Eu sei, estou atrasada. Mas estava viajando, esta é a desculpa para eu não ter publicado no dia em que saiu no caderno Paladar, do Estadão. Toda a edição está no blog do caderno, assim como minha coluna. Veja lá:
Nhac
Qual é o nome do inhame?
Receitas:
Fatias de purê de inhame douradas
Cuscuz de inhame
Já falei muito de cará, inhame e taro por aqui. De qualquer forma, segue a versão completa para quem ainda não leu aqui no Come-se sobre isto nem no Paladar. E as fatias douradas são novidade. Enquanto isto, vou digerindo tudo o que vi e comi em Goiânia para depois despejar tudo aqui pra você, paciente leitor ou leitora.
Ananda fazendo graça com cará brotado |
CARÁ É INHAME
O
tubérculo marrom do gênero Dioscorea
de que falo não é um exemplo de beleza no reino vegetal, mas sua polpa quase
sempre branca é uma reserva de alimento e delicadeza de sabor.
Se
com a mandioca o inhame africano nunca teve leve parentesco, e por isto nenhum
brasileiro confundiria um com outro, como o fez Pero vaz de Caminha, já com o
cará nativo, divide família e gênero, começando uma confusão que só fez
avolumar desde a chegada dos europeus com espécies de todo canto na bagagem. O
consolo é que o mesmo se dá em outros lugares. Nas Canárias, o nome nãme
é dado tanto para uma espécie de Dioscorea
como para o taro, do gênero Colocasia,
que no Brasil também é chamado de inhame ou inhame-japonês. Nos Estados Unidos,
é a batata doce laranja que é conhecida como yam, assim como o inhame, menos
comum.
Depois
de seleções para cultivo comercial tanto do inhame africano quanto do cará que
havia no Brasil, hoje, popularmente, os dois nomes coexistem no Norte e
Nordeste, sendo inhame ou inhame-da-costa aqueles de tamanho avantajado e cará ou
inhame-são-tomé os menores, com polpa mais branca e granulada, comum em São
Paulo e estados vizinhos, onde quem atende pelo nome de inhame costuma ser o
taro. Já o inhame-da-costa pode ser encontrado só em mercados municipais e
casas do norte.
No
mundo acadêmico, no entanto, pesquisadores descobriram que ficaria difícil
falar em diosgenina, a substância esteroidal que deu origem à pílula, em
pectinas, mucilagens e outros temas inhamescos se não resolvessem antes a
questão semântica. Por isto, em 2001, durante o Primeiro Simpósio Nacional
sobre as Culturas do Inhame e do Cará, a nomenclatura foi padronizada. Inhame –japonês
virou taro e todos os inhames e carás, do gênero Dioscorea, viraram inhame.
Se
o consenso já tem mais de dez anos e popularmente nada mudou é porque, como previa
Câmara Cascudo, esta confusão é
irremediável. Fiquemos, então, para
maior clareza, com as fotos e, sempre que possível, usemos o nome popular e o
científico (Dioscorea spp). Leia mais sobre a origem da confusão de nomes e veja as fotos com
legenda dos três envolvidos no blog.
Ainda
que inhames nativos, como os amazonenses roxos com formatos de mão, ou africanos
e asiáticos cultivados hoje no Brasil sejam diferentes na cor, na forma e textura
da polpa, em comum todos têm a viscosidade quando crus e a consistência cremosa
quando cozidos. Ricos em amidos e nutrientes, podem ser consumidos no café da manhã ou nas
merendas, com manteiga ou melado e até como cuscuz (veja no blog). Todos os tipos são bons
para purês, bolinhos ou guarnição para carnes e peixes, com a vantagem de não
modificar o sabor se guardado por alguns dias na geladeira, diferente das
batatas.
A
polpa branca e escorregadia do inhame cru foi muito útil, no passado, para dar
liga a bolos e broas de fubá quando o trigo era raro, já que a farinha de milho
é solta, tem pouca liga. No Vale do Paraíba ainda podemos encontrar broas
assadas na folha de bananeira feitas com fubá e inhame ralado. É também sua
mucilagem, uma glicoproteína, que torna
possível o preparo de deliciosas fritadas com ervas e temperos sem uso de ovos
ou outros espessantes. Basta ralar o vegetal descascado cru, misturar com outros
ingredientes e fritar como tortilha.
