segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

Site do Terra Madre Brasil já está no ar



Saiba mais sobre o grande encontro de gastronomia do Slow Food, no Brasil. O site do Terra Madre, que acontece entre 19 e 22 de março, em Brasília, já está no ar: http://terramadre.slowfoodbrasil.com
Se quiser saber o que já falei sobre o Terra Madre aqui no Come-se, procure na caixa de busca aí da direita e não deixe de vasculhar o novo site para saber como funciona o encontro.

Bhut Jolokia - a pimenta mais ardida do mundo

O Fernando, leitor do Come-se, me mandou de Piracicaba estas pimentas do tipo Bhut Jolokia, considerada a mais ardida do mundo. Híbrida da Capsicum frutescens com Capsicum chinense, é originária de Assam, na Índia.
Só recentemente, em 2001, suas sementes chegaram, pelas mãos de um pesquisador, à Universidade do Novo México. Descobriu-se que, dentre as pimentas conhecidas e estudadas, é a mais potente de todas, com unidades Scoville, SHUS, chegando a um milhão - veja valores de outras pimentas aqui, ultrapassando a primeira da lista, até então, a Red Savina, com meros 577.000 SHUS. Parece que o nome original quer dizer "pimenta fantasma". Talvez fosse melhor "pimenta diabo" ou "pimenta inferninho", pois você não faz ideia de como queima.
Bem que o Fernando avisou: tome cuidado. Cortei um pedacinho e meti na boca. Vi o fantasma no meio de foguetes desvairados. Mas logo me dei conta que não poderia usar uma inteira na comida. Tratei de usar só a polpa sem sementes. Uma para meio quilo de carne e ficou bem picante (fiz açém em panela de pressão, com tempero parecido com o deste Rendang - cozinhei tudo junto). No sabor, lembra a dedo-de-moça, mas mal dá pra sentir.
Talvez tenha impacto grande na indústria farmaceutica para a extração de capsaicina, porque pimenta boa para cozinha, para mim, é aquela que tenha potência generosa, que permita você usar uma certa quantidade que confira sabor antes de colocar o prato a perder pela picância pura e simples. Por isto, costumo usar pimentas muito ardidas sem sementes. E, se precisar de picância, corrijo com um molho líquido.
De qualquer forma, sabendo usar, pimentas potentes são úteis na cozinha quando se pode misturá-las com pimentas doces, por exemplo, ou outros temperos. Fiquei feliz com o presente simpático, porque, além de tudo, posso plantar e indiscutivelmente são lindas (o Sedex veio aqui duas vezes sem me encontrar, por isto não chegaram muito bonitas - ainda assim nota-se a elegância).
O amigo do Fernando é quem importou sementes, plantou e está vendendo em pequenas quantidades. Quem quiser experimentar, me escreva deixando seu email que eu encaminho para o Fernando, que encaminha para o amigo.

Minha kitchen Aid chegou. Ou: Há encomendas que só fazem aos muito amigos

Há encomendas que a gente não pede a qualquer um. Só aos muito amigos, daqueles que têm a liberdade para te dar como resposta, sem ofender, algo como "se toca, Neidoca!" ou "tá louca?". Do contrário, se a negativa não puder ser expressa sem constrangimento, é porque o pedido nunca poderá ser feito. Por isto, quando Mônica e Carlos cairam na besteira de me perguntar se queria encomendar alguma coisa dos Estados Unidos, me lembrei imediatamente de uma coisinha que eles pudessem trazer até no bolso, quem sabe.

Lembra que falei da minha batedeira e a vontade de ter uma batedeira kitchen Aid/ kitcheneide? Pois é, já que perguntaram e eu sei que podem dizer não, fiz a encomenda. Se encontrem um exemplar entre 300 e 400 dólares (ante os quase 3 mil reais por aqui), podem trazer. E logo depois, quando não disseram mais nada e falamos por email de outras coisas, achei que a resposta do Carlos ao chegar aqui seria: pô, neidoca, você queria que eu trouxesse aquele trambolho pesado?
Mas, na semana passada Mônica passou aqui e... surpresa! mal conseguia enxergá-la atrás da grande caixa de 300 dólares. Não que fosse um objeto de desejo (posso viver sem ela, é lógico), mas fiquei feliz. E muito mais feliz fiquei com o gesto, afinal só mesmo amigos como irmãos para encarar este encargo.
Sorte que a Júlia, filha do Carlos, que está fazendo faculdade lá, tinha uma mala sobrando e que serviu para acomodar a batedeira praticamente sozinha. O único problema é que a rodinha estava quebrada, razão pela qual o Carlos se lembrou das conterrâneas lavadeiras e carregadeiras de água que apoiam todo peso na cabeça, para olhares estupefados dos gringos.
Quando a Mônica chegou, estava fazendo coxinhas, mas parei tudo e inventei de fazer um bolo na frente dela para estrear o brinquedo. Fiz a primeira receita que me veio à mente. Para entrar no clima, aproveitei para usar dois ingredientes americanos trazidos de NY pelo amigo Pedro Henrique, dried cherries and cranberries, e fiz estes bolos que ficaram com textura de bolo pullman. Ah, a batedeira é poderosa. Aos poucos vou encomendando para outros amigos irmãos os acessórios que se encaixam na máquina.


