Já ia me esquecendo de colar aqui a última coluna do Paladar, sobre Tupinambo, essa delícia. Está lá no site do Paladar, no jornal impresso de 29 de maio e agora aqui também.
É tempo de tupinambo!
Nesse outono podemos colher
tempestades, dessas silenciosas e devastadoras que talvez tenhamos plantado um
dia, mas não podemos esquecer de tirar da terra nossas raízes, bulbos e
tubérculos que nos dão energia para seguir rumo à primavera com força para
vencer. É hora de colher cúrcumas,
ararutas, mangaritos, tupinambos.
De uns tempos para cá, a cada ano,
vejo aumentar gradativamente a colheita de tupinambo (Helianthus tuberosus),
geralmente de plantios agroflorestais, e o consequente interesse. Ainda assim,
essa batata é considerada uma Panc (plantas alimentícias não convencionais),
porque dificilmente vamos encontrá-la nas feiras livres e supermercados. Todo ano, ganho de alguém que plantou ou
encontro em feiras de produtores. E
sempre, nessa época, também chegam perguntas sobre como usar, como plantar,
como colher e o que fazer com essa batata deliciosa com sabor particular.
Parente do girassol e da alcachofra,
a planta tem a aparência de um, com lindas flores amarelas, e o sabor do
coração da outra, com aquele toque mineral adocicado presente também na bardana
e nas folhas de guasca, todos da mesma família das Asteráceas.
A minha provisão da temporada veio da
Unidade de Pesquisa do Polo Regional do Leste Paulista em Monte Alegre do Sul,
interior de São Paulo. É que o pesquisador e agrônomo Joaquim Adelino Azevedo
está iniciando estudos com a espécie e me mandou um pouco para experimentar.
Então, com pesquisas assim, quem sabe, em breve poderemos ter mais tupinambos
sendo cultivados por pequenos produtores e talvez possamos encontrá-los mais
facilmente nas feiras.
Por enquanto, é iguaria destinada aos
obstinados em plantar e aos sortudos que se deparam circunstancialmente com
ela, como foi o meu caso. A primeira vez que vi um tupinambo ao vivo foi em
Paris, anos atrás, e me apaixonei de cara. Comprei sem saber direito como se
preparava, mas logo que se corta e sente a consistência entre uma cenoura e uma
batata não é difícil imaginar o preparo. Sopas pedaçudas ou em creme, purês,
saladas, curries de vegetais e uma infinidade de pratos podem ser feitos com
ele. Inclusive se come cru, embora todo o sabor de alcachofra apareça depois de
cozido - como é o caso da erva parente,
guasca ou picão branco, Galinsoga parviflora, que já mereceu uma coluna
aqui, e tem sabor muito próximo.
Mas mesmo na França, o vegetal já foi
mais presente. Hoje faz parte do grupo dos légumes oubliés, os legumes
esquecidos que só são encontrados em empórios empenhados no comércio de frutas
e legumes pouco convencionais, como as batatas andinas, as coloridas etc. – são
as Panc dos franceses.
Embora seja de fácil trato e tenha
ótimo rendimento, há alguns artifícios para se conseguir fazê-lo produzir em
terras tropicais, já que tem origem na América do Norte onde enfrenta invernos
rigorosos. Então, em regiões com inverno
tolerável, o segredo é colher as batatas quando as folhas secam, no outono, e separar
alguns bulbos na geladeira para plantar da primavera. Há algumas técnicas para
que resistam sem ressecar nem apodrecer.
Deixar as batatas dentro de um recipiente com areia limpa, fervida,
escorrida e úmida é uma. A outra é selecionar pedaços com mais gemas, cortar e
passar a parte cortada em canela em pó para não apodrecer, como faz o
pesquisador Joaquim Adelino. Basta então colocar os pedaços dentro de um saco
de papel e outro de plástico. Assim, ficam até o começo da primavera quando
podem ir para a terra – fofa, fértil, com boa drenagem. Em pouco tempo crescem
e florescem como girassol. O aspecto, porte alto, ramificado, com lindas flores
amarelas, é muito parecido ao girassol a que chamamos de margaridão ou
mão-de-deus, não comestível.
O fato de ser uma variedade de
girassol e ter tubérculos com sabor de alcachofra explica alguns de seus nomes.
Na América do Norte, o Helianthus tuberosus já era cultivado pelos
ameríndios antes da chegada dos europeus.
Mas o nome em inglês que se consagrou foi jerusalem artichoke. Artichoke
é alcachofra e jerusalem é corruptela do italiano girasole, girassol. Atende
também pelo nome composto sunchoke, de mesma motivação. Agora, o nome em francês, tupinambour,
tem origem curiosa. Em 1613, seis índios
brasileiros Tupinamba foram levados por missionários a Paris como curiosidade.
