sexta-feira, 20 de dezembro de 2019

Índios Kayapó. Pintura com urucum


Continuação. Assim como a pintura de jenipapo, a de urucum é marcada de significados, mas também usada no cotidiano em harmonia com o grafismo preto. Com funções mais prosaicas como estética, protetor de insetos e de sol, tem fácil aplicação, mas exige cuidados para não manchar. Basta uma coceirinha e a gente já se borra. 
Para fazer, basta umas sementes de babaçu e sementes de urucum. Veja a seguir como se prepara. 


Como se prepara: a tinta de urucum é simples de fazer. Basta mastigar bem sementes de babaçu e usar o óleo extraído com a trituração misturado à saliva pra diluir a tinta que sai do arilo das sementes atritadas entre as mãos. O que sobra do babaçu é comida, come-se.  

quinta-feira, 19 de dezembro de 2019

Índios Kayapó. A pintura de jenipapo



Voltando aos Kayapó. Ainda vou chegar à comida, mas antes não posso deixar de falar da "ôk", pintura de jenipapo e de urucum, que ocupa um lugar importante na vida de homens e mulheres da aldeia. Os motivos das ôk podem estar relacionados a especificidades como festas diversas,  rituais como funeral e nascimento e eventos como guerra, pesca, incursões à floresta etc. Mas no dia a dia servem mesmo para embelezar, ajudar a desenvolver o corpo e garantir proteção, com grafismos feitos usando varetinhas de inajá, super flexíveis, ou com dedo, inspirados  em elementos da natureza - cabaça, peixe, jabuti, pegadas de animais, casca de árvores etc.

A casca da árvore usada para o carvão 


Vai fazendo carvão aos poucos 
A mistura de carvão, jenipapo e saliva 

A tinta corporal dos Kayapó. O preparo da tinta de jenipapo é complexo e envolve algumas etapas: coleta do jenipapo na floresta, preparo das varetinhas de palmeira inajá e extração da casca de uma árvore que tem aspecto de carvalho, muito porosa e leve. Com ela se faz carvão bastante friável que ainda quente é misturado com a polpa do jenipapo - parte dele deve ser mastigado para triturar e incorporar saliva. Imagino que a ptialina possa contribuir de alguma forma para que o pigmento genipina fique mais escuro. O carvão serve para marcar. Depois de lavado, saí e aí o pigmento já terá tingido a pele - vai saindo aos poucos, conforme a pele se renova. Pode durar de 7 a 15 dias aproximadamente, a depender de quanto a pele é lavada e atritada.






Uma sessão de pintura corporal entre as mulheres Kayapó é como uma tarde no salão de beleza. Umas pintam as outras com capricho e paciência. Depois de pintar o rosto geralmente com retângulos, tiram os vestidos e ficam de shortinho ou calcinha pra pintar o corpo todo. De crianças, até a bunda. Com os dedos, a pintura é mais rústica e não demora mais que meia hora. Mas com varetinhas de inajá, o corpo todo pode demorar três horas pães ser pintado, com três ou quatro mulheres pintando ao mesmo tempo (a minha foi assim). Depois tem que esperar secar bem por umas três horas ou até o outro dia e tomar banho no rio pra tirar o carvão. Como esta atividade é constante, elas têm sempre uma das mãos totalmente pretas. 


Além da pintura corporal, outra prática de beleza comum é raspar com lâmina o topo da cabeça assim. Não descobri outra razão além da estética, mas certamente tem.



Crianças são pintadas ainda bebês para ajudar no desenvolvimento do corpo, e aprendem muito precocemente a arte da pintura, de modo que toda mulher sabe pintar. Algumas são mais caprichosas e talentosas que outras, mas todas sabem


Continuação. Homens também são pintados e nem os kuben (homens não índios) são poupados. Elas ficam felizes quando aceitamos compartilhar a experiência. Depois ficam admirando a própria pintura e dizendo que ficamos bonitos e bonitas .  Aqui, o fotografado é o talentoso fotógrafo Loiro Cunha @loirocunha que filmou e fotografou a comunidade sem em nenhum momento deixar que a estética atropelasse a ética e o respeito pelas pessoas clicadas - o amigo que esta viagem me presenteou

Depois da pintura, depois de algumas horas, o banho no rio 


Feito com facão 

Pezinho de anta 

A parte do jenipapo desprezada serve para a confecção de carimbos, quase por brincadeira, como mostra no vídeo com Doto, uma liderança local  -  desenho de uma tribo e patinha de anta. Passa na mesma tinta preparada pelas mulheres para a pintura corporal e carimba o que quiser. 

quarta-feira, 18 de dezembro de 2019

Índios Kayapó. As mulheres e os pais


As Mulheres Kayapó da aldeia Pykany (pronuncia-se 'pucanú') estão se preparando para lançar um programa de vivência na aldeia em breve. Serão grupos muito pequenos e selecionados. Estivemos lá (@loirocunha , @negocioscomunitarios e eu) à convite do @instituto_kabu e @mrosenbaum para juntos pensarmos o que seria interessante mostrar, como mostrar e como minimizar possíveis impactos. As menire, como são chamadas, se empenharam em nos apresentar a melhor comida. Cada refeição era um verdadeiro banquete com ingredientes fresquíssimos colhidos na roça, coletados ou cacados na floresta,  pescado no rio. Tudo preparado com técnicas simples e ancestrais e sem temperos - cozidos em água, na chapa (os beijus) ou assados na folha de bananeira em fogo de chão. Tudo com o sabor  genuíno do alimento. Vou mostrar nos próximos posts. 


