali só para apreciar o espetáculo. E se há quem goste de tomar suco de canudinho, por que não sugar jabuticabas no canudão? Pois é, Paulo conta que tem gente que leva um cano de pvc, deita-se na rede, ergue o canudo, encaixa num galho coalhado de frutinhas e aí é só fazer um pequeno movimento  para as bolinhas descerem  por gravidade como quem escorrega no tobogã. É muita ousadia. Mas, Paulo, que cuida daquilo desde os 13 anos, acha graça e diz que tudo pode, desde que deixem o local sempre limpo.  Se a pessoa quiser colher pra levar embora também pode. Aí é só pagar à parte o que foi colhido. 

Jabuticaba poema: só tem tamanho
Há por ali todo tipo de jabuticaba: branca, sabará, rajada, poema etc. A maior parte é a pingo-de-mel, de tamanho médio, casca fina, docinha, perfumada, suculenta, polpa grossa de atolar os dentes.  Há uma outra, enorme, de nome "poema". O bom é iniciar na pingo-de-mel, viciar naquela doçura e quando chega na poema você acha que vai ter a qualidade da pingo em dobro. É só dar uma dentada e .... Decepção total. É ácida, cascuda, tânica. Boa pra indústria, mas não pra chupar. Um poema abstrato, duro, sem emoção. 

De tudo o que produz, 75% é destinado ao turista que chega, come e  às vezes leva pra casa. O resto vai para o processamento de fermentados, sucos, licores.  As cascas, ricas em antocianinas, são vendidas para a fabricação de barrinhas de cereais. E, segundo Paulo, a farinha da casca vem sendo estudada como alimento funcional para redução de diabetes, colesterol e tumores.  






O vinho é envelhecido em tonéis de carvalho
Toda a produção é feita sem uso de agrotóxicos e o adubo usado é orgânico. Na  propriedade há ainda um restaurante, mirante para apreciar o mar de jabuticabeiras e lojinha com produtos de jabuticaba, como vinhos, geleias, doce em compota, licores, aguardente, mel etc.  Visitamos ainda a vinícola. Provei de todas as bebidas alcoólicas e a de que mais gostei foi o fermentado tinto suave, que lembra um vinho fortificado como o Porto. Os outros, achei muito ásperos e tânicos demais. O fato é que entre todos os produtos de jabuticaba e as bebidas alcoólicas ou não, fico com as frutas chupadas do pé. 


Embora o bolo de arroz, com fermentação natural, feito pelo Rafael e Willian, coberto com calda de jabuticaba estivesse divino. 

segunda-feira, 28 de outubro de 2013

Festa Gastronômica Nossa Pitada, em Goiania: Assunto mato

Prato da Neka: metade de uma tangerina coberta com bulbo de  funcho em
tirinhas, folhas de erva-doce, cabelinho fresco de milho e flocos de casca
de jabuticaba
Uma coisa legal do festival de gastronomia em Goiânia foi que pelo menos entre nós de São Paulo, Ana Soares, Mara Salles, Neka Mena Barreto e eu, uma ajudou a outra. Tivemos aulas separadas, em dias distintos, então pudemos contar com a ajuda e pitaco das outras. 

Logo no dia da chegada, Neka combinou uma visita a uma horta de orgânicos, na Fazenda Santa Helena, perto de Goiânia. Fui junto porque queria colher, quem sabe, mais caruru, beldroega e o que mais aparecesse crescendo à toa nos canteiros. Neka também queria verduras e alguns improvisos. Pois fomos com Adriana Lira, a proprietária, e nos divertimos. 

Para minha alegria e da Neka também, encontramos muitas verduras não convencionais. Neka é como eu, também adora um matinho e tudo leva à boca. Na saída ainda cismou de enfiar o pé no charco para pegar taboa. - Você vai usar? perguntei. - Eu não, é pra você! respondeu.  Confesso que já tinha muito assunto e o palmito da taboa deixei para uma próxima vez. 





Broto de baru, de milho, frutas secas, cagaita. Pré-preparo da
aula da Neka

É de comer?

