Em 2008, no Paladar Cozinha do Brasil, dei uma oficina sobre pamonhas. Mostrei como fazer e o jeito familiar de dobrar - os dois copinhos de palha que se encaixam. Entre os poucos ouvintes, um Saul Galvão atento. Fiquei nervosa, claro, afinal era sua fã. E ainda no fim da atividade veio falar comigo. Aproveitei para dizer que éramos parentes ou quase. Os antepassados do meu pai, Galvão de França, eram de Jaú, da mesma família. Parentes distantes, mas com alguns genes em comum. Nem sei qual é o grau de parentesco, talvez umas quatro gerações pra trás, coisa longe. O que sei é que o grande nariz que ele tanto usou para sentir aromas de divinos vinhos deve ter a mesma raiz ancestral que nossas napas, minha e do meu pai, - que, no nosso caso, não vieram atreladas a nenhum outro talento que não o de simples cheirar. Ele nem ligou muito para o parentesco, afinal e daí?, mas disse que os Galvão de França faziam uma tal de pamonha de calcanhar, perguntou se eu conhecia. Fiquei envergonhada de não saber, afinal tinha estudado tanto sobre outras pamonhas, até mesmo aquela primordial feita pelos guarani na folha de caeté. E sobre estes parentes distantes nada sei, a não ser que meu pai foi colono na fazenda deles, coisa de primo rico, primo pobre. Muito menos sobre costumes alimentares. Na conversa, ele logo foi fisgado por algum outro fã e eu fiquei sem saber o resto da história. Fui embora com aquilo na cabeça, tratei logo de procurar a respeito, perguntar pra pamonheiros, mas nenhuma pista. Pouco tempo depois encontrei Saul Galvão novamente, agora já doente, e perguntei sobre a pamonha, como era, porque do nome etc. Ele me explicou que o milho era quebrado no calcanhar e a espiga era tirada de dentro da capa de palha sem desmanchá-la, pois depois os grãos ralados voltariam a recheá-la dando-lhe novamente o formato do milho. Novamente fui procurar mais a respeito e nada. Ainda tinha muitas perguntas mas Saul Galvão morreu em setembro de 2009 sem que eu tivesse encontrado a tal pamonha. E não foi falta de procurar. Achei que era então uma coisa particular de família, como o bororó da minha mãe.
Eis que há alguns dias minha amiga Sônia chegou no sítio com umas pamonhas compradas em Joanópolis e que correspondiam totalmente à descrição do Saul. Foi comprada de uma mulher que faz na porta de sua casa, na hora. Vai fazendo, recheando de queijo, dobrando, cozinhando e vendendo. Era de calcanhar? Sônia se espantou com meu espanto? - Como assim, é pamonha normal, não de calcanhar. Na minha terra, pamonha sempre foi dobrada deste jeito, ué. Contei-lhe toda a história e fiquei sabendo que em Sorocaba, de onde ela é, pelo menos na sua família, pamonha sempre foi feita assim. Fiquei surpresa e comi a pamonha apreciando a dobradura, com café bem quente, lembrando do meu pai, do Saul, saboreando cada porção do creme grudado nas sucessivas camadas de palha.
Mas, e na sua cidade, pamonha também é assim? Qual é a sua pamonha?
6 comentários:
Nossa! Para falar a verdade não entendi direito o processo de quebrar o milho. Claro que você vai fazer e nos mostrar, não é? Que interessante! Na minha cidade, Lavras-MG, é feita como na casa da sua mãe.
Olá Neide. Sempre vi minha mãe fazer pamonha do jeito mais popular, como você descreveu, mas essa de calcanhar fica mais rústica e para eu que não como pamonha, mais original. Pela sua descrição pude visualizar e deve ser fácil, pelo menos pra quem foi criado na roça. Bjs
Neide, na minha casa se fazia pamonha como na sua, com os dois copinhos, que eram amarrados também com a própria palha, ou no máximo com barbante (achava um horror pamonha amarrada com elastiquinho de dinheiro!). Só fiquei curiosa com essa de calcanhar porque, primeiro, será que o cabelo do milho sai todo com a espiga? E segundo: a massa de pamonha que eu conheç é tão líquida... e não consigo imaginar como eles podem arrancar a espiga lá de dentro sem interferir na vedação natural da casca. Vou acompanhar curiosa as informações extras que você postar sobre esta pamonha. Grande abraço
Aqui, nunca vi; mas no Panamá, a pamonha feita com aquele milho doce da América Central não leva sal, açúcar ou queijo e é embrulhada em folha de bananeira. Chama-se "bollo de maíz verde". Aparece à tarde nas esquinas, em caldeirões com água fervente, ao lado de outros com pupunha cozida (pijbay). Os dois juntos fazem um jantar poderoso!
Oi, Sonia!
Deve se parecer, então, com a pamonha guarani que linco no texto. E que delícia esta combinação, hem?
Um abraço,n
oi neide! fazia tempo que não vinha aqui, muita coisa me desorganizou e estou amando como sempre. Plantei aqui no sítio uma banana roxa, estou doida pra provar. Mas o cacho é enorme,e ntão já nasceram várias bananas na parte de cima, mas parte inferior ainda está pelada, só com os brotinhos. Parece que é pra fritar, como banana da terra. Aqui na cidade não se encontra banana da terra. bjs!
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