Não podia deixar de comer em Curitiba: Barreado. Este, à moda da Lapa. |
Mas minha alegria só estava completa quando chegava ao sítio. Ir ao Paraná tinha este significado para mim: andar pelas roças de café, colher milho fresco para fazer sopa com cambuquira, comer batata doce até passar mal, levar sal no bolso para comer com pepinos que meus primos e eu arrancávamos da horta, quebrar as melancias na pedra e comer a polpa com as mãos, era sumir no meio da mata até não encontrar o caminho de volta e ficar gritando por socorro, era ouvir causos de assombração à luz de lamparina contados pela avó acocorada à beira do fogão de lenha com seu pito de palha, era tampar os ouvidos para não ouvir os gritos dos porcos no dia da matança, era dar milho para as galinhas, levar a caneca com açúcar para encher com o leite espumoso e quente direto da teta da vaca, era virar tripas no riacho. Era tanta coisa.
Mas antes de chegar ao meu parque de diversões (para quem vivia na periferia sem espaço, aquilo era um paraíso interminável), havia uma peregrinação pelas casas de outros parentes. Uma tia em Bandeirantes, uns tios em Maringá, primos em Campo Mourão e assim íamos, falhando um dia na casa de cada um. Ou mais. E, apesar de adorar meus primos, aquilo para mim, de trocar cidade por cidade, não tinha a menor graça. Até que um dia me rebelei. Devia ter uns 6 anos e me lembro perfeitamente do piti. Quando percebi que entraríamos na casa de uma tia em Maringá (uma das cidades mais lindas do Paraná), eu comecei a gritar e a espernear com toda a manha que tinha: "eu quero ir pro Paraná, eu quero ir pro Paraná!". E, não sabia porque, em vez de se condoerem com minha angústia, todos davam muitas risadas, só depois entendi, pela minha ignorância em relação à geografia e isto é motivo de piada na família até hoje. A cena de nada adiantou, mas deixei ali registrado meu protesto, afinal Paraná para mim era a liberdade do campo e pronto.
Esta rotina de passar as férias no sítio se repetiu até eu começar a trabalhar, com 14 anos. Aí, passei a depender de férias que nunca coincidiam com a dos meus pais. Depois veio o sítio de Fartura, para onde meus pais se mudaram. Não era Paraná, mas quase, já que ficava a 8 km da divisa. Voltei a ter a mesma sensação, agora já mãe de Ananda, que não tem a mesma paixão (ela gosta de água!). Compramos uma chácara ao lado, construímos casa e passamos bons momentos por lá, naquele ambiente não de sítio de lazer mas de uma terra produtiva. Graças aos meus pais, claro, porque não entendo muito da lida no campo - mas vou aprender. Agora eles ficaram cansados, venderam o sítio (nós também, afinal sem eles não teria graça) e o que querem é viver na cidade, perto de uma das filhas, em São José dos Pinhais, ao lado de Curitiba. É uma cidade agradável, mas é cidade, não é o Paraná que habita ainda meus sonhos. Eles levaram umas galinhas que continuam botando ovos amarelinhos, plantaram uma horta, compram leite de uma polaca numa chácara perto, fazem o mesmo queijo de leite cru que sempre fizeram no sítio, e ainda moem na hora os últimos grãos do café que produziam em Fartura. Deu um apertinho no peito, mas é a vida seguindo seu ciclo e não adianta fazer birra "eu quero ir pro Paraná". Eles estão felizes assim.
A comida é quase a mesma. Este foi o último frango caipira que veio congelado de Fartura e foi feito no fogão de lenha |
Só chovia, chovia. Então, Ananda quis bolinho de chuva com ovo caipira |
É agora aceitar que estão do ladinho de Curitiba, que é uma cidade bonita e elegante, que conserva ainda um pouco de seus pinheiros e de suas prosaicas casas de madeira que não me deixam esquecer deste passado caipira. Para não me sentir presa numa casa de cidade, quero, todas as vezes que visitar meus pais, passear muito pelos inúmeros parques curitibanos para manter sempre viva a luz paranaense dos olhos meus.
Gina, eu e Ana no Mercado Municipal - mas falo dele depois |
Gina é apaixonada por flores. Aqui, à frente do Marcos e da Ananda, fotografando o jacarandá florido |
Foi Gina quem me ensinou que as bolinhas vermelhas do Jardim Botânico são frutos da cerejeira japonesa (sakura). Antes de saber, já tinha provado. Achei uma delícia! |
13 comentários:
Que Legal!