Neka catando taboa com o pé na lama
Quem vê depois a aula toda linda, não imagina as aventuras que enfrentamos. A aula da Neka, a inaugural,  foi linda, cheia de verdes, brotos e frutas. Tudo cru. A minha teve pré-preparo um pouco diferente, pois queria mostrar as ervas muito frescas e isto só seria na sexta-feira. Ainda era terça. Já é mato, se for feio quem vai se interessar? 

Nos dois primeiros dias fiquei num hotel menor, com banheiro apertado e simples. Mas era ali que estavam as 21 pancs (plantas alimentícias não convencionais) plantadas em vasinhos de jornal que levei de São Paulo numa operação pra lá de complicada que começou dias antes, com a coleta e identificação e depois com as estufinhas individuais para não murcharen no avião. 

Bem, enquanto todos ficaram no bar Gloria, preferi ir pro hotel dar um jeito logo nas plantas colhidas na Fazenda Santa Helena que já estavam murchas depois de rodar o dia todo de van sob sol quente.  Eu queria dormir cedo. 

O que me esperava era uma caixa de verduras, beldroegas, carurus, tomatinhos do mato, pimentas e outras espécies,  arrancadas se possível com muita terra e raiz. Era só lavar uma a uma, mergulhar as folhas em água para tentar  reidratar, colocar em sacos plásticos com ar para fazer um microclima, fechar hermeticamente e deixar num canto fresco. Parecia fácil, mas as condições sobre a pia escura do banheiro eram precárias. Eu, atrapalhada, mesmo com o maior cuidado, deixei entupir o ralo e a água com barro foi se acumulando.

Conchinha com a palma da mão, retirada do barro com os dedos, nada adiantou. Tive que tirar a água com saco plástico e jogar no vaso, já começando a sujeira, até que consegui esvaziar a cuba. O chão do banheiro começou a ficar enlameado. Achei que tinha resolvido com a retirada de toda a terra, mas qual nada. Tive que usar uma pinça pra desobstruir o ralo e aí foi saindo coisas que não eram minhas - fio dental, grampo, cabelo.... Com o ralo limpo, liguei a torneira, a água começou a fluir devagar e logo se acumulou de novo. Resolvi desenroscar um copinho que fica embaixo da cuba - certamente a terra estaria parada ali. Antes, porém,  tive que esvaziar o lixo para usar o cesto como balde para a água que escorreria. Abri a rosca e splash. O balde era pequeno e a água lameada lavou o chão.  A esta altura,  o pessoal que tinha ficado no Glória certamente já estava dorminho e eu ali com o banheiro inteiro pra limpar, incluindo box, espelho, azulejos, vaso, tudo sujo de lama. Papel higiênico já quase não tinha mais. Cadê rodo?, não tem. Cadê tapete-toalha? não tem. Terminei de limpar as verduras e com o chuveirinho lavei tudo.  Fiz a mão de rodo e minha toalha reserva de pano de chão. Lavei também a caixa de plástico da fazenda e coloquei as verduras lavadas e ensacadas dentro. No fim até gostei de lavar o banheiro com sabonete. Ficou tudo limpo, reluzente, cheiroso, com a toalha lavada estendida pra secar. Tivesse um pedaço de palha de aço teria deixado aquilo quase tão limpo quanto o branco banheiro do Castros, para onde fomos depois, quando já não precisava daquela banheirona que teria se transformado numa piscina de barro.  Pelo menos deixei o hotel com banheiro mais limpo e pia desentupida. 

Sorte que tudo aquilo era só para colocar na mesa, com finalidade pedagógica,  já que a verdura que usaria na aula tinha levado de São Paulo higienizada dentro de uma vasilha.  

Fui dormir de madrugada decidida a acordar bem cedo para a vista ao maior jabuticabal do mundo. Amanhã eu conto. Ah, as verduras estavam lindas no dia da aula.  



