Ela me contou que um candidato a vereador carioca lhe ofereceu mil reais para que ficasse de suplente dele. Não, não precisava deixar a favela Vigário Geral, nem parar de cozinhar. Sequer trabalhar pra ele. Bastava lhe emprestar a popularidade que ganhou pela boa comida que faz e pela particularidade da chupeta. Isto mesmo, Lizietia Carmem Siqueira Rodrigues ainda não largou a chupeta e vem daí o apelido carinhoso que ganhou da comunidade: Chupetinha. Usou a história para ilustrar o tema vergonha. Disse que disto tem vergonha até de contar. Mandou às favas o vereador e sua proposta indecorosa. Mas diz que de chupar chupeta não tem a mínima inibição. E pratica o chupa-chupa em público sem nenhum pudor. Ela não gosta das ortodônticas, prefere as molinhas, mais vagabundinhas. E tem uma coleção delas espalhadas pela bolsa. Estão sempre por perto e ela se diverte com a mania infantil, prato cheio para psicanalistas de plantão com suas fases orais e que tais.
O fato é que a menina Lizietia Carmem é uma mulher bem resolvida com seu vício e que, a não ser pelo estranhamento que nos causa, não compromete sua vida social, não coloca em risco as pessoas que com ela convivem, não depaupera seu patrimônio nem da família, não abala sua saúde nem corrompe sua dignidade - prova disto é a recusa à proposta podre do político.
A farofa nunca falta nas mesas da Pensão da Chupetinha Ela estava aqui em São Paulo a convite do Café Cult, restaurante do Itaú Cultural, onde aconteceu durante esta semana a terceira edição do Antídoto - Seminário Internacional de Ações Culturais em Zonas de Conflito, com debates, espetáculos, cinema, teatro. Foi sua primeira vez a pisar num restaurante que não seja o seu; a primeira vez a andar de avião e a primeira vez a se hospedar num hotel.
A cozinheira Lizietia conta que o seu sucesso se deu às custas do sangue de 21 inocentes que morreram na absurda chacina de Vigário Geral, que ocorreu em 1993 e colocou o Brasil em destaque nas páginas de polícia do mundo todo. Foi atribuída a um grupo de extermínio formado por policiais em resposta à morte de quatro deles por traficantes. Lizietia conhecia todos eles, alguns amigos, conhecidos, vizinhos. Nenhum deles ligado ao tráfico ou atividades ilícitas (5 Metalúrgicos, 3 Gráficos, 2 Costureiras, 2 Comerciários, 1 Ferroviário, 1 Motorista, 1 Servidor Público da Saúde, l Frentista, 1 Vigilante, 1 Pedreiro, l Dona de Casa, 2 Estudantes).
É claro que seu sucesso deve-se, antes disso, ao gosto que tem pela cozinha e o capricho com que faz e serve seus pratos. Mas, foi servindo comida para os funcionários da ong Casa da Paz, que surgiu na comunidade por causa da chacina, que Lizietia começou a desabrochar como cozinheira. E depois teve também o pessoal do Grupo Afro Reggae (que organiza o seminário Antídoto em parceira com o Itaú cultural) que atraía para sua pensão gente de expressão como Pedro Bial, Gilberto Gil, Caetano Veloso, Regina Casé, Estevão Ciavatta entre outros que ajudaram Chupetinha a fazer fama. Segundo ela, antes disso teve um câncer e, em vez de cair na depressão, chupou chupeta e cozinhou pra valer. Poderia ter continuado como costureira, empregada doméstica ou simplesmente como dona de casa cuidando do casal de filhos (ele, Raphael, ex-estudante de turismo que teve que abandonar o curso por causa das inúmeras viagens como bailarino do Affro Reggae; ela, Michele, formada em informática) e do marido, Seu João, por quem é apaixonada e de quem nunca tinha ficado - chorou na minha frente ao falar com ele ao celular. De saudade, diz ela. Isto já tem 12 anos. Hoje a Pensão da Chupetinha serve cerca de 70 pratos a la carte porque acha buffê muito impessoal. Na mesa está sempre presente a farofa, que não pode faltar. E qualquer pedido vem acompanhado de arroz, feijão e macarrão. Se você fosse comer ontem lá na Vigário Geral, poderia escolher entre carne assada, frango assado, frango ensopado, peito de frango empanado, linguiça frita, bife a rolê, lasanha, carne seca com abóbora ou feijoada - que, por lá, quinta-feira é dia dela. Ainda tem os acompanhamentos: aipim frito, purê de batatas, legumes cozidos, salada de alface, à sua escolha. Além de suco de laranja. O almoço do século, a 5 reais.
Aqui em São Paulo ele fez o maior sucesso. Durante uma hora que conversamos no Café Cult pude ver o quanto ela já é querida por aqui. Disse pro João que está sendo tratada como uma lady, como bibelô. A comida servida estava deliciosa. Pena que não sobrou rabada, mas provei a feijoada e a dobradinha cremosa, bem temperada. Pedi uma receita e ela me disse que daria a mesma que deu pra todo mundo - a de aipim frito. Mas comecei perguntando da dobradinha: Por exemplo, para um quilo de dobradinha, quanto coloca de feijão? E por quanto tempo aferventa? Ah, vai vinagre? Quantas colheres por litro de água? E assim foi até conseguir a receita toda, que transcrevo aqui.