Quando alguém fala da minha terra Curitiba, eu me encho de orgulho, realmente conheço muitos lugares, já morei fora, mas Curitiba é especial, mesmo sendo um lugar frio(frio de clima), mas quente no coração. Viajei com você em seu relato de passeio no sítio dos parentes eu tmbém ia para o norte do Paraná qdo. criança era ótimo.
Barreado é bobagem; em Curitiba vale a pena ir atrás de um bom "pierogui". No tempo em que eu morava lá comia-se um ótimo e muito barato no bosque polonês, no princípio dendro do bosque mesmo, depois numa casa contígua. Hoje em dia não sei onde pode ser encontrado além do caro restaurante Varsóvia, se é que ele ainda existe.
Villa, eu tenho ainda tudo por conhecer. E isto é animador.
Aveloh, me senti meio na obrigação. Já comi em Morretes e Antonina e agora este no Estrela da Terra, mas o melhor que já comi até hoje foi mesmo aqui em São Paulo, no restaurante Tordesilhas. Até agora, insuperável.
Mas adorei a dica do pierogui. Fica pra próxima.
Um abraço,
N
adorei a postagem cheia de memórias, aliás estava esperando por ela. muito bom encontrar pessoas queridas, que seus pais sejam muito felizes.bjs
Neide,
Como sempre, fiquei saboreando cada linha do seu texto.
Quem viveu a infância no interior tem muitas recordações dessa liberdade, da vida sudável. Minhas doces lembranças são do interior do Espírito Santo, para onde nossa família viajava.
Rever seus pais traz tudo isso à tona, não é mesmo?
Que coisa boa ter a companhia de vocês!
Espero que continue fazendo birra "eu quero ir pro Paraná", assim nosso piquenique está garantido.
Bjs!
Neide,o que me encanta no "come-se", o que o torna um blog mais saboroso é a sua forma de escrever. Que texto delicioso! À medida que ia lendo, minhas próprias memórias de infância surgiam como um sonho... Obrigada por sua delicadeza. Silvia
Olá Neide, adorei sua postagem!!
Peninha não poder compartilhar com o passeio de vocês, sexta-feira estava abarrotada de coisas para fazer, mas fica para próxima!!
Beijos para você!
Cris - Kitutis da Cris
Depois que li seu texto fechei os olhose vi minha infancia tudo tudo igual ate os pepinos aiiii que delicia FARTURA era e e muito boa o terrinha dos Deuses . Fiz um pato caipira que trouxe de la ( Fartura) fiz assado fui regando com suco de laranja temperadinho sem modestia ficou otimo kkkkk beijos Denise
Faltou muita coisa para ver e lugares para passear,mas agora vocês já têm a trilha.
Continuo no aguardo, serão sempre bem vindos.
Beijo para os três.
E eu esqueci de perguntar: Quem ficou com a Dendê ?
Angela, obrigada!
Gina, foi uma alegria imensa estar aí com vocês. E pode deixar, que nosso piquenique já está garantido, com ou sem birra.
Silvia, estas lembranças são sempre muito boas. E vamos construindo outras dia a dia. Obrigada!
Cris, foi uma pena mesmo. Na próxima, a gente se conhece.
Ana, veja se encomenda dias mais ensolarados para a próxima vez. Ah, a Dendê ficou com minha irmã que também tem uma cachorrinha que a Dendê adora e considera como prima.
Um abraço, N
Quero cereja e bolinho de chuva! deu para sentir a chuva nos seus olhos também.E que foto das três! Gina é uma gata!!!
Neide
Como sempre você arrasa em suas descrições e comentários precisos, onde quer que vá. Apenas um pequeno reparo sobre uma trepadeira numa das fotos. Trata-se de Glicínia (Wisteria floribunda), que nesta época do ano está florida, e não jacarandá como consta...
Mas tudo é maravilhoso de se ver e de se ler em seu blog
Antônio César
Antonio César! Obrigada pelo elogio. Eu mesma havia confundido o jacarandá com a glicínia, que também foi fotografada no mesmo dia e a flor de ambas tem cores muito próximas. Mas, se você ampliar a foto, vai ver que se trata mesmo do jacarandá (estamos no segundo andar de uma estrutura de ferro, dentro da estufa do jardim botânico, por isto a proximidade com as flores). A glicínia é uma trepadeira e dá em cachos. Esta que mostro é uma árvore. Um abraço, N
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