segunda-feira, 23 de junho de 2008

Fui comer no Bahia



No sábado deixamos no aeroporto a Ananda, que já saiu a saracotear de férias. Deu aquela tristeza esquisita que só quem tem filho sabe como é. Já era tarde e a barriga grudava de fome na costela. Marginal parada, zona norte, lembrei: galinhada do Bahia, ueba! Todo mundo já falou dele na imprensa especializada, toda crítica boa está lá emoldurada e são dezenas, mas eu mesma só tinha passado perto. Sem endereço, me lembrava que era em frente ao estádio da Portuguesa. Passa o estádio, entra à direita e a gente já vê placa. Você pode estranhar um pouco, afinal o restaurante fica nos fundos de uma viela com casas muito simples. Pelas janelas abertas para a passagem a gente vê a geladeira, a mesa da cozinha e a televisão das casas vizinhas. As mesas com cadeiras de plástico ficam num terraço coberto com telhas de amianto e plástico verde. Com a chuvinha fina, o chão estava um leguedê danado, mas o lugar ainda estava cheio, animado, barulhento. O cheiro era prenúncio de coisa boa. Aí começa a chegar prato, um atrás do outro. Por um preço único (R$ 25,00) você é servido de um banquete nordestino. Por R$ 27,00 vem o carneiro também. Legumes cozidos, galinhada de verdade – com pé, pescoço, moela, oveira-, galinha ao molho pardo, farofa, baião-de-dois, arroz, e outras comidinhas. Claro, muito mais do que pedia minha fome melancólica, mas aquilo sufoca qualquer tristeza. Uma cachaça, uma cerveja, uma pimentinha e a alegria vem brotando. O tempero é bom, sente-se o cominho, o grão do coentro, de longe a hortelã, mas tudo bem dosado. E o tal do Bahia esbanja a mesma simpatia e humildade com que deve ter cativado seu público.

O maior orgulho da comida feita por ele, sua irmã e sua mulher

O talento do Seu Raimundo Souza Soares, o Bahia, para o fogão veio naturalmente ainda criança, observando a mãe cozinheira, em Rui Barbosa-BA. Veio para São Paulo em 1975 depois de ter quebrado com negócio de gado (trabalhou de açougueiro, matando boi, mas quebrou mesmo foi comprando e vendendo). Aqui veio ser empregado de numa distribuidora de bebida. Sozinho, saudade de casa, começou a reunir amigos no final de semana pra comer e tomar umas. Principalmente pra tomar umas. Começaram a encher a cabeça do cabra: pô, Bahia, você cozinha bem, por que não monta um restaurante! Já no Canindé, em 1981, fez um puxadinho no quintal de casa e começou não com o restaurante, mas com o forró. Se ele tocava sanfona? Não, o negócio dele era mesmo dançar. A comida veio depois, naturalmente, afinal forró dá uma porra de uma fome (atenção: merde pra francês e porra pra baiano não é palavrão, não senhor) e cozinhar ele sabia. Pois é, o negócio vai muito bem obrigado. Tem até uma mangueira no meio do salão. Claro que Marcos e eu não pudemos deixar de compará-la com a figueira do Rubayat. Cada qual com sua honestidade. E o Bahia tem lá seu charme.

Aqui também tem uma árvore no meio do salão

Como chegamos tarde, o movimento foi fraquejando e deu pra conversar um pouco com o homem alto, sertanejo forte, daqueles que podem catar um boi à unha. Mas também gentil e generoso, afinal me deu sem nenhum ciúme ou hesitação a receita da galinhada e do carneiro – a buchada de lá também é feita com carneiro e não bode, pois tem maior aceitação, diz ele. De fato, muito boa, com sabor delicado o recheio de sarapatel. Quando já estávamos fora, na viela, lá veio o Bahia me chamar: Olha, eu fiz um cozidinho de encomenda, mas não dá pra fazer cozido de pouco, então quero saber se aceita levar uma marmitinha de presente. Oxente, e eu ia recusar? Quantidade familiar, com pirão e tudo. Foi meu almoço de hoje, bem sortido, bem curtido. Valeu, Bahia! Voltarei.

Uma pequena parte da minha marmitinha de cozido - com carne seca, batata-doce, maxixe, repolho, couve, milho, banana, cenoura... E ainda tinha o pirão.