Bolo com frutas secas
180 g de manteiga sem sal gelada e ralada
2 xícaras de açúcar
4 ovos
3 xícaras de farinha de trigo peneirada com 1 colher (sopa) de fermento químico
1 xícara de leite
Raspinhas de um limão
1 e meia xícara de frutas secas misturadas (usei cranberries, cerejas e passas brancas), passas em farinha de trigo e peneiradas
Na batedeira, bata a manteiga até ficar cremosa. Acrescente o açúcar aos poucos até formar um creme esbranquiçado e aerado. Com a batedeira ligada, junte os ovos, um de cada vez, para formar uma emulsão bem leve e volumosa (se, neste processo, a mistura talhar, adiante um pouco da farinha). Ainda com a batedeira ligada, vá colocando alternadamente a farinha e o leite. Por fim, com a batedeira desligada, acrescente a raspa de limão e as frutas. Misture com uma espátula com delicadeza. Coloque em forma untada e polvilhada (usei duas de pão de forma) e leve para assar no forno pré-aquecido a 200 °C, por cerca de 1 hora ou até ficar dourado e, ao se introduzir um palito no centro do bolo, ele saia limpo.
Deu batedeira na cabeça. Mônica e Carlos, congelando na neve, em lanche merecido depois da comprinha, em Newark. Quem tem amigos assim pode se considerar muito feliz.
Pra rir um pouco: fotos com 20 anos de diferença
O Carlos, de quem Marcos e eu somos amigos desde o cursinho, viu a Ananda crescer. Era louro, sempre meio louco, pé-de-boi e alegre; hoje é conceituado pesquisador do Instituto Agronômico de Campinas e ainda meio louco, animadão, pé-de-boi, embora nunca mais louro. É casado agora, e já não é de hoje, com minha super amiga Mônica Manir, jornalista do Aliás/ Estadão, que eu conheço há anos, desde que fazia trabalhos para a revista Claudia Cozinha. Convidei os dois separadamente pra irmos a Gonçalves-MG sob a promessa de que iria junto uma pessoa interessante - quem sabe, os dois recém-separados... E não é que deu certo? Os dois se conheceram no nosso carro, gostam de dançar, ler, andar de bike, tirar fotos e tomar sorvete de menta (que eu odeio). Ambos se chamam de dear e o Carlos sempre me chamou de Neidoca.
"Olá, Neidoca, fico feliz por você ter gostado. A gente ficou em dúvida em relação aos modelos e voltagem. Mas como essa era 110 e era mais em conta (além de ser um pouco menor que as demais!!!), foi a escolhida. E não deu trabalho nenhum. Afinal, pé-de-boi não liga para essas coisas, não é mesmo? Além do que, a batedeira vai ter uma história do seu nascimento para contar para as gerações seguintes, pois eu espero que a sua querida filha nos dê mais essa alegria...Quanto às fotos, te mando apenas algumas para não dar pau na rede. beijão, Carlos"
O outro da foto é o super amigo Claudio Luiz dos Santos, que também fez agronomia na Esalq-USP (na foto, estamos em frente à república onde ele morava) e hoje é advogado em João Pessoa. De vez em quando nos encontramos, como desta vez, na foto (há uns cinco anos) em que tentamos reproduzir a cena. Acho que todos mudamos para melhor, principalmente a Ananda (e repare na barba do dr. Marcos).
Nota: o texto sobre amizade, do Antônio Prata, hoje, vem muito a calhar. Veja o excelente e divertido, embora um pouco triste e trágico, post "Déficit Público".

