terça-feira, 22 de outubro de 2019

Kimchi de nabo ou kkakdugi

Estou tão viciada neste kimchi que é melhor compartilhar aqui a receita, antes que eu a perca. 
Aproveito para deixar aqui também o vídeo onde aprendi com a coreana simpática: https://www.maangchi.com/recipe/kkakdugi

O nabo que ela usa é mais denso, mas ela diz que com este também dá certo e deu muito. 

Vamos lá, sem delongas. 

Kimchi de nabo  (se quiser aprender a fazer o kimchi de acelga, está aqui: )

1,8 kg de nabo cortado em cubos de 2,5 cm aproximadamente
2 colheres (sopa) de sal 
2 colheres (sopa) de açúcar  
5 a 6 dentes de alho bem picados 
1 colher (sopa) de gengibre bem picado 
10 folhas de cebolinhas picadas
1/4 de molho de peixe ou shoyo
1/3 de xícara do caldo do nabo 
2/3 de xícara de pimenta em flocos (própria para kimchi, encontrada em lojas de produtos asiáticos 

Coloque o nabo numa tigela, junte o sal e o açúcar, misture bem e espere meia hora. Escorra o líquido e reserve (um pouco vai ser usado nesta receita, o restante pode usar aos poucos para para fazer sopas, temperar saladas etc). Junte todos os outros ingredientes, coloque num vidro, apertando bem os cubos de nabo para que o líquido fique por cima. Mas não encha até a boca porque vai borbulhar.  Cubra com pano ou com a própria tampa do vidro (mas não rosqueando totalmente porque vai fermentar e pode explodir se a tampa estiver fechada hermeticamente). Outra ideia, é colocar na boca do vidro uma luva de latex com um furinho num dos dedos - o ar vai sair mas o oxigênio não vai entrar).  Deixe em temperatura ambiente. Depois de umas 24 horas a mistura vai começar a fermentar. Deixe por mais um dia ou até parar de borbulhar e coloque na geladeira. Pode ser consumido durante vários dias ou até semanas - com arroz, sobre a sopa etc. 












O nabo no meio. Ao lado, o pepino, que fiz igual, e a pimenta fermentada,
cuja receita está aqui - só que esta fiz com água em vez de vinagre de kombucha.

quinta-feira, 10 de outubro de 2019

Nina Horta. Minha singela despedida

No Mocotó 
Está hoje no caderno Paladar. Mas deixo aqui também. Saudade eterna!


‘Neide, onde você está? Quero te ver só para um abraço e um beijo, minha orfãzinha de mãe, não é assim que você está se sentindo? Agora a mãe é só você, e ela vai aparecer nas suas mãos, no seu olhar, no jeito de ser, de rir, de não comer galinha com nome. O que mata um pouco a saudade é que a gente vai se transformado nelas, mesmo sem querer. E todas aquelas coisas que nos chateavam se tornam um sorriso de amor na nossa boca. Neide, Neidinha, que todas as qualidades dela se grudem em você, e que aceite a morte dela como se aceita a vida. É assim mesmo, não tem saída, não tem jeito.

Olga, sempre quis te conhecer pela sabedoria inata. Esconder os livros da Neide para ela sossegar o pito e não ler todos de uma vez.  Fazer ela voltar para o açougue com os miúdos, tão esperta que ela se acha! Saber fazer umas misturas que ela repete hoje. Fazer dela a vencedora que é. Ela vai se lembrar disso todo dia, Olga, você fez um bom serviço com essa sua filha, por mais chata que ela tenha sido de vez em quando. E a mão para jardins floridos? Acho que era sua. Ou não. Não importa, se a Neide se parece um tostão com você, já está de bom tamanho. Prometo tomar um pouco de conta dela, se precisar, fazer de mãe postiça. Até hoje foi ela que tomou conta de mim, mas vou fazer uma forcinha. Um último beijo, um dia a gente se encontra para fofocar sobre ela.’

Nina tinha destas gentilezas como estas lindas palavras que recebi quando perdi minha mãe e as dedico agora aos seus filhos Dulce, Sylvio e Octávio. Suas mensagens dariam mais um livro, pois não desgrudava da poesia nem nos e-mails mais prosaicos, fossem para mim ou para qualquer leitor ou leitora que a procurasse. Aliás, começamos a nos falar assim, virtualmente.

Minha mãe Olga se foi, minha mãe postiça se despediu no domingo. Agora somos tantos órfãos.  Sentirei tanto sua falta. Quem escreve hoje sobre comida não me deixa mentir -  no fundo ou no raso do pensamento, todos nós sonhamos um dia escrever como Nina Horta.  Mas para transformar qualquer  tema, dos mais nobres aos mais insossos em pratos honestos, coloridos, bem temperados, dourados, cheirosos e que despertam um apetite afetivo pelas emoções escondidas, ah, isto não é pra qualquer mortal .  Nina era única e temos que nos contentar em reconhecer o tanto que aprendemos com ela e agradecer pelo tanto que nos inspirou e continuará inspirando.

