terça-feira, 31 de março de 2009

Pudim de leite ao perfume de amburana-de-cheiro



A intensão era fazer de novo o
sorvete de amburana, então fervi o leite com umas sementes, no sábado. Deixei na geladeira e no domingo, ao sentir o perfume da infusão, o que me vieram à mente foram uns pudinzinhos de leite e não o sorvete. Não tinha ovos suficientes para 8 porções nem leite condensado para uma solução mais fácil, então arrisquei o velho, prático e versátil leite em pó para melhorar a textura e aumentar o rendimento. Funcionou. E o sabor da amburana é uma deliciosa alternativa às favas de baunilha. Amburana ou fava tonka/ cumaru, que tem o mesmo perfume. Mas a receita vale para baunilha também, claro. A amiga Veronika com marido e meninos estavam aqui pra degustar uma outra coisa (que vai para a charada na sexta-feira) e aprovaram. Especialmente os meninos.




Pudim de leite com amburana-de-cheiro (ou com cumaru ou com baunilha)

Para o caramelo
1/2 xícara de açúcar
1/2 xícara de água
Para o pudim
500 ml de leite
10 sementes de amburana (ou cumaru ou favas de baunilha)
3/4 de xícara de açúcar
1 pitada de sal
1 xícara de leite em pó (magro, se quiser economizar calorias)
4 ovos grandes
Prepare o caramelo: coloque numa panela o açúcar, leve ao fogo e vá mexendo devagar até derreter e formar um caramelo. Despeje a água de uma só vez, abaixe o fogo e espere derreter e formar um xarope bem grosso. Distribua esta calda grossa entre 8 forminhas (pode usar xícaras de chá). Espalhe bem com uma espátula no fundo e lateral. Coloque-as numa forma e reserve.

Prepare o pudim: ferva o leite com a amburana. Desligue o fogo, tampe a panela e deixe em infusão até esfriar o leite. Ferva mais uma vez e descarte a amburana. Coloque no liquidificador o açúcar e o leite em pó e despeje por cima o leite aromatizado bem quente. Bata bem por 5 minutos. Junte os ovos e bata só até misturar bem. Distribua a mistura entre as forminhas carameladas e leve ao forno pré-aquecido a 200 graus. Despeje água quente na forma, até a metade da altura das forminhas. Feche o forno e deixe assar em banho-maria por cerca de 40 minutos ou até que, enfiando a ponta de uma faca no pudim, ela saia limpa. Espere esfriar e gelar, desenforme e nhac.
Rende 8 porções

segunda-feira, 30 de março de 2009

Gongo, tapuru, coró, morotó, fofó, boró, bicho-do-coco. Resposta à charada


Não imaginava que com a simples pergunta do post anterior pudesse agrupar tanto conhecimento nas respostas. Não sabem como fico agradecida por terem me ensinado mais do que já sabia dos livros sobre estes bichinhos comestíveis. Que são larvas do besouro Pachymerus nucleorum que crescem nos frutos de várias palmeiras, isto a gente encontra em qualquer enciclopédia. Mas descobrir outros nomes regionais como gongo, tapuru, coró, morotó, fofó, boró, além de formas de se comer, só assim mesmo, reunindo gente de lugares tão distantes. Veja comentários lá no
post.


A Hildeny Medeiros, de Teresina – PI, disse; “Não sei como vocês chamam aí no Sul, mas aqui no Nordeste (pelo menos no Piauí e no Maranhão) nós chamamos de gongos. Eles são gerados dentro dos bagos do coco babaçu, palmeira muito comum por aqui. No interior do Maranhão costuma-se fritar os bichinhos e fazer farrofas ou acrescentá-los depois de fritos ao arroz, fica muito gostoso. Algumas pessoas acham nojentos, mas na verdade essa larvas são limpinhas por que elas, como já disse, são geradas dentro do bagos do coco, portanto não tem nada de nojento. Delicias de meu Maranhão.”


Marcos acertou o bichinho e o coco: “Lá na Bahia chámavamos de morotó a esses bichinhos de coco licuri”. Já a Marcia, que hoje mora na Alemanha, mandou: morotó ou fofó, bichinho de licuri, bom isso, tem proteína - e como disseram acima: é limpinho”. Lá de Porto Alegre, o amigo Rui, se lembrou dos corós que, diferente do morotós, se alimentam da madeira: “Aqui no sul tem larvas de coleópteros que se alimentam de madeira em decomposição. São chamados de corós e tem o tamanho aproximado de 5 cm. Meus parentes diziam que os indios os comiam”. E a Ana Lúcia, de Curitiba, que já morou em várias partes do Brasil, completou: “Eu conheço por tapuru, como são chamados na Amazônia. Eles servem de alimento nos exercícios de sobrevivência na selva, pois dizem que são muito proteicos e embora com aparência meio repugnante e advindos de moscas, são comestíveis pois se alimentam principalmente das polpas dos cocos. O Problema é levar à boca uma coisa viva e que fica se mexendo.”