Uma boa banha


Para fazer aquelas coxinhas do post anterior, precisei antes conseguir um pouco de banha de porco, que a minha havia acabado. Em compensação, mantenho no freezer sempre alguns cubos de toucinho. Isto porque quando compro pernil, peço para o açougueiro limpar a peça deixando só uma camada fina de gordura - não precisa mais que isso para assar. Trago separado o couro e a camada grossa gordura já picada em cubos. O couro, uso para dar mais untuosidade ao caldo do feijão, já que é rico em colágeno. E a gordura, guardo de um jeito que possa pegar um cubo congelado quando quiser (que a gente sabe, não fica duro) e picar ainda congelado para substituir o óleo ou parte dele na hora de dourar o alho. Como meu estoque estava baixo mesmo, resolvi derreter tudo e guardar a banha.
Sei que muita gente morre de medo só de ouvir o termo banha. Mas saiba que ela não é tão má assim. Que é rica em ácidos graxos essenciais, principalmente o monoinsaturado oléico, assim como o azeite de oliva. E que se você conhece a palavra moderação, não exagera nos queijos, embutidos e carnes, frituras, sorvetes, biscoitos, bolos, alimentos prontos e comida de restaurante, e ainda come bastante legumes, frutas e verduras, tem direito sim a uma cota de gordura animal. E com isto quero dizer que se usar 1 colher (sopa) rasa de banha para fazer o arroz ou feijão para uma família de 4 pessoas, está perfeito. E o sabor é incomparável. A própria banha sozinha, cremosa e perfumada, com um pouquinho de sal, dá pra comer no lugar da manteiga. Já foi muito usada assim. Na coxinha, a banha é pouca coisa em relação ao rendimento e o que não é muito bom é a fritura, mas também de vez em quando, a cada morte de papa, mal não faz e o pecado é atenuado com boas práticas de alimentação no dia-a-dia. E é bom ainda lembrar como é obtido os óleos vegetais que consumimos no dia-a-dia, através da extração que envolve não só prensagem, mas também solventes, mais especificamente hexano, que podem deixar seu rastro. De resto, todas as gorduras têm fornecem o mesmo valor calórico - 9 Calorias por grama.






Picar, cozinhar, fritar, espremer, coar e guardar
Como fiz: para mostrar o rendimento, pesei o que tinha, 250 gramas. Dividi os cubos grandes em pedaços menores, coloquei numa panela em fogo baixo e cobri com água para que a gordura fosse derretendo sem queimar. Deixei toda a água evaporar e os pedaços de gordura começarem a dourar. Não pode deixar queimar para não alterar a cor branca característica da banha. Espremi num espremedor de batatas para extrair o máximo possível de gordura. Passei esta gordura por peneira cônica de metal (chinois) sobre um vidro.
Se ainda não tem certeza de que toda a água foi evaporada (se o torresmo dourou, é porque evaporou - a dica serve mais para caldos ou se não dourou os torresmos) complete o vidro com água, tampe bem, certifique-se que não vai vazar e guarde na geladeira até a gordura solidificar. Não se preocupe com a quantidade de água, já que água e óleo não se misturam, todo mundo sabe. Por diferença de densidade, a gordura sobe, mas como o vidro está de cabeça para baixo, ela vai ficar no fundo do vidro. Aí é só desvirar o vidro e despejar fora toda a água que está por cima. Se sobrarem gotículas, seque com gaze ou papel toalha.

250 gramas de toucinho renderam 130 g de banha
Para aromatizar:
se quiser, junte ao toucinho cru alguns pedaços de cebola ou dentes de alho desde o começo do processo. Retire-os assim que toda a água secou.
O torresmo: no final, sobraram 40 gramas de torresmo cheiroso. Não faça isto: não coloque sal. Porque você não vai resistir, vai querer abrir uma cerveja e devorar aquelas gordurinhas crocantes. Melhor fazer um pão com ele, incrementando com passas e alecrim, por exemplo. Assim, você divide o pecado com todos da sua casa e talvez amigos.

quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010

Coxinhas de Limeira. Com massa de batata e farinha de mandioca

Uma vez fiz um trabalho de padronização das fichas técnicas e cálculo nutricional dos pratos de um bar famoso. Suas coxinhas eram premiadas e, de fato, deliciosas. A receita eu sei, mas é segredo profissional. A alegação do dono do bar para aquela massa cremosa e leve era que levava batatas. Embora a receita fosse secreta, o fato de levar batatas era amplamente divulgado pela mídia. E o dono me mostrou orgulhoso a quantidade enorme de batatas que comprava por semana. Estava curiosa, afinal não é toda hora que se tem o privilégio de estrar frente a frente com os mistérios de uma receita premiada.
E eu lá, de jaleco, redinha na cabeça, termômetro e balancinha atrás do cozinheiro tentando ganhar sua confiança ao mesmo tempo que me intrometia medindo e pesando tudo, falando da importância de se higienizar a salsinha, explicando o que era contaminação cruzada e anotando passo-a-passo o feitio da coxinha. Na massa, muita manteiga, água, farinha e sal. No recheio, frango cozido e desfiado, salsinha, sazon, alho, catupiry e só. E eu esperando o raio da batata. Talvez entrasse na massa depois de fria, pensei.
Em certo momento me desliguei das batatas e acompanhei a montagem, pesei massa e recheio para calcular o rendimento. Aí foi só empanar no leite com ovo, passar na farinha de rosca, fritar, pesar o que foi absorvido de óleo, quanto sobrou de farinha de empanar etc. Mas, péra aí, e onde entra a batata? perguntei. Eram uns quatro na cozinha. Um olhou pro outro e quiá quiá quiá, cairam na risada sem fim. - Não tem batata nenhuma na coxinha, não, moça. - Mas o patrão de vocês disse que tem. E pra quê toda esta batata aí no canto, então? - É pra comida da brigada, ué! Uma vez, uma cozinheira usou batata, mas quando ela saiu, nunca mais. Faz tempo. O patrão deles quase teve um troço quando eu contei.
Aí, fuçando o livro "Histórias e Receitas", de Nadir Alves Galante Cavazin, da Sociedade pró Memória de Limeira, que a amiga Veronika me deu junto com um lote de outros livros, o mesmo que ensina a fazer mandiopã citado no post anterior, me deparei com uma receita de coxinha que realmente leva batatas. E o melhor, farinha de mandioca em vez de trigo. A massa, que não leva gordura alguma, nem caldo de galinha, é feita apenas com os dois ingredientes. De modo que pode servir também para pessoas que têm doença celíaca e não podem comer gluten (proteína presente no trigo, no centeio, na aveia e na cevada).
O livro traz ainda a versão para o surgimento da coxinha, mas deixo isto para historiadores. Não tenho a mínima ideia se esta é a receita original ou não. O que importa é que a danada fica boa, crocante, sequinha, com gosto de batata frita e quase não absorve gordura (veja lá embaixo o papel sequinho). Aqui vai a receita com algumas interferências e detalhamentos que a receita do livro não traz. Mas não mexi na proporção dos ingredientes da massa.



Coxinha de galinha com massa de batatas e farinha de mandioca
Massa
1 kg de batata espremida (cozida com casca, descascada e espremida para dar 1 kg)
Meio quilo de farinha de mandioca artesanal (branquinha, rica em amido, não dessas tipo torradas vendidas em supermercados)
Sal a gosto
Bastante óleo para fritar
Recheio
2 colheres (sopa) de banha de porco
1 dente de alho amassado
1 cebola grande finamente picada
1 colher (chá) de colorau
500 g de carne de frango cozido e desfiado (cozinhei 1 peito de frango grande com osso, com cerca de 700 g em água temperada com sal, sementes de urucum, grãos de coentro, pedaços de salsa, folhas de alfavaca e grãos de pimenta-do-reino; coei, desengordurei e guardei caldo e gordura)
Um pouco do caldo do frango ou água
Sal, pimenta a gosto
1/2 xícara de salsinha picada
Massa: misture numa tigela o purê de batata já frio (as batatas foram espremidas quentes para ficar lisinho o purê) com a farinha de mandioca. Junte o sal e misture. No começo fica meio grudenta, mas, se embalar em plástico de deixar algumas horas na geladeira, fica perfeita, com consistência de massa de modelar. E se começar a grudar, é só umedecer a mão com água. Separe em 40 bolinhas com peso entre 37 e 40 gramas (faça rolinhos com 4 centímetros de diâmetro e corte fatias com cerca de 2,5 centímetros - deve dar mais ou menos o peso de 40 g).
Recheio: aqueça a banha de porco (ou azeite, se preferir) e doure nela o alho. Junte a cebola e deixe murchar. Adicione o colorau e o frango desfiado. Umedeça com um pouco do caldo em que o frango foi cozido, junte sal se precisar e pimenta-do-reino. Quando estiver bem sequinho, desligue o fogo e junte a salsinha.
Montagem e fritura: faça uma concavidade na bolinha de massa e coloque dentro 2 colheres (chá) ou cerca de 15 gramas de recheio. Feche a borda afunilando a ponta. Aqueça bastante óleo (para fritura em imersão) até 180 ºC. Frite de 3 a 4 por vez (se estiver usando 2 xícaras de óleo numa panela média, por exemplo - o que não pode é abaixar muito a temperatura do óleo). Vá virando até que fiquem douradas. Escorra em papel absorvente e sirva. Com uma gotinha de pimenta e uma cerveja bem gelada, por favor. E nhac.
Rende: 40 coxinhas
Sequinha: veja o papel, quase não mancha de gordura

