Passou. Pulou, pulou. Não tem jeito, eu fico mesmo nervosa ao enfrentar uma plateia por menor que seja e que de certa forma está ali para ouvir da minha boca algumas palavras inteligentes. Que não saem. Esqueço a sintaxe, ignoro plurais, falo duas vezes a mesma coisa, troco alho por bugalho e perco o fio de meada num ambiente turvo. Aos poucos, aquela névoa à minha frente vai se desfazendo e eu vou conseguindo pelo menos me aprumar e enxergar rostos como os meus, de gente que está ali não pra me massacrar, mas para trocar informações e descobrir ingredientes que talvez eu tenha tido a sorte de conhecer antes. Tudo tão simples. Espero ter conseguido ensinar algo.
Fiquei lisonjeada com o convite da Betty, da tradicional Escola Wilma Kovesi para figurar num cenário onde só vejo atuar importantes mestres da gastronomia - basta ver no site as aulas programadas para o ano. Então, pronto, tinha razão de estar nervosa. Besta eu, pois a sala estava lotada e todos tão inofensivos, interessados. A Noemi, do teatro, que conheci pelo blog, estava lá e me desejou uma sincera Merda!, que quer dizer boa sorte. A Ana Elisa, do blog La Cucinetta, chegou logo cedo, toda sorridente, bonita. Vieram a Rita Atrib e o Edu, do Le Petit Goumet; a Sofia Carvalhosa, que me trouxe de Manaus a farinha ovinha; a Veronika Paulics, vizinha amiga que conheci pelo blog; o Paulo Chanel, a Mariana, da Unimep; o Vinícius, a Mara Salles, do Tordesilhas; o Rodrigo, do Mocotó; o Julien Mercier, do Caesar Park; o Nelo Linguanotto; a Janaína Fidalgo, da Folha; o Leandro que me conheceu pelo Come-se, e outros tão amigáveis que acabaram por me deixar mais à vontade. Além, é claro, do meu fã clube, Marcos e Ananda, pra dar aquela força.
Como levei tudo pronto e inventei de fazer umas coisas de última hora, que não estavam na apostila, prometi mandar receita. Aproveito para deixar aqui e dividir com quem não foi.
Pão de licuri
1 xícara de licuri
3 xícaras de água
1 tablete de fermento fresco (15 g)
3 colheres (sopa) rasas de açúcar mascavo
1 colher (sopa) rasa de sal
1 ovo
1/3 de xícara de manteiga sem sal em temperatura ambiente (66 g)
Aproximadamente 1,2 kg de farinha de trigo
1/2 xícara de licuri finamente picado na faca ou triturado no liquidificador
No liquidificador, bata o licuri com metade da água e reserve. Numa bacia dissolva o fermento na água restante. Junte o açúcar, o sal, o licuri batido, o ovo, a manteiga e vá adicionando farinha aos poucos, mexendo sempre com uma colher de pau. Quando a massa ficar muito espessa, comece a amassar com as mãos enfarinhadas. Se quiser, passe para uma superfície polvilhada com farinha - se a bacia for grande, pode trabalhar nela mesma. Sove a massa por uns 10 minutos. Quando estiver bem lisa e brilhante, cubra com plástico e deixe crescer até dobrar de volume. Divida a massa em 4, abra tiras compridas com um rolo de macarrão e enrole como rocambole. Divida o licuri picado em quatro e espalhe uma parte sobre a bancada de trabalho. Pulverize água sobre o pão (ou passe-o rapidamente sobre a água da torneira) e role-o sobre o licuri picado. Faça o mesmo com os outros três pães. Coloque-os numa assadeira grande, untada e polvilhada, com a emenda da massa para baixo. Cubra com pano e deixe crescer novamente (no verão, cerca de meia hora; no inverno, conserve em local abafado por tempo maior). Leve ao forno bem quente, pré-aquecido, e asse por 10 minutos. Abaixe o forno e deixe assar por mais 50 minutos. Deve ficar bem dourado.
