quarta-feira, 21 de setembro de 2011

Por um feijão maravilha seguro

Tinha ficado chocada com o artigo do Xico Graziano no último dia 06, no Estadão,  anunciando e louvando a aprovação do feijão transgênico, mas a ignorância às vezes nos condena ao silêncio e, involuntariamente, ao consentimento.  Por sorte podemos contar com especialistas que nos emprestam os argumentos seguros que nos faltam para contestar com razão.  Veja a resposta dos professores abaixo assinados publicada no Jornal da Ciência, da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência.  Copio na íntegra. É bom divulgar.

JC e-mail 4347, de 20 de Setembro de 2011

Por um feijão maravilha seguro

Artigo enviado ao JCEmail pelos autores, em resposta ao artigo "Feijão maravilha", de Xico Graziano, publicado no jornal O Estado de São Paulo de 6 de setembro.

Segurança é uma noção relacionada com confiança, continuidade, e em matéria da vida todos nós queremos marcar um golaço para termos mais segurança e vivermos em um ambiente sadio. O que queremos realmente é o desenvolvimento do país, com sustentabilidade, e o bem estar da população. O que desejamos é a proteção em relação aos riscos. Daí a noção de biossegurança e a importância do aprofundamento das avaliações dos riscos. Foi aprovado na Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio) o processo de liberação comercial do feijão transgênico. Uma vez que biossegurança interessa todos, vale a pena então discutirmos a questão de um feijão maravilha seguro!



Respondemos inicialmente a um artigo do Sr. Xico Graziano publicado no Jornal o Estado de São Paulo aos 06.09.2011 intitulado por um feijão maravilha, no qual ele apresentou um discurso estranhamente triunfalista e afirmou que o "transgênico verde amarelo maravilha da biotecnologia nacional" representava um "golaço da moderna agronomia". Em primeiro lugar não se trata de trabalho da agronomia, não é verde e amarelo, e dificilmente poderá vir a ser um golaço. Vários feijões transgênicos já foram desenvolvidos, testados e descartados. Dada à escassez de informações que o cerca, com muita sorte, pode vir a ser um escanteio.


Em segundo lugar os elogios rasgados se apoiam em forte demonstração de desconhecimento dos procedimentos realizados nesta obra. O autor revela supor que, porque "demoraram toda uma década", os cientistas da Embrapa comprometidos com este projeto teriam trabalhado demais, ou mais rápido do que o resto do mundo (...) e, mais, supondo que a "biobalística, técnica de bombardeamento celular em laboratório" oferece alguma segurança e precisão científica e que o acaso não interferiu neste resultado onde "os cientistas conseguiram introduzir parte de material genético do vírus diretamente no genoma nuclear do feijoeiro"; o autor deixa claro que não entende do assunto. Talvez por isso não lhe ocorram dúvidas a respeito do que mais possa ter ocorrido com o genoma do feijoeiro e nem sequer questionou os experimentos que foram realizados em campo, aliás, foram realizados em 2008-2009.


Ao imaginar que há seriedade em frases como "o mosaico dourado trombou com a ciência", a "transgenia foi copiada da natureza", e que "a ciência superou o medo", o autor literalmente equivoca-se profundamente, não sabe quais são as regras do jogo e nem mesmo a diferença entre futebol de areia e em um gramado, mas isso se estivéssemos diante de jogo de futebol. Entretanto, a questão merece um tratamento adequado e não se trata de levantar uma bandeira de um time de futebol, de ser contra ou a favor.


Trata-se de pensar no futuro do País, no futuro de sua população, em sua saúde e bem-estar. Somos todos brasileiros, somos todos seres humanos e estamos no mesmo barco. O feijão é o segundo alimento da lista de consumo dos brasileiros, com um consumo diário médio de 182,9 gramas de acordo com pesquisa do IBGE (2011).


O que nós temos então nesse caso? Literalmente, a ciência se utilizou de mecanismos de uma bactéria, para incorporar transgenes que não se prestam a relações simbióticas - e nisso ainda estaríamos diante de mecanismos menos imprecisos do tiro no escuro da biobalística, método aleatório e sem precedentes na natureza-, e a ciência trombou, sim, não com o vírus transmitido pela mosca branca, mas com os interesses de curto prazo estabelecidos em instâncias decisórias, a ponto de permitir que a transgenia ameace definitivamente a natureza, e que esta pseudociência gere novos e fundados temores, apesar do ufanismo e miopia de muitos. Aliás, dos 22 eventos do feijão gerados para resistência ao mosaico, apenas dois destes funcionaram e não se sabe o porquê - isso relata a própria Embrapa!