Mandiopã ou pororocas de Limeira



O livro Histórias e Receitas de Limeira, ganhei de minha amiga Veronika
Fazia tempo que não ficava em São Paulo durante um feriadão como este. Foi bom porque deu pra colocar o cinema em dia, almoçar na casa de amigos, visitar Paranapiacaba e, claro, reinar na cozinha. E, tirando ontem, os dias foram de muito sol, oportunidade única para testar a receita de pororoca ou mandiopã que eu já tinha visto neste livro sobre a comida de Limeira, lugar onde foi criado, mas fui instigada pela citação do Roninho no vídeo da Mercearia Paraopeba, que vende o produto solto feito pelas donas.
A receita de mandiopã e o nome pororoca: clique e amplie a foto acima e verá a fórmula original, que segui quase ao pé da letra, e também explicação sobre a história e o nome da iguaria. Aqui, o jeito que fiz:

Mandiopã ou Pororoca
Misturei 2 xícaras de fubá, 4 xícaras de água e 1 colher (chá) de sal e levei ao fogo, mexendo, até virar um mingau grosso. Esperei esfriar, juntei meio quilo de polvilho azedo e amassei bem até ficar com consistência de massa de modelar. Veja abaixo. Dividi a massa em dez e fiz roletes com cerca de 13 centímetros de comprimento. Coloquei bastante água para ferver e cozinhei os rolinhos, de dois em dois, até subirem à superfície (como nhoques). Alguns demoraram até 10 minutos para cozinhar. Deixei escorrer e esfriar bem, coloquei numa peneira forrada com pano, cobri com outro pano fino e deixei um dia inteiro sob o sol. Guardei os rolinhos abertos na geladeira para ressecar ainda mais e no outro dia cortei em fatias milimétricas. É como fatiar um queijo parmesão bem duro. Trabalhinho duro (da próxima vez, se houver, tentarei deixar os rolinhos menos ressecados, para ver se fica mais fácil fatiar). Por isso, tentei cortar usando o processador. É vapt vupt, mas o resultado não é muito delicado e na hora de fritar, pode acontecer de não pipocar direito e ficar meio borrachento. As fatias finas vão novamente ao sol até ficarem bem duras e quebradiças. Aí é só guardar para fritar em óleo quente.
Rendimento: 800 g de fatias secas
Abaixo, algumas considerações:



Em vez de 8 rolinhos, achei melhor e mais prático para cozinhar, fazer 10 menores. Se não cozinhar direito, o miolo fica opaco e não translúcido como deve ficar. E na hora de fritar não fará uma boa pururuca, ou pororoca.






A pior parte da receita é fatiar finamente. Os rolinhos não acabam nunca... Se quiser usar o processador, é muito rápido, mas as fatias saem mais grossas.



Depois de secos ficam quase como pedaços de acrílico.




A temperatura. Até 183 ºC, o óleo ainda não estava no ponto. Quando chegou em 187 ºC é que as fatias começam a pororocar. É melhor fritar com cestinha para não perder tempo na hora de tirar e não correr riscos de queimar. Mergulha-se a cestinha com cerca de 50 g do produto seco e retira rapidamente assim que pororocar tudo. Não economize no óleo para evitar que ele resfrie quando jogar ali as pororocas. As fatias têm que ficar mergulhadas, se não as pororocas ficam mais encharcadas. Não deixe o óleo aquecer até o ponto de soltar fumaça. Se não tem termômetro, teste com uma fatia de mandiopã. E também não deixe as pororocas ficarem douradas.



Absorção de gordura: pesei 50 g antes e a mesma porção, depois de frita e passada em papel toalha. Como se vê na foto, temos 10 g de absorção de óleo. Como a porção deu para dois, cada um comeu 5 g de óleo (a quem possa interessar, 45 calorias, o que não chega a ser um grande pecado, concorda?).



