Se fosse a cúrcuma de Fartura já não daria mais para aproveitar as folhas que cheiram a manga, porque arranquei toda a plantação na semana passada, quando todas as folhas já estavam murchas e amarelas. Por isto, quando, ontem, recebi este email do James Oseland, "I just had a thought: if you o make beef rendang, be sure to use tumeric leaf in the stock (tie one leaf into a knot). You can also use finely julienned tumeric leaf as a rendang garnish!", corri lá no quintal e arranquei as duas folhas menos amareladas que encontrei. Ele já havia me indicado a receita de Rendang do seu livro, quando fiz a receita de peixe, mas eu não estava pensando em fazê-la neste momento. Então, do nada, chega a mensagem dele, como advinhando a despedida das folhas. Engraçado é que na sua receita original a folha não entra, mas o prato aceita estas variações (já vi por aí muitas versões do Rendang, com grãos de coentro, cominho, suco de limão, de tamarindo etc), e ele teve um insight do momento.
Da esquerda pra direita: Cúrcuma, gengibre e galanga, que arranquei do meu quintal
Fui ontem ao Mercado da Lapa, comprei coco para tirar o leite, porque conhecemos a qualidade lastimável de nossos produtos embalados (infelizmente); e uma peça de acém para cortar em cubos. Hoje arranquei do quintal três talos de capim-santo e os rizomas de galanga, gengibre e cúrcuma, as raízes asiáticas que crescem muito bem no Brasil. Comprei no Hélio do Alho uma réstea de chalotas ou cebolinhas brancas, por aqui mais usadas como medicamento. As pimentas, usei as congeladas. E, na falta de folhas de limão kafir (as que tenho aqui são secas e quase não têm aroma), saí em busca nas calçadas alheias de um pé de cítrico que fosse mais aromático. Só achei folhas de laranja e de tangerina, por isto acabei usando as de limão rosa do meu quintal mesmo - tenho uns mini pés de cítricos que eu só mantenho por causa do aroma das folhas (pomar cuspido, como diz a Nina Horta). E o resto dos ingredientes, eu tinha aqui.
A receita deste caril seco, cozido lentamente em leite de coco bem temperado e muito apimentado, veio do Oeste da Sumatra, Indonésia, e é feito do mesmo jeito que mineiros cozinham sua costelinha de porco. Cozinha-se lentamente em caldo já temperado (neste caso, leite de coco e muitas especiarias) e no final a carne seca e frita devagar na própria gordura (aqui, na gordura da carne e do coco). Quem ensinou todos truques da receita foi Rohati, que James considera sua guru em Pandang, no Oeste da Sumatra. Uma das dicas é não economizar no tempero. Depois, preferir usar uma panela baixa e larga, tipo frigideira; não ter pressa; escolher um corte de carne de boa qualidade como acém (boneless chuck) ou coxão duro (botton round) e esperar alguns minutos antes de servir - se possível, fazer um dia antes.
Fiz para o jantar daqui a pouco, mas já o provei no almoço. Se ficou bom? Bote bom nisto. Uma combinação incrível é o capim-santo com a canela, os rizomas, as pimentas – aliás, coloquei 10 pimentas vermelhas sem as sementes, mas poderia tê-las deixado inteiras para um prato mais picante.
Vamos à receita, mais ou menos ao pé da letra, numa tradução livre e cheia de intromissões, para não perder o costume. Para a receita fiel, consulte o livro Cradle of Flavor, de James Oseland, pag. 304, que vale muito a pena, pois o moço é minucioso e só não faz suas receitas quem não acha os ingredientes.