Sim, há muita desinformação e por vezes mentiras no ar. Escutamos e lemos repetições de afirmativas sem fundamento, como as do autor a quem respondemos, ou ainda outras que alegam que uma panela de pressão pode dar conta de inativar todos os produtos no caso de feijão GM (Jornal Nacional 06.09.2011). E, a rigor, a população acaba por não saber o que mais mudou no feijão GM, não há informações sobre a contaminação e os riscos humanos e à saúde, enfim não sabemos sobre os perigos dessa tecnologia.


Mas, sabemos com certeza que graças à pressa desenfreada e a uma política do "jeitinho brasileiro" que não considera o fato que estamos lidando com alta tecnologia, "vem aí o feijão maravilha, obra prima da pesquisa nacional", e que se calem os cientistas que pensam o contrário, e torçamos todos para que o acaso ajude os que pensam ter tudo sob controle, pois só assim o pior será evitado. Ou no máximo estabeleceremos como para os veículos uma política de recall... a questão é... como fazer esse recall quando o que está em jogo é a saúde da população brasileira, o meio ambiente e relações que muitas vezes não são visíveis a olho nu.


Em que pese tudo isso, o autor estava certo quando afirmava que "resta[va] aguardar a liberação do plantio comercial do feijão transgênico, decisão a ser tomada nos próximos dias pela CTNBio" e isso foi o que ocorreu, sem que houvesse, todavia, no seio dessa comissão a possibilidade de manifestação de vários setores da sociedade civil, dentre eles, especialistas em defesa do consumidor e em saúde do trabalhador. Coincidência ou não, seria essa mais uma tática para afastar das discussões aqueles que questionam indagam e indicam a necessidade da realização de estudos para que efetivamente tenhamos um feijão maravilha seguro?


Foi assim então que na 145ª Reunião Plenária da CTNBio aos 15 de setembro de 2011 o feijão transgênico evento Embrapa 5.1 resistente ao vírus do mosaico dourado do feijoeiro foi aprovado: 15 votos a favor, 2 abstenções e 5 votos pela diligência, quer dizer, posicionando-se para que fossem realizados mais estudos. Merece destaque o voto do representante do Ministério da Ciência Tecnologia e Inovação que se absteve e fica a indagação: diante de questão tão complexa e importante para a sociedade brasileira poderia ele ter simplesmente ficado em cima do muro, enquanto em discurso nesse ano diante dessa comissão mostrou-se favorável não apenas a aplicação do principio da precaução e da biossegurança, mas do desenvolvimento do campo da geossegurança? Por que alguns membros indicaram a necessidade de mais estudos? Seriam eles radicais ou teriam como objetivo que houvesse um equilíbrio entre os interesses econômicos do desenvolvimento desse feijão GM e a saúde da população brasileira e proteção ambiental?


Há uma imensa dificuldade de controlar as partículas virais e a análise de risco nesse caso deve levar em conta essa particularidade. Trata-se de um feijão transgênico, a ser utilizado como alimento, que utiliza uma nova tecnologia que não foi nunca antes utilizada em larga escala em nenhum outro país, ou seja, nenhuma população foi em larga escala alimentada diretamente por um transgênico com essa tecnologia.


Entretanto, várias informações em relação a esse feijão transgênico foram consideradas confidenciais não permitindo saber exatamente o que foi inserido no feijão e, como relatam Nodari e Agapito-Tefen "Não se sabe quais proteínas transgênicas são expressas nesta planta. Não se sabe como detectar este transgênico em alimentos ou em outras plantas contaminadas" (Parecer técnico independente encaminhado a CTNBio por Nodari e Agapito-Tenfen - UFSC - a CTNBio sobre o processo 01200.00.005161/2010-86). A Embrapa, através de parte de seus pesquisadores, ao impedir o acesso da comunidade científica ou da população às informações moleculares está contribuindo para o obscurantismo da ciência, ao não querer mostrar o que de fato está ocorrendo no feijão transgênico. Esconder da sociedade o que estará dentro de um prato de comida não foi uma prerrogativa dada pela sociedade a uma empresa mantida com recursos oriundos desta própria sociedade.


