O instrumento na parede, em cima, à esquerda, é usado em Goa para ralar coco. Em seguida, Jesus, o chef das panelas. E depois, todos nós. Manuela Soares, amiga leitora do Come-se, é a loura. Moira ou Manuela, a morena. E ele, João Pedro. Como já disse, só teria uma noite e um dia em Lisboa. E como já havia cumprimentado e posado com Fernando Pessoa, comido pasteis de Belém e me deliciado desde o começo da viagem com uma boa mostra da comida alentejana, aproveitei o pouco tempo que tinha para encontrar algumas das pessoas queridas que conhecia apenas virtualmente através de blogs, unidos não só pelo assunto comida, mas pela cumplicidade da língua. Sei que deixei de ver muita coisa por lá, mas não me abalo quando tenho que fazer escolhas se posso aproveitá-las ao máximo. E também porque sempre iremos embora daqui e de qualquer lugar sem ter visto tudo o que gostaríamos ou que merece ser visto. De Lisboa vi bem o Mercado da Ribeira (falo dele e mostro ingredientes em breve) e só ali aprendi sobre a cultura gastronômica local muito mais que nos livros. Eu me contento e transformo o pouco em muito. Bem, acabou que o João Pedro Diniz, do blog Ardeu a Padaria, indicou como ponto de encontro um restaurante com comidas de Goa, na Mouraria (para saber mais sobre este bairro que já abrigou islâmicos e hoje é povoado de indianos, coreanos, chineses, veja aqui). O Pedro não conhecia a Manuela, a Moira do blog Tertúlia de Sabores, nem a Manuela, entendidíssima de cozinha e leitora de nossos blogs. E vice-verso. Ou seja, já aprendi muito de cozinha portuguesa com estes três, mas ninguém conhecia ninguém e foi um encontro às cegas, iluminado por Jesus. Isto mesmo, o simpático cozinheiro e também garçon do Tentações de Goa era pra ter nascido no Natal, mas atrasou um pouco e despontou no começo de janeiro; mesmo assim, a mãe, muito cristã, o batizou de Jesus, enquanto o pai quis homenagear o astro Bruce Lee. Resultou o Jesuslee, falante, generoso e calmo como um bom amigo baiano. E, claro, cozinheiro dos bons desde menino.
Lembrando que Goa, hoje um estado da Índia, também foi colônia de Portugal até 1961, nota-se quase um parentesco. E é engraçado comer um sarapatel goense praticamente igual ao nosso. O prato, originário do Alto Alentejo, é feito com traquéia, pulmões, fígado, rim, tripas, coração e sangue de porco, carneiro ou cabrito. Recebeu influência indiana e foi assim que chegou por aqui. No Nordeste, ganhou temperos nossos, como o urucum, mas o cominho e a pimenta-do-reino são os mesmos que marcam o sabor do sarapatel aqui ou em Goa. Jesus explicou que o segredo de seu sarapatel é cozinhar as carnes com pouca água (para não ter que jogá-la fora - o que sobra, usa no molho), cada uma a seu tempo, sendo que as orelhas do porco também entram, mas ficam na panela cozinhando enquanto as outras carnes já estão cozidas e estão sendo picadas em dadinhos bem miúdos. Isto leva tempo e exige paciência.
Outros pratos de nomes diferentes: bojoés com chetnim (chutney), chamuça - os pasteizinhos que conhecemos como samosas, Baji puri com fôfos e tantos outros. A comida é picante, mas há alguns pratos no cardápio mais leves. É só pedir, que para Jesus nada é impossível.
Como o João Pedro frequenta o restaurante duas vezes por semana, nos sentimos lá como se estivéssemos em sua casa, com Jesus à mesa, ofertando vinho e explicando os pratos. A dona, Maria dos Anjos, também é pessoa simpática, receptiva e todos parecem trabalhar ali com alegria e harmonia (apenas três pessoas que se multiplicam sem estresse para dar conta do recado). O lugar é pequeno, escondido, aconchegante. É bom ligar e reservar para não correr o risco de ficar ali à toa nas ruelas da Mouraria. Tentações de Goa
Rua S. Pedro Mártir, nº 23 - Mouraria - Lisboa
Telefones: 218 875 824, 914 814 043 ou 963 972 216
Entradinhas, caris, sarapatel, biryani. De sobremesa, o delicioso doce de grão de bico o típico bolo goense, bebinca, cremoso como um pudim, feito em camadas assadas na mesma forma em tempos diferentes - com coco e especiarias.
