quarta-feira, 30 de setembro de 2015

Paçoquinha de fuba com castanhas brasileiras

Um dos preparos que apresentei no Paladar Cozinha do Brasil foram estas paçoquinhas que fiz usando a farinha de fuba (leia-se fúba e não fubá), que aprendi a fazer com a querida Ana Rita Suassuna.   



Já expliquei o jeito de fazer a fuba aqui, mas explico de novo: é só tostar grãos secos de milho (de preferência, orgânicos) e triturar usando pilão ou moinho de cereais - o meu é um manual, muito bom, que comprei no mercado da Lapa, box 11.

Para a paçoquinha, juntei, em vez de só amendoim, também outras castanhas nossas como a amazônica (castanha-do-pará), a de caju, o licuri e o baru.  

Aqui vai a receita: 

Foto do Paulo Machado 
Paçoquinha de fuba com castanhas brasileiras 

500 g de fuba 
200 g de amendoim torrado e sem pele 
50 g de farinha de castanha (ou castanha triturada)
50 g de de castanha de baru triturado 
50 g de castanha de caju triturada 
50 g de licuri triturado 
1/2 colher (chá) rasa de sal 
200 g de açúcar mascavo 

Misture tudo muito bem, triture novamente todos juntos (ou tente passar no liquidificador ou processador). Modele em forminhas como uma de mini cubos de gelo apertando bem. Desenforme e sirva. 


terça-feira, 29 de setembro de 2015

9º Paladar Cozinha do Brasil

Fotos e montagem da Vivi Lavratti -  https://instagram.com/vivi.lavratti/
Pois é, tudo acabou e agora dá um certo vazio até chegar 2016, quando o Paladar Cozinha do Brasil completará 10 anos. Mara Salles, Ana Soares e eu temos atividade juntas neste evento há 8 anos. E tempo pra caramba? Ainda assim seguimos em harmonia, cada um com seu jeito mas com confluência de ideias e interesses.

Neste ano falamos de farinhas além do trigo. Era muita coisa pra dizer, muita coisa pra mostrar. Espero termos conseguido passar pelo menos metade daquilo a que nos propomos.  Muitas farinhas, muitos preparos, muitas técnicas. No final, distribuímos  pãezinhos franceses feitos com 20% de farinha de mandioca (provando que é possível, sim, acrescentar 10% de fécula de mandioca sem prejuízo do resultado final.

Depois da nossa aula, vimos tudo o que pudemos da programação, até domingo à noite, quando Paola Carossella encerrou com auditório cheio e uma fala coerente sobre alimentação de verdade.

Bem, agora que já arrumei a bagunça, começo a organizar a vida e a tentar publicar no blog ao menos uma vez ao dia.

Veja algumas fotos. A primeira, do Paulo Machado, sobre comida pantaneira; a segunda é um cacau verde fatiado mostrado pelo Valdely Kinnup - na terceira foto com Ivan Ralston, do Tuju, na aula sobre Panc´s (plantas alimentícias não convencionais).




 

quarta-feira, 23 de setembro de 2015

Beijus de tapioca de primaveris

Continuo entusiasmada em fazer tapiocas com flores porque além de ficarem lindas, é um jeito de usar as flores comestíveis sem que elas desapareçam. Não vejo muito sentido fazer geleias com as flores a não ser que elas tenham muita pectina ou sabor. Ou que tenha uma produção abundante. Não é o caso destas pequenas flores que colho na horta comunitária e no jardim de casa.

Descobri um jeito de fazer várias tapiocas ao mesmo tempo. Se é o calor que faz a goma coagular, porque não colocar no forno bem quente, todas ao mesmo tempo, numa forminha? Foi o que fiz. Liguei o forno a 300 ºC e coloquei as forminhas já com a massa e as flores no fundo delas. Para fazer a massa para os beijus de tapioca, consulte o post de ontem. Arrume as flores delicadamente no fundo, peneire por cima a goma úmida fazendo uma camada mais fina ou mais grossa, conforme seu gosto, e leve ao forno. Deixe de um a dois minutos e veja se a goma está se soltando da lateral e se a superfície está firme. Tire imediatamente do forno e desenforme. Simples assim.

