Antes é preciso que se entenda como tudo começou. Recebi, já há alguns meses, mensagens de dois leitores de lugares diferentes. O primeiro, Felipe, chegou me falando de sua goiabada de família e o outro, João Batista, veio depois falando do biscoito de infância. O que fiz fui juntar uma coisa com a outra. Mas vejam os emails:
Olá, Sou João Batista, moro em Fortaleza, tenho 41 anos e sou nordestino do interior da Paraíba. As vezes visito seu blog e gosto muito do que é publicado lá. Das receitas e viagens gastronômicas que considero muito interessantes e inteligentes mesmo para quem mal sabe fritar um ovo como eu. Tenho observado sua curiosidade em relação a diversas cozinhas brasileiras e tenho algumas lembranças da infância de coisas que hoje fica bem difícil de encontrar. Umas delas diz respeito a uma sopa fria de umbu (fruto ácido e típico da caatinga). Outra lembrança diz respeito a um doce que comia na porta da minha escola. Mas que nunca mais saboreei novamente. Era tipo uma pastelzinho de polvilho (branco, sem ser frito) recheado com uma mistura de doce de goiaba apimentado. Você por acaso sabe que doce é esse? qual sua origem? Agradeceria imensamente se pudesse esclarecer essa minha dúvida.Um grande abraço, João Batista . Logo depois...Olá, Obrigado pela resposta rápida. Gostei. A sopa fria de umbu é mesmo a umbuzada (ainda bem que você já conhecia com esse nome). É gostoso também o sorvete de umbu mas utilizando a fruta cozida como faz para a umbuzada porque diminui a acidez. Quanto ao pastel parecia ser algo árabe porque a massa era seca, branquinha e meio crocante e o recheio era a goiabada (derretida) e temperada com pimenta do reino. um abraço Agora, o email do Felipe Cara Neide,
Nossa goiabada ja vem de uma tradiçao de familia, minha bisavo fazia, depois passou para minha avo, agora meu pai que faz. Ele ja faz ha dez anos mas apenas agora nos resolvemos oficializar. Em sao paulo temos apenas em dois lugares por enquanto. Gostaria que me passasse seu endereço para lhe enviar uma amostra. E mais...Cara Neide, Temos no Zilana e no Giardino (Higienópolis). Mas até sexta feira te mando uma nesse endereço. A que vou te mandar custa R$ 10,00, tenho um pote, também R$ 10, e a cascao, R$11,00. Obrigado pela atenção 
Este da direita, fiz moldando numa tacinha e desenhando a massa com um palito O fato é que fiquei matutando a descrição do João Batista, sonhando com a goiabada com pimenta. Aquele "algo árabe" do email dele me fez pensar imediatamente na massa de mamul, aqueles biscoitinhos árabes de semolina recheados com nozes, damascos ou tâmaras, perfumados com água de rosas e de flor de laranjeira. Já fiz alguns no passado e me lembrava deles crocantes, sequinhos, branquinhos. Mas, como não tinha blog para registrar, sabe-se lá que receita usei. Este é o problema desta cozinha sem métodos, em que a gente faz algo bom, a coisa se perde e é preciso começar do zero, perdendo tempo e material. Na cozinha também vale aquela máxima de bar de que é preciso conhecer a história para não se repetir os mesmos erros do passado. Por isto acabei testando 6 receitas de mamul até chegar na descrição do João Batista -
seca, branquinha e meio crocante (exatamente como já tinha feito no passado). Agora, mamul com recheio de goiabada nunca tinha visto. Ainda mais com pimenta-do-reino.
Acabei aprovando uma receita de um livrinho antigo da Nova Cultural, de uma certa Laura Conti - tão real como a nossa Dona Benta. Está no volume sobre Líbano - são os "Biscoitos de Tâmaras", ali moldados nas mãos. Mas é o velho mamul que deve ter muitas variações. Só tirei o fermento, que não precisa e faz a massa crescer e perder o desenho, e substituí o recheio. Foi um bom motivo para usar meu molde de mamul que jazia esquecido numa gaveta há anos. Comprei num mercado de pulgas não me lembro mais onde nem quando nem porque (aliás, comprei sem saber e só depois fiquei sabendo da função).
E a
goiabada do Felipe chegou na hora certa. É muito boa para isto. Macia, pura goiaba, sabor apuradíssimo, depois de assada fica molinha e, no preparo, adere bem a pimenta moída grosseiramente. Na última versão, esta que apresento, ainda usei outros doces de corte para testar. A
marmelada de Santa Luzia, que está na Arca do Gosto do Slow Food, o doce de butiá e o doce de umbu fizeram também ótimos recheios - todos com pimenta. Mas com goiabada foi o melhor.
Pois é, há coisas que a gente só aprende com o outro mostrando. Com toda a imaginação, nunca eu iria chegar a esta combinação de goiabada com pimenta. Vale experimentar.
Mamul ou Biscoito de goiabada com pimenta Ingredientes200 g de manteiga sem sal
1 xícara de farinha de trigo
1,5 xícara de semolina fina
1 pitada de sal
1/3 de xícara de açúcar
2 colheres (sopa) de água de rosas
1 colher (chá) de água de flor de laranja
7 colheres (sopa) de água (100 ml)
1 colher sopa de açúcar de confeiteiro para polvilhar
Recheio
Cerca de 100 g de goiabada cortada em 20 pedacinhos
1 colher (sopa) de pimenta-do-reino triturada grossa na hora
Modo de fazer: derreta a manteiga e esfriar. Numa tigela, misture a farinha, a semolina, o sal e o açúcar. Junte a manteiga derretida e misture bem com um garfo. Cubra e deixe repousar por 6 horas em temperatura ambiente. Misture as águas de flores com a água e despeje de pouco sobre a massa. Trabalhe-a com a ponta dos dedos até que fique lisa (não amasse muito - se não, vai desenvolver o glutén e não ficará crocante). Deixe repousar por 15 minutos, divida em 20 porções do tamanho de um limão galego. Abra no meio e coloque um quadradinho de doce empanada na pimenta-do-reino . Feche e molde na forma. Bata a forma na beirada da mesa ou da pia para desenformar. Se não tiver o molde, use uma xícara pequena, aberta e rasa e enfarinhe bem a massa, pois terá que desenformar na mão. Ou apenas molde nas mãos mesmo e faça um desenho por cima com um garfo. Coloque numa assadeira sem untar, leve ao forno médio pré-aquecido e deixe assar por 20 a 30 minutos ou até que fique firme e ligeiramente dourado no fundo. A superfície do biscoito deve ficar clarinha. Polvilhe açúcar de confeiteiro (eu polvilhei só um pouco, mas, se preferir, polvilhe mais). Espere esfriar e nhac com chá de hortelã.
Para ver como se faz mamul no molde,
veja este vídeo.
Nota: os recheiosUsei a goiabada Sabor de Fazenda e a marmelada de Santa Luzia, mas, see quiser testar o recheio clássico, basta cozinhar 1/2 xícara de tâmaras picadas com 1 colher (sopa) de manteiga, até amolecer e virar uma pasta. Divida em bolinhas e coloque no meio da massa. Ou triture nozes, misture com um pouco de açúcar e umedeça com água de rosas (fica uma delícia!)
Contato com o produtor da Goiabada Sabores da Fazenda
Felipe Sallum
Fazenda Sao Pedro Cx. Postal 80- Taquaritinga - SP
Onde comprar a goiabada em São Paulo
Empório ZilanaR. Itambé, 506 - Higienópolis - Tel. 11 3257-8671
Giardino Gastronômico Rua Martinico Prado, 436 - Tel. 11 3666-0343