Ressaltando a facilidade de se fazer a galinha de cabidela

Já que o bicho morreu, não se deve desperdiçar nada. Aí está: buchada.
Carneiro ensopado

5 kg de carneiro
300 g de toucinho defumado cortado em cubos
1 xícara de óleo
1 cebola média picada
1 pimentão médio picado
4 galhos de hortelã picados
6 folhas de manjericão
1 tomate grande picado
6 dentes de alho socado
1 colher (sopa) de colorau – urucum
1 pitada de orégano
5 folhas de louro
4 galhos de salsa
½ xícara de vinagre de vinho tinto
Sal a gosto

Corte o carneiro em pedaços, lave com limão, coloque numa panela aberta com água que cubra. Leve ao fogo e deixe até ferver. Passe para um escorredor, lave em água fria e deixe escorrer bem.
Na mesma panela, coloque o toucinho e o óleo e deixe dourar. Junte o carneiro aferventado e refogue com todos os ingredientes restantes. Cubra com água quente e cozinhe por cerca de 30 minutos ou até a carne ficar macia.



Galinhada do Bahia

½ xícara de óleo
4 dentes de alho socados
1 cebola média picada
1 tomate picado
4 colheres (sopa) de vinagre
1 pimentão médio
5 folhas de manjericão
5 folhas de hortelã
4 folhas de louro
1 colher (sopa) de colorau
½ colher (sopa) de cominho
1 pitada de orégano
3 galhos de salsa
Sal a gosto
1 galinha caipira de 2,5 kg, picada, lavada em água fervente e escorrida

Coloque o óleo numa panela e deixe aquecer. Junte todos os temperos e refogue por 3 minutos. Junte, então, os pedaços de galinha e refogue por 2 minutos. Adicione 2 xícaras de água quente e deixe cozinhar por 30 minutos ou até os pés ficarem bem macios.

Galinha de cabidela (ou galinha ao molho pardo)

Recolha o sangue de uma galinha caipira e coloque no liquidificador com ½ xícara de vinagre, suco de meio limão, 5 folhas de hortelã e 1 tomate. Bata tudo e despeje na panela com a galinha feita do mesmo modo que a galinhada. Deixe ferver por 5 minutos e pronto.

Nota: segundo ele, neste caso deve-se comprar a galinha viva para abater em casa, já que não há sangue para vender.

Serviço
Galinhada do Bahia
R. Zurita, 46 - casa 08 - Canindé- SP
Tel. (11) 3315-8614

16 comentários:

Fer Guimaraes Rosa disse...

Neide, eu comeria esse delicioso prato de carne seca com batatas e tals. Ja aquele com um peh de galinha no meio, me assustou. Agora uma coisa eh certa--nunca vou comer galinha de cabidela feita em casa, e talvez nem essa feita no capricho pelo Bahia. Sangue?? Oh-mai-god! :-))

beijo grande pra voce!

Neide Rigo disse...

Fer, é só uma questão cultural. Se você fosse criada desde pequena comendo estas coisas, iria encarar com naturalidade. Eu adoro pé de galinha bem molinho - só deixo os ossinhos. Pescoço também. Galinhada na minha casa sempre teve todas as partes, até a cabeça. Não se perdia nadinha além das tripas, bicos, unhas e penas. Então, pra mim, é normal. Já matar a bichinha pra tirar o sangue, não tenho coragem também não. Mas comer, eu como.
Beijo grande, n

Anônimo disse...

Neide,céus,mas que banquete!! um dia ainda irei lá provar, adoro aqueles ovinhos amarelinhos(eu e meu irmão disputávamos quando a mãe abria a galinha), aqui no interior do estado se faz muita galinhada mas diferente desta aí e a galinha ao olho pardo da minha mãe é um deleite porém não tenho muita coragem de comer sem saber a procedência,porém, se tu e Marcos aprovaram esta aí eu também encaro!! Agora me deu vontade de comer um charque acebolado,vou correndo lá no mercado providenciar, adorei o post,beijo nos dois!!

Marcia H disse...

que lugar, só podia ser um baiano rsrsrs esse cozido me deixou de água na boca
é coisa de criacao mesmo, meu marido estranha eu comer miúdos, sangue, etcs.
bj

Gourmandisebrasil disse...

Adoro este lugar!
Pena que não tenho muito amigos que me acompanham...os pratos são grandes, fica difícil ir sozinha.
bjo,
Nina.