Outro dia fiz uma tapioca com flores na frigideira e levei para o guarda da rua. Ele olhou, olhou e disse que tinha dó de comer, de tão linda que estava. Uma boa sugestão para agradar crianças e introduzir na dieta algo colorido - comece com flores, incorpore folhinhas, deixe ela escolher e aos poucos você pode levar as folhas também para o prato, junto com arroz, feijão, salada.




segunda-feira, 21 de setembro de 2015

Tapioca com flores e folhas comestíveis

Nunca pensei que esta tapioca fizesse tanto sucesso no instagram. Acho que foi a mais curtida de todas fotos que já publiquei. Muita gente querendo saber como faz. Então, aqui vai a explicação:

A massa de tapioca é a que sempre faço. Pode usar água ou algum líquido colorido, como a que mostro no post da jabuticaba - tem lá o passo a passo. 

Numa tigela, despeje água sobre o polvilho doce (goma seca). Pode despejar água sem dó, até cobrir e passar. Depois de umas 6, 8 horas - ou de um dia para outro, o líquido da superfície deixará de estar leitoso e estará límpido. Despeje fora esta água e a goma estará dura e sedimentada no fundo da vasilha. Coloque por cima panos limpos para absorver o excesso de água (quando a superfície perder o brilho de água, está bom - cerca de uma hora). Há quem coloque farinha para absorver a água. Pode ser também, mas tem que limpar bem depois. Quebre os torrões, tempere com sal e passe por peneira grossa. Espalhe esta farinha peneirada e úmida sobre uma chapa quente - pode ser uma frigideira antiaderente. Assim que gelatinizar, vire e deixe cozinhar do outro lado, agora bem rapidamente, sem deixar dourar. Recheie com queijo ralado ou que quiser e nhac.

Para fazer como as da foto, basta espalhar flores e folhas comestíveis no fundo da frigideira e peneirar a goma úmida diretamente sobre elas. Simples assim.

quarta-feira, 16 de setembro de 2015

Beijus de banana da terra com outras farinhas

Nosso assunto no Paladar Cozinha do Brasil deste ano é farinha. Mara Salles, Ana Soares e eu vamos falar não de farinha de trigo, mas as de outros sacos. De banana verde, babaçu, castanhas, tapioca, jatobá etc.

E para a aula fiz estes beijus de banana da terra. Já dei versões deles aqui no blog - com abóbora e pupunha, por exemplo.

Desta vez usei farinhas outras e aí estão. Caso não tenha paciência de fazer tortilhas com milho nixtamalizado - que postei entre ontem e hoje no instagram aí do lado e cujo modo de preparo já postei também aqui no Come-se -, estes beijus são ótimos apoios para os recheios clássicos mexicanos. E, claro, gostosos, fáceis, nutritivos.

Beijus de banana da terra com outras farinhas 

Lave bem e corte as pontinhas de bananas-da-terra maduras, porém firmes. Corte cada banana em 3 ou 4 pedaços, coloque numa panela, cubra com água e leve ao fogo. Deixe cozinhar por cerca de meia hora ou até os pedaços de banana começarem a sair das cascas. Descasque e passe os pedaços ainda quentes em espremedor de batatas. Junte o que foi espremido com as mãos, formando uma massa coesa e espere esfriar antes de usar.
Para fazer a massa de beijus, acrescente à massa de banana qualquer outra farinha até conseguir consistência modelável. Farinha de castanha-do-pará, de jatobá, de babaçu, de beiju de tapioca, fubá de canjica ou amendoim torrado e triturado e até farinha de banana, por exemplo.
Divida a massa em bolinhas do tamanho de uma nós, coloque uma a uma entre dois círculos de plástico (cerca de 15 centímetro de diâmetro)  e abra com rolo ou na prensa até obter  um círculo com cerca de 2 milímetros de espessura. Doure nos dois lados em chapa de ferro bem quente.  Sirva só com manteiga ou com recheios doces ou salgados.

terça-feira, 15 de setembro de 2015

Uma semana com a chef Mari Hirata à beira do fogão. Paladar, edição de 27 de agosto de 2015

Foto : Andreas Heiniger
As coisas vão acontecendo num ritmo muito maior que o tempo que me sobra para postá-las no blog. Mas pelo menos o que escrevo para o jornal posso também postar aqui. Este texto já foi publicado há uma semana e o ocorrido se passou há cerca de um mês. Frio, frio, diga-se. Porém, Mari Hirata é sempre assunto quente e deixo aqui pra quem não leu no Estadão impresso ou no blog do caderno do Paladar.

