Nana pediu para eu levar uma panela caso tivesse, que ela estava precisando, e fiquei de passar lá. Na correria, acabei esquecendo. Só me lembrei há poucos dias quando passei pela sua calçada para ir ao supermercado. Nem estava com tempo, mas acabei me demorando. Uma moça que conversava com ela antes de mim disse que traria a panela, já que cheguei com a desculpa de que não tenho mais panelas sobressalentes que foram todas para o sítio e que poderia comprar no supermercado caso ainda precisasse.
Mas primeiro quis saber o porque de ela estar morando na rua. E aí a história é confusa, longa, recheada de fatos como expulsões, carro da prefeitura que roubou suas coisas, ida para um abrigo com muito "maconheiro, macumbeiro e muambeiro", que ali não era lugar pra ela, que nunca mais quer ir para um abrigo, que prefere a rua, que está bem ali, que costura pra fora, que o sobrinho é maconheiro e o expulsou da casa da irmã, que um taxista quis namorar com ela, mas deusmelivre, que o Kassab e o Haddad (e soletra direitinho h a dois ds, a, d) tem nomes feios do diabo, que são ladrões, tomaram tudo dela, que onde já se viu que eles nem precisam de dinheiro e pagam uma perua pra sair pela cidade roubando tudo das pessoas, que levaram embora suas plantas nos vasos, que quebraram o abacateiro que ela plantou na praça, que pode até ser que ela não aproveite o abacateiro que plantou, mas que outras pessoas podem comer as frutas, que plantou um abacateiro no corpo de bombeiros na Lapa (e tem mesmo), que os guardas aproveitam, que costura jaquetas, que ganha um dinheirinho, que gosta de plantar, gosta muito de plantas, que são a alegria dela, e que o bom deus ainda lhe reserva um pedaço de terra pra plantar lá no seu Pìauí, que um dia volta pra lá. E fala, fala sem parar. Aí aprendi que precisa interromper para interagir. E comecei a perguntar um pouco. E porque então a senhora não volta pra sua terra se tem lá seus parentes? Não é só pegar um ônibus? Dinheiro a gente arruma. Mas não, ela está "esperando o irmão, que tem carro, e vão todos num carro, com todas as coisas, porque o ônibus não leva as coisas, mas precisa esperar o outro, um carro maior, que eu dirijo, mas não tenho carta, então vou tirar carta antes para revesar a direção com meu irmão e por enquanto quero ficar aqui mesmo, que eu gosto daqui, já tem 2 meses e 28 dias que cheguei". Quando fiz cara de espanto com a precisão, ela respondeu "ué, se eu cheguei no 2 de novembro...". E quando lhe perguntei da Nana ela se lembrou na hora "ah, a moça bonita que me deu um espelhinho, né? tão bonita".
Mostrando as sementes de melancia |
Mostrando o pezinho de feijão |
E do que mais a senhora precisa? "Ah, traz também uns miojos, mas só pode ser da turma da mônica porque os outros viram mingau, são ruins, o da mônica é o único que não se desmancha todo, o macarrão fica durinho, gostoso de mastigar, e tem tempero bom. E também, se puder, traz umas cenouras e umas batatas. Ah, e também uns pedaços de frango ou ovo, você escolhe. E se não for pesar a mão, traz também uma dúzia de banana, mas tem que ser da maçã, pois as outras não me caem bem. E é só, vou te dar o dinheiro". Ela enfiou a mão no bolso do avental para tirar uns trocados e eu rejeitei, claro. Fui saindo e ela reforçando: "não esquece da pinha pra plantar".
Pés de melancia junto ao poste |
Pés de tomate junto ao muro |
Sementes e mudas |
20 comentários:
Que encontro, que encontro!
:D
vim procurar como se faz jiló e adorei a história.
Que história legal! Que nunca falte banana (ou comida de modo geral) nem pra ela nem pra ninguém e que nunca falte pessoas boas no caminho da dona Vera!
É uma satisfação frequente ler seus posts, Neide. E constatar que realmente aprendemos e ensinamos o tempo todo no mundo e com os outros.
Quando você conta sobre seus encontros e o ensino/aprendizagem que desenvolve com pessoas, você emociona sem apelar. Isso é poiésis.
(também pude conhecer o blog da Nana)
Obrigado e Parabéns!
Adoro ler o que você escreve, Neidoca. E o olhar que tem pra vida, pras pessoas!
Beijo
Oi Neide,
D.Vera plantando e cuidando das plantas em calçadas públicas... fazendo umas costuras para ganhar um dinheirinho...etc...etc...
Quantas Veras mais? esta aparentemente diz ser "feliz",vive na rua por escolha propria e não por falta de achar um teto para morar....será? tem amigos de passagem que volta e meia fazem seu dia a dia mais alegre, recebendo doações de comida e etc... A maneira de como vc.descreve o cenário, parece até poético!!! estória triste!!!...
Adorei essa história!
me emocionei de verdade ao ler esse relato...
quantas pessoas vemos na rua todos os dias, mudamos de calçada, fechamos os olhos a suas necessidades... comovente a historia de dona Vera.
fico feliz por ela e triste por mim, ja explico: ela tem tanto jeito com as plantas, tudo brotando ao redor dela... ja eu... as unicas ervas q consegui cultivar ate hj e um pezinho de hortelã, aquela da folha peluda. tirando isso ja matei varios pes de manjericão, salsa, cebolinha, coentro. nao sei onde erro,mas minhas mudinhas sempre morrem.
de qqr forma, viva dona Vera e q vivam para sempre os abacateiros pelas praças do nosso pais.
um grande abraço, Neide.
Sabrina Abreu. RJ
Sem deixar de lado a bela história, te elogio pela forma do texto! Adoro o jeito como você escreve, Neide!
Abraço!
Adorei, Neide, e parabéns pelo artigo! Yuki
o brasileiro, necessita apenas da possibilidades eficazes.
no Brasil, as possibilidades eficazes inexistem, em forma real.
somo enganados com possibilidades irreais.
ha pessoas que querem ir para o rural, e tem competencia e amor para isso, mas onde esta a possibilidade?
Que delicia de blog!!
Parabéns, ja esta no meus favoritos.
abçs
Mais uma postagem "deliciosa". História interessante da D. Vera e sua paixão assim podemos dizer pelas plants.
Neide voçe é uma iluminada,por isto encontra dona Vera pelo seu caminho. (Diulza)
Fiquei com dó Neide, a achei tão linda, e lucida em sua loucura. Não tem jeito, há mentes que só a plena liberdade é capaz de satisfazer!
Bjs
Neide
Já que você esta precisando de alguem
para cuidar teu sìtio em Piracaia, por
que você nao leva a Dona Vera para viver
lá???
Abraços e que Deus te ilumine
Maria
É a primeira vez que passo por aqui. Adorei a história! Quando tiver com mais tempo, volto, e vou ler os outros posts do seu blog. Bjo!
Maria, dona Vera enlouqueceria ainda mais ficando a 17 km da cidade, sem ninguém por perto. A questão não é tão simples assim. Infelizmente.
Obrigada a todos pelos comentários.
Um abraço, N
Ne, que delícia de post.
E a melhor frase, de todas todas, não é sobre ela, mas sobre você: "foi estranho empurrar um carrinho com miojos"!
Demais! Só você mesmo!
Um beijo grande, (firme nos planos de nos vermos no carnaval),
Ju.
QUe Figura!! o mais incrível é ela gostar de plantar e plantar!!
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