O sabor
: eu poderia ter acrescentado sabor à massa (quando criança, adorava o de camarão - que deve ser colocado em pasta no angu inicial), mas como era um teste, preferi não arriscar e fiz na hora de servir uma massala com grãos de coentro, cominho, cravo, assafétida, cúrcuma, grãos de mostarda, sal e pimenta vermelha em flocos. Moí tudo junto, na hora (menos o sal que enferruja meu moedor).


Joguei o tempero por cima e nhac!

sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010

Favas ganhadas. Feijão-fava roxinho, de Pernambuco, com especiarias e tamarindo


À esquerda, o feijão-fava. À direita, mais avermelhado, o feijão comum. Amplie a foto e perceba que o feijão-fava em uns riscos em raios, em direção à lateral branca. Já o feijão (na ampliação vai ver que estava congelado), tem coloração uniforme.


À esquerda, o feijão-fava hidratado e à direita, o feijão comum

Aqui, já cozidos. Feijão-fava à esquerda. O feijão, à direita, usei aqui.
Mesmo sem saber que sairia uma matéria sobre estes feijões-favas no Paladar, Eliana, que trabalha comigo, encomendou de uma amiga, que foi de férias pra Pernambuco, um pouquinho destas favas roxinhas e pequenas que chegaram há uns 15 dias
Embora eu já tivesse comprado do feijão-fava roxinho no Mercado da Lapa, não me lembrava que este tipo fosse tão parecido com um feijão comum, um Phaseolus vulgaris. Acontece que eu havia acabado de trazer um feijão roxinho de Carlópolis-PR . Então coloquei os dois de molho e as diferenças começaram a aparecer. O feijão-fava ganhou formato de rim como é clássico na espécie e perdeu parte da cor, deixando os raios mais à mostra. Já o feijão comum manteve o formato mais cilíndrico. Deveria ter dado uma fervura prévia no feijão-fava, já que pode conter glicosídeos cianogênicos como todos da espécie, mas esqueci e ainda assim não ficou nem um pouco amargo, o que é bom sinal.
Cozinhei os dois sem presssão, depois de um demolho de 6 horas. Demoraram mais ou menos 1 hora. Fui colocando água quente aos poucos para que não sobrasse líquido algum. Agora, que eu já tinha dois tipos de feijão cozido e comprovado a diferença, usei um para fazer com arroz e, com o feijão-fava, fiz um refogado à moda indiana com um fundinho agridoce, mas usando apenas os denominadores comuns, ou seja, os temperos que se usam lá e cá. Lá vai:

Feijão-fava roxinho com especiarias e tamarindo
2 colheres (sopa) de azeite
3 dentes de alho
1/2 cebola picada
1 colher (chá) de sal
1 colher (chá) de grãos de coentro triturado na hora
1 colher (chá) de cominho triturado na hora
2 colheres (chá) de curcuma em pó
1 pedaço de pimentão verde (50 g)
1 tomate sem pele picado
1 pimenta dedo-de-moça vermelha, picada
1,5 xic. de feijão-fava cozido
2 xícaras de água quente
1/4 de xícara de suco ou água de tamarindo
4 colheres (sopa) de salsinha picada
Numa panela, aqueça o azeite e doure aí o alho. Junte a cebola e deixe murchar. Adicione o sal, o coentro, o cominho e a cúrcuma e refogue, mexendo, por 1 minuto. Adicione o pimentão, o tomate, a pimenta, o feijão e a água quente. Deixe ferver por cerca de 20 minutos, em fogo baixo, até estar tudo macio e as favas, com tempero bem incorporado. Se precisar, junte um pouco mais de água quente. Junte o tamarindo e misture. Prove o tempero e corrija, se necessário. Desligue o fogo, junte a salsinha e sirva com arroz.
Rende: de 4 a 6 porções
E nhac!
Logo depois chegou uma caixinha de Sedex com tipos diferentes, lisos e rajados. Foi presente de um leitor de Poá, Edison Aparecido Elvira, que trabalha como técnico agrícola e já tinha percebido que eu gostava destes feijões. Obrigada, Edison!

quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010

Mercearia dos Sonhos

Cheguei agora do ortopedista meio borocoxô, com joelho imobilizado, a perna durona, na iminência de uma possível cirurgia. Mas a borocoxice terminou na hora em que vi este comentário:

Oi Neide, Meu nome é Rusty Marcellini e leio seu blog regularmente. No ano passado, participei do Laboratorio Paladar falando sobre queijos, mas não tivemos a oportunidade de nos conhecer pessoalmente. Percebi que as mercearias de bairro também lhe atraem. No ano passado, descobri um armazem em Itabirito que é sensacional. Até fiz um video sobre sua história. Para assisti-lo, clique no link a seguir (http://rustymarcellini.blogspot.com/2009/07/um-armazem-das-antigas.html) ou entre no meu blog (Blog do Rusty).Um abração,Rusty.