Metade morreu na viagem e os sobreviventes foram batizados com nomes franceses,
na igreja dos Capuchinhos, vestidos e desenhados com trajes locais da época, e
apresentados à corte de Luís XIII, causando sensação. Na mesma época, o cultivo do girassol
batateiro foi introduzido na França, o que se levou a acreditar que a origem da
espécie fosse brasileira, dos Tupinamba. Virou tupinambour em francês e
tupinambo em português. Ou seja, uma
homenagem falaciosa oriunda de um fato vergonhoso. Mas sempre podemos chamá-lo de alcachofra de
Jerusalém.
Uma característica em comum com a
alcachofra e outros membros da família das Asteráceas é que o tubérculo do
tupinambo armazena inulina, um tipo de carboidrato considerado fibra solúvel,
importante substrato para a flora intestinal e por isso considerado um ótimo
aliado para o bom trabalho de nossa microbiota intestinal e bastante funcional
para diabéticos. Em excesso, porém, pode causar muita fermentação e desconforto
por causa dos gases formados. Basta usar
com moderação. Como o sabor é agradavelmente marcante, para quem é mais
sensível, é só usar uma pequena quantidade combinada a outros legumes para dar
um sabor especial a sopas, cremes, purês, saladas etc.
Há muitas variedades da mesma
espécie, com bulbos mais organizados, menos disformes, mas a vantagem é que mesmo
aqueles com mais protuberâncias podem ser consumidos com a pele. Podem ser cozidos inteiros, por cerca de 20
minutos, começando com água fria como para cozinhar batatas, ou já picados ou
fatiados, por 5 minutos ou mais a depender da espessura dos pedaços. Na sopa, qualquer pedaço dele já confere um
sabor muito bom e pode ser usado como tempero.
Apesar da textura firme como uma
cenoura, é frágil como a batata-baroa ou mandioquinha e, se deixado
desprotegido em temperatura ambiente, logo perde umidade, ficando murcho e
apodrece com facilidade. Então, quando o
encontrar em feira de produtores, para consumo, o melhor jeito de conservar é
dentro de recipiente bem fechado na geladeira. Antes, porém, embale os
tubérculos em saco de papel para que absorva a umidade evitando
apodrecimento. E se estiverem murchos,
mergulhe-os em água fria e limpa e espere meia hora. Ficarão firmes novamente.
Segue aqui uma receita circunstancial
que fiz com os ingredientes que tinha em casa. O modelo pode ser o mesmo e você
adapte com o que tenha por perto, mantendo, claro, os tupinambos, que farão
toda a diferença.
Macarrão chumbinho com tupinambo
200 g de macarrão chumbinho
50 g de amêndoas cruas picadas grosseiramente
3 colheres (sopa) de azeite
100 g de cebola média picada finamente
100 g de cenoura picada finamente
100 g de vagem picada em fatias finas
250 g de tupinambo bem lavado, sem descascar,
picado finamente
50 g de uvas passas pretas
Sal a gosto
1 pitada de pimenta calabresa
2 colheres (sopa) de salsa-do-líbano picada
finamente (use salsa comum, se for mais fácil)
Em uma panela com 2 litros de água
fervente e 1 colher (chá) de sal, cozinhe o macarrão até ficar macio, cerca de
5 minutos. Escorra e passe em água fria, para tirar o excesso de amido. Deixe
escorrendo.
Numa frigideira grande, coloque a
amêndoa e leve ao fogo médio, mexendo sempre, até que comece a dourar. Reserve.
Na mesma frigideira, coloque o
azeite, leve ao fogo e espere aquecer. Junte a cebola e refogue, mexendo, até
que fique transparente. Junte a cenoura, a vagem, o tupinambo, as passas, o sal
e a pimenta. Deixe cozinhar sem parar de
mexer delicadamente até que os legumes estejam cozidos mas ainda
crocantes. Junte o macarrão escorrido e
incorpore aos legumes. Assim que estiver bem quente, desligue o fogo, distribua
em 4 pratos e espalhe por cima as amêndoas e a salsa picada. Sirva quente.
Rendimento: 4 porções
15 comentários:
Achei um pouco parecido com o Açafrão e Gengibre. Não conhecia o Tupinambo.
Parabéns pelo Blog. Estarei acompanhando
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Gosto muito desta página e da quantidade de receitas que eles fazem, gostei muito, li que as nozes são muito nutritivas, mas não achei que pudessem ser servidas dessa maneira, para uma ocasião especial, obrigado por compartilhar
Neide,
realmente é bem gostoso, mas vale dizer que para algumas pessoas o efeito adverso não acontece apenas em grandes quantidades.
Infelizmente, sou uma dessas. Experimentei enquanto estava grávida, e preparamos como se fosse uma batata salteada, e como acompanhamento, quer dizer em quantidades pequenas. A noite acordei com dores no abdomen de gases. Como estava no início da gravidez, foi um pequeno susto, apesar que já sabia que se tratava no aparelho intestinal. Então falaria para provar com cautela, e se não tiver nenhum problema, que aproveite. Como disse na primeira frase, é realmente bem gostoso.
Obrigadoooooo!
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