Dona Brazi, hoje, na Livraria Cultura

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sexta-feira, 25 de outubro de 2013

Mala cheia de Goiania 2

As coisas começam a se acalmar por aqui e vamos fazer de conta de voltei ontem de Goiânia, onde participei da Festa Gastronômica Nossa Pitada. Só para não sentir que o assunto já esfriou, pois ainda ferve em mim a vontade de ir pra cozinha ou pra terra lidar com tudo o que pesou na mala. E o farei com o que sobrou. 

Quem sabe eu possa flambar com aguardente de jabuticaba a banana-marmelo caramelada no mel de favas de bolotas da Chapada das Mesas. Ou misturar o mel de florada de jabuticaba com o açafrão-da-terra de Mara Rosa para limpar a voz. Ralar o inhame roxo comprado no Mercado Municipal na banca do Seu Agostino, fazer mingau e comer com a farinha de mandioca bijuzada. E enfeitar um bolo de merengue bem branco com as rosas de coco da Dona Doceira. Plantar a baunilha do Cerrado para com suas favas aromatizar um doce de leite bem gordo. Ou comer o doce de leite já pronto embalado em palha de milho do mercado. Plantar o chuchu, triturar a cúrcuma já cozida e seca e usar com fatias finas das chalotinhas para temperar o chuchu verde forte que já brota. E levar também pra terra jacatupé, mangarito e cará moela, todos da banca do seu Agostino, para que cresçam, se multipliquem e encham de comida minhas cumbucas pretas de barro - lá usadas para assar empadões. Ou fazer sorvete com a banana marmelo para comer com compota de jabuticaba. Ou beber a pinga acompanhada do cajuzinho do Cerrado com sal. Ou não. Isto tudo se fosse ontem, pois pelo menos o cajuzinho já comi todo de uma só sentada, que eu não sou de aço pra resistir a tanta tentação.  

quinta-feira, 24 de outubro de 2013

Ora-pro-nobis. Coluna Nhac do Paladar, edição de 24/10/2013

Pronto, estou voltando. Antes, porém, aqui está a coluna de hoje do Caderno Paladar. Lá no blog do Paladar, também.  

Já falei inúmeras vezes no Come-se desta verdura dadivosa, mas não custa reforçar para os que chegam.  E o legal é que a planta é de graça. Você planta numa praça, no seu jardim, na chácara do seu tio, e nunca mais ficará sem alimento. 

Como diz o Jeneci, o melhor da vida é de graça. Mesmo assim, muita gente não quer. Prova disso é que numa das últimas podas que fiz fiquei (como sempre) com dó de jogar fora galhos vingadouros. Fiz várias mudas pra levar pro sítio, mas ainda sobrou pra dar. Então, o que fiz foi limpar os galhos, tirar o máximo possível dos espinhos e deixá-los prontos pra plantar. O problema? Não tinha a quem dar. Decidi, então, deixar na calçada, por onde passam muitas pessoas, junto a um cartaz com o nome e orientações, para que pegassem. Minha surpresa? Ninguém curtiu. Ô gente desconfiada.  Plantei tudo por aí. 



O texto para o caderno Paladar: 

São tantas coisas para dizer sobre a Pereskia aculeata, mas o principal é que suas folhas são gostosas, nutritivas e fartas.  É só a chuva dar sinal e novos rebentos em abundância vêm se juntar ao mar de folhas verdes, como um caviar num berço de espinhos – ou melhor, acúleos, o que na arte de espetação dos dedos dá no mesmo. Estes brotos com espinhos ainda moles são avermelhados, delicados e deliciosos. Outra iguaria produzida pela planta, mais comum em climas quentes, é o fruto, que em inglês é chamado de barbados gooseberry e se presta para o feitio de geleias. Sem falar nas flores atraentes e super melíferas. Tudo isto faz desta planta uma verdadeira fábrica de alimento. 