Não conhecia o Rusty, nem seu blog, nem este vídeo sensacional. Quero ir já pra Itabirito, ficar de perna dura pro ar só pra mó de apreciar o movimento da mercearia Paraopeba. Não deixem de ver o vídeo, uma delícia.

Feijões-favas em contas de colar


Hoje tem uma matéria bem legal sobre feijões-favas no caderno Paladar, do Estadão. A Lucineia viu aqui que meu pai havia plantado e feito um colar com as pepitas para as quatro filhas e me pediu para repetir a experiência. Fiz de um jeito mais elaborado, usando meus apetrechos para bijuterias. O Marcos furou com uma broca pequena parte delas. Outra parte furei com agulha quente segurada com um alicate (é só aquecer no fogo até ficar vermelha e furar no meio das favas pressionando com força). À minha coleção de favas, juntaram-se algumas outras do Rodrigo, do Mocotó, que ajudou a formar um colar de duas voltas.
Como sobraram favas de vários tipos sobre a mesa, depois de ter conversado com a jornalista, fiquei com preguiça de ajeitá-las de volta nos seus compartimentos e resolvi botar tudo na panela. Mas tinha o problema da diferença de tipos e idades. E teriam tempos diferentes na panela. Mesmo assim, para minimizar as diferenças, deixei hidratando por cerca de 8 horas para que nenhuma ficasse mais seca que a outra. Cozinhei tudo e fiz uma sopa com tudo o que tinha aqui. Lá vai a receita:
Sopa de favas mistas
1 xícara de feijões-favas variados
1 litro de água
1 pedaço de 50 g de bacon cortado em cubinhos
3 folhas de louro
1 colher (chá) de sal
1 cenoura média picada
2 batatas picadas2 mandioquinhas picadas
2 colheres (sopa) de azeite
2 dentes de alho picados
Meia cebola picada
2 colheres (chá) de colorau (urucum)
2 pimentas dedo-de-moça sem sementes picadas
1 tomate sem pele picado
5 folhas de alfavaca
4 colheres (sopa) de salsa e cebolinha picadas
Deixe os feijões de molho em água fria por cerca de 8 horas ou até que todos os grãos estejam bem hidratados, sem rugas. Escorra, afervente em água, escorra e cozinhe com um litro de água com o bacon, o louro e o sal na panela de pressão, por cerca de 20 minutos em fogo baixo. Espere acabar a pressão, abra a panela e confira o ponto de cozimento. Os grãos devem estar macios. Junte a cenoura e, depois de 10 minutos, a batata. Enquanto isso, aqueça o azeite numa frigideira e doure nele o alho. Em seguida, junte a cebola e espere murchar. Junte o colorau, a pimenta, o tomate e as folhas de alfavaca picadas. Misture bem e despeje na panela dos feijões. Junte mais água quente aos poucos, até conseguir consistência de sopa. Adicione a mandioquinha, prove o sal e corrija, se necessário. Deixe cozinhar até a mandioquinha ficar macia. Desligue, tempere com salsa e nhac.
Rende: 4 a 6 porções

quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010

Ceviches no Killa


Janice Kiss, da Revista Globo Rural entre mim e Nina Horta, tomando chicha morada no Killa
A coisa mais difícil do mundo nesta cidade grande é conseguir reunir três pessoas de pontos diferentes para comer num lugar cobiçado. Ou porque o tempo de uma não coincide com o da outra ou porque o lugar está lotado ou porque o trânsito inferniza, porque vai chover ou porque uma delas está com joelho machucado... E assim se vão empurrando os encontros. Até que na semana passada conseguimos, Janice, Nina e eu - mesmo manquitola, ir ao Killa, que quer dizer lua em quíchua.
Era uma quinta-feira (o restaurante só abre para almoço na quinta e na sexta), o trânsito estava livre, o temporal ainda não se anunciava, nosso tempo não estava apertado e a casa estava tranquila com serviço sem afobação. Fomos ficando até a casa ficar vazia e podermos conversar com o sócio Georges e o chef Dylan - que me prometeu a receita de ceviche de atum para o Come-se (e cumpriu - a receita está lá embaixo). A casa é pequena, fica numa esquina agradável na Pompeia, com banca de revista de um lado, farmácia em frente, prédios e casinhas, do jeito que uma cidade deveria ser - com zonas urbanas de uso misto. E assim, é gostoso passar um tempo ali comendo enquanto aprecia o movimento.

