terça-feira, 11 de março de 2008

Despescando o curral


Seu Brito, com o puçá - este dia foi fraco

Enquanto aqui, diariamente, acompanhamos com apreensão as cheias sem motivo aparente de estradas e avenidas, na Ilha do Marajó todas as atividades são regidas anualmente pelas estações bem marcadas; mensalmente, pela lua e diariamente, pela maré. Como um ciclo respiratório em que cada inspiração ou expiração dura em média 6 horas, os igarapés, como alvéolos, se enchem e se esvaziam em movimentos suaves. De água em vez de ar. Movimento conhecido e alternado, diferente do de carros, imprevisível. Não sei, depois de tanta má noticia nas últimas semanas sobre o trânsito insolúvel, o otimismo da indústria automobilística e o fluxo de movimento bloqueado, hoje me deu saudade da paz do Marajó, onde as pessoas ainda vivem segundo as regras ditadas pela natureza, onde vão de lugar a outro sem impedimento via bike ou búfalo, de canoa ou charete, sem pressa. E mesmo assim, as coisas fluem, vem e vão, têm ritmo, movimento constante, respiram e expiram.


A trilha para o curral - mangal


Igarapé Tucumandubinha (nome por causa da fartura de tucumãs)

O curral durante a cheia. Ainda não é hora de coletar os peixes.


Boca da Glória

O curral na vazante. É agora.

À tardinha a gente saía para despescar o curral, uma estrutura labiríntica feita com bambu-taboca (Guadua sp) e talas de marajá (Bactris sp), amarrados com cipó-titica (Heteropsis sp), todas as espécies típicas da Amazônia. A construção tem uma arquitetura peculiar, pois é feita de um jeito que o peixe entra durante a maré cheia e fica preso na maré vazante. Para poder captura-los a água tem que estar bem baixa, por isto, chegamos lá por terra (se é que podemos chamar um mangal de terra) durante a vazante. Assim cortamos caminho e estávamos no local por volta das 5 horas da tarde, quando ainda é dia e a água não vazou totalmente. Quando a maré está cheia, podemos alcançar o mesmo curral - mas é fundo pra pegar os peixes-, pegando um barco no igarapé Tucumandubinha, passando pelo Tucumanduba e chegando na Boca da Gloria por onde já se entra no marzão sem fim da baía do Marajó - um glorioso encontro de águas doces e salgadas. Só para entender: a Baia do Marajó é formada pela foz dos rios Pará e todos os outros que lhe dá vazão - Anapu-Pacajá, Jacundá, Araticu, Cupijó, Tocantins, Moju, Acará e Guamá, abrigando, portanto, água do Oceano Atlântico e a doce dos rios que ali desaguam. Limpa e de baixa salinidade, esta água é um prato cheio para um mergulho refrescante.

Mas, voltando à despescagem: Seu Brito, pai da minha amiga Kátia, o dono da fazenda, passa se esgueirando de lado pela entrada estreita do curral e logo sai com o puçá cheio de peixes que estavam lá a esperar numa piscininha. Tem dias de sorte com muito siri, pitu, piramutaba, carataí, tainha, pescada amarela e camuri (robalo flexa). Outros com muitos cascudos, bagres e baiacus que se incham todos e viram de ponta cabeça arreganhando a boquinha quando o tiramos do molhado. Todos, é claro, são devolvidos à água (sabem por lá que podem prepará-lo para tirar o veneno, mas, com tanta variedade, para que arriscar?). Acontece ainda de alguns espertinhos chegarem de barco, vindos por outras vias de acesso, antes do dono do curral. O mangal, a praia e os principais igarapés de acesso pertencem à fazenda São Jerônimo. Mas, sim, há piratas por lá. Ladrões de galinha, ops, de peixes.

Descrever o sabor dos peixes e pitus pescados assim e preparados pela dona Jerônima logo depois, no calor da lenha? Eu não sei, não. Não consigo. É demais para meu arsenal de adjetivos. Basta dizer que nenhum peixe comprado no Ceagesp, Mercadão ou feiras-livres de madrugada terão aquele sabor. Só indo lá para experimentar. Ou fiquem a sonhar.

A fazenda tem uma pousada cinco suítes para até três pessoas cada uma. Com Tv e ar condicionado na privacidade e muita emoção e liberdade ao redor.
Siri


Baiacu começando a se encher

O mesmo baiacu cheio como um balão


Peixes vivinhos



Pitus gigantes

Fazenda São Jerônimo
www.marajo.tk
(91) 3741-2093

5 comentários:

Anônimo disse...

Sabes que adorei o teu blogue? Eu gostaria de ter um assim, mas não sei postar fotos e também não sei fazer a migração das mesmas.
As fotos são lindas e tu escreves muito bem.
Parabéns pelo teu blogue.

Anônimo disse...

Lindas fotos, lindo sítio..e tanta variedade de peixe..gostei

Carolina Andrade disse...

Neide, sou fã númeroum de teu blog, acho suas histórias simplismente incrivéis e tua vida cheia de emoção e muito aprendizado, que delícia deve ser participar de todas estas aventuras...Grande beijo a Ti. Ah, postei a foto do Baiacu como bola lá no meu blog, achei incrível, espero que não de importe!!!

Sweet! disse...

Este siri parece o de coral q temos no Nordeste (comi em Maceió, mas nunca vi aqui em Pernambuco).

Ai, adoro ess blog.

Agdah disse...

Vc tem que dar umas dicas de como chegar nessa fazenda...