terça-feira, 18 de agosto de 2009
Ainda nossos cheiros
Hoje encontramos por aqui temperos do mundo todo, mas temos lá nossas idiosincrasias
Estou meio sem tempo para o blog, mas não poderia deixar de lado a colaboração de alguns leitores no meu último post, sobre cheiro-verde. E tinha guardadas outras contribuições. É que na última feira de turismo, que aconteceu aqui em São Paulo, resolvi de repente fazer uma pesquisa. É difícil reunir num só lugar pessoas de vários lugares diferentes e ultimamente tenho aprendido a tirar algum proveito disto – já que não posso viajar tanto quanto gostaria.
Na maior cara de pau, improvisei um caderninho de jornalista, entrei nos estandes de artesanato de diferentes estados, a maioria do nordeste, perguntando para as atendentes nativas quem delas era a que mais cozinhava ou entendia de comida. - Sou do site Come-se (em vez de blog, para parecer mais sério) e estou fazendo uma pesquisa sobre temperos.../ - Como? Come quem? / -Não, é Come-se! Preciso saber o que se come de tempero na sua terra. Por fim, todo mundo quis falar porque todo mundo gosta de falar do que entende e de comida só não entende quem não come – pois, ainda que não cozinhe, cada quem tem sua opinião sobre o que come, sobre o que gosta e o que não gosta. Então eram sempre três ou quatro para falar, concordando e discordando. Não, na capital não se usa urucum, é mais no interior, dizia uma. E outra lá dizia: É mesmo, açafrão (cúrcuma) se usa para dar cor ao molho branco. E assim foi.
Mas, antes de mostrar o resultado da pesquisa e dos comentários sobre cheiro verde, fique aqui com umas citações bem antigas e interessantes de livros de viajantes sobre nossos temperos (do arquivo Ernani Silva Bruno – Equipamentos da Casa Brasileira – Usos e Costumes, no site do Museu da Casa Brasileira):
Ervas vistosas
Mostarda se semeia ao redor das casas das fazendas uma só vez [...] e colhe-se cada ano muita e boa mostarda. Coentros se dão tamanhos que cobrem um homem, os quais espigam e dão muita semente. Endros se dão tão alto que parecem funcho [...]. Funcho se dá com vara tamanha, que parece uma cana de roca muito grossa, e dá muita semente como os endros [...]. A salsa se dá muito formosa [...]. A hortelã tem na Bahia por praga nas hortas, porque onde a plantam lavra toda a terra e arrebenta por entre as outras hortaliças. A semente de cebolinha nasce mui bem, e delas se dão muito boas cebolas [...]
1587 - Recôncavo, Bahia
SOUSA, Gabriel Soares de. Tratado Descritivo do Brasil (1587). São Paulo, EDUSP/ Companhia Editorial Nacional, 1971. p. 170-1
Sobre a chicória-do-pará
Há uma erva que se chama nhambí [trata-se de erva de condimento conhecida na Bahia por coentro de caboclo, e mais geralmente, coentro do pasto], que se parece na folha com coentro, e queima como mastruços, a qual os comem os índios e mestiços crua, e temperam as panelas dos seus manjares com ela, de quem é mui estimada.
Nota da edição comentada por Pirajá da Silva.
1587 - Recôncavo, Bahia
SOUSA, Gabriel Soares de. Tratado Descritivo do Brasil (1587). São Paulo, EDUSP/ Companhia Editorial Nacional, 1971. p. 200
Cheiros e temperos
Salsa-e-cebolinha ou coentro-e-cebolinha ou chicória-coentro-cebolinha-alfavaca ou simplemente coentro. Seja o que for, é diferente do bouquet garni que entra e sai da comida, emprestando-lhe aroma. Do nosso cheiro-verde aproveitamos tudo, do perfume ao verdume. Tiramos proveito do frescor herbáceo, daqueles aromas frágeis de ocasião, como os da salsinha picada e adicionada ao prato já no meio do caminho entre o fogão e a mesa, mantendo ainda a cor que também enfeita. Ou que seja adicionado lá no refogado, como é o caso do coentro na maioria das vezes, mas ele ali se mantém, até a boca. Os aromas das ervas frescas são diferentes daqueles dissolvidos no caldo à moda dos buquets garnis dos franceses ou dos ramos verdes portugueses. Bons também, mas diferentes.