Pedrita disse...

adorei as fotos. deu vontade de ir. beijos, pedrita

Fer Guimaraes Rosa disse...

Ai, lindoca, o peor eh que eu FUI criada com todas essas coisas, como voce. Galinhas no galinheiro do quintal, empregada degolando e depenando uma todo sabado, sopa feita com todos as partes, minha mae eh como voce e ama chupar o pescoço e os pernocas do frango. Cresci com menus que tinham todos os miudos do boi, bolinho de miolo, rabada, buchada, coracao, rim, figado, as mil e uma partes do frango tambem. Fora os peixes e frutos do mar, e invencionices da minha mae, como rã e coelho. Nunca consegui encarar nada disso. Mal encarava um simples bifinho. Fui educada num ambiente onde se comia de TUDO, porem nao vinguei.... uma pena.

beijaooo,

Anônimo disse...

Neide eu amo o teu blog.
E acho vc de uma simplicidade elegantérrima!
Mas pra falar a verdade sou como a Fer, fui criada no meio de tudo isso, mas não encaro não.Queria muito encarar porque acho divino quem come de tudo, mas em relação a carnes sou uma negação.Legumes não, pode inventar um que eu provo e já garanto que gosto, mas a danada da carne só desce( e muito pouco) o franguinho, o boi, o peixinho e o porco ( o que mais gosto).Paladarzinho pobre né?

Agdah disse...

Ai, deu água na boca só de ouvir falar. Dizem que quem come pé de galinha não junta dinheiro, mas quem quer saber? Meus tios brigam por eles e pelo pescoço também. A galinha ao molho pardo que minha avó fazia levantava até defunto da cova, diz meu pai.

Carla disse...

Ai, pescoço de galinha me lembra a minha infancia. Minha mae sempre guardava o pescocinho pra mim. Ela tambem comia o pe ate ficar so no ossinho. Fui criada assim, na Bahia, comendo tudo que e' parte de bicho - so nao gosto de figados em geral. Hoje quase nao como bicho, por escolha, mas nao tenho nojo nao. Se pintar uma galinha ao molho pardo na minha frente, eu traço.
Beijos e obrigada pela viagem ao passado. :))

Elena sem H disse...

Isso tudo parece mesmo uma delícia!
Adoro ler você todos os dias.
Tem presentinho no www.elenasemh.blogspot.com.

Beijos ;-)

Tá Bem Bom disse...

Olá. Moro em São Paulo e trabalho em Guarulhos, sempre pensei em dar uma passada no Bahia, obrigado pelo empurrãozinho, com certeza vou dar uma passada...Inté Leo

Neide Rigo disse...

Mariângela, então quando vier aqui, levaremos vocês lá.

Fer e Drika, meu argumento realmente não é válido para todos. Fosse assim, minhas irmãs, criadas como eu, também comeriam de tudo. E não é o caso. Tampouco Marcos e Ananda, que não chupam ossinhos nem comem feijoada dermatológica (termo usado pelo Marcos para descrever partes como orelhas, pés, focinhos). É que eu sempre fui mesmo bom-garfo, mas entendo perfeitamente quem não tolera isto.

Agdah, vai ver é por isto que estou sempre dura.

Carla, apesar de eu comer de tudo que me dizem que é de comer, eu também tenho minhas preferências, que são grãos, legumes, verduras, frutas, frango-caipira e peixes. E minha dieta no dia-a-dia não foge muito disto. Jamais faria em casa uma buchada de bode ou um frango à cabidela, mas um cozido com muitos legumes, sim. Gosto de experimentar de tudo, é isto.

Elena, obrigada!

Leo, passe lá!

Um abraço,
Neide

Odete disse...

Neide, que festanca hein! Embora fique no meio termo sobre essas comidas, ja estive la no Bahia e a galinhada eh minha favorita. Ainda tenho que levar meu marido gringo la, pois sei que vai se acabar com os pes de galinha e afins.
beijo e parabens pela naturalidade expontanea.

Cristian disse...

Normalmente o que eu mais gosto de tudo são as costelas, e pelo que eu vejo aqui é uma carne costelas saborosos pratos para comer, eu espero que em algum momento de parar por um restaurantes em itaim bibi e tentar este prato delicioso que eu estou vendo.

Martin disse...
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