Presentinhos dos amigos portugueses. A colher de pau portuguesa, esculpida à mão, é presente da Manuela, que tem uma coleção destes utensílios. O CD do Rodrigo Leão tem sido a trilha sonora deste escritório nos últimos dias - é lindo de morrer e tem uma música com letra do João Pedro. Castanhas e livro sobre azeite foram os mimos da Manuela Soares, fiel leitora e agora amiga.
Depois ainda fomos visitar uma lojinha de produtos indianos e, sob o risco de perder tudo na alfândega, não pude deixar de comprar feijões de diferentes formas - parentes do azuki, do fradinho, do mangalô ou lablab ou orelha-de-padre, todos traduzidos simplistamente como "feijão". Quem souber os nomes, me diga, que eu agradeço. Além disso, ainda a deliciosa farinha de mandioca angolana de Muceque (azedinha e crocante, deliciosa). A pimentinha piri-piri seca, comprei no Mercado da Ribeira, único produto tipicamente português que trouxe, além do vinho do engenheiro, azeites e mais azeites - dos quais ainda falarei. É porque ainda volto. Ah, se volto.
20 comentários:
Neide,
Curiosidade minha, Eles oferecem Vindaloo no menu deles? Vindaloo (pelo menos no nome) é o equivalente deles do Português 'carne com vinha de alhos" ... muito interessante como as palavras e sabores se morfam de maneira que chega-se a um ponto onde as pessoas já nem mais conseguem fazer a conexão.... vindalio...vindaloo ( está nos livros Near a Thousand Tables e Millenium - Felipe Fernadez-Armesto)
O Vindaloo é bastante popular em restaurantes Indianos de Londres, NY e aqui em SF mas não sei se é popluar em Portugal ou mesmo Goa. Tenho que ir algum para confirmar rs
Adoro baji (mirchii meu favorito) e samosas com picles de manga verdolenga, tamarindo e coentro.. Comida Indiana é uma das minhas favoritas. Quando cozinho comida Indiana me sinto com se estivesse num laboratório de Ciências. Tantos cheiros, sabores e texturas...
Abração
Heg
Neide,deve ter sido super especial,e me deu uma enorme vontade de provar a comida do Jesus,quem sabe um dia.Beijo!!
Heguiberto,
não me lembro de ter visto este prato no menu. Agora fiquei curiosa. Vou procurar saber.
Mari, quem sabe naquela nossa viagem pela Europa...
beijos, N
O bom das viagens é não esgotar todas as possibilidades e ficar com vontade de voltar. Cada lugar desse planeta tem tantas coisas boas para serem vistas, experimentadas, trocadas, saboreadas... Tantas pessoas maravilhosas que conhecemos "por acaso", "por um blog" e que têm muito a nos ensinar...
Quanto às comidas, acho que faria um tour gastronômico pelos pratos típicos (e costumo fazê-lo), cada vez com a mente mais aberta a novos sabores, texturas...
Viajei junto com você!
Bjs.
Gina,
desta vez o tour gastronômico ficou restrito ao Alentejo, mas fiquei satisfeita com tudo, principalmente pelos amigos. E certamente voltarei a Lisboa para explorá-la. beijos, N
Neide,
Só de ver as fotos me deu uma saudade, pena o tempo ter sido tão curto, tenho a certeza que teriamos muito mais para conversar e também para ver, mas é como você diz, fica para a próxima.
Tenho que ir comprar farinha de grão de bico para fazer aqueles bojoés e descobrir a receita do chetnim.
Agora aguardo a reportagem do mercado da ribeira, não passo por lá faz anos.
Beijos
Manuela
Neide, que encontro delicioso!
Acredito ter sido um encontro de afinidades, pelo menos pela Moira que já tive o prazer de conhecer.
Tb sou freguesa dos produtos indianos do Martim Moniz, quase um universo paralelo dentro da cidade de Lisboa...
Tive pena de só saber do encontro tarde demais, pois teria gostado muito de te conhecer.
Fico à espera de mais fotos! :)
Beijinhos. :)
Neide, o encontro descrito assim parece ainda melhor. Só um reparo, eu não escrevi a música pois essa é do Rodrigo, apenas escrevi a letra.
No Tentações há sempre vindalho, assim como o balchão de porco, ambotik de cação, addmas(entrecosto de porco) e o chacuti de cabrito.