Comecei a gostar de escrever mesmo principalmente depois de conhecê-la pessoalmente. Antes, eu escrevia para uma revista textos mais enciclopédicos por obrigação. Era uma admiradora como tanta gente, que se emocionava com sua escrita, recebia as novidades e saía procurando karipata por Alto de Pinheiros só porque Nina disse em sua crônica que havia um pé do tempero indiano em sua calçada. Por um golpe de sorte, começamos a trocar e-mails depois de nos conhecermos pessoalmente  no Boa Mesa, encontro de gastronomia organizado por Josimar Mello e Sofia Carvalhosa, entre 1996 e 1997.  Só sei que nos encontrávamos na plateia assistindo às aulas shows de grandes chefs e depois tínhamos assunto pra semanas. 

Um dia, acho que cansada de ler e-mails longos, se bem que os delas também eram, sempre tão gostosos de ler e motivadores de respostas maiores, me provocou: por que não começa um blog?  Não, imagina, que isso, respondi.  Mas fiquei matutando e um dia, em 2006, comecei timidamente o Come-se.  Pouco tempo depois fico sabendo, pelo expressivo aumento de leitores de uma hora pra outra, que Nina falou dele em sua coluna, que sempre repercutia tanto.  A partir daquele dia muita coisa mudou e é por isto que digo que Nina fez toda a diferença na minha vida. Felizmente pude agradecê-la inúmeras vezes, afinal não teria sido convidada a participar do Paladar Cozinha do Brasil nem a escrever a coluna no Paladar não fosse pela visibilidade que o blog alcançou graças a ela.  Minha grande amiga e vizinha de parede hoje chegou até mim pelas mãos da Nina - a jornalista Janaína Fidalgo era a editora de seus textos na época e ficou curiosa quando leu sobre o blog.  Ganhar amigos eternos não é pouca coisa na trajetória de uma pessoa, pois tudo muda.

Em 2009 Nina me convidou para, junto com Luiz Horta, amigo e colunista de vinho, ajudá-la a escrever o livro Vamos Comer, publicado pelo MEC e distribuído nas escolas. Foram dias lindos de conversas intermináveis sobre sua experiência com merendeiras -  muitos destes diálogos estão presentes no livro, que sempre carrego comigo quando dou oficinas para cozinheiros escolares Brasil afora. Merendeiras e merendeiros se emocionam com a leitura de um de seus tantos textos emocionantes sobre estes profissionais.  

Com o tempo só fui confirmando que não havia pra ela assunto bom ou ruim no reino da comida. Tudo virava boa prosa.  Muitas vezes ela escrevia sua coluna no domingo à noite pra entregar na segunda de manhã sua coluna. Mas quem disse que ela deixava tudo pra última hora e só gastava aquele tempo do registro? Era uma semana matutando, estudando livros, conversando com os amigos a respeito, não só pra evitar falar besteira, mas porque era curiosa mesmo.  Quando se punha a escrever sobre algo que não lhe dizia respeito, dava voz à fonte, colocava graça na fala, nos contaminava de interesse e logo já estávamos íntimos dos gongos do coco babaçu, do mangarito, do huitlacoche e de tanto assunto que nos tirava da ignorância. 

Na verdade, ela podia escrever sobre o que quisesse, de entomologia e botânica  à tecnologia ou moda, com bastante desenvoltura e precisão desde que lhe dessem um tempinho para conferir os livros que, em sua casa, apoiavam-se até nas escadas.  Se não tinha o livro, tratava de comprar e lia tudo. Devia ser a melhor cliente da Amazon – aproveitava pra comprar também bolsas, pulseiras e tigelinhas francesas, que colecionava. Lia rápido, muitos livros ao mesmo tempo, em muitos idiomas ao mesmo tempo, e às vezes assistindo à televisão, respondendo e-mail  e conversando ao mesmo tempo –  esta capacidade invejável cheguei a presenciar uma vez quando dormimos no mesmo quarto, junto com sua nora Chang,  numa pousada em Paraty durante a Flip, antes de ler a crônica da semana seguinte com descrição, análise, síntese, graça, tudo lá.

