Amora-preta do meu quintal
Todo ano me arranho e digo que vou erradicar o planta que lança rebentos espinhentos e flexíveis no fim da primavera. Mas os brotos que são vistos quase a olhos nus se espichando, apressam em me apresentar rosinhas que logo se abrem para insetos que fazem a festa na calada da noite e à luz do dia, e já vão mostrando os frutos, que logo amadurecem e que, se não fico atenta, logo se vão maduros nos bicos dos sabiás.
Trouxe um galho há uns dez invernos de uma trilha da Pedra do Baú, em Campos do Jordão. Coloquei num saco, cheguei aqui, plantei e a muda ficou quieta, estática, até a próxima estação quente e chuvosa. Meu quintal é pequeno e sei que, se deixar, a planta toma conta, atravessa a calçada, brota em outro canto. Depois que os frutos se foram, podo e me machuco toda com os fartos espinhos que não bastassem arranhar se grudam nas roupas. Mas não tenho coragem de estirpar a raiz. E assim vou levando a plantinha ano a ano - melhor, ela vai me levando.
O nome: sempre a chamei de framboesa, mas um dia Nina Horta veio aqui e me corrigiu. Era amora-preta. Aí, o Adilson, da Ciprest, completou. Era amora-preta sarça, provavelmente da variedade Tupi. Segundo o dicionário Caldas Aulete, sarça é o mesmo que Silva: Bot. Nome comum a vários arbustos da fam. das rosáceas, do gênero Rubus; sarça, espinhento. Por isto é também chamada de amora de silva.
Apesar de se chamar amora-preta, em inglês, blackberry, ela pertence à família das Rosáceas e ao gênero Rubus, assim como as framboesas - aquela frutinha vermelha ou amarela, oca no centro, de sabor pronunciado e que também dá em moitas de ramos flexíveis. Então deveria se chamar framboesa-amora. O gênero Rubus constitui um grupo diversificado e complexo e muitas das variedades cultivadas hoje são resultado de sucessivas seleções e hibridações. Em inglês, alguns destes híbridos são conhecidos como loganberries, boysenberries e tayberries. Em português, desconheço os nomes para os tipos correspondentes. Este gênero de planta, Rubus spp, (spp quer dizer "várias espécies", pois são muitas do mesmo gênero Rubus com características parecidas e que, portanto, recebem o mesmo nome popular), pode ser encontrada em estado silvestre na América do Norte e Europa e parece que as primeiras plantas passaram a ser cultivada no Brasil em 1972, no Rio Grande do Sul. Durante o período de repouso vegetativo (quando ela fica estática), a planta precisa de frio. Mas é o calor que faz com que saia da dormência, brote, floresça e frutifique. Como nas videiras, os frutos se desenvolvem nos ramos novos. Mas há variedades nativas não cultivadas que podemos encontrar pelas matas por aí (conforme observa o leitor Luiz Paulo - veja lá nos comentários). E tem esta aí abaixo, que também deve ser brasileira ou pelo menos descoberta aqui.
Rubus brasiliensis (aceito contestações), parentes da amora-negra do meu quintal. Encontrada em estado silvestre em Capão Bonito - SP (as folhas que aparecem devem ser de uma piperácea qualquer) Morus nigra (mulberry), amora ou amora-de-árvore
Morus nigra (mulberry) ou amora de árvore, encontrada numa praça no bairro da Lapa, em São Paulo
Morus nigra (mulberry) ou amora de árvore, colhida em praça no bairro da Lapa (virou molho para a salada com as folhas, como esta )
Morus sp (mulberry), parente da amora de árvore que temos por aí. Encontrada na entrada de uma das Cinque Terre, na Itália
Os frutos da amoreira, aquela mais comum por aqui, embora sejam muito parecidos com os da amora-preta, vêm de uma planta de outra família, outro gênero. É difícil de acreditar, mas a amoreira é parente da jaqueira e da fruta-pão, da família das Moráceas, mas não das framboesas ou das amoras-pretas do meu quintal, parentes das rosas. Além da negra, mais comum, há ainda a amora branca, Morus alba. São asiáticas de origem, mas hoje povoam vários cantos do mundo, incluindo no Brasil. A negra é rústica e é plantada por passarinhos, sendo possível encontrá-la em várias calçadas e praças de São Paulo. No meu quintal mesmo há uns 10 pés miúdos que preciso arrancar. Eles nascem espontaneamente toda primavera quando os pássaros começam a fazer cocô roxo. Como se vê na foto acima, na Itália, há variedades adaptadas a climas diversos, tropicais ou temperados. Em geral, os frutos são muito doces, frágeis, suculentos e aromáticos.