Heguiberto, o João Pedro está dizendo que tem sim vindalho no cardápio do Tentações. Vou ter que voltar lá pra conferir.
João Pedro, já arrumei lá. Era isto que queria dizer... a letra, mas saiu música. É linda, parabéns.
Moira, também deu vontade de fazer bojoé. É com a farinha ou com o próprio grão? Bem, da próxima vez que for aí, continuamos o papo que estava muito bom. Adorei te conhecer.
Gasparzinha! Pois é, foi tão corrido. COnsidero que foi só um aperitivo. Da próxima vez faremos um encontro maior. Ou quando, quem sabe, vier ao Brasil. Obrigada por me lembrar o nome da loja - Martin Moniz!
Um abraço,
N
Adorei conhecer as Manuelas e o Pedro! E quanta comida boa, eta nois, meu estomago ate roncou.
beijooo Neide! :-*
E volte cá, também!
Porque nos soube a pouco...
Um abraço
Manuela S.
Neide,
Os bojoés são legumes cozidos envoltos em polme feito com farinha de grão de bico e depois fritos. É uma espécie de pataniscas.
É uma pena não podermos enviar dessas coisas para o Brasil, senão eu enviava a dita farinha.
Beijos
Apenas posso recomendar também o caril de camarão com quiabos, e o ocasional xeque xeque de caranguejo. Há anos que não me lembro do Jesus fazer pimentos recheados. São precisas dezenas de visitas para dar a volta è ementa e a tudo de bom que o Tentações de Goa tem para oferecer. Como as chamuças de sobremesa, com grão e canela.
Fer,
pena que fomos em períodos desencontrados pra Lisboa. Você teria gostado de conhecê-los além das outras amigas blogueiras portuguesas que conheci por você.
Moira, agora fiquei mais atiçada.
Miguel, o caril de quiabou eu comi, uma delícia mesmo. Já as chamuças, só as de entrada.
Um abraço,
Neide
Mais vale tarde que nunca e conhecer este restaurante, deliciar-me com a comida divina...ou não fossem eles Jesus e Maria!!
Deixe-me dizer-lhe que escolheu um dos mais genuínos restaurantes de comida GOESA...
Gostaria de sublinhar que existe (como deve ter provado) uma diferença grande entre a cozinha Goesa e cozinha Indiana.
E a grande diferença vc teve a oportunidade de lhe sentir o paladar nas misturas de cheiros e sabores e culturas obviamente.
Seria impensável um muçulmano ou hindu comerem vaca ou porco, enquanto que na cozinha goesa são pratos comuns.
Se gostou dos sabores, recomendo-lhe, se me permite, a leitura de um dos melhores livros que li até hoje sobre a comida Goesa.
Chama-se: SABOR DE GOA da editora Assírio & Alvim e as autoras são, Maria Fernanda Noronha da Costa e Sousa, e Inês Gonçalves.
Na sua próxima visita recomendo-lhe também uma visita a um outro fantástico restaurante de comida Goesa que se chama; Cantinho da Paz. (só pelo nome já apetece visitar)
Bem haja, volte sempre e bons cozinhados...
antónio
António! Muito obrigada pelas dicas. Me lembrarei delas quando voltar a Portugal.
Um abraço, N
Adoro comida Goesa. Assim como adorei Goa.
Provei há dias um chetenim de camarão seco, simplesmente fantástico! Alguém sabe como se faz?
Adorava tentar fazer.
Desde já muito obrigada.
Maria
enquanto que na cozinha goesa são pratos comuns.
Se gostou dos sabores, recomendo-lhe, se me permite, a leitura de um dos melhores livros que li até hoje sobre a comida Goesa.
Para a próxima experimentem comer o Sana https://www.google.pt/imgres?imgurl=https%3A%2F%2Fc.ndtvimg.com%2F2021-03%2Fkhgb6cvo_sanna_625x300_09_March_21.jpg%3Fim%3DFaceCrop%2Calgorithm%3Ddnn%2Cwidth%3D1200%2Cheight%3D886&imgrefurl=https%3A%2F%2Ffood.ndtv.com%2Ffood-drinks%2Fhow-to-make-goan-sanna-a-konkani-steamed-bread-made-with-rice-recipe-inside-2387030&tbnid=Hn2HXLm5c0xS1M&vet=1&docid=GQXD83Mk4dBJAM&w=1200&h=886&hl=pt-PT&source=sh%2Fx%2Fim
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