Para a nossa sorte, este cacto originário da América tropical é um dos mais primitivos, afinal os evoluídos perderam as folhas ou as tem atrofiadas. Se o clima não é tão quente, ele continua com suas folhas o ano todo e elas são do tamanho das de laranjeira ou até maiores. São gordinhas, de um verde escuro brilhante e, como características de sabor, não têm picância, acidez, pungência ou amargor, que costumam ser determinantes para a rejeição de certos alimentos. No caso destas folhas, a única falha de caráter, na opinião de alguns, é a mucilagem como a do quiabo – por isto é chamada também de quiabenta. Mas o que seria seu defeito a torna agradável à mastigação - crocante e úmida quando crua, macia e escorregadia quando cozida. Qualquer criança come e quer mais, não só pelo sabor, mas pela sensação. Aliás, crianças deveriam mesmo comer ora-pro-nobis com angu de fubá, uma combinação tradicional e perfeita,  já que as folhas são ricas em lisina, um aminoácido que falta na proteína do milho e é essencial para o crescimento ósseo.

Em Sabará, Minas Gerais, onde o frango com quiabo é um clássico,  há até uma festa dedicada à verdura, que pode ser apreciada em pratos salgados de toda natureza: omeletes, sopas, recheios, cremes, saladas, massas etc. Agora, basta ter umas folhinhas nas mãos que a gente fica imaginando usos.

Ultimamente a planta tem despertado interesse de pesquisadores de todo o país por suas propriedades nutricionais e terapêuticas comprovadas.  Além de ter mais proteína e ferro que a maioria dos outros vegetais de folhas,  sua mucilagem é rica em arabinogalactana, um biopolímero com fama de lubrificar e proteger a mucosa do estômago.

Só para que saiba, caso tropece nos seus ramos espinhosos por aí, a propagação da planta se dá facilmente por estaquia. É só espetar um pedaço do galho na terra. Se tiver onde plantar, basta cuidar para que não cresça desordenadamente formando uma barreira de espinhos intransponíveis, e terá comida o ano todo. Em certos países, ora-pro-nobis é praga. Sorte que aqui a gente cozinha e nhac.





BOLO DE ABÓBORA COM  ORA-PRO-NOBIS

5 ovos
400 g de abóbora madura crua
200 g de mandioca crua
50 g de manteiga
1 colher (chá) de fermento químico em pó
1 colher (chá) de sal
100 g de queijo meia cura ralado
40 folhas de ora-pro-nobis lavadas e secas

Bata no liquidificador os ovos com a abóbora picada em cubos. Junte aos poucos a mandioca picada. Bata bem até formar um creme homogêneo.  Junte a manteiga, o fermento e o sal e bata para misturar. Passe a massa para uma tigela e junte o queijo (reservando cerca de ¼ para polvilhar). Unte duas formas de bolo inglês, distribua entre eles a massa, alternando com folhas de ora-pro-nobis, formando camadas. A massa deve ficar baixa na forma – por isto o uso de duas formas. Polvilhe com o queijo ralado reservado e leve ao forno para assar em temperatura média por cerca de 30 minutos ou até dourar. Espere esfriar, desenforme e sirva frio ou gelado com salada de brotos de ora-pro-nobis com outras folhas verdes (algumas folhas de ora-pro-nobis podem ser batidas juntos com o vinagrete).

Rende: 20 fatias (cerca de 8 porções)

Nota: se quiser comer as fatias reaquecidas,  polvilhe queijo ralado sobre sobre os lados cortados e doure dos dois lados em frigideira antiaderente.