Dobradinha da Lizietia Carmem (a Chupetinha)
Ingredientes
250 g de carne seca
250 g de lombo salgado
1 kg de dobradinha ou estômago (bucho) de boi cortado em tirinhas
Meio quilo de feijão branco
250 g de costelinha
1 linguiça paio em rodelas
1 linguiça calabresa em rodelas
2 cenouras cortadas em rodelas
3 batatas cortadas em quatro
1/2 cebola picadinha
1/2 pimentão picadinho
3 colheres (sopa) de óleo
3 dentes de alho socado
Sal, pimenta-do-reino, cominho, salsinha, cebolinha ou coentro a gosto
Modo de preparo
Um dia antes, pique a carne seca e o lombo em cubos, cubra com água gelada e deixe de molho até o outro dia, trocando sempre a água. De preferência, deixe na geladeira. Reserve.
Afervente a dobradinha com 2 litros de água e 3 colheres (sopa) de vinagre. Desligue o fogo assim que ferver, escorra e reserve.
Numa panela de pressão grande, coloque o bucho e o feijão, cubra com água - deixando uns 4 dedos acima do nível dos ingredientes -e leve ao fogo com a panela tampada. Assim que ganhar pressão, abaixe o fogo e conte 35 minutos. Tire do fogo, espere acabar a pressão e abra a panela. Junte o lombo e a carne seca já demolhados e escorridos, junte mais água quente, se precisar, tampe a panela e cozinhe na pressão por mais 25 minutos. Deixe acabar a pressão, abra a panela e junte a costelinha, as linguiças, a cenoura e a batata. Cozinhe, sem pressão, por mais 15 minutos ou até os ingredientes todos ficarem macios.
À parte, frite a cebola com o pimentão, até começarem a dourar. Junte o alho e deixe dourar. Despeje na panela com a dobradinha e confira o sal. Corrija, se necessário e junte temperos como pimenta-do-reino, cominho e ervas. Sirva com arroz.
Rende: 10 porções
Lizietia Carmem e eu
Celso Fioravante, amigo que me convidou, também aproveitou e aprovou
Se estiver no Rio de Janeiro e quiser comer na Vigário Geral, basta ligar para a sua assessoria de imprensa informal. É que o pessoal do Afro Reggae faz para ela esta favor com o maior prazer. Bata ligar lá e falar com a Daniela Rotti ou com quem atender. É só dizer que quer ir comer na Pensão da Dona Chupetinha que eles dão um jeito de ir te buscar em algum ponto, pra você não se perder. Afinal, os caminhos improvisados de uma de favelas lembram um pouco ruelas de uma cidade medieval. Só entende quem conhece. Fora que que você é de fora. Além do restaurante, você pode conhecer também a sede da Affro Reggae.
Contatos
Pensão da Chupetinha
Affro Reggae - Daniela Rotti
Tel. 55 (0XX21) 2532.0171 / 2532.0422 / 2532.7534
Para saber mais sobre ela, veja aqui o vídeo da cozinheira na Ana Maria Braga
9 comentários:
Neide, que FIGURETE!! :-)
Estou me contorcendo aqui, por causa da foto com a chupeta... aaaa--aaaaa---aaaaa!!!
Voce mudou o visual do blog, ficou bem legal, gostei muito do logo. beijaoo,
Neide,
Sou sua fã de carteirinha. Esse post ficou o máximo! A mudança de visual do blog me chamou atenção também. É gostoso mudar de vez em quando alguma coisa.
Bjs.
Neide,
já era a sua fã, agora menina fiquei mais ainda, conheci uma pessoa que fala mil maravilhas de você, encontrou a senhora umas duas vezes em eventos.
Adorei a sua postagem e a Lizietia!
Seu blog ficou lindo!
Bjs
amiga,que graça a Chupetinha,então era esta a surpresa? e esta dobradinha,eu AMO dobradinha,só não tenho coragem de comer por aí,vou tentar preparar esta,quando entrar em surto de carne provavelmente rsrsrs beijos!!!
Neide:
E viva o povo brasileiro...com suas maniasm folias e alegrias.
Beijos.
ah que xou adorei ler sobre a chupetinha e foto tb é claro ahuahuaha
bjinhosssssss
À algum tempo atrás, eu trabalhava em um Call center em florianopolis e a ligacao caiu pra essa pwssoa tao rceptiva e simpatica, apos aceitar conversar comigo me convidou pra conhecer a pensao e eu como sou carioca aceitei o convite e, espero um dia ir la
Bjs
À algum tempo atrás, eu trabalhava em um Call center em florianopolis e a ligacao caiu pra essa pwssoa tao rceptiva e simpatica, apos aceitar conversar comigo me convidou pra conhecer a pensao e eu como sou carioca aceitei o convite e, espero um dia ir la
Bjs
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