Rubus idaeus, (raspberry), framboesa
Estes frutinhos ocos que aqui conhecemos como framboesas podem ser vermelhos ou amarelos e são nativas nos países do Centro e Norte da Europa, zonas montanhosas do Mediterrâneo e em parte da Ásia. Há muitas espécies cultivadas, sendo as mais comuns a Rubus idaeus. Mas há aparentadas mais parecidas com as amoras-pretas (blackberries) ou outras espécies com origem e característica de cor, formato do fruto e maciez diversas. Por exemplo, descende da R. strigosa a framboesa amarela ou dourada, da América do Norte.
Em comum
Estas três frutinhas têm em comum o fruto formado por conglomerado de drupéolos de película fina e frágil que guardam polpa suculenta, doce, ácida e na maioria das vezes de coloração vinho quase negra. Este sumo, como o da uva tinta, apresenta grande quantidade de antocianinas, substâncias do grupo dos flavonóides com ação antioxidante que podem reduzir a incidência de doenças cardiovasculares e aterosclerose. Além disso, contém ácido elágico, que inibe a formação dos radicais livres, pois se liga ao ferro e ao cobre livres no organismo, envolvidos na formação destes radicais.
Na cozinha: o que importa mesmo é que estas frutinhas fazem geléias deliciosas, dão cor e sabor a gelatinas, tingem e perfumam o molho da salada, ficam mais vermelhas quando combinadas com ácido e mais azuladas se cruzadas com alimentos alcalinos, podem ser congeladas em aberto e jogadas diretamente no copo do liquidificador para fazer suco, iogurte ou kefir batido, fazem linda cobertura para tortas de queijo e dão mais vida e alegria a qualquer merenguinho branco. Mas, tudo isto era só pra dizer:
Que consegui salvar duas amoras-pretas do quintal, desinfetei em hipoclorito, enxaguei e meti-as em vinagre branco antes que passarinhos me tomassem. Estou de olho em outras. No vinagre elas ficam descoradas, mas emprestam o pigmento da antocianina ao vinagre que se torna vermelho, adocicado e perfumado. Para saladas de folhas.
30 comentários:
Zilhões de bichos-da-seda não podem estar enganados! :o)
Ah! Lindas capuchinas (Tropaeolum majus)
Que coisa linda Neide, to até imaginando o sabor desse vinagre.
Olha, o dia que distribuir uma muda eu quero ta?...rs
Bjs
"conglomerado de drupéolos de película fina e frágil que guardam polpa suculenta, doce, ácida"...
que poema em prosa...
quero uma rama destas tais amoras. precisam de sol pode ser sombra? precisam de rega? ou vivem ao deus dará?
bj.v.
Juliana, eles têm razão. Ah, as Tropaeolum nascem soltas aqui no quintal. Não me escapam folhas, botões e flores.
Dani, quando quiser, escreva no meu email.
Veronika,
"poema em prosa"? Só se aprendi com você. A rama, vem pegar. A planta vive ao deus-dará e se plantar hoje terá frutos só no final do ano que vem.