segunda-feira, 21 de outubro de 2013

Outubro é natal


já é quase natal, os supermercados estão abarrotados de panetone, o hotel castros na cálida goiânia já se vestia de pinheiros invernais, tudo acontece em outubro, como se o ano pulasse do carnaval direto pra outubro, como se o ano estivesse por um fio com o natal forçando a porta. tanta coisa teria pra falar e anunciar aqui no blog, mas cadê o tempo?, alguém sabe onde ele se escondeu? tem a bienal de arquitetura - dei uns pitacos pro pessoal do fruitmap, troquei brotos por sementes, mas sequer fui ao centro cultural são paulo visitar a cozinha. tem a mostra de cinema que fico triste em perder quase toda, teve a criação do convívio do slow food piracaia, tem um tanto interminável de ações do slow food são paulo e muda-sp, teve a festa gastronômica de goiânia com tanta novidade, com o boi curraleiro, a visita a uma fazenda com 35 mil pés de jabuticabas onde me entupi delas, tanta cúrcuma, banana marmelo, ingá de bolinha, muda de baunilha do serrado, tanta aula boa, com mara salles, ana soares, neka mena barreto, e os alegres e competentes chefs goianos, tem a feira de trocas de sementes que acontecerá na próxima sexta em Piracaia e vou estar lá. depois que voltei de uma semana em goiania, teve palestra que dei no dia mundial da alimentação no sesc campinas sobre pancs, teve oficina de vegetais pra cozinheiras de instituições atendidas pelo mesa brasil no sesc itaquera e ontem, sobre temperos, no sesc campinas de novo. e na próxima quarta, também no sesc campinas, vou falar sobre pancs. e teve um pepino amarelo lindo que colhi no sítio, teve o plantio de milho crioulo com sementes que foram do meu avô quando moço, o bolo de caneca de saquinho de milho que não tem milho, o tupinambo que brotou, o jacatupé que comprei pra plantar em um mercado de goiânia, o gatinho que aprendeu a subir e descer do telhado, a pitangueirinha que salvamos em galho seco abandonada na praça e já está toda folhosa, as flores de sabugueiro que esperam cheirosas ser colhidas para um xarope, e tanta flor, tanto fruto, tanta foto para salvar,  tanta abobrinha, tempo pra fazer abobrinhas, tempo para falar de abobrinhas, e abobrinha também objeto direto: falar abobrinhas. outubro tá quase terminando e ainda hei de ter tempo (alguém o tem sobrando pra trocar por idéias inúteis?) de voltar com força e vontade a contar tudo aqui. tenha paciência fiel leitor e leitora, que eu volto, já é quase natal, carnaval, tudo volta ao normal.

terça-feira, 8 de outubro de 2013

Ovo de gansa, ovo de pata, ovo de galinha, ovo de codorna, de tracajá

De gansa, de pata, de galinha e de codorna
Foi coincidência ovular. Primeiro pedi pra Flora, minha sobrinha, para fazer uma salada como aquelas que comemos no Le Relais Gascon, em Montmartre e que são comuns em Paris, com tudo a que se tem direito, folhas, legumes, verduras, ovos cozidos, atum ou outra carne, molho com leve mostarda e muita batata frita com casca, bem rústica.  Eu sonho com esta salada. Os ovos ficaram meio que cozidos demais, culpa minha, mas a salada, deliciosa, pra comer como prato único. 

Logo depois saiu no Paladar a salada niçoise do Spot com ovos cozidos  perfeitamente e fiquei com a salada na cabeça. Por acaso fui em seguida comer no Spot do Shopping JK e pedi a tal salada para conferir se era tão apetitosa quanto a que saiu no jornal (a foto, era noite, saiu horrível e por isto não está aqui). O fato é que a salada ao vivo era muito melhor do que já se anunciava no jornal, com ovos perfeitamente cozidos, gemas macias e bem coloridas (eles usam ovos Yamaguishi) e claras branquinhas. Nada daquele anel esverdeado causado pelo superaquecimento e que ressalta o sabor sulfuroso (na verdade acontece uma reação do ferro com o enxofre, especialmente em meio alcalino - ovos mais velhos tornam-se mais alcalinos).  E, para completar, na mesma semana fui ao Mercado da Lapa e me deparei com um ovão de gansa, com 170 g. Como tinha em casa ovos de codorna, de galinha caipira e de pata (estes dois, vindos de Piracaia), deu pra fazer um festival de ovos e quem se saiu bem foi o Marcos. 