A proposta é oferecer pratos da cozinha novandina - comida típica peruana feita com os tradicionais ingredientes andinos e alguma influência nipônica aqui, outra francesa ali. Tudo feito com capricho pelo chef Dylan Koishi, que passou algum tempo no Peru antes de chegar ao Killa. Eu já fico empolgada só de ver estes ingredientes preciosos como milhos coloridos e outros cereais. Se a casa estiver tranquila, é só pedir para ver os grãos todos embalados em versão souvenir pra turista. Dá apenas uma ideia do número de ingredientes disponíveis neste tipo de cozinha.
Cada uma de nós pediu um ceviche diferente. E ainda comemos pipoquinhas que não viram do avesso (adoro estes piruás mastigáveis e praticamente comi sozinha), rodelas de batata doce e milho branco fresco e cozido. Deve ser acompanhamento de um dos ceviches, mas comemos juntas. E ainda ganhamos uma taça de chicha morada, refresco feito com milho roxo e temperado com frutas, cravo, canela. Um pouco mais doce do que eu escolheria, mas estava bem gostoso.
O ceviche é bem servido e bastou como prato único. Só completei com uma torta de chocolate porque queria experimentar. Com água e cafezinho, cada uma pagou por volta de R$ 40,00 (a chicha foi cortesia). Mas sou mesmo dos salgados e com certeza voltarei pelos ceviches. Cada um com um sabor diferente do outro, mas todos bem temperados, ácidos na medida certa e refrescantes.


Uma mostra de alguns ingredientes do Peru - grãos e Cereais Killa





Todos estes, em sachês, só pra ver

Milhos e papas - pra ver, sentir, pegar
Última foto com milho de dois tipos: seco, estourado como pipoca (sem, no entanto, virar do avesso) e fresco, cozido, pra comer com ceviche. O milho foi comprado fresco, cozido, debulhado e congelado - já que não é fácil conseguir fresco a toda hora, conforme contou Dylan
Nina queria tomar chicha antes da foto. Espera só um pouquinho!

Os ceviches de salmão, de camarão e de atum com manga
Ceviche de atum com manga - receita do Dylan Koishi, do restaurante Killa
Ingredientes
500 g de atum cortado em cubos
1 cebola roxa média cortada em juliene e lavada em água corrente
Meia manga (eu uso Haden) em cubos
4 colheres (sopa) de cebolinha picada bem fininho
2 tentáculos de polvo cozido e cortado em rodelas
1 pimenta dedo-de-moça sem sementes picada
1 colher (chá) de óleo de gergelim
4 colheres (sopa) de molho teriyaki (receita abaixo)
400 ml de leche de tigre (receita abaixo)
Sal
Misture tudo com cuidado e sirva em pratos fundos com o caldo (leche de tigre).
Receita do molho teriyaki
150 ml de sake
150 ml de sake mirim
200 ml de shoyu de boa qualidade
80 gramas de açúcar
50 ml de whikey (opcional)
Ferva os sakes e flambe. Quando acabar o fogo, junte o shoyu, o açúcar e o whiskey. Deixe ferver e reduzir até o líquido conseguir cobrir as costas de uma colher e não escorrer tão facilmente.
Leche de tigre
200 ml de caldo de peixe bem suave (branquear as espinhas antes de fazer o caldo)
200 ml de suco de limão (pode ser um pouco mais ou um pouco menos, depende da acidez do limão e do gosto pessoal)
Meia cebola roxa
1 pimenta dedo de moça sem veias nem semente
1 cm de gengibre
Meio dente de alho
Bata tudo no liquidificador e coe.
Dica do Chef Dylan
O leche de tigre é muito pessoal, acho que cada pessoa pode ir testando as quantidades que mais agradam, inclusive tirando ou acrescentando outros. Como eu disse é um pouco trabalhoso de se fazer em casa, mas nada impede de usar só suco de limão em vez de leite de tigre, ou de comprar um molho teriyaki já pronto na Liberdade. Acho que o mais importante é a idéia de ser um ceviche agridoce, com um toque mais oriental. Como acompanhamento, pode-se servir umas batatas doces, milho verde, cancha, pipoca, mandioca cozida, mandioquinha...
Restaurante Killa - www.killa.com.br
Rua Tucuna, 689
São Paulo SP 05021 010
Telefone: (11) 3872 1625