Pode grudar queijo ralado na superfície cortada antes de dourar |
Sem queijo, moldado redondo como a pizza da dona Flora Welle. O tempero foi por minha conta - e combina! |
Comida de Sustância
Estes
inhames tropicais podem durar meses antes que brotem e sejam replantados. Mais
resistentes e rústicos no cultivo que as batatas, garantiram o sustento de
muitas famílias imigrantes. Um amigo, filho de holandeses, diz que não gosta nem
olhar para o inhame, tem trauma. Conta que o pai tinha cinco filhos para
alimentar e o cará encontrado aqui foi um ótimo cultivo nos tempos de dureza, pois
era produtivo, substancioso e durava bastante. Era servido no almoço, apenas
cozido com água e sal, e depois no jantar já transformado. As fatias cozidas, que sobravam do almoço, grudavam umas
às outras formando um bloco na panela. No jantar, era só a mãe, Dona Flora Welle, passar uma faca
em volta, desenformar, cortar com arame para fazer fatias e tostar numa chapa de
ágata com óleo, sobre o fogão de lenha. A fatia dourada tinha o tamanho de uma
pizza média ou do fundo da panela, e era cortada em quatro partes. No começo, a
iguaria era disputada a tapa, mas com o passar dos anos, comendo inhame de dia
sim e o outro também, os irmãos foram ficando mais gentis e faziam de tudo para
oferecer sua parte aos demais. A avaliar
pela saúde e tamanho do amigo de quase dois metros, o inhame pode ter causado
fastio em tempos difíceis, mas não deve ter lhe feito nada mal. Esta foi a
inspiração para as fatias de purê douradas com manteiga de alecrim e pimenta.
Pode usar qualquer molde |
Algum queijo ralado - 1 ou 2 colheres (sopa) para cada 500 g, pode ir dentro da massa |
Fatias de purê de
inhame douradas
Receita
de inspiração na história de uma família holandesa
Cozinhe
inhame descascado em água salgada por cerca de 30 minutos ou até que fique bem
mole. Escorra, passe por espremedor de batatas ainda quente e tempere com sal,
se for preciso. Coloque numa vasilha de
plástico e deixe na geladeira até esfriar bem. Desenforme, corte em fatias de
1,5 centímetro e doure dos dois lados em frigideira antiaderente com um pouco
de manteiga ou azeite. Sirva com manteiga derretida com alecrim e pimenta, como
acompanhamento de carnes assadas. Se quiser, tempere o purê com um pouco de
queijo canastra ralado.
Cuscuz de inhame
Na
Bahia, o inhame nativo chamado quissare, enorme e imprevisivelmente torneado, é
ralado depois de cozido e frio (pode usar sobras guardadas na geladeira) e,
junto com farinha de mandioca, açúcar e coco ralado. Qualquer outro inhame pode ser usado. Basta ralar
grosso meio quilo de inhame cozido e frio e misturar delicadamente com meia
xícara de farinha de mandioca bem branca, meia ou a gosto de açúcar, meia de
coco e 1 pitada de sal. Cozinhe na cuscuzeira por cerca de 20 minutos ou até a
massa da superfície ficar unida e sirva com leite de coco.
Inhame-do-norte, o mais claro. E cará, o mais escuro (geralmente bem menor). Mas os dois são do mesmo gênero e podem ser chamados de Inhame |
Inhame-japonês ou havaiano é taro |
INHAME, CARÁ E TARO
A confusão de nomenclatura que paira sobre
o cará e o inhame talvez só perca em popularidade para a inútil questão
universal sobre o tomate ser fruta ou legume.
Pode parecer bobagem, mas não é raro vermos por aí traduções e receitas
com bolas trocadas, em que yam vira inhame simplesmente, sendo que o termo pode
nomear espécies diferentes de acordo com a região.
Já na década de 1960, Câmara Cascudo
tenta clarear a questão em seu História da Alimentação no Brasil, mas acaba por
profetizar que a confusão era
irremediável. Acontece que sempre tivemos variedades de cará nativo.
Todos da família das Dioscoreáceas, todos de planta trepadeira. Quando Pero Vaz de Caminha encontrou por aqui
primeiro a mandioca, tratou de julgá-la pela aparência marrom de interior
branco para logo concluir tratar-se de um tipo de inhame, como o africano, velho conhecido dos europeus
e do mesmo gênero do nosso cará. Inhame tem origem vocabular africana, enquanto
cará é nosso nome indígena para as espécies nativas que incluem variedades de
coloração roxa e esculturas disformes.