Embora soubesse a resposta, Claudia, de Porto Alegre, não acreditou na sua intuição: “Bem, não creio que se trata de "gongos", corós, morotós ou fofós, não parecem muito com corós, nossos sobrinhos já comeram lá no sitio e disseram que é bem doce ( coró de butiazeiro ) - me parece uma espécie de fruto ou até mesmo de amêndoa”. Mas a Clau, que mora na Itália e nunca comeu, pelo menos já viu de perto: “Mas isto me lembrou o tempo de faculdade quando, fazendo trabalho de campo lá no parque do Xingu, nos deparávamos com o cardápio dos índios: macaco assado, formigas tostadas, o cheiro azedo do biju, peixes inteiros (algumas vezes ainda vivos) jogados dentro de uma imensa caçarola cerâmica com água fervendo. Devia ser um manjar dos deuses, mas se diz que o que os olhos não veem o coração na sente - comigo é bem assim!"


Se é de comer, eu como. Mas o meu, cozido e com sal, por favor.


Ganhei um pacote de licuri do Alcino, de Lençóis – Chapada Diamantina - BA. Lindos, os coquinhos todos inteiros. Na sexta-feira a Eliana, a baiana que trabalha comigo, viu um bichinho saindo de um dos coquinhos dentro do pacote. Aí fizemos a festa. Despejamos tudo numa bacia e fomos escolhendo: este tem, este não tem. Eu não saberia diferenciar, mas ela faz isto de olhos fechados. Isto significa o seguinte: melhor comprar licuris quebrados que inteiros. Pois, apesar de muita gente apreciar, não é muito agradável meter na boca coquinhos crocantes para só descobrir o recheio úmido e macio depois, entre o dente e a goela. É bom sempre saber o que se está comendo.


E os bichinhos assim, retirados vivos, gordos e branquinhos de dentro dos coquinhos, não são exatamente o tipo de alimento com appetite-appeal, pelo menos para quem não os tem como parte da cultura alimentar. Mas como ninguém sabe o dia de amanhã e, em se tratando de proteína comestível, saudável e gostosa, não custa experimentar. Eliana disse que na região dela o bicinho é comido vivo. Assim é demais para mim, mas, para isto temos o fogo. Foi só aquecer na frigideira com um pouquinho de azeite (isto mesmo, ainda vivos, como fazemos com ostras) e eles se aquietaram rapidinho. Ficaram crocantes e soltaram gordura – de modo que não precisaria de azeite no preparo. Para comer, polvilhei com flor de sal e nhac. Aliás, quando escrevi aqui sobre a oficina de culinária dos Guarani,mostrei o xipá, tipo de pão chato hoje feito com trigo mas que antes era feito com milho e frito em gordura de Ixo, como são chamadas estas larvas ricas em gorduras e com propriedades medicinais.
Minha decepção foi em relação á Eliana que não queria comer de jeito nenhum. Bobagem, menina, é uma delícia, tem gosto de torresmo de porco dourado em gordura de coco. Acho que a convenci, ela comeu e gostou. Pensei numa farofinha ou sobre arroz molinho recém feito. Pena que tinha pouco. Não deu pra inventar muito nem sobrou para o Marcos. Mas os coquinhos estão lá, quem sabe um outro tanto não engorda pra semana?

sexta-feira, 27 de março de 2009

O que é, o que é?


Clique & Amplie. Resposta na segunda-feira.


Spätzle de taioba e o instrumento improvisado

Já falei destas massinhas e mostrei meu fazedor de spätzle AQUI. Faço sempre dele quando o almoço vai ser do estilo fast food. Mas não é por isto que esqueço minha formação de nutricionista e, como não havia verdura nenhuma, resolvi dar fim em duas folhonas de taioba que cresciam sem limites num corredor sombreado. Para incrementar a massa e deixar meu almoço mais nutritivo. Segui a massa tradicional, mas substituí parte da água pela massa de taioba e deixei a massa mais densa já que o glúten estaria mais diluído por causa do acréscimo da verdura. Ficou pra lá de bom, nesta multimistura eurobrasileira.