E parte do que se sabe foi relatado na reunião por um dos membros da CTNBio: em parte do processo a Embrapa indica que os estudos com sete cobaias foram realizados por 35 dias, em outra parte o período indicado foi de 45 dias e, dessas sete cobaias, quatro são fêmeas e três machos. Apenas os três machos foram sacrificados e estudos realizados em seus órgãos, tendo sido constatados problemas. Assim, a Embrapa não se diferencia de outras empresas que também submeteram pedidos de liberação de OGMs, cujos estudos são de baixa qualidade científica. Há ainda vários aspectos a serem considerados que exigem estudos adicionais. Mas mais uma vez, a maioria dos membros da CTNBio desobedeceram o artigo da Lei de Biossegurança, que exige a observância do principio da precaução.


É possível afirmar que essa decisão não observou as próprias normas da CTNBio: não foram apresentados todos os estudos exigidos pelas normas da comissão, os poucos estudos não analisam as condições observadas nos biomas nacionais, pouco se sabe sobre o que ocorrerá quando o transgene migrar para as variedades crioulas de feijão, e enfim, o parecer final não considerou estudo apresentado por geneticistas da UFSC nem o parecer contrário apresentado em Plenária. Alias o parecer consolidado já estava preparado e os 15 votos favoráveis já eram conhecidos e estavam assegurados como demonstra inclusive uma lista de adesão veiculada na internet pelo presidente daquela Comissão: o momento é de festa, em que pese a penumbra. O momento é de festa em que pese não estejamos efetivamente em face do feijão maravilha seguro! E segure-se quem puder, já que o poder público não nos assegura segurança!


Rubens Onofre Nodari, professor titular da UFSC
Solange Teles da Silva, professora da UEA
Paulo Yoshio Kageyama, professor titular da ESALQ/USP
Luiza Chomenko, pesquisadora MCN/FZB-RS
Magda Zanoni, professora da Universidade Paris-Diderot

10 comentários:

Ana Canuto disse...

Não tinha visto o artigo do Graziano e precisei portanto ler os dois.
Acabei ficando confusa e só pensei na música do Chico Buarque: "..e me calo com a boca de feijão...", que é um dos meus pratos favoritos até pela sua simplicidade.
Comer,degustar, é um dos primeiros prazeres do ser humano desde o nascimento e esse também está ficando complicado demais não é Neide ?

Um beijo.

Neide Rigo disse...

Ana, tinha esquecido de colocar o link: http://www.estadao.com.br/noticias/impresso,feijao-maravilha,768894,0.htm. Já está lá.
Pois é, está ficando complicado demais. Beijo, N

Anônimo disse...

Os seres humanos adulteram as coisas naturais criadas pela divindade, estão modificando o que é natural, o que foi criado perfeito e belo pela natureza, a natureza nos dá esse presente para alimertarmos nosso corpo, e os cientistas que se crêem mais perfeitos e inteligentes que a natureza, estão assim modificando tudo, e colocando na mesa dos seres humanos alimentos geneticos que a longo prazo causara nos piores danos, mudando nossa genética. AH! Eu não caio nessas palavras bonitas dos cientistas. Uma banana pra eles!

sylribeiro disse...

Neide!
1000% apoiado! obrigado por este post, já devidamente compartilhado, abraços

Anônimo disse...

Estou com a Ana, não consigo entender e fico confusa, só sie que tenho medo de tudo que e modificado pelo homem,o pior é que acho que ja estamos consumindo sem saber,um perigo maior é ficar na mão desta industria ~que não tem credibilidade.(Diulza)

Gastronomia e afins disse...