Rende: 4 pães
Feijão sopinha com manteiga de garrafa
O feijão sopinha é um tipo de feijão de corda, portanto sem caldo. Então, o que fiz foi cozinhar por meia hora (quando está novinho, cozinha em menos tempo) 1 xícara do feijão com água em dobro, juntando 1 colher (chá) de sal no final (quando não havia mais água - se houver, espere secar). Depois, basta refogar rapidamente em 1 colher (sopa) de manteiga de garrafa com 1 colher (sopa) de salsa picada, meia pimenta dedo-de-moça vermelha picada bem miudinha e umas 5 folhas de alfavaca em tirinhas. E só. Pra comer com peixe ou camarão grelhado. Rende: 4 porções
Arroz vermelho do Vale do Piancó com leite Esta receita é mais um conceito, pois não há segredo algum. É baseada no jeito clássico de comer este arroz no Vale do Piancó, no estado da Paraíba, que é protegido pela Fortaleza do Slow Food. É simplesmente cozido com água e sal, sem óleo, e depois, no final, junta-se o leite para terminar de cozinhar, mexendo para ficar cremoso. É o nosso risoto tupiniquim e fica muito bom, principalmente para ser comido assim que saído das chamas do fogão. Fiz o meu de um jeito um pouco diferente. Como fiz: preparei o arroz normalmente como faria com qualquer outro arroz integral - refoguei 2 colheres (sopa) de cebola em 1 colher (sopa) de manteiga (poderia ser azeite ou óleo); juntei o arroz lavado e escorrido e mexi por 1 minuto. Acrescentei 3 xícaras de água fervente e 1 colher (chá) de sal. Quando ferveu, abaixei o fogo, tampei e deixei cozinhar por cerca de 40 minutos. Quando ainda restava um pouco de água, juntei 2 xícaras de leite integral e deixei ferver, mexendo levemente. Antes de servir, juntei umas 4 colheres (sopa) de requeijão baiano ralado grosso. Para servir com carne de porco. Rende: 4 porções Onde encontrar arroz vermelho do Vale do Piancó: Coordenador da Comunidade: José Soares Filho. Tel. 83-3485 1080. sindicatodesantanadosgarrotes@gmail.com Outro arroz vermelho que indico: o do Seu Juarez, de Porto Alegre (veja aqui post sobre os arrozes do Seu Juarez). Aceita encomendas pelo Tel. 51-9947.31.85 ou pelo email: penanochapeu@yahoo.com.br Veja sobre o arroz vermelho de Cruzeiro e sua comida típica, aqui no Come-se.
Bolo de licuri com pimenta-de-macaco 3/4 de xícara de licuri
1 xicara de leite
Meio tablete de manteiga sem sal (100 g)
1 e 1/3 de xícara de açúcar mascavo
3 ovos
2 xícaras de farinha de trigo
1 colher (sopa) rasa de fermento em pó
1 colher (chá) de pimenta-de-macaco moída *
1 colher (café) de cravo-da-índia moído
Raspas de 2 limões (pode ser de tipos diferentes) Bata no liquidificador o licuri com o leite até triturar bem. Reserve. Na batedeira, bata a manteiga com o açúcar até formar um creme. À parte, bata ligeiramente os ovos e, com a batedeira ligada, vá despejando aos poucos sobre o creme de manteiga. Desligue a batedeira e vá juntando, aos poucos, a farinha peneirada com o fermento, a pimenta-de-macaco e o cravo da índia, alternando com o leite batido com licuri. Por fim, junte as raspas de limão e mexa bem. Despeje a massa numa forma média com buraco no meio, untada com manteiga e polvilhada com farinha. Leve ao forno médio e deixe assar por cerca de 40 minutos ou até que, enfiando um palito no centro, ele saia limpo e a superfície esteja dourada. Rende: 20 pedaços * Nota: pimenta-de-macaco é uma especiaria do gênero Xilópia (da família das anonáceas), sobre a qual já falei aqui. Ganhei o tempero já moído do Senhor Pedro Coni, do Recôncavo Baiano - o mesmo que me mandou araruta verdadeira e que agora produz também a tal pimentinha. Pedidos podem ser feitos no email: contatoararuta@hotmail.com Refresco de iogurte com Pacová Acho que nunca falei do Pacová aqui no Come-se, mas trata-se de um tipo de alpinia, da família da Zingiberáceas, parente do gengibre, cujo fruto é parecido com o cardamomo e tem sementinhas aromáticas algo mentoladas, canforadas. Já usei para fazer biscoitos e para juntar a outras especiarias no preparo de batatas salteadas. Ontem, na aula, fiz uma bebida com iogurte, à moda do lassi indiano. Como fiz: Descasquei 8 frutos de pacová e tirei as sementes. Soquei no pilão ligeiramente, separei as palhas e soquei mais as sementes até ficarem bem trituradas. Coloquei no liquidificador com 2 copos de iogurte natural, 2 xícaras de água, 4 colheres (sopa) de açúcar e umas 6 pedras de gelo. Bati tudo e coei.