Mulheres Kayapó são fortes, guerreiras, trabalhadeiras e os adornos geralmente são funcionais. Suas maquiagens e produtos de beleza à base de jenipapo, urucum e babaçu não contêm microplásticos,  são naturais, atóxicos, veganos, comestíveis, sustentáveis, protetivos etc. E o segredo das pernas fortes não são as saladinhas com peito de frango, não, que elas nem comem verdes e os frangos de quintal não se matam. Deve ser mesmo o trabalho carregando peso na cabeça, o lavar roupa de cócoras no rio, o cortar lenha com machado. E, claro, esta genética exclusiva.


Mães e pais Kayapó. O trabalho da mulher é pesado. É ela quem cuida das crianças, da casa, da roça. Não que não tenham que fazer tudo isto,  afinal ou cuidamos das nossas necessidades inerentes ou temos que depender de outra pessoa (muitas vezes explorando-a) para fazer isto. O que tem que ter é companheirismo nestas tarefas. Eles também tem que fazer. Até entre os Kayapó há homens que dividem estas funções com as mulheres e os que se restringem a caçar e pescar como os homens das cidades que trabalham fora como as mulheres e querem chegar em casa pra relaxar e encontrar filhos cuidados, casa limpa, comida pronta e roupa lavada. Este tempo está no fim. 
Aqui, Pinoti com a mulher Iretynh trocam o bebê de colo durante o trabalho na roça.  Ele estava sempre por perto. Há homens e homens, não importa a cultura - que nunca é estática. 

Foto: Camila Barra 

Outro que compartilha com a mulher o cuidado dia filhos é o Koti, que também é um bom caçador. Atrás, o Pinoti do post anterior,  maravilhado com seu lindo bebê. Crianças são como dádivas para os Kayapó. Garantem a continuidade da aldeia e sua cultura. 

segunda-feira, 16 de dezembro de 2019

Índios Kayapó. As crianças



Estive recentemente junto aos Kayapó, na aldeia Pykany, terra indígena Mekrângnoti, no Pará e vou postar aqui aos poucos o que vi por lá, a começar pelas crianças.  Em outro post conto o que fui fazer lá. Estou publicando também no instagram @neiderigo 



Entre os Kayapó, crianças não ficam recebendo sermões nem castigos nem correções. Elas são livres pra brincar inclusive com água, fogo e faca. Aprendem pelo exemplo, tentativa e erro. Copiam dos mais velhos o jeito de dançar, de pescar, de carregar bebês e também de se pintar com jenipapo e urucum. Pintam-se umas às outras com graça e cuidado. Enquanto as mulheres usam uma cuia grande pra colocar a tinta (mastigam e cospem as sementes do jenipapo verde e misturam com carvão de uma determinada espécie), elas pegam a banda vazia do próprio jenipapo e a transformam numa cuinha.

Mão de criança Kayapó com cuinha de jenipapo (uma banda sem as sementes usadas no preparo da tinta), pra conter a tinta do próprio jenipapo, e varetinha de inajá pra pintar a pele. Nas brincadeiras infantis



Crianças Kayapó eventualmente também fazem birra como os filhos dos kuben (os não índios), com a diferença de que podem chorar à vontade sem receber adulação ou broncas.  Até que param. Parecem se esquecer porque mesmo começaram. Claro, as mães sabem quando é choro de dor ou de manha e acodem quando há precisão. E os brinquedos podem ser uma esperança. Às vezes os insetos, que servem também de isca para pegar peixes, são eviscerados por elas para que fiquem inertes e colaborem com a brincadeira. Mas enquanto estão vivos são acariciados, grudam nos dedos, encaram.


Crianças Kayapó não ficam entediadas sem saber com o que brincar ou pedindo para adultos inventarem atividades. Elas mesmas produzem o próprio brinquedo e se divertem enfrentando perigos às vezes. Aprendem cedo a lidar com facões, água, fogo. Aprendem pelo exemplo a cuidar da floresta e a domar o fogo - mas começam cedo brincando com ele.  Fazem grandes labirintos com palhada, brincam, se rolam neles e depois tacam fogo, pulam, pisam, chutam, tropeçam.  Crianças mais velhas cuidam dos mais novos e os protegem, mas inventam brincadeiras sem que nenhum adulto se intrometa. De qualquer forma, eles estão sempre por perto e as crianças são de responsabilidade da aldeia, como filhos de todos. 






Mãos de crianças Kayapó. Que tateam, descobrem, brincam, se sujam, pintam, se enfeitam, ostentam adornos, aceitam proteção.