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Já virou tradição: de caju em caju, Mari Hirata volta ao Brasil e dá uma aula na Escola de Cozinha Wilma Kövesi, em São Paulo, com inscrições disputadas a tapa. É um jeito de aproveitar a viagem, sempre em agosto, para rever família e amigos. No pacote, dá aulas e faz jantares.
Neste ano teria sido igual, mas no improviso, meio sem querer, uma semana inesquecível na casa de uma de suas alunas e coautora do livro que está prestes a lançar marcou sua passagem por aqui.
A ideia era convidar algumas pessoas amigas para passar as tardes cozinhando, retestando algumas receitas do livro, dando palpites, conhecendo ingredientes, comendo e falando de comida. Não era um evento. Era só um encontro.
Os convidados – eu, os chefs Mara Salles, Ana Soares e Alberto Landgraf, a colunista da Folha Nina Horta, a irmã da Mari, Emi Hirata, a anfitriã Haydée Belda e o fotógrafo Andreas Heiniger – podiam chegar na hora em que quisessem e ir embora quando desse na veneta. Mas ninguém arredava pé. Boba eu que não me preparei e só consegui livrar duas tardes da semana, mas fiquei sabendo de tudo pelos outros presentes.
Às vezes trocávamos as taças e os postos. Uma hora aprendíamos, outra hora ensinávamos. Agora, é lógico, quem mais ensinou foi Mari Hirata, que tem técnica precisa e conhece a história e os processos dos ingredientes que usa. É daquelas que, quando quer fazer algo, vai fundo na pesquisa, nos testes e na repetição, aprendendo com erros e consolidando acertos.
Mari vive em Tóquio há 15 anos. Foi para lá a convite da confeitaria Toraya Café, que atende a família imperial japonesa. Antes, viveu na França e trabalhou em restaurantes como o L’Arpège, do chef Alain Passard. Hoje, presta consultoria e dá aulas de cozinha brasileira para japoneses.
Quando está aqui, ao contrário, nos ensina sobre técnicas e ingredientes japoneses e incrementa o que temos aqui com o que sabe da cozinha oriental. E como sabe!
Cenário. Uma grande, bem equipada e arejada cozinha abria toda a parede de vidro para a varanda e os perfumes do forno iam se temperando com o cheiro de mato do jardim. Se bem que de mato não havia nada naquele jardim super bem cuidado, com jabuticabeira fazendo sombra para uma mesa, um enorme jatobá e fileiras de pau-mulato mudando de pele.
Mas levei uma coleção de matos comestíveis para mostrar, já que não ousaria chegar perto do fogão com Mari por ali, perfeccionista com franqueza e bondade. Nina pirou no macassá, com cheiro de coco; Emi, na galinsoga, gosto de alcachofra; e todos, na erva-de-ganso, urtiguinha sabor pepino encontrada nas calçadas por aí. Levei também uns jatobás.
O chiffon cake de matchá fofinho que Mari serviu em algum momento logo fez Mara associá-lo com o pó verde tirado do jatobá em peneira fina. E as trocas se faziam assim.
Aproveitamos, Mara, Ana e eu, para mostrar beijus, corujas e massa de mandioca, adiantando nossos assuntos do Paladar Cozinha do Brasil que se aproxima, para expor as ideias a palpites especializados. Mari teve um monte de ideias para mostrar aos alunos japoneses a versatilidade da mandioca ao mesmo tempo em que ajeitava a lâmina da requintada butarga (essa bottarga foi batizada assim, com u) sobre uma fatia de coruja rústica, um bolo denso de mandioca puba assado em folha de bananeira que eu trouxe do Vale do Ribeira e tem cara de provolone.
E logo as ovas sob a mão do pilão se transformavam em taramasalata cremosa e irresistível que já não me lembro sobre o que Mari oferecia acompanhada de champanhe. E tinha ainda a raiz fresca de wasabi sendo ralada para inebriar os paladares.
Quando a conversa na mesa da varanda engatava, alguém da cozinha chamava, corre aqui, corre aqui, venha ver. Era Mari montando a torta de figos mais gostosa e perfeita do mundo. O figo era pouco, lamentava. A gente dizia que duas caixas bastavam. Como não? É pouco, é pouco, dizia a chef cheia daquele sorriso de quem sabe do que fala. Haydée já foi cortando as frutas em quatro pra render e forrar todo o frangipane de amêndoas e pistaches. De cabinhos juntos, arrebitados pra cima, o figo forrou a forma toda. E Mari não se distraía na conversa. De tempos em tempos, ia lá observar pelo vidro do forno o recheio se inchando, dourando e emoldurando os quartos da fruta. Uma chuvinha de açúcar de confeiteiro por cima e lá estava a joia sobre a mesa do jardim.
Nos intervalos do fogão, mas não da mesa, todos folhearam a prova do livro da Mari enquanto Haydée explicava o porque de ser assim ou assado, o cuidado com os verbetes do glossário e os bastidores da produção. E Nina ia revisando a introdução com discrição mineira. Aliás, no final Andreas apresentou no telão várias das fotos que entrarão no livro e a reação unânime foi de desejo de comer tudo aquilo.
Ana, concentrada, ensinava a cozinheira da casa e a quem quisesse aprender os nomes das massas recheadas, a espessura, o tamanho certo em centímetro para cortar o quadrado e o jeito de dobrar o chapeuzinho. Logo mudávamos de mesa e o tema da conversa e da prova eram umeboshi, as ameixas salgadas feitas por chef triestrelado do Japão, e ume-shu, o xarope de umê com sabor de amêndoas amargas que parece viciar.
Dos acontecimentos que perdi, morri de vontade de aprender a técnica do Landgraf para confitar na manteiga a mandioquinha. No outro dia eram só elogios. E o peixe defumado que entrou no arroz da Mari, defumaram ali mesmo no jardim. Talvez tenham usado as ervas frescas da horta que Haydée cultiva no teto. Pelo menos me sobraram os pãezinhos de batata doce roxa cozidos no vapor. No final, uma massa da Ana com ovas de ouriço só pra gente sair levando saudade.
Algumas fotos minhas:
Haydée, Nina, Mara e Mari