Rende: 4 copos Onde encontrar: box de ervas do Mercado da Lapa ou de mercados populares.
Foto: Betty Kovesi
16 comentários:
que lindo Neide,fiquei muito feliz por ti e ao saber hoje cedo que deu tudo certo,ficaram lindas as receitas,os pães,bolo,tudo! Quem sabe não vens dar uma aula aqui em POA.Beijo!
Nossa... Estou encantanda, como seu site é lindo, quanta coisa linda, o jeito que você vê a alimentação, quanta riqueza, seu site é rico e você é rica em bom gosto e qualidade, parabéns. Já assinei o feed e já coloquei link no meu site.
Um beijo e parabéns.
Neide, que legal, adorei esta aula! Sou aluna das antigas da Wilma Kovesi (a própria!) e matei até saudades com suas fotos.
Um beijo,
Neide, fiquei muito feliz em lhe conhecer e confirmar quão qualificada e simpática você é. Deve ser um legado de Fartura ... Gosto muito do seu trabalho e do seu blog. Sua aula foi muito interessante.
Parabéns! Leandro
Oi, Leandro, também gostei muito de te conhecer e saber que acompanha o come-se. Espero que as mudinhas que levou enraizem.
Um abraço,
Neide (ah, eu nunca morei em Fartura - sou daqui, da capital mesmo; meus pais se mudaram pra lá há uns 20 anos)
Neide,
Lamentei muito não ter ido. Telefonei na escola mas me disseram que estava totalmente lotado (ainda que eu tivesse pedido para ficar no cantinho, de pé). Parabéns. Tenho que correr agora da matéria atrasada. Abraço.
Eu bem que gostaria de ter ido! Você levou tudo pronto e preparou novamente um tanto mais?
Leio seu blog, mas nunca nos falamos. Fui à aula e - apesar do inevitável atraso, com aquele trânsito descomunal - adorei. Parabéns pelo trabalho. abraços
Luiz, eu também lamentei sua ausência.
Silvia, eu levei praticamente tudo pronto.
Marina, fiquei feliz com sua presença. Pena que não deu pra gente conversar. Não faltarão oportunidades.
Um beijo,
N
Neide,
prolonguei os prazeres daquela noite dividindo seus ensinamentos em uma "carro-aula" nas curvas da estrada de Santos no domingo a tarde, voltando da praia.
Agora olho os matinhos das praças com outro interesse e estou com muita vontade de conhecer o Seu Juarez na feira de orgânicos de Porto Alegre. Beijo, Sofia
Oi, Sofia, então continuamos nosso papo no sábado. E o Seu Juarez está sempre lá na feirinha ecológica, aos sábados. Você vai gostar de conhecê-lo. Um beijo, N
Aqui o arroz vermelho que encontro tem o nome de camargue e inclusive postei hoje uma receita de salada com esse arroz. Será que é a mesma qualidade que tu falas?
beijinhos
Oi, Leila, aqui também temos o arroz de Camargue e é muito parecido, sim. Um arroz integral com película vermelha em vez de marrom, a mais comum.
Um abraço, N
Eu ADORO este site! O meu dia fica muito melhor quando abro o COME-SE e descubro uma novidade. Ou quando vejo um produto que já conheço, no caso o licuri, sendo tão bem aproveitado.
Beijos
Vânia
Olá Wilma, por favor, onde consigo comprar Licuri em São Paulo?
Abraços
Kleber
tysuro@gmail.com
Neide de Deus!...que maravilha! muitisssimo obrigada...ultimamente tenho sentido muita vontade de comer licuri, e aqui em Lençóis - Bahia tenho à vontade, fui abrir a internet pra olhar e vejam decobrir o ouro da mina... Muiiito obrigada mesmo....vou me lambuzar...Abçs Schrley
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