segunda-feira, 30 de junho de 2014

Café da manhã no Marajó: das tapiocas e mingaus


A mesa ficou assim. Com itens da Tia Marita e outros, de ambulantes 
O café da manhã no Marajó pode ser um simples pão na chapa com café com leite, mas é comum a gente chegar no centro da cidade de Soure e comer aquilo que não é raro de encontrar na casa das pessoas: beiju de tapioca, rosca de tapioca, tapioca molhada na folha da banana e mingau -  esta comida conforto que a maioria dos marajoaras adora. Pode ser de canjica, de banana, de tapioca. Em Belém, no Ver-o-Peso, vendedores passam oferecendo caribé, que pode ser um mingau feito com pedaços de beiju de tapioca ou simplesmente água quente com farinha, sal e manteiga. Foi este vi e fotografei.

Em Soure, o melhor café da manhã é no Café da Tia Marita, em frente ao mercado central. Enquanto ficamos esperando o pedido,  passa vendedor de tapioca, de rosquinha, de óleo de bicho e outras curiosidades. Quando o pedido chega, a mesa já abriga outras gostosuras. Chega a baguete quentinha com queijo marajoara, os beijus com manteiga (na verdade, margarina, lamentavelmente) enrolados e mingau de tapioca, que é o melhor.

Dona Jerônima sempre faz mingau para Seu  Brito e suas visitas. Desta vez preparou mingau de banana verde no leite de coco. Uma delícia! E tinha também de canjica. A receita do mingau de tapioca já dei aqui. e o de banana, mostro amanhã. Por enquanto, fique com as fotos.

Mingau de canjica e de tapioca, da Tia Marita

Mingau de tapioca

Os beijus de tapioca

Não é qualquer pão com queijo (marajoara, com leite de búfala)

Rosquinha de tapioca, do ambulante

Café da Tia Marita





Mingau de banana verde da dona Jerônima


No Museu do Marajó, em Cachoeira do Arari - clique mingau
Mingá-u: o comer visguento!
Caribé - farinha com água quente, sal e manteiga (deve ser margarina...)


sexta-feira, 27 de junho de 2014

Bichos da Amazônia Marajoara

Esta arara, ou melhor, este araro é domesticado e já deve ter sido mostrado aqui pois é velho conhecido. Ele não vai com a minha cara, mas estranhamente dança quando eu lhe canto musiquinha "atirei no gato". Na fazenda São Jerônimo, onde fiquei  hospedada, há muitos bichos e alguns deles foram deixados pelo Ibama, caso do araro,  porque se há um lugar em Soure que preserva bichos e floresta é esta fazenda, de propriedade dos meus amigos Dona Jerônima e Seu Brito. Já fui pra lá seis vezes e sempre estou a descobrir novidades. A fazenda, além de produzir coco - tem ali em sistema de agrofloresta 10 mil coqueiros-, tem finalidades turísticas. Todos os dias chegam grupos, geralmente de estrangeiros porque brasileiro gosta mesmo é de viajar pra fora, para conhecer a trilha de 300 metros que passa por dentro de um manguezal. Antes, anda-se uns dois quilômetros no lombo de búfalos mansos. Chega-se numa praia particular lindíssima e depois volta de barquinho a remo em total silêncio pelo igarapé que na vazante vira uma trilha para se andar a pé.  Não dá pra descrever o prazer que é fazer este percurso.

O Marajó é comandado pelas águas (já falei sobre isto também aqui quando mostrei como é despescar o curral)  Então, tem gente que liga querendo passeio mas quer ditar o horário. - Ah, tem que ser mais cedo porque eu tenho compromisso depois. Nada disso, o horário quem diz é a água. É a ditadura da água e não tem conversa.  Ali todo mundo sabe o horário da água cheia que varia de acordo com a lua e com a estação do ano. Eu acho complicadíssimo tudo isto, por isto apenas respeito. Se o passeio está marcado para as 11 é porque é possível seguir por trilha seca com búfalo e voltar de canoa pelo caminho que estava seco e virou rio na hora da volta. E os bichos vão aparecendo aqui e ali, no caminho, na floresta, na estrada, no redor de casa. Bicho que é larva, que trabalha, dá o que comer, acaba com a roça, que voa, que rouba comida, que derruba as pupunhas, que cavouca as mandiocas, arranca banana, late, mia, fura goiaba, come os menores, morde a gente, corre atrás, chupa sangue, envenena. E até fala, como é o caso da arara.