Mas que ninguém viesse lhe ditar o que tinha que fazer. Ela sabia reverenciar uma boa comida e uma boa bebida sem nunca abandonar a irreverência. Uma vez abriu um Vega Sicília 2001 porque era o vinho que tinha para acompanhar uma simples pizza de abobrinha que havia pedido por telefone  – e não é que harmonizou?   Outra vez, fomos jantar no Fasano e o barmen, julgando-a pelos seus cabelos brancos elegantemente presos em coque, perguntou se queria um coquetel de frutas levinho, ao que respondeu de pronto: um uísque sem gelo, por favor.  Sempre aberta a experiências antropológicas, certo dia quis experimentar testículo de galo. E lá fomos nós sozinhas a um boteco na Lapa numa tarde quente comer o petisco acompanhado de cerveja barata bem gelada.  Sentia-se em casa em qualquer ambiente. No universo da comida, de quem cozinha e de quem come, tudo a interessava sem distinção alguma. 

Acho que o que me levou a virar fã da escritora, desde o começo de suas crônicas na Folha de São Paulo, foi a colocação da comida num lugar de dádiva destinada a todos igualmente, sem arrogância, sem afetação, sem preconceito. Nina tinha o treino de observadora de comportamentos, falas e costumes, talento concedido a grandes escritores, como um Guimarães Rosa, que não surgem a todo o tempo. A gente não a via com caderninho na mão anotando tudo, mas conseguia guardar tudo com uma memória impressionante. Ia burilando na cabeça, juntando peças, adicionando outras, separando em conjunto. Por fim, paria aquele texto cativante, cheio de informação e reflexão com leveza, ritmo, bom humor e às vezes até com sarcasmo, sem perder nunca a delicadeza.

E quanto tinha de falar o que pensava, com críticas, ironias e verdades cruas, não fazia concessões, mas trazia junto a graça que nos levava a rir e aceitar sair do lugar de conforto. Aprecia melhor seus textos quem tem a capacidade de respeitar as diferenças com bom humor.  Mesmo trabalhando com plantas silvestres e forrageios, e ela brincava dizendo que eu catava matinho na linha do trem, me divertia com sua sinceridade, como esta: “Gosto de inhame e de cará e de milho, e do trivialzinho da mesa burguesa porque foi o que minha mãe me deu. Frutas e verduras do mato, entre boas e daninhas, desconfio que se não foram descobertas até agora é porque eram meio sem graça, mesmo.” 

Em outro plano, esta gente que, guardadas suas diferenças,  tanto legado nos deixou e que não perdia por nada uma prosa sobre comida, Nina Horta, Toninho Mariutti, João Rural, Ocílio Ferraz, Wilma Kovesi, Dona Lucinha e nossas mães todas, cozinheiras do melhor frango ensopado do mundo, certamente continua a conversa sobre requintes e caipirices, içá e caviar. Com tanta ausência importante, temos que nos reerguer rapidamente e honrar estes nomes para que  nosso mundo não fique tão chato, achatado, plano. Para curar a tristeza, um caldo de galinha gelatinoso e um purê de batata, com uma colherada de manteiga a mais e bola pra frente. Pois Ernestina que era Nina não pediu comida de alma nos seus dias de despedida porque tristeza não havia. Não quis saber de mingau, nem caldo, nem purezinho.  Aceitou partir sem choramingos como era de seu feitio. Queria mesmo era mandioca frita com ketchup. E teve!  


No dia em que ele me deu mais de 300 livros de sua enorme biblioteca 
Na nossa aula sobre Galinha de cabo a rabo no Paladar Cozinha do Brasil.
Ana Soares, Mara Salles e eu fizemos uma homenagem - vários ovos
cozidos carimbados foram carimbados com  "Natureza Horta". 

sexta-feira, 4 de outubro de 2019

Pão de batata doce roxa e pão de batata doce amarela com fermentação natural

Não que já não tenha receita de pão de batata doce por aqui. Mas estou testando novas farinhas e este, fiz com farinha Anaconda, encontrada facilmente no supermercado. Queria saber até quanto ela aguenta de hidratação e como se comportava misturando batata doce. Para minha surpresa, consegui fazer com dois tipos de batata - amarela e roxa, usando a mesma receita que uso para os pães com a farinha Paullinia.  Com 80% de hidratação. A única diferença foi o acréscimo de 200 g de batata doce cozida à receita de 500 g de farinha. Mudei também um pouco a técnica, que vou descrever aqui.

Para quem não faz pão de fermentação natural ainda e quer aprender, é só ir lá no meu post onde ensino a começar um levain do zero.  Veja aqui.  Mesmo que já faça e queira saber como eu faço, dê uma olhada no post linkado. É que lá mostro como faço para assar na panela. Pois nesta explicação aqui, direi apenas, asse na panela - se você viu lá, já vai saber.