Spätzle de taioba
2 folhas de taioba
1 ovo
190 g de farinha de trigo (cerca de 1,5 xícara)
Água
1/2 colher (chá) de sal
1 pitada de noz moscada
1 pitada de pimenta-do-reino
Lave bem as folhas de taioba e vá rasgando, tirando pedaços entre a estrutura. Descarte o esqueleto das nervuras principais. Cozinhe os pedaços de folhas em água fervente salgada por 2 minutos ou até ficar bem macia. Escorra bem, espere esfriar (a minha rendeu 80 g), coloque, amassando bem, numa xícara padronizada de 240 ml e complete-a com um ovo e água. Bata tudo no liquidificador até ficar cremoso. Coloque numa bacia e junte farinha, mexendo sempre até resultar numa massa elástica e não muito mole. Bata bem e passe pelo instrumento de fazer spätzle. Ou apoie uma tábua com a massa na borda da panela e vá cortando tirinhas com uma faca, deixando cair direto sobre a água. Quando subirem na água, tire com uma escumadeira e vá ajeitando numa travessa. Junte um pouco de azeite ou manteiga para que não grudem e sirva com molho ou com cebolas carameladas na manteiga. No caso, servi com o molho de calabresa abaixo, também super rápido.
Rende: 3 porções
Molho de calabresa
2 dentes de alho finamente picado
1 colher (sopa) de azeite
1 cebola cortada em cubinhos
100 g de linguiça calabresa cortada em cubinhos
1 lata de tomate pelado (400 g) passado pelo passador de legumes
1 pitada de orégano seco
1/2 colher (chá) de sal
3 pímentas cumaris em conserva amassadas
2 colheres (sopa) de folhas de manjericão
Refogue o alho no azeite até dourar. Junte a cebola e a linguiça e refogue até murchar a cebola. Acrescente o tomate com seu caldo. Tempere com o orégano, com o sal e a pimenta e deixe cozinhar por 10 minutos ou até a linguiça ficar macia. Se for preciso, junte um pouco de água. Experimente e corrija o sal, se necessário. Junte as folhas de manjericão e sirva com o spatzle ou com macarrão. A porção que sobra, guarde para comer com pão. Nhac.
Rende: 4 porções

Baixa tecnologia, grande solução
Quando falei AQUI sobre o instrumento de fazer spätzle, a Veronika, filha de húngaros, mandou o comentário que está lá: "Oi, neide, pra mim, isto ficou com cara de jantar húngaro de mãe. A diferença é que ela, em geral, faz com frango com paprika (da húngara, que você nem gosta tanto). Lá em casa, a gente chama o tal do nhoque de farinha de nokedli. Minha mãe tinha uma lata de goiabada, ou marmelada, que meu pai furou, com uns buracos de meio centímetro, e minha mãe passava a massa com uma espátula. Hoje, ela tem uns desses de camelô. Mas acho que foi algum camelô húngaro... beijo" .
Embora eu tenha um passador de spätzle, fiquei com isto na cabeça: a idéia de uma lata furada. Como não achei lata alguma aqui em casa, comprei uma marmita de alumínio mixuruca e furei com o maior prego que encontrei entre ferramentas do Marcos. Apoiei sobre uma tábua e mandei ver. Desta vez não martelei o dedo. Mas o lado de fora dos furos no alumínio estraçalhado pode virar uma arma poderosa se você não tomar cuidado. Para evitar acidentes, é só passar uma lixa de ferro para tirar o corte; sempre apoiar o instrumento sobre a própria tampa quando não estiver usando ou enquanto coloca dentro dela a massa; e lavar o ralo do ralo sempre com escova sem sabão, assim que acabar de usar. A tampa serve de apoio também para guardar o instrumento tupiniquim. Usei primeiro um pão-duro sem cabo para forçar a massa e cortá-la sobre os furos, mas concluí que dá pra usar a espátula com cabo mesmo. Outra coisa que constatei é que ficaria bem melhor se tivesse comprado uma frigideira simplezinha, sem teflon, em vez de marmita. Pelo menos ela apoiaria mais facilmente sobre uma panela redonda e ainda teria o cabo para segurar. De qualquer forma, marmita, lata e frigideira são boas opções caso não queira pagar mais de cem reais por um instrumento apropriado. Ou no caso de não encontrar pra vender e ainda assim quiser testar esta massinha pra lá de prática e gostosa.