Talvez nosso bouquet garni se resuma mesmo ao louro. Ele parece ser um denominador comum de norte a sul para perfumar sopas e feijões, pelo menos na minha pesquisa de última hora e sem metodologia validada. Este sim é colocado em marinadas, caldos e feijões e no final, exaurido, pode ser retirado e desprezado.
Bem, há ainda aquelas ervas, às vezes até chamadas de finas, como a salvia, a manjerona, o manjericão, o tomilho, o orégano. Mas estas quase não apareceram espontaneamente na minha pesquisa entre os estandes. E, claro, há tantas variações dentro de um mesmo estado que generalizações são burrices. Afinal, quem conhece, por exemplo, a hortelã- pimenta muito usada nos fogados do Vale do Paraíba, aqui mesmo no estado de São Paulo? Não, não é hortelã nem pimenta como aquelas que conhecemos – Veja sobre ela aqui. Mas isto tudo pode funcionar como uma pista para começarmos a entender um pouco mais da cozinha doméstica brasileira, aquela que a maioria das famílias pratica todos os dias em casa, mas que não aparece nas revistas nem nos programas de TV. Então, vamos lá aos resultados:
Cheiro verde em alguns lugares do Brasil, segundo leitores do Come-se (agradeço a todos que contribuiram e também ao Fernando, de Portugal)
Rio grande do Sul – salsa e cebolinha
Porto Alegre – RS - também conhecido como tempero verde, é salsa e cebolinha Curitiba - PR - salsinha e cebolinha
Paraná – Salsa+cebolinha
Botucatu - SP - salsa e cebolinha
Campinas - SP - salsa e cebolinha
São Paulo – SP – salsa e cebolinha – no mesmo amarradinho, às vezes vem louro, pimenta, alecrim e manjericão
Vale do Paraíba – SP - salsa e cebolinha, às vezes vem com manjericão e até alecrim.
Belo Horizonte - MG - salsa e cebolinha
Rio de Janeiro - RJ - salsa e cebolinha
Bahia – coentro e cebolinha
Ceará – coentro e cebolinha
Roraima - coentro e cebolinha
Pará - chicória-coentro-cebolinha-alfavaca
Outros temperos, segundo minha pesquisa (sem metodologia validada, valendo apenas com a lembrança do entrevistado)
Rio Grande do Sul - salsa e cebolinha (cheiro verde), alfavaca, manjericão, pimenta-do-reino, cravo, canela, erva-doce.
Santa Catarina – salsa e cebolinha (cheiro-verde), louro, cominho em carnes e caldo de peixe, alfavaca, manjericão, açafrão (cúrcuma, açafrão-da-terra), urucum.
Paraná - Salsa e cebolinha (cheiro-verde), pimenta-do-reino, colorau, louro, alfavaca, cominho.
Sergipe – coentro e cebolinha (cheiro-verde), pimenta-do-reino, cominho, louro na feijoada, colorau, cúrcuma (açafrão-da-terra), para molhos como o molho-branco, pra ficar amarelinho.
Maranhão – coentro, cebolinha, tempero seco (pimenta-do-reino + cominho), salsinha, manjericão, louro, azeite de babaçu (muito) e vinagreira.
Piauí - cheiro verde (coentro+cebolinha+pimenta-de-cheiro não ardida), tempero seco (cominho + pimenta-do-reino). Obs. não usa louro no feijão, mas usa na Panelada (bucho + tripas de boi).