Então, antes de eu falar de comida, só para você se situar (e recomendo também o texto da água linkado aí em cima), veja os bichos fotografados em Soure e em Cachoeira do Arari.

Garças

Gavião

Gavião pedrez




Anu preto



Gavião 


Gavião

Maguari - Ciconia maguari (nossa cegonha)

Marrecos 


Bicho do tucumã

Inseto colorido




Ele se escondeu ou foi embora. Mas isto aí já foi casa de turu

Cotia veio roubar frutas

Caba se acaba na goiaba 

Não sei 

Curucaca 



quinta-feira, 26 de junho de 2014

Belém: No Ver-o-Peso tem boia boa

Peixe frito com farinha, açaí branco e açaí preto. No Ver-o-Peso
Sumi um pouco, pois estes dias foram puxados. Primeiro estive com hóspedes gringos que vieram pra Copa - um casal fofo de americanos de São Francisco que virou amigo; depois, encontro do aikido no sítio e a curadoria que estou fazendo de um ciclo de atividades sobre comida no Sesc Belenzinho: Comer É Mais! Ontem começou com a aula da Mara Salles. Não consegui avisar e, também, logo lotou. Mas os demais encontros avisarei na página "Próximos passos".

As coisas vão acontecendo, mas não quero deixar de registrar pouco a pouco a viagem ao Pará. Façamos de conta que ainda estou em Belém. Logo vou pro Marajó, o que significa que os posts sobre a ilha começam amanhã.

Foto feita no final do jantar das Boieiras: Por Denise Araújo, do Blog Letras Saborosas

Para quem não acompanhou os relatos, fui ao Festival Ver-o-Peso da Comida Paraense a convite da organização do festival e da Embrapa. Falei de mandioca num fórum técnico sobre o assunto e cozinhei junto com a Deiseane, no fechamento do evento que foi o Jantar das Boieiras - as pessoas pagam um ingresso e ganham bilhetes para comer nas diversas bancas comandadas por duplas, um chef e uma boieira, que neste dia cozinham juntas. Eu não sou chef, mas fui convidada para cozinhar também e não fugi ao desafio. Minha dupla, Deiseane Ferreira,  fez um delicioso risoto com o coquinho pupunha e, para completar, fiz uns "peixinhos" de folhas de mandioca mansa - a folha inteira cozida, empanada em massa de trigo e polvilho de mandioca e frita, que fica com formato de um peixinho. Muita gente repetiu. Agora, a muvuca maior mesmo foi em frente à banca do Alex Atala, por acaso ao lado da nossa. Depois dou a receita do peixinho aqui.

Outros chefs presentes formaram uma equipe de peso que você pode conferir na foto acima, entre eles, Henrique Fogaça, Janaína e Jefferson Rueda e Juarez Campos, só para citar alguns. Por aí, você imagina o que foi este grande jantar. Como fiquei fritando e servindo, não tive tempo de experimentar tudo o que foi preparado pelos colegas,  mas senti os perfumes e ouvi os bons comentários. Nem fotos consegui tirar, só uma. Por isto, recorro às fotos alheias.

A foto que consegui fazer do jantar: Deiseane servindo seu risoto. Alex Atala lá atrás causando.
Pena também que, como estava participando destas atividades e ainda havia muitos passeios gastronômicos programados, mal pude acompanhar as outras atrações do festival. Em compensação, aprendi bastante nas conversas paralelas e nas visitas. E sorte que a Denise Araújo, que vive em Roraima, fez uma cobertura mais completa de tudo e você pode ver no blog dela, o Letras Saborosas: http://www.letrassaborosas.com.br/2014/06/letras-saborosas-07062014.html.