O instrumento apropriado


O instrumento improvisado e o resultado

quinta-feira, 26 de março de 2009

Peixe galinho com purê de banana-da-terra ao leite de licuri

Antes de ontem e ontem passei mal, tive ânsias, descomi o almoço na hora do jantar, não comi mais, não quis cozinhar, enjoei, fiquei mole, com olho de peixe morto, emagreci. Ontem ainda estava meio de ressaca, mas consegui terminar o purezinho que havia começado na noite anterior e que havia interrompido no meio por causa dos enjoos. De manhã a Eliana chegou dizendo que também teve os mesmos sinais durante a noite. Nós duas tomamos chá de amburana-de-cheiro que, segundo ela, é bom pra isto. Saramos. Agora foi a vez do Marcos que passou mal durante esta noite, com enjôos. Na terça feira, quando tudo começou, o que fiz de diferente foi andar de trem gelado até a Vila Olímpia, onde tinha uma reunião num prédio fechado, com ar condicionado. Depois, almocei aqui em casa com uma amiga, uma carne de costela que tinha preparado no dia anterior e mantido na geladeira até o momento de requenta-la até a fervura. Com outros pratos insuspeitos: vagem refogada, salada de folhas desinfetadas, feijão de corda, arroz integral, legumes ao forno, vinho. Carmen comeu de tudo, gostou, elogiou, repetiu a carne. Liguei pra saber se tudo bem, se não tinha passado mal e ela continuou elogiando a carne, disse que estava tudo bem e que saiu daqui satisfeita.
Agora, lendo o blog do Paladar, vejo que os clientes do restaurante britânico
The Fat Duck tiveram foi uma virose com sintomas parecidos com estes que tive. E pensar que isto quase leva Heston Blumenthal a decretar falência. Veja a notícia aqui. Logo, aliviada por não ter que fechar minha própria cozinha, imagino que fomos atacados também pelo fat duck virus - convenhamos que este nome seja mais elegante para o norovirus que "winter vomiting". Mas, ufa, passou.
Continuando o que havia começado, ontem só consegui terminar o purezinho para comer com os filés de peixe galo (ou galinho, como corrigiu-me um leitor), que me trouxe de volta o ânimo. Sobre este peixe já falei aqui. Foi bom, restaurador.

Filé de peixe galinho com licuri crocante
4 filés de peixe galo ou galinho (400 g)
Sal e pimenta-do-reino a gosto
1,5 colher (sopa) de azeite
2 colheres (sopa) de coquinho de licuri finamente picado
1 colher (sopa) de manteiga
1 colher (chá) de suco de limão rosa
Tire a pele dos filés e faça uns cortes rasos transversais para ele não enrolar. Tempere com sal e pimenta-do-reino e frite na metade do azeite, em frigideira antiaderente. Vire os filés, junte o azeite restante e deixe dourar. À parte aqueça a manteiga com o licuri e deixe começar a dourar. Junte o suco de limão e uma pitada de sal e distribua por cima do filé.
Rendimento: 4 filés pequenos
Nota: já falei do licuri aqui e em vários outros posts.

Purê de banana da terra com leite de coquinho licuri

3 bananas-da-terra (900 g)
1/2 xícara de leite de licuri (ou de coco)
1/2 colher (chá) de sal
1 pitada de pimenta-do-reino
1 pitada de raspas de limão rosa ou Taiti (opcional)
Lave e corte as bananas ao meio e cozinhe no vapor por meia hora ou até ficarem bem molinhas. Descasque e bata com mixer ou no processador até ficar cremosa. Junte o leite de coquinho aos poucos. Tempere com sal e leve ao fogo. Mexa até começar a ferver Junte a pimenta e as raspas de limão, se for usar, e sirva com peixe.
Rende: 6 porções
Nota: Bata no liquidificador 1/2 xícara de licuri com 180 ml de água quente até formar uma pasta. Coe no pano, espremendo bem (use o leite e reserve o farelo para usar em outros pratos como pães, farofas etc).

Ontem eu estava mais para purezinho que para peixe, daí a desproporção. Mas este peixe de carne saborosa, firme, suave, vai bem até a gente muito enjoada.

Você sabe para que serve uma receita?

A resposta está no blog do Carlos Alberto Dória. Veja lá convite para o lançamento do seu novo livro, com um monte de gente bacana debatendo a questão.