Umbuboshi

Aninha, Emi e Mari com sua torta de figo

Mari cortando botarga com coruja do lado

Pãozinho com batata doce roxa


Nina Horta 



segunda-feira, 14 de setembro de 2015

Coruja de tapioca

Enrole a folha de bananeira fazendo umas duas voltas
Sempre achei intrigante o nome do rolo de mandioca feito no Vale do Ribeira mas nunca encontrei nada sobre a história do porquê de "coruja". Talvez seja pelo horário que costumava ser feito, sei lá.

Desde que o conheci, gostei da consistência densa, lisa, amarelada e jeitão de provolone. Da última vez que estive na feira de Registro, há cerca de dois meses, comprei coruja feita com amendoins crus e assada em forma retangular em vez de ser no embrulho de folha de bananeira. Aliás, quase não assam mais na folha de bananeira já que papel alumínio facilita o trabalho de quem faz pra vender na feira. Uma pena. Também não assam mais no fogão de lenha, já que o forno a gás também funciona. E a banha de porco usada antigamente agora é substituída por manteiga, na melhor das hipóteses. Ou margarina...

De um vendedor ouvi dizer que misturavam mandioca puba com mandioca ralada sem pubar (deixada de molho em água até se desfazer). Era o  jeito clássico. Não sei também. Algumas receitas pedem hoje só a mandioca ralada e espremida.

Com tantas modificações, resolvi fazer minha coruja mudando a massa. Substituí por farinha de tapioca que dá bastante translucidez. Mantive, porém, a folha de bananeira que dá um sabor incrível ao rolo. De resto, usei leite, manteiga, sal e açúcar, ou seja, a mesma receita de um pãozinho que já dei aqui. Neste mesmo link você vai aprender a fazer em casa a farinha caso não a encontre por aí.  Esta mesma farinha, mostrei no post do cuscuz de tapioca publicado dias atrás. Veja lá. Acrescentei ainda o amendoim, castanhas e sementes. Segue a receita completa. A coruja clássica, com massa de mandioca, também hei de fazer dia desses. Isto já é um ensaio para o Paladar Cozinha do Brasil que se aproxima.