Pere Planagumà e eu

Deiseana Ferreira e eu. Foto de Denise Araújo

Aliás, a foto minha com a Deiseane, aí em cima, é de autoria da Denise Araújo. A anterior, com o chef Pere Planagumà, do restaurante Les Cols, que veio junto com o outro espanhol Pere, o cientista Pere Castells, da Fundação Alícia, foi ele quem pediu pra alguém tirar no seu celular e gentilmente me mandou (aliás, veja as belas fotos que ele fez da viagem no Instragram).


Mas, falando em boieiras - são estas mulheres que fazem e servem boia no Mercado Ver-o-Peso. E a boia pode ser apreciada logo no café da manhã. Tem comida mesmo:  arroz, macarrão, salada, peixe, carne. Já bem cedo, a gente pode ver muitos trabalhadores batendo uma boia. O que sai bem é peixe frito com açaí. O pescado do dia,  em grande tamanho e  rosado, é frito na hora. Eu mesma não resisti e comi numa das bancas duas vezes, sendo que numa delas, com a amiga Janaína, em pleno nascer do sol,  no lugar do café com pão, já que saímos do hotel às 6 da manhã sem comer, para visitar a feira do açaí.

Da primeira vez que estive em Belém, já tem anos,  para cá, muita coisa mudou. Hoje as bancas são asseadas e os boieiros e boieiras, uniformizados e melhor treinados quanto à higiene. Claro, vi ali muita coisa a ser melhorada, mas pelo menos está tudo à mostra, diferente de muito restaurante que a gente acha um luxo bela viola da porta da cozinha para o salão, mas a parte escondida ou o fundo da geladeira é um verdadeiro pão bolorento. Ou seja, dá pra comer bem no Ver-o-Peso, apesar de o açaí ser ralo.

Não me animei a comer carnes, saladas, arroz ou macarrão (muita gente mistura arroz com macarrão, que eu acho meio bizarro, mas costume é costume) em outras barracas. Agora, aquelas porções fartas de peixe fresco frito são tentadoras. E o açaí tirado na hora também.  No dia da volta, quando desci do navio vindo do Marajó, parei ali para almoçar e dei sorte de cair numa banca que tinha naquele dia o açaí branco - verde, na verdade -, que tem um sabor especial, mais adocicado. A primeira vez que se come açaí com peixe ou com farinha acha-se estranho,  já que não se parece com nada a que estamos acostumados na parte mais ao sul do país - açaí com açúcar, granola, leite condensado etc não vale como comparação.  Isto aconteceu comigo quando provei a polpa pura da fruta pela primeira vez. É como aquela sensação de tomar uma cerveja amarga na pré-adolescência quando se está ainda acostumado ao sabor infantil e doce. Porém, depois que as papilas se adaptam, ah, a gente não quer outra coisa.  É como cobrir um peixe com um azeite de oliva denso, colorido e farto.

 

Açaí branco e preto (ou verde e vinho)

Com farinha 


Junto com o peixe,  vem uma tigelinha de alumínio bem areado cheia de açaí. Neste dia, podia escolher, açaí preto ou branco. Perguntei se podia ter os dois para provar e meu desejo foi atendido. Vem também uma tigela com gelo, outra com farinha e um copo de água bem gelado. A primeira coisa que fiz,  foi colocar o açaí sobre o peixe. Depois fiquei reparando como os frequentadores faziam. A farinha e o açaí não vão para o prato. O jeito certo de comer é assim: leva-se à boca uma garfada de peixe e, em seguida,  uma colherada de açaí, direto da tigela. O gelo é pra refrescar ainda mais o açaí, e a farinha pode ir só à boca, uma colherada seguida ao açaí, ou ser polvilhada sobre o açaí, onde incha e forma um pirão grosso. Depois de ter observado e perguntado, passei a comer como uma nativa e lamentei quando dei a última bocada. Repetir seria exagero.