quarta-feira, 25 de março de 2009

As favas e os feijões-de-lima


Feijões-de-lima e não favas
Favas são aquelas leguminosas grandes e achatadas da espécie Vicia faba. Fava italiana, fava bean, broad bean, field bean, windsor bean ou habas, em espanhol. São nativas da região do Mar Cáspio e do Norte da África, gostam de clima frio, se dão bem no Sul do país, são riquíssimas em proteínas e, cozidas, têm sabor e textura de castanhas portuguesas cozidas. Podem ser encontradas frescas, congeladas ou secas em alguns empórios. Comprei as minhas na feirinha dos Bolivianos que acontece aos domingos à tarde na Praça Kantuta. Todos feijões-limas comprei no Mercado da Lapa.
A fava (Vicia faba) seca, depois de cozida, tem sabor de castanhas, meio adocicadas. A pele é grossa e deve ser tirada.
Feijão-de-lima
Já as nossas favas, aquelas usadas pelo Rodrigo, do Mocotó, na mocofava e tantos pratos bons com linguiças, carnes, legumes, são de outra espécie, Phaseolus lunatus L., e o mais apropriado seria chamá-las de feijão-de-lima ou fava-belém, feijão-farinha e mangalô-amargo. São originárias da Guatemala e, em espanhol, respondem por judia-lima. Diferente das favas, não se dão bem em climas frios e por isto, aqui no Brasil, são cultivadas principalmente nos estados do Nordeste e os grãos, geralmente achatados, são de forma, tamanho e padronagem bem variados. A planta é muito rústica e, embora os grãos tenham um certo grau de amargor, relacionados à substância que produz ácido cianídrico, como acontece nas mandiocas, se preparados corretamente são cremosos, saborosos e fazem deliciosos ensopados e saladas. O segredo é reidratar em água, escorrer, aferventar em água limpa, jogar fora e colocar água quente nova. Há trabalhos recomendando fazer isto umas cinco vezes, mas eu apenas deixei de molho durante a noite, aferventei uma só vez antes do cozimento com a água definitiva e, no final, não havia mais sabor amargo algum.
Como preparar

Como nem sempre os feijões-de-lima têm a mesma idade, deixá-los de molho é uma forma de uniformizar o tempo de cozimento.
Para meus testes, usei 100 gramas de feijão de cada variedade: manteiga, branca, beige, rajada vermelha, rajada preta, roxinha. Lavei bem e deixei de molho em 1 litro de água por 8 horas. Escorri, enxaguei, coloquei na panela com 3 xícaras de água fria e esperei ferver. Deixei um minuto, escorri e juntei outra água quente (4 xícaras). Cozinhei em panela comum, fogo baixo, em tempo que variou de 1 a 1 hora e meia. O sabor não variou muito, mas a cor e o formato podem interessar e combinar com determinados ingredientes. Elas não engrossam o caldo a menos que se as deixem desmanchar ou que se as amassem na peneira ou bata um pouco delas no liquidificador. Na panela de pressão leva de 20 a 30 minutos dependendo da idade do grão.
O resultado disto pode não interessar muito, mas, já que anotei, deixo aqui o registro. A fava italiana cozinhou em 1 hora e quinze minutos e 100 gramas renderam 239 gramas, o maior rendimento de todas. Cozinhei todas até não restar mais água - foi assim que pesei. Esperei esfriar e congelei todas, porque congelam bem, para pratos de inverno - embora eu nem sempre tenha respeito pelas estações.
Mas vamos aos feijões-de-lima

Feijão de lima roxinho: parece feijão comum, mas não é. Cozinhou em 1 hora e rendeu 215 gramas.

Feijão-de-lima rajado preto: cozinhou em 1 hora e vinte minutos e rendeu 204 gramas.

Feijão-de-lima rajado vermelho: cozinhou em 1 hora e trinta minutos e rendeu 216 gramas.


Feijão-de-lima manteiga ou "fava" manteiga: cozinhou em 1 hora e trinta minutos e renderu 238 gramas.


Feijão-de-lima branco: cozinhou em 1 hora e rendeu 212 gramas.


Feijão-de-lima beige: cozinhou em 1 hora e quinze minutos e rendeu 232 gramas.
Onde comprar
No Mercado da Lapa, no Helio do Alho, ou em Casas do Norte, como o Chitão Comercial.

Coisas normais: vagem refogada


Para quem pensa que aqui em casa só tem coisas esquisitas, diariamente comemos também comidas bem normais que faço de olho, como minha mãe sempre fez, com uma incrementada aqui, outra acolá. Comida caseira, como na casa da maioria das pessoas. Como estava apetitosa e eu tomei o cuidado de anotar as quantidades, deixo aqui a fórmula ridícula, quem sabe para o caderno de receitas da Ananda.

Vagem refogada com cebolas

250 g de vagem bem frescas
2 dentes de alho picados milimetricamente
1,5 colher (sopa) de azeite
1 cebola média picada
Meia pimenta-dedo-de-moça vermelha sem sementes picada
1/2 colher (chá) de sal
1/2 xícara de água quente
2 colheres (sopa) de salsinha
Lave bem as vagens e tire as pontinhas. Corte em pedaços de 3 centímetros e reserve. Numa frigideira, refogue o alho no azeite até dourar. Junte a cebola e refogue até murchar. Junte a vagem, a pimenta e o sal e mexa por 1 minuto. Junte a água, tampe e deixe cozinhar até a água secar e a vagem ficar macia. Se precisar, junte mais água quente. Prove o sal e corrija, se necessário. Desligue o fogo, junte a salsinha e sirva como acompanhamento.
Rende: 4 porções