Coruja de tapioca 

25 g de manteiga em ponto de pomada (2 colheres de sopa rasadas)
1 1/2 xícara de leite (360 ml)
3 colheres (chá) de açúcar
1 colher (chá) de sal
1 ovo 

250 g de farinha de tapioca (mais ou menos 3 xícaras de chá) 
1/2 xícara de amendoins com pele cozidos por 10 minutos e escorridos 
1/2 xícara de castanha de caju 
4 colheres (sopa) de sementes (de girassol e de abóbora) 
Folhas de bananeira para embrulhar

Bata no liquidificador ou misture bem os cinco primeiros ingredientes e despeje sobre a farinha de tapioca. Misture bem, junte o amendoim, a castanha e as sementes e espere uns 20 minutos para hidratar os grânulos (teste para ver se os grânulos estão macios e se a massa tem liga para modelar). Divida a massa em duas partes, modele cada parte em cilindro com cerca de 5 centímetros e embrulhe com folhas de bananeira (lavadas, cortadas com folga para embrulhar os cilindros e amaciadas no fogo - ou embrulhe em papel alumínio). Amarre as pontas da folha de bananeira, coloque-os numa assadeira e leve para assar em forno médio - 200°C -por cerca de 40 minutos ou até que a folha comece a queimar.  Na metade do tempo, vire os cilindros. Espere esfriar, desembrulhe e corte em fatias. 

Rende: 20 porções 

Variação: conserve  na geladeira e na hora de servir, corte em fatias finas e doure em frigideira antiaderente ou untada com manteiga. 


sexta-feira, 4 de setembro de 2015

Mamão verde. Coluna do Caderno Paladar, edição de 03 de setembro de 2015.

Como perceberam, fiquei fora até agora. Saí de Salvador, fui visitar as paneleiras de Maragogipe (Coqueiros), fui tomar banho de cachoeira na Chapada Diamantina e só agora estou de volta com a mala cheia de dendê e camarão seco. Antes de mostrar fotos da viagem, porém, deixo aqui o texto que saiu ontem na coluna do Paladar, do Estadão. No blog do caderno também tem.  


Mamão verde

Não sei o que acontece com a gente que não reconhece frutas imaturas como legumes. Está certo que algumas delas imaturas são terríveis de ruins, travosas, tânicas ou amargas. Às vezes, tudo isto junto e mais algum inconveniente. Abacate, caqui são exemplos, mas pode ser que estes tenham usos a depender da técnica empregada. Mesmo banana, amarrenta de tanto tanino, se amansa depois de cozida e se transforma numa massa neutra usada para enriquecer bolos e massas, melhorar a textura de pães e engrossar sopas.

Mas pouco de nós usa as frutas em todos os estágios de maturação, isto é uma verdade. A fartura de frutas maduras o ano todo parece que nos transformou em preguiçosos e assim vamos deixando para os dispostos sabiás as frutas que não damos conta de comer quando combinam de amadurecer todas ao mesmo tempo numa mesma árvore. E também tem a questão de uma vergonha velada, já que muitos destes alimentos foram, sim, usados, em períodos de escassez e a associação com a penúria perdura. Assim vamos perdendo tantas oportunidades.

Minha avó não fazia distinção entre mamão e chuchu e onde podia entrar um o outro podia substituir se estivesse mais à mão. E os dois, sempre havia no quintal. Era mamão na sopa, no cozido de carne de porco ou só refogadinho com cheiro-verde. Já o doce, muita gente faz e de todo jeito: as fitas enroladinhas em caracol; os cubos em compota, de crosta crocante e miolo macio quando banhados na cal; a polpa ralada e cozida no caldo de cana; os pedaços grandes em xarope de açúcar perfumado com folhas de figo e até os doces tipo marmelada, já que a polpa é rica em pectina. Mas em pratos salgados, tenho visto pouco. Em Florianópolis, na Vila de Santo Antônio de Lisboa, comi o tradicional frango caipira com mamão verde, prato delicioso e já esquecido pelas novas gerações que parecem preferir as batatas.

O mesmo não acontece em certos países asiáticos ou africanos que se orgulham dos pratos feitos com frutas imaturas como se fossem legumes. No Vietnã, mamão verde entra nas saladas ou no cozido de carne de porco, por exemplo. Na Tailândia, a salada crua temperada com alho, pimenta e molho de peixe é a mais conhecida, mas o ingrediente é usado de várias outras formas. Assim como na Índia, onde entra em curries e pratos cozidos.
Imagino que nestes lugares não veríamos uma cena como a que presenciei nesta semana – na reforma de uma casa, o canteiro foi destruído e junto foi embora um enorme mamoeiro e seus frutos verdes, que foram desprezados na calçada dentro de um grande saco, como se não fossem alimento. Claro que quem saiu ganhando fui eu e alguns vizinhos que quiseram compartilhar.