OI Neide, tenho acompanhado seu blog e fico bem impressionado com o cuidado das informações postadas. Surpreendente e informativo. Bem, o fato é que gosto do que aprendo com seu blog e certamente o seu público sabe valorizá-lo.
Bem, sou biólogo, biologista molecular e trabalhei com manipulação genética de vírus e outras coisas. Tanto no artigo do Xico Graziano, como na resposta dos pesquisadores há um certo tom provocativo e passional. Eu li o artigo original da embrapa e a tecnologia usada está disponível sim. Não há segredo, mas certamente a compreensão da técnica é para iniciados. A interpretação também. Simplificadamente, foi colocado mais um gene no feijão, que gera um produto que anula o vírus do mosaico, ele fica "imune".
Em relação aos transgênicos, os humanos manipulam cruzamentos há milhares de anos. Muitas variedades de plantas e animais são manipulados. Desde milho, banana, folhas, cães, gado e etc. Nós sempre modificamos a natureza que nos cerca há mais de 5.000 anos. A sociedade humana dependeu disso para evoluir. A manipulação genética de laboratório faz isso de um modo mais rápido. Ela permite coisas como leite de vaca com proteína humana que alimenta crianças sem acesso ao leite humano, ela permite plantar com menos agrotóxico e agora criar imunidade a doenças. O efeito disso no ambiente é que é uma incógnita e vai levar tempo para saber se foi bom ou ruim. A questão de ser prejudicial à saúde humana é remota, mas o modo como esta espécie "nova" vai interagir no ambiente é que são elas. Ela pode suprimir espécies nativas, pode gerar novas espécies, e certamente interferirá no equilíbrio do nosso planeta, mas afinal que equilíbrio é esse?? Vejo como mérito o fato de ser uma espécie nova feita no Brasil, sem termos de pagar royalties para ninguém. E nós pagamos muito. Cada um que consome óleo de girassol (transgênico argentino), óleo de canola (transgênico), de soja (boa parte é transgênica), entre outros, paga para alguma empresa detentora da patente.
Também fico confuso com estas coisas. Há interesses muitas vezes escusos de empresas e do outro lado interesses escusos de algumas ONGs que recebem dinheiro nosso e de empresas concorrentes sem prestar contas...Não dá para se ter muita certeza quais são os interesses.
Deixam-se de lado soluções simples como diminuir a perda dos alimentos no transporte, na colheita e no armazenamento (no Brasil, mais de 30% da produção agrícola se perde assim) e parte-se para soluções sofisticadas (transgenia)....Vai saber porque?
Queria ter ajudado na compreensão desta notícia, mas acho que acabei embaralhando mais ainda...Bem, parabéns pelo Blog! E ler os comentários dos leitores tem sido proveitoso. Abraço,
Estevão

Margot Carone disse...

Neide querida, me bate uma dor, e um medo, profundo...o alimento geneticamente modificado fala por si soh (ele eh GENETICAMENTE MODIFICADO). Nao da pra modificar o que eh natural sem que isso se resulte num efeito catastrofico, tanto nos seres humanos como na terra e nos animais. "Existe apenas um bem, o saber, e apenas um mal, a ignorancia" (Socrates)! AGM, nao!!!

Neide Rigo disse...

Estevão, bom saber da sua formação e obrigada pela intermediação imparcial. Acredito mais nos malefícios dos ogms para o meio ambiente e isto é imprevisível e incontrolável, daí o medo, já que os reflexos na alimentação são óbvios. Não houve tempo ainda para estudos de longo prazo e, depois, pode ser tarde demais para corrigir (se admitir) os erros. Antes disso, cientistas deveriam concentrar esforços para preservar a biodiversidade das espécies comestíveis - acho que é a grande saída contra fome e a má nutrição. E, claro, investir nestas soluções simples que você cita. Que há interesses escusos por trás disto tudo, não duvido. Não sei neste caso, mas a Monsanto e a Embrapa já firmaram acordos de cooperação técnica na área de transgênicos na década passada, como mostra esta publicação da Embrapa: http://www.embrapa.br/publicacoes/institucionais/relatorio2005-2007_miolo.pdf (item: O Futuro).
Obrigada pelo comentário. Pena que não seguiu com seu blog.

Um abraço,
N

Neide Rigo disse...

Margot, acho que é mesmo motivo para muito medo. bjs,n

Candy disse...

Tá ficando difícil!! Tenho acompanhado algumas discussões no site do Greenpeace e entendo que os alimentos transgênicos são completamente desnecessários. No mercado sempre leio rótulos e procuro o tal aviso (o T no triângulo amarelo) mas acredito que seria mais útil se fosse ao contrário: avisar quando um alimento NÂO é transgênico. Todos os óleos de soja e rações de cachorro a venda aqui tem o selinho. SE aparecer um óleo sem o selo, vou achar que a embalagem está omitindo. A falta de opção também é um problema. Estava usando óleo de milho, agora estou usando girassol ou amendoim. Agora ficarei de olho no feijão. Mas por que raios que eles tem que fazer isso justamente com a cesta básica??