Cerâmica inspirada nos seres de Fartura


Foto: Rui Gassen

O amigo ceramista Rui Gassen postou as cerâmicas feitas por ele, inspiradas na viagem a Fartura, como esta cumbuca com lagartas comedoras de folhas. Veja lá. E aqui, o catálogo com mais peças, que ele manda por correio.

terça-feira, 24 de março de 2009

Pão de kefir e passas




Fiz ontem a olho já que tinha kefir sobrando (se não tivesse, teria usado leite ou água). Mas, anotei tudo. E, antes que esqueça e nunca mais repita a façanha, aqui vai a receita para mim mesma e para quem quiser, já que ficou muito bom, com gostinho de panetone não enjoativo, ligeiramente ácido, docinho e perfumado a cítricos que tinha aqui (e você pode fazer o mesmo, com os cítricos que tiver aí).
Pão de kefir e passas
Ingredientes
1 colher (sopa) ou 10 g de fermento biológico seco
1,5 xíc. de água morna (360 ml)
2/3 de xícara de açúcar (120 g)
1/2 colher (chá) de sal
1,5 xícara de kefir ou iogurte natural (360 ml)
1,2 kg de farinha de trigo branca (ou mais, se necessário)
Raspas de casca de limão galego, limão-rosa, limão tahiti e laranja (ou combinações que queira)
100 g de manteiga em temperatura ambiente
1/2 xícara de uvas passas pretas
1/2 xícara de uvas passas brancas
Para dar brilho: 2 colheres (sopa) de açúcar derretidas no fogo na mesma quantidade de água
Modo de fazer
: numa bacia dissolva o fermento na água morna. Junte o açúcar e o sal e, só depois que o fermento estiver bem dissolvido, junte o kefir (a gordura do kefir, iogurte ou leite pode criar uma película em volta dos grãos de fermento e evitar que se dissolva e, portanto, o pão poderá não crescer). Junte a farinha de trigo aos poucos, mexendo com uma colher de pau. Quando a massa ficar bem firme, junte as raspas de cítricos e a manteiga. Amasse bem, passe para uma superfície enfarinhada e vá adicionando farinha aos poucos e sovando até formar uma massa lisa. Junte as uvas passas e amasse bem, incorporando as frutas. Forme uma bola, cubra com plástico e deixe em local abafado para crescer até dobrar de volume. Divida a massa em três partes, modele pães da forma que preferir (bolas, cilindros) e coloque em forma untada e enfarinhada, deixando espaço para que cresçam. Cubra com pano, deixe novamente ganhar volume (cerca de meia hora no verão) e leve ao forno bem quente pré-aquecido. Asse por 10 minutos, abaixe a temperatura e deixe assar por mais 50 minutos ou até ficar bem dourado. Passe a mistura de açúcar e deixe no forno ainda ligado por mais 2 minutos. Tire do forno, espere esfriar se conseguir e nhac.
Rende
: 3 pães grandes

Café de Fartura


Nunca publiquei nada sobre o café de Fartura. Talvez por me parecer tão óbvio como o ar que lá respiro. Mas o amigo gaúcho, Rui Gassen, tomador de chimarrão, viu aquilo como novidade e ficou impressionado com todo o processamento - secagem, escolha, torragem artesanal e moagem na base da manivela, rotina que não faz parte da vida rural no Sul do país. Veja lá no blog dele.

Ostras e abóboras


Chico com a abóbora que me deu de despedida

Domingo, no fim da tarde, fomos convidados para comer ostras e flores de abóboras empanadas na casa da
Veronika, a amiga que fiz pelo blog e de quem já falei aqui; que veio um dia aqui buscar kefir, me trazendo uma abóbora do quintal; que no portão descobrimos que já haviamos nos visto há quase 25 anos nos corredores da ECA-USP sem nunca dizer um oi; e que agora nossas casas distam cerca de mil metros e que agora já dizemos mais que oi.
Pois é, fomos comer ostras com o casal Veronika e Ricardo com os filhinhos, duas fofuras que dá vontade de morder. Chegamos a pé - acho isto tão civilizado, né não? Na saída, ganhamos outra abóbora do quintal e voltamos já noitinha, caminhando cheios de encantamento com o carinho da recepção e satisfeitos com a mesa, alegre de flores, ostras e outros amigos, que dava para o quintal amplo e verde. Foi tão bom.
Nas nossas trocas posteriores de email, perguntei à Veronika se as flores viáveis do quintal eram abortadas. E como foram feitas estas flores recheadas com intrigante queijo azul, indispensáveis com as ostras gordas e a cerveja gelada. E tantas perguntas mais. Por estas e por ostras, passo a palavra a ela:


Como fazer flores de abóboras empanadas

Todas do quintal, nenhum aborto, uma vez que as flores fêmeas eu não tiro. A gente reconhece claramente, desde o nascedouro, aquelas que prometem se tornar abóboras. Não dá para tirar todas as flores machos, acho. Talvez por eu sentir falta de. Talvez por eu achar que as flores são parecidas comigo; eu, que nada tenho de flor... (rsrsrsr). Colho as flores ao longo da semana, pensando na amiga que vem. Ponho na geladeira sem lavar, em pote fechado. No dia de fazer as flores, coloco na água e descubro que as murchas renascem. Algumas. As outras morrem mesmo. Escorro. Coloco na base delas uma pelotinha de queijo tipo gorgô ou roquefort (a receita original do livro Do Jardim para a Horta diz para usar os botões, mas eu uso as flores mesmo, inclusive porque a flor dá para achar no feirinha da Água Branca, se a gente chega cedinho). Daí, passo na farinha de trigo e depois numa massinha que tanto pode ter sido feita com uma mistura de farinha, água, sal e uma pitada de bicarbonato, como eu posso ter feito com bastante antecedencia misturando 350 ml de cerveja com 200 g de farinha e batendo bem, deixando descansar por umas tres horas. Depois de passar na massinha, vai pro óleo quente. Bem quente. Quanto mais quente, maior a crocância. Se você quiser comer ostra, tomar cerveja, conversar com os amigos e fritar as flores, a probabilidade de ficarem murchas aumenta barbaramente. Portanto, é melhor fritar antes e deixar secar um pouquinho num papel toalha (que eu não tinha, claro...).
Veronika
Contato e preço das ostras deliciosas de Santa Catarina, que estavam fresquíssimas e premiadas com aquele adorno verde graças às algas que lhes servem de alimento (nada a ver com a maré vermelha, claro). Entregam em casa em caixas de isopor. Ainda a Veronika falando: O cara da ostra é o José Luís (11.8353-6953), da Ostra Viva - www.ostraviva.com.br. Acho que este tamanho custa R$ 15,00 a dúzia.

Aconselho a todos ter amigos assim em casas vizinhas, aonde possam ir passear caminhando para prosear, comer e rir numa tarde calma de domingo.

segunda-feira, 23 de março de 2009

É batata-da-serra - resposta à charada do post anterior



Quem já viu e já comeu não esquece. É o caso da Janaína, que acertou a resposta. Não por causa do sabor marcante que não tem; nem pelo aroma que sabe a bulbos de flores. Um pouco talvez pela crocância, porém, muito mais pela raridade, já que é encontrada apenas na serras da Chapada Diamantina, na Bahia, crescendo entre fendas de pedras, serpenteando os galhos de arbustos. Foi trazida de presente pelo Alcino, dono da pousada Estalagem do Alcino, em Lençois.
No aspecto geral, lembra muito a docinha jícama dos mexicanos, mas só de cara. Porque a alma é de outra natureza. Enquanto a jícama (Pachyrrhizus erosus) é parente do mesmo gênero do nosso jacatupé ou feijão macuco (P. tuberosus) - uma fabácea, a batata-da-serra (Ipomeae sp) pertence à mesma família da batata-doce, Convolvulaceae.