Beijo, n
Tenho um pé de framboesa (pelo menos eu achei que fosse), mas ao ver o seu, desconfio que é amora também.
Como ela adora se espalhar pelo quintal, deixei as danadas confinadas em 2 vasos.Sempre que as folhas e galhos começam a secar, corto, e logo brotam flores e depois frutas. Assim, tenho pelo menos 3 floradas e frutos ao ano. Geralmente no verão, no inicio do inverno e no fim da primavera.
Se puder, dê uma olhadinha nas fotos das minhas framboesas/amoras e me ajude a classifica-las.
Ganhei um galhinho de um velho caseiro e ele não sabia dizer o que eram, só que davam frutas enormes. De fato dão mesmo!
http://truehappynest.blogspot.com/2009/09/o-tempo-das-framboesas.html
Obrigada
Rosemary
Rosemary,
são parecidas, sim. Talvez de variedades diferentes, mas certamente uma Rubus também. Sorte nossa, hem?
bj, n
Rosemary,
são parecidas, sim. Talvez de variedades diferentes, mas certamente uma Rubus também. Sorte nossa, hem?
bj, n
Neide! Justo neste último sábado comprei framboesas e amoras pretas na feirinha da José Bonifácio aqui em POA. Estão na época, né.
E seguindo a dica de uma amiga, congelei um dos "pratinhos". Entonces ontem fiz um sorvete rápido, só liquidificando as frutinhas congeladas com açucar. Diliça!
Gosto também de botar na cachaça com um pouquinho de açucar. Fica delicioso.
É mesmo, Laura! Como pude esquecer de citar a batida com cachaça? Fica uma delícia, né não?
Beijo,N
ô Neide, existem espécies nativas de Rubus, e não só as introduzidas.
Estas aqui colhi numa trilha em Ibiúna recentemente http://migre.me/deM6 . Costumam aparecer com frequência nas beiradas de mata (ecótono)mas o seu sabor não é tão intenso como as das espécies e híbridos do hemisfério norte.
Já que deu a mão, pego o braço: "sp." significa alguma espécie indeterminada em dado gênero. "spp" significa várias espécies daquele gênero. Ao se referir à "framboesa" genérica pode-se usar Rubus spp. (espécies várias). No caminho que faço daqui, pela Rua Sepetiba em direção ao Mercado da Lapa, uma das inúmeras casinhas tem um matagal de Rubus na lateral que parece ser a típica das matas originais (de planalto) de São Paulo. Também aparece espontânea no Parque Trianon e obviamente em todo o parque da Cantareira. Possuem bem mais drupéolos que as exóticas. Uma curiosidade: as frutinhas são mantidas juntas pela base no agregado por uma confusão de pelinhos que foram a inspiração para nada menos que a invenção do Velcro, pode?
Ô, Luiz, nada como falar com gente que entende! obrigada pela colaboração. Nunca mais vou esquecer a explicação do sp e spp. Eu já tinha aprendido alguma vez. Vou arrumar lá no post.
Quanto às nativas, não encontrei nada sobre elas, mas é mesmo, realmente já vi destas por aí, já até comi muito delas no mato, meio sem-docinhas né? E mesmo a espécie brasiliense deve ser nativa, não? - pelo nome... Vou espiar a rua Sepetiba. Somos vizinhos?
A questão do velcro foi uma surpresa. Obrigada pela contribuição.
Um abraço,
N
Esqueci de dizer que amei as fotos e as poesia na descrição dos drupéolos..
Mas eu nem tava falando de batida não (boa sugestão, que também fica maravilha com pitanga).
Tava falando era de deixar na cachaça, como se faz com o butiá.
A diferença é que tem que tirar elas de dentro depois de um tempo.
Adorei o aprendizado com o Luiz Paulo! Velcro!!!
Tenho me deliciado tomando sorvete dessa amora-framboesa, feito com iogurte, creme de leite, leite, cachaça e açúcar. Já publiquei o sorvete feito com a amora preta pequenina, bem docinha e usei a mesma receita para a nova leva de sorvete, só mudei o tipo de amora.