Ceará - cheiro-verde (coentro+cebolinha+pimenta-de-cheiro – doce, não ardida), colorau, pimenta-do-reino. No doce de banana usa-se cravo e não canela.
Rio Grande do Norte: Cheiro verde (coentro), cominho (não é unanimidade), pimenta-do-reino, louro (só na feijoada) e colorau.
Pernambuco - cheiro-verde (coentro + cebolinha), louro no feijão e na feijoada, cominho, pimenta-do-reino, colorau (mais no interior).
Paraíba – cheiro-verde (coentro+cebolinha), salsinha, pimenta-do-reino, cominho, colorau, louro na feijoada.
Alagoas – coentro e cebolinha (cheiro verde), cominho, pimenta-do-reino e muito leite de coco.
Se quiser mandar sua contribuição, ela será sempre bem-vinda e poderá ser incluída aqui!
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9 comentários:
BH - salsa e cebolinha
Querida,
Te enviei um imeio e retorno aqui pra te dizer que adorei a introdução, a pergunta do entrevistado, come-se quem? e toda a pesquisa do cheiro verde, viu? Beijo e boa semana, Ines
Neide,
minha avó, vinda do interior da Bahia, cozinhava muito e muito bem. Ela usava muito hortela graudo, alecrim e manjericao, além de coentro, cebolinha, louro. Outras coisas muito usadas eram as folhas de laranja, limao e banana. Aprendi a usar ervas frescas com ela.
E eu sou parecida com a D. Olga rsrsrs erva-fresca é fresca mesmo, direto do quintal, onde eu tenho salsa, cebolinha, ceboulette, salvia, tomilho, alecrim, coentro, artemisia, hortela e orégano - ou do potinho (no inverno as sacadas das janelas recebem os potes de ervas q nao sobreviveriam lá fora). Mas eu pico tudo pequenininho.
Lá em casa (Salvador) cheiro-verde é cebolinha, coentro, salsa e hortela miudo e graudo, pois feijao e outras leguminosas tem q levar hortela na nossa casa.
Neide:
Cominho no Rio Grande do Norte só é utilizado em algumas cidades do Seridó e onde houve "colonização" de famílias pernambucanas no início dos povoamentos.
Na capital é até "maldito"! (hahaha)
bjs,adriana
Oi Neide, td bem?
Eu faço parte de uma rede de consumo responsável aqui em Piracicaba, onde recebemos, toda semana, uma planilha com os produtos disponíveis dos produtores de agricultura familiar da região e há umas semanas atrás encontrei um tal de " Hortelã Gigante" e pedi. Quando fui buscar minha cesta, um dos agrônomos responsáveis pela organização da rede me contou que esta erva era também conhecida como falso orégano. Você conhece? É mesmo muito parecida com o orégano, embora seja uma folha bem grande e aveludada, parecida um pouco com o boldo.
Bj,
Mariana
Oi, Mariana,
eu acho que é uma erva também chamada de hortelãzão. É meio amarga, não é?
bjs,n
Olá, Neide, sempre visito seu blog, sou sua fã. Inclusive já fiz algumas receitas suas.
Moro no DF, minha mãe é do Rio Grande do Norte. Cheiro-verde para a gente é coentro e cebolinha. No DF todo, para dizer a verdade. Quando morei em Porto Alegre era muito difícil encontrar coentro fresco. No Sul, o chamado tempero verde é composto se salsinha e cebolinha. E gosto dos dois, tanto do coentro quanto da salsinha.
Neide
Parabens, sua palestra foi ótima, apesar de ser tímida como você mesmo disse, mas como sua colega comentou, por conhecer bem o que faz assim fica mais facil transmitir. Você vai virar a Bahiana da Araruta. Você falou a lingua do homem do campo. um Abraço Talmar Sec. de Meio Ambiente de Sapeaçu.
Obrigada, Talmar. Aos poucos, a gente vai aprendendo.
Um abraço,
N
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