O interessante é que a espécie Carica papaya, cujos frutos de todas as variedades são tão consumidos, verdes ou maduros, na Índia, no Vietnã, na China ou na Tailândia,  tenha origem centro-americana e não asiática. E embora não seja muito comum, vemos em alguns destes países outras partes da planta serem usadas na alimentação. As folhas jovens, por exemplo, podem ser cozidas e usadas como qualquer outra verdura. E as sementes maduras têm sabor forte e picante e podem substituir a pimenta-do-reino. Isto, para ficarmos no terreno da cozinha, pois quando o assunto é fitoterapia aí o mamão e suas partes pedem muitas páginas mais. A papaína, uma enzima que quebra proteínas, é responsável por quase todas as aplicações medicinais.  E até na cozinha, ela tem suas implicações, afinal a gente não consegue fazer gelatina, que é colágeno, uma proteína,  com mamão cru. O cozimento desnatura a enzima e aí sim a gelatinização acontece.   O mesmo se dá com o abacaxi cru que não deixa coagular a gelatina não porque seja ácido mas porque tem bromelina, uma enzima proteolítica, de ação similar. 

Às vezes o mamão verde, de novo por causa da papaína, é usado para amaciar carne, mas a enzima pode fazer estrago com as fibras musculares se for usada em exagero. Algumas gotas da seiva no tempero de um corte mais duro são suficientes.
Parte da seiva contendo papaína saí do fruto assim que o cortamos, descascamos e lavamos.  Outra parte ainda resta e é responsável pela fama de fruta digestiva que tem o mamão.  Mas se estiver com ulcerações na boca ou na garganta, é melhor evitar comer o fruto cru, pois a papaína pode intensificar o machucado.  E use luvas caso tenha machucados nas mãos.

O  ideal é consumi-lo quando ainda tem as sementes brancas e a casca bem escura, sem nuanças de amarelo. Isto, quando queremos usá-lo em saladas, especialmente, pois estará bem crocante e com um ligeiro adocicado. À medida em que amadurece, o amido vai se transformando gradativamente em açúcar e a polpa vai ficando mais doce e colorida. Ainda assim, ele poderá ser usado em pratos salgados ajustando-se a técnica.  Ou seja, mamão de todos os tipos se usa em todas as fases.

Para cozinhar, coloque em água fria salgada ou em caldos e deixe ferver por cerca de 10 minutos ou até os pedaços ficarem macios.  Para salada, depois de descascar e ralar, lave umas três vezes para sair o excesso de amido e assim ele ficará mais crocante e translúcido. O mesmo vale para doces. 

E só para finalizar, não posso deixar de contar uma descoberta quase acidental: o suco verde de folhas de mamão pode acabar com os pulgões de sua horta. Bata no liquidificador algumas folhas e talos picados, junte água para fazer  um suco bem forte, coe num pano, junte umas gotas de detergente (só para fixar melhor nas plantas) e pulverize quantas vezes quiser ou precisar.  Não restará um bichinho para contar história e você poderá usar sua pimenta e seu coentro sadios para fazer a salada tailandesa, um dos pratos mais deliciosos feitos com mamão verde.

Salada tailandesa de mamão verde

1 mamão verde de meio quilo
Meia pimenta dedo-de-moça vermelha, sem sementes, picada em tirinha
4 colheres (sopa) de folhas de coentro e de menta a gosto
2 dentes de alho picados
1 colher (sopa) de açúcar de palma ou mascavo
1/4 de xícara (chá) de molho de peixe
1/4 de xícara (chá) de suco de limão
3 colheres (sopa) de amendoins torrados sem pele

Descasque o mamão, lave bem e, sem cortar, segure com um pano e rale em tirinhas no mandolim, até chegar no miolo. Vá rodeando até acabar. Para tirar o excesso de amido, enxague e escorra três vezes, apertando bem no final. Junte as tirinhas de pimenta e as folhas de coentro e de menta e reserve. No pilão, soque o alho e o açúcar. Junte o molho de camarão  e o suco de limão. Mexa bem pra dissolver o açúcar. Despeje sobre o mamão e misture bem com as mãos. Coloque num prato de servir e jogue por cima os amendoins e mais folhinhas para decorar.

Obs: molho de peixe ou de camarão, você encontra em mercearias de produtos asiáticos e até em alguns supermercados. Mas se não encontrar, use 4 camarões secos socados juntos com o alho e 1/2 colher (sopa) de molho de soja.  Ou tempere a salada só com sal e os outros temperos, que também ficará gostosa.

Rende: 4 a 6 porções