Ambos ficam muito bons.
http://nacozinhabrasil-gina.blogspot.com/2009/11/sorvete-de-amora.html
Bjs.
Laura!! Eu já fui pensando na caipirinha... Mas certamente fica uma delícia a cachaça assim, e vermelhinha. Hum...
Gina, obrigada. Fica aqui a dica pros leitores do come-se. Vou lá ver.
beijos,n
Um post amorável, Neide.
As "berries" brasileiras rendem um livro, se alguém tiver paciência pra pesquisar!
Um dia fui a Visconde de Mauá e na estrada encontrei uma touceira cheia de frutinhas vermelhas. É lindo o contraste com o verde das folhas. Tirei uma muda com raiz e levei. Plantei no meu quintal e virou uma touceira maior ainda. Sempre me espeto colhendo as frutas mas não desisto. Deliciosas.
Boa tarde Neide, estou concluindo a fauldade de agronomia, e, também gosto bastante das amoras. Concederia uma muda da amora-preta?
Obrigado e abraços!
Guilherme
Oi, Guilherme!
Mande uma mensagem para o meu email.
bjs,n
Olá. achei seu blog procurando mais informações a respeito da amora que colhi hoje, diretamente de uma árvore na praça perto da minha casa (em sampa, acredite se quiser!). Ai eu descobri que na verdade é uma mulberry!!! que bacana...as fotos com a formação dos frutos ficaram maravilhosas! que otimo trab. bju, Fernanda - fenanda1982@hotmail.com
Anestor, que contribuição valiosa. Isto é uma verdadeira rubusolândia. Parabéns pela dedicação.
Um abraço, N
Anestor, que contribuição valiosa. Isto é uma verdadeira rubusolândia. Parabéns pela dedicação.
Um abraço, N
Tantos nomes que me confudi todo. A amoreira, que encontramos aos montes em SP, que nessa época do ano fica bem carregada é a Morus nigra (mullberry)?
Oi, Isaac, é esta mesma.
bjs,n
tenho uma plantação desta fruta (amora negra)em meu quintal..ela é doce e ácida(nada haver com a framboesa,essa é mais doce e a fruta é oca) esta amora negra se alastra e empesteia tudo..brotam mudas do chão como que do nada, atrevessam muros por baixo da terra...produz muito...não exige cuidados, só regar, adubar de vez enquando(como toda planta,né)faço geléia(para rechear tortas e bolos, cobertura de manjares ,e fundo cremoso para yogurtes e sorvetes, também sucos e molhos para carnes......
Eu comia muito quando criança, era uma delícia!
Há alguns anos, já bem crescidinha (com quase quarenta), comecei a lembrar disso com um certo saudosismo e com isso encasquetei que queria um pé no meu jardim. Demorei bastante, mas consegui! Achei um muro no caminho do colégio onde meu filho estuda, cheinho delas. Devidamente autorizada pelo dono, colhi um montão, suficiente para eu fazer geleia e semear. E não é que consegui o meu tão sonhado pé de amora preta, a partir das sementes? Feliz da vida agora! Bjs!
Qual dessas é a amora miura considerada medicinal?
Pena que por aqui ñ podemos mostrar fotos, eu ganhei uma mudinha a algum tempo q está se desenvolvendo bem, quando me deram falaram q era de amora, mas a todos que eu pergunto dizem que amora não tem espinhos, seu blog é o primeiro lugar q li que a amoreira tem espinho rsrs... gostaria muito de saber q planta é essa q me deram, acredito q vou ter q esperar ela frutificar (se é q é uma planta frutífera).
A minha e a primeira vez que produto está muito linda e já estão maduras acontece que apareceu uns bichinhos parecidos com joaninha como as da foto o que será tem problema consumir mesmo assim?
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