Acontece que o taro, nome internacional
da Colocasia esculenta, de origem asiática, também nos chegou com
nome de inhame e assim é conhecido em São Paulo e estados vizinhos. Onde há o
inhame africano, ele é chamado também de inhame japonês.
Atualmente a tendência é chamar
inhames, africanos ou asiáticos,
e carás, todos da família das Dioscoreáceas, de inhame. E o
inhame-japonês, da família das Aráceas, de taro.
Da fritada de inhame, já tratei aqui |
13 comentários:
te amo, Neide Rigo!!
uhnnnnnn
eu quero!!
ficaram lindas... estou com um monte em casa e no sitio, já tinha feito uma tortilla deliciosa, porém estas ideias estão pra lá de lindas.
bjo
Huuuum que delicia!!!
Oi Neide, fiquei com vontade de comer tudo. E desculpa a minha ignorância, mas a primeira vez na vida que ouvi falar de taro foi no seu blog. Até então era inhame para mim, mas também, eu não sou nenhum exemplo de conhecimento nestes assuntos, compro o inhame(taro) na feira livre de vez em quando, sempre compro uma bacia cheia de bolinhas pequenas e cozinho com casca (por preguiça de descascar cru mesmo he he), mas para comer, eu descasco, a casca sai facinho facinho depois de cozida. Já cará (ou inhame?), nossa, vou até comprar para ver como é o gosto. Lembro que eu não comia nem forçada quando criança, mas depois da sua matéria acho que vou rever meus traumas infantis. Aquele cuscuz de inhame parece muito bom! Abs pra você!
Tem sorvete de inhame que tbm é muito bom!
Inhame cozido mais leite condensado, creme de leite e uma fruta da época!
Neide, este cuscuz é um escândalo de bom. Fiz, na verdade com cará roxo que colhi no meu quintal. Não juntei açúcar, só menos de 1 colher de chá de sal. Com leite de coco adoçado, virou doce. Com caril de camarão, bem picante, virou almoço. Obrigada por tudo que você nos ensina.
Neide sensacional, minha mãe foi as lágrimas com a receita de cuscuz da infância dela, ela e as irmãs se alimentavam com ele por dias, já que o pai era escavo liberto e muito velho , adoecido por anos de trabalho nos engenhos só lhe restava mendigar e ensinar as filhas comidas que segundo ele era de origem Nagô ( os que vieram de Fora de África)querida vi esse link no come-se só que quando clico não existe mais http://www.aprovag.org/menus_%20plats_%20banane.pdf
Como vc escreve bem! Ou melhor ainda Ótimo! Dei boas risadas, sou de Pernambuco e lendo lembrei do sotaque de minha terra e tudo ficou mais gostoso,tempo saudoso sai de lá com apenas 6 anos e dessa época até agora meus 30 aninhos só estou lembranças e saudades!
Como vc escreve bem! Ou melhor ainda Ótimo! Dei boas risadas, sou de Pernambuco e lendo lembrei do sotaque de minha terra e tudo ficou mais gostoso,tempo saudoso sai de lá com apenas 6 anos e dessa época até agora meus 30 aninhos só estou lembranças e saudades!
eu fiz o inhame cozido escorri e quando fui come parecia que a minha garganta tava com espinho ,só que esse inhame era aquele grande parecendo que ficou muito tempo na terra será esse motivo de senti espinho ?
comprei esse cará claro, posso bater com leite e tomar durante o dia?
O cará de casca mais escura descrito pode ser utilizado "crú": descascado, ralado e escaldado com sopa de missô bem quente; isso virá um creme grosso e extremamente "viscoso". Pode acompanhar o arroz branco.
Aproveitando o espaço, a folha do nabo pode ser salgada, amassada e esmagada com as mãos, deixe-a descansar um pouco, e depois pode ser servida como salada, se quiser com azeite. É amarguinha.
16.06.2019 Mi
Referente ao preparo do cará no comentário acima de 17.06.2019, deve ser batido com o garfo depois de escaldado com a sopa de missô ou outro caldo bem quente. Acertar o sal ou usar o molho de soja shoyu. O resultado tem consistência viscosa, lembra de longe a da "mussarela" bem derretida (e em nada o gosto). Depois de pronto pode servi-lo com cebolinha picada. É um creme bem estranho e peculiar.
Referente ao nabo, a parte a ser utilizada é toda a folhagem (folhas e caules). Espremer essas partes já salgadas é para drenar parte do líquido amargo delas que pode ser descartado.
Mi
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