Pão de batata doce com fermentação natural - bom para dias quentes 

200 g de levain reformado
400 g de água fria
200 g de batata doce cozida e fria (de qualquer cor)
500 ml de farinha de trigo branca
1/2 colher (sopa) ou 10 g de sal

Bata no liquidificador o levain, 300 ml de água e a batata doce já fria. Despeje sobre a farinha e misture bem, juntando o restante da água aos poucos, se for preciso  (a massa deve ficar bem macia - eu usei os 400 ml).  Espere 10 minutos e junte o sal. Misture mais até homogeneizar, sem precisar sovar (neste momento vai grudar nas mãos). Passe a massa para uma tigela untada com azeite. A cada 15 minutos faça dobras e coloque sempre as pontas pra baixo. Feche bem a tigela pra não perder umidade. Ou cubra com plástico. Repita as dobras mais três vezes - desvire a massa, faça dobras, sempre no mesmo sentido e volte a deixar as dobras pra baixo. Depois de quinze minutos após a última dobra, leve à geladeira e deixe fermentar por cerca de 15 horas ou até a massa ficar fermentada - abaulada e fofa. Retire da geladeira, modele, coloque numa cesta com paninho enfarinhado, com as dobras pra cima (pois ao emborcar na panela, as dobras ficarão pra baixo) e deixe descansar em temperatura ambiente até estar fermentado - a depender da temperatura ambiente, de 1 a 2 horas (dentro de um saco plástico). Mas o melhor mesmo é voltar pra geladeira, especialmente se o dia estiver muito quente - sempre dentro de um saco plástico para não ressecar.  Talvez tenha que esperar um pouco mais.
Preaqueça o forno a 250 ºC com uma panela de ferro com tampa dentro do forno  (veja lá o post indicado).   Emborque a massa sobre um papel de assar ou folha de bananeira ou folha de amendoeira (chapeu de sol), passe farinha sobre a superfície e, com uma lâmina de barbear, faça desenhos de folhas. Ou simplesmente, polvilhe farinha usando uma mâscara com desenho. Ou, sem passar farinha, simplesmente faça um corte com a lâmina. Usando o papel como tapete de transporte, passe o pão para a panela bem quente, feche e leve para assar por 15 minutos. Depois diminua para 220 ºC e deixe assar, sem tirar a tampa (só se for de ferro) por mais 30 minutos ou até estar bem dourado. Tire da panela, passe para uma grade e deixe esfriar antes de fatiar. 


Ovos rancheiros. Shakshuka . Le uova in purgatorio. Ovos no molho

Este é o tipo de prato que pode ter surgido concomitantemente em várias partes do mundo como prato barato, simples, acessível. E, claro, em cada canto com suas variações. Mas, basicamente são ovos cozidos sobre uma base de molho com tomates. Minha mãe não dava nenhum nome ao prato a não ser ovos com molho e colocava ervilhas àss vezes. Já eu não dispenso a páprica defumada além de urucum pra ficar ainda mais vermelho.

Ontem publiquei no instagram achando que era a coisa mais boba do mundo e que todo mundo sabia fazer. Mas me enganei. Pediram a receita e aqui está - tentarei sistematizar algo que faço sempre de olho e sempre com muitas variações, como tem que ser. Descrevo,  pois, o que fiz ontem.

Ovos em molho de tomate 

Numa frigideira, coloque 3 colheres (sopa) de azeite ou óleo e junte 1 cebola média picada e 2 dentes de alho socados. Deixe refogar até começar a dourar. Junte 1/2 colher (sopa) de páprica defumada doce ou picante (caso goste de picância) .  Adicione 1 xícara de pimentões picados (podem ser vemelhos, verdes e amarelos) e refogue por uns dois minutos ou até aquecer bem. Junte 4 tomates picados,  uma pitada de sal e 1 colher (chá) de colorau (urucum). Junte 1 xícara de ervilhas frescas pré-cozidas (opcional) e um pouco de água. Tampe a frigideira e deixe cozinhar por uns 5 minutos. Prove o sal e corrija, se necessário. Quebre um ovo na tigelinha sem quebrar a gema. Abra o molho com uma colher de pau, fazendo um buraco e coloque aí o ovo. Coloque quantos ovos forem necessários e couberem na frigideira.  Polvilhe sal e pimenta-do-reino sobre cada ovo,  coloque a tampa e deixe cozinhar em fogo baixo por cerca de 5 minutos ou até a clara estar cozida. Se quiser as gemas moles, desligue o fogo e sirva - se quiser ovos mais firmes, deixe a frigideira tampada por mais 2 minutos. Ou corrija o tempo de fogo ao seu gosto. Antes de servir, espalhe por cima salsinha e/ou cebolinha e/ou salsa japonesa (foi só o que usei). E pronto. Sirva com pão caseiro ou com arroz. Ou do jeito que quiser.  Nhac!