Bem que poderia ser um tupinambur/ alcachofra-de-jerusalém (Helianthus tuberosus), porque parece, mas este é um parente do girassol e não das favas. Já a water chestnut (Trapa natans) citada, que só conheço enlatada, é uma planta aquática e a batatinha é mais massuda, crocante, com sabor de milho cozido (experimentei agora algumas da latinha que tinha aqui - a Eliana sugeriu e eu concordei: milho verde). Também lembraram do taro, ex-inhame ou pituca - como é chamada no Peru a Colocasia esculenta, e do inhame, ex-cará, (Dioscorea sp). Ambos têm casca marrom como a batata-da-serra, mas são massudo e ricos em amido. Com o yacon (Smallanthus sonchifolius) até que tem alguma semelhança no teor de água e na crocância, mas falta àquela a doçura deste. Assim, como lhe falta a picância do nabo e do rabanete, ainda que similares na textura. Outra sugestão foi o konhaku ou konnyaku (Amorphophallus konjac), batata da família das aráceas da qual se extrai a goma de konja usada para fazer macarrão e aqueles blocos gelatinosos usados nos cozidos japoneses. Já vi as batatas pra vender nos empórios da Liberdade, mas não tenho nenhuma intimidade com elas que tem superfície mais disforme que a batata da serra. Segundo a baiana Eliana, que não conhecia, parece com xilopódio de umbu, mas a batata só tem crocância; "ainda falta elegância".
Cozida fica estranha - ainda firme com sabor do sal adicionado. Na salada, como se come no Bar do Neco, em Lençois (principal cidade da Chapada Diamantina), vai bem porque combina o croc-croc com o sabor dos temperos. Inventei de fazer com shoyo e gengibre e ficou bom – com o sabor do shoyo e do gengibre! Mas na saladinha com tomates e hortelã, ficou melhor.
Obrigada a todos que participaram!
Batata-da-serra com gengibre e molho de soja
Numa frigideira antiaderente, refoguei em 1 colher (sopa) de óleo 1 dente de alho finamente picado e a mesma quantidade de gengibre picado igual. Quando dourou, juntei 150 g (1 batata-da-serra) picada em palitos. Mexi e deixei ficar bem quente. Juntei, então, 1 colher (sopa) de molho de soja, 1 colher (chá) de vinagre e 1 colher (chá) de açúcar. Chacolhei a frigideira e juntei 2 colheres (sopa) de cebolinha picada e tirinhas de pimenta ardida vermelha. Quando a cebolinha murchou, tirei do fogo e juntei 2 colheres (chá) de gengibre preto tostado na hora. E nhac. Rendeu 2 porções para comer com arroz branco.
Salada de batata-da-serra com tomates e hortelã
Ingredientes
1 xícara (150 g) de batata da serra cortada em cubinhos
1 tomate verde sem sementes cortado em cubinhos
1 tomate vermelho sem sementes cortado em cubinhos
1 pimenta cambuci verde cortada em quadradinhos
4 colheres (sopa) de hortelã picada
1/2 colher (chá) de sal ou a gosto
Pimenta-do-reino a gosto
Suco de 1 limão rosa
3 colheres (sopa) de azeite de oliva
Folhas para salada
Modo de fazer: misture todos os ingredientes, prove e corrija o tempero se necessário. Sirva com folhas para salada.
Rende: 4 porções

sexta-feira, 20 de março de 2009

O que é, o que é?



Clique & amplie se isto ajudar. Resposta na segunda. Bom fim de semana!

Oficina de Tortillas na Casa dos Cariris


A cozinheira e sua cozinha colorida, impossível não fotografar
Ontem, dia de São José, foi dia de plantar o milho e, coincidentemente, dia de oficina de tortillas na Casa dos Cariris, com a mexicana Lourdes Hernandez Fuentes. O amigo Alcino, da Chapada Diamantina chamou para a aula e eu não podia deixar passar a oportunidade de conhecer a famosa casa e, claro, o prazer de ouvir a Lourdes falar em português fluente com sotaque mexicano gostoso. E que fluência e inteligência tem esta mulher! De fazer inveja a gente lerda de pensamento e fala como eu. Mais mesmo de se admirar. Fizemos tortilhas com farinha de milho nixtamalizada (amolecidos e livres da pele depois de cocção e demolho em solução alcalina), aquecemos outras já prontas e montamos de várias formas. Uma confusão danada de nomes que nem ouso aqui repetir. Acho que antes preciso ter na ponta da língua nossos tipos de beiju além do popular e delicioso beiju-de-tapioca: beiju-açu, o ticanga, o beiju-cica, o curadá e outros que me fogem. Beijus e tortilhas têm em comum isto: se dobrados de um jeito recebem um nome; enrolados já são outra coisa; se é maior, menor, mais úmido, mais torrado, assim, assado. Cada qual tem um nome. E viva a diversidade.


Farinha pronta com milho nixtamalizado e prensa para tortillas



Tortillas com murinho feito à unha, para acomodar o recheio de feijão etc. É chamada Sope.


Com abacate e molho de pimentas


Grupo bom no sentido horário: Rony, do Obá; Vinícius, vencedor do prêmio Senac de jovens talentos e que está indo pra Suíça; Bela, do Amadeus; Lurdes; eu; Ana Luíza, do Dui, que Bel Coelho abrirá no final de abril no espaço do ex-Siriúba; Carla e Alcino, da Estalagem Alcino.



Quesadilla

Emolada - com mole delicioso: pimentas, chocolate e, nesta receita da Lourdes, também amêndoas. O melhor da noite.



Salada de água: água de jamaica, suco de laranja, alface americana, maçã, banana, goiaba, beterraba. Como um ponche não-alcoolico é servido na semana anterior à sexta-feira da Paixão e, sendo Lourdes, representa o coração da virgem sangrado pelo sofrimento do filho.


Para saber mais sobre a nixtamalização do milho www.fao.org/docrep/t0395e/t0395e05.htm

quinta-feira, 19 de março de 2009

Dia de plantar o milho para colher no São João


Não aqui no Sudeste, mas no Nordeste é hoje o dia, o de São José, para plantar o milho que dará a espiga às panelas, justo nas festas de São João, tão juninas. Três meses passarão. E também de plantar feijão. Se acaso chover, tanto melhor - sinal de safra boa e de que não haverá de ter fome no sertão.