Como cozinhar ovos perfeitos 

Bem, Maria Helena Guimarães, uma das donas do Spot e do Ritz, lugares onde a comida deliciosa é sempre certa e  feita com ingredientes escolhidos a dedo, me contou tudo direitinho como os ovos são cozidos. No Spot, colocam 9 ovos de cada vez, em água já fervente, deixando submersos no fogo, por 9 minutos. Do Ritz, mandou mais detalhes: deixam ferver 3,5 litros de água misturada com 1/3 de xícara de vinagre, cozinham 20 ovos,  que devem estar à temperatura ambiente,  de uma só vez,  por 9 minutos. Os ovos são escorridos e mergulhados em vasilha com água e gelo para dar um choque térmico. Pronto, ovos cozidos perfeitos. 

Para testar outros pontos, cozinhei 3 ovos pequenos por 7 minutos, usando a mesma técnica. Ficaram com as claras perfeitas e as gemas cremosas, ótimas para sanduíches, mas muito macias para saladas. Então, o melhor para saladas é mesmo cozinhar por 9 minutos. 

O ovo

Ele é formado basicamente por quatro partes: gema; albume ou clara; membranas  - tecidos proteicos situados entre o albúmen e a casca, que servem como barreira contra a penetração de bactérias, sendo que a câmara de ar é formada entre estas duas membranas; e a casca. Embora ovos sejam ótimos alimentos proteicos e gostosos, toda a estrutura e composição do ovo tem como função atender às necessidades do embrião.  A clara é formada praticamente de proteína e água, com apenas traços de gordura. Das proteínas de sua composição, 70% é albumina. Outra proteína presente, importante do ponto de vista nutricional, é a avidina, que se combina com a vitamina biotina, tornando-a inaproveitável quando consumimos ovos crus. Porém, se os ovos são cozidos, a avidina é inativada e a biotina fica disponível.  A gema é composta de proteína, lipídios, carboidratos, vitaminas, minerais e água. É nela que se desenvolve o embrião,  caso fecundado. E o bom é que a qualidade da proteína dos ovos é comparável à da carne, com todos os aminoácidos essenciais - aqueles que nosso organismo não consegue sintetizar.  Além disso, é ótima fonte de vitaminas e minerais.


Não importa o ovo que você usa, se de galinha, pata ou gansa, é bom saber que gema e clara cozinham e se solidificam em temperaturas diferentes. Enquanto a clara fica consistente quando atinge aproximadamente 60 C, a gema só solidifica a 70 C, permanecendo ainda mole a 65 C. Graças a esta perfeição da natureza, que parece ter sido forjada para nos servir, é que podemos nos deliciar com ovos fritos ou cozidos com a clara firme e a gema ainda cremosa.

Choque térmico

Cozidos por 7 minutos - bons para sanduíches. Para salada, o ideal é 9 min. 
Por ordem de tamanho: de gansa, de pata, dois de galinha e codorna (o ovo
de galinha de casca azul tem gema mais clara)
A consistência do ovo de gansa 


Poderia ter feito um estudo mais avançado com todos os ovos, mas cadê o tempo?, sumiu. O que fiz foi fritar todos e experimentar. E usar as cascas para plantar feijões - furei antes. Pelo menos descobri que os ovos azuis têm gemas mais claras que os ovos de cor comum. Os dois de galinhas criadas soltas, claro. Ovos de pata e de gansa me parecem mais adocicados. O de gansa tem uma clara que coagula de um jeito diferente, ficando com consistência mais gelatinosa.  E o de codorna, é melhor fazer cozido ou pochê. O de gansa me fez lembrar os ovos de tracajá que comi na Ilha do Marajó - meio gelatinosa e borrachenta, achei. Por mim, tracajás podem viver em paz com seus filhotes, que eu prefiro os de galinha mesmo. Mas os caboclos amazônicos não o dispensam. Comem com farinha e açúcar (arabu) ou só com sal e farinha. 

Algumas fotos apressadas. Estou indo para o Festival Nossa Pitada de Goiânia e volto na semana que vem. Até lá! 

Ovos caipiras, de galinha e de pata,  de Piracaia
Ovos caipiras de todas as cores, em Goiânia 

Ovos de tracajá


Ovos de tracajá com farinha 

Ovos com feijão