E assim fui forrada e satisfeita para a viagem de volta, dispensando assim aquelas bobagens de comer do avião.

quarta-feira, 18 de junho de 2014

Comendo e bebendo com os Castanhos

Thiago na Cozinha
Filipe no salão - deu-nos uma prova de sua cerveja
Quem vai a Belém não pode escapar de comer a comida da família Castanho. Eu ainda não conhecia nenhum dos dois restaurantes da família, pois na última vez que fui a Belém só tinha o domingo, o Remanso do Peixe estava fechado e o Remanso do Bosque ainda não existia. Gentilmente Thiago convidou a mim, meu amigo Filipe Miguez e o editor da revista Saveur, James Oseland, para comer na casa dele com seus pais. E, claro, foi uma experiência sem igual.  Filhote, banana da terra e quiabo, tudo grelhado, tão frescos e tão deliciosos. Foi lá que comi um dos melhores açaís, e foi lá que descobri que açaí fresco tem gosto de azeite de oliva. 

A exemplo do Rodrigo, do Mocotó e Esquina Mocotó, Thiago e Filipe Castanho cresceram no restaurante do pai, estudaram e incrementaram o restaurante da família, sem descaracterizá-lo. E depois se viram instigados a fazer algo mais autoral - afinal, todo mundo quer ter suas próprias criações, experimentar e mostrar suas descobertas.  Hoje,  tanto um Remanso, o do Peixe,  mais simples, quanto o outro, o do Bosque, mais requintado, são locais que vivem cheios. Desta vez em Belém,  comi nos dois. No do Bosque, menu degustação com muita coisa diferente, da floresta, do mangue, do mercado, do mar, do Marajó. Thiago não tem medo de arriscar ao servir uma água tânica (cheia de taninos e não tônica)  dentro do próprio coquinho medicinal, o buçu - cujas palhas os ribeirinhos usam para cobrir casas e cabanas. Também não tem medo de misturar papel de arroz asiático com elementos regionais e inusitados como pupunha e farinha de pipoca, ou uma manga em tempero de ceviche com farinha de mandioca. Nem de servir seus pratos em recipientes rústicos. Já em matéria de risco, quem não quer ter nenhuma surpresa, pode ir sem medo ao Remanso do Peixe, pois a comida é sempre boa, bem temperada, conhecida e com preço acessível. Menu degustação não é pra comer todos os dias, é um acontecimento, uma performance, já a comida do Remanso é aquela que a gente quer repetir em toda refeição. 

Thiago também acaba de lançar um livro pela Publifolha, onde apresenta seu trabalho e de alguns colegas. Veja aqui. Embora os irmãos estivessem sempre juntos na cozinha, o empreendimento familiar acabou por fixar cada um deles numa área, de acordo com suas melhores aptidões, ao que parece. Assim, Felipe Castanho assumiu o salão e sua paixão pelas bebidas, em especial as cervejas que está aprendendo a fazer e que já se mostrou no caminho certo.

Algumas fotos dos pratos dos dois Remansos. 

Caldeirada, no Remanso do Peixe 

Pupunha em papel de arroz e farinha de pipoca - R.Bosque

Bolinho de Piracuí, R. do Peixe 

Musse de bacuri, no Remanso do Peixe 

Mujica de peixe, no Remanso do Peixe 

Bacuri com sagu de hibisco e jambo, no Remanso do Bosque

Pirarucu defumado, banana de terra

Queijo marajoara com mel de uruçu 

Cacau - fresco, preparado, do Combu 

As reservas, no Remanso do Bosque:  giz nas cumbucas de castanha.
Com as amigas Janaína Fidalgo e Luiza Fecarrota 


Ariá em caldo de milho assado (a própria batata crocante tem gosto de milho)
O melhor do dia, no Remanso do Bosque 

Beijus com manteiga de garrafa, no Remanso do Bosque 


Água de buçu, no Remanso do Bosque