Rendang Daging Sapi
Para a pasta de temperos
1 noz moscada inteira ralada (preferi usar a metade)
5 cravos
6 chalotas ou 140 g grosseiramente picadas
3 dentes de alho grosseiramente picados
5 a 20 pimentas frescas vermelhas grosseiramente picadas (usei 10 unidades de dedo-de-moça e malaguetas sem sementes e não ficou muito apimentado)
1 pedaço de 5 centímetro de cúrcuma fresca, sem pele, picada grosseiramente (cerca de 2 colheres de chá)
1 pedaço de 5 centímetro de galanga fresca, sem pele, picada grosseiramente (cerca de 2 colheres de sopa)
1 pedaço de 5 centímetro de gengibre fresco, sem pele, picado grosseiramente (cerca de 2 colheres de sopa) – opcional
5 candlenuts (Aleurites Moluccana - conhecidas no Brasil como nozes-da-índia ou nozes-de-iguape, uma euforbiácea que cresce por aqui mas raramente se vê na cozinha porque, quando cruas, são tóxicas - como não as tinha, usei macadamia sem sal, que é a outra opção dada pelo James)
Para a carne
900 g de acém ou coxão-duro em cubos de 5 centímetros
2,5 xícaras de leite de coco fresco (extraí esta quantidade de 2 cocos ralados, molhados em água morna e espremidos no pano)
3 talos de erva-cidreira amassados para ficar maleáveis e amarrados e nó
1 pedaço de 10 centímetros de canela
1 folha fresca e pequena de cúrcuma amassada com as mãos e também com um nó (esta não está na receita, mas foi sugerida pelo autor)
5 folhas de Salam (uma mirtácea, Syzygium Polyantha, Mirtaceae, que não conheço e, sorte, é opcional)
7 folhas de limão Kaffir (tem dela seca pra vender no bairro da Liberdade e lembra citronela, mas substituí parte delas por folhas de limão rosa)
1 colher (chá) de sal ou a gosto
1 colher (sopa) de folhas de limão kafir frescas, sem a nervura central, picadas finamente (opcional – usei folhas de limão rosa bem novinhas)
1 colher (sopa) de folhas de cúrcuma frescas picada finamente – não tem na receita original, sugestão do James, por email
Para fazer a pasta de temperos, primeiro triture bem a noz moscada com o cravo (ralei a noz moscada antes de socá-la com os cravos). Misture com todos os outros temperos da pasta e triture no processador até ficar com consistência de aveia cozida (se não tiver processador, use o liquidificador, acrescentando um pouco do leite de coco – sugestão minha, NR) .
Numa frigideria não-aderente de 30 centímetros, coloque a carne e a pasta de temperos e misture bem. Acrescente o leite de coco e o restante dos ingredientes (menos as folhas picadas, para decoração). Leve ao fogo médio e espere ferver. Abaixe o fogo para médio-baixo e deixe cozinhar sem tampar, num fervilhar estável, mexendo com espátula a cada 10 ou 20 minutos. De vez em quando talvez seja preciso diminuir o fogo para manter uma fervura branda e constante (no meu fogão nada confiável, abaixei o fogo totalmente e ainda usei um aro para suspender a frigideira).
Aos poucos o caldo vai ficando alaranjado, grosso e brilhante. Depois, o sólido do tempero vai se separando da gordura liberada pelo coco e pela carne. Progressivamente a carne vai ficando mais escura e revestida por uma camada densa de tempero. Cozinhe até 95% do caldo tiver reduzido, mexendo a cada 15 minutos. Vai restar apenas a carne, o óleo e os temperos. Isto poderá levar de 2 a 3 horas (gastei 2 horas e alguns minutos até chegar neste ponto), dependendo do tipo de panela usada, da integridade do leite de coco e da fonte de calor. A carne deverá estar macia ao ser espetada com um garfo. Teste o sal e corrija, se necessário. Abaixe ainda mais o fogo e continue confitando a carne até ficar escura, mas não queimada e com aparência brilhante. Se achar que tem muito óleo para seu gosto, escorra um pouco e use, depois, para saltear batatas (sugestão minha, NR: ou para temperar lentilhas).
Descarte a canela, o capim-santo e as folhas inteiras - e quiser uma aparência mais rústica ao servir, mantenha-os (desde que não estejam todos detonados, é claro – NR). Decore com as folhas picadas finamente (de cúrcuma e/ou limão kaffir - que substituí por folha de limão-rosa) . Espere 30 minutos para servir morno, quando o sabor e aroma ficam mais pronunciados. Se possível, faça um dia antes e aqueça na hora de servir. Ou faça na hora do almoço para servir no jantar, como fiz.
Rende de 4 a 6 porções
Nota: James dá várias opções de acompanhamento, mas não pensei em nada além de arroz cateto com cúrcuma e orelha-de-padre do meu quintal, cozida e passada no azeite com alho e pimenta.
11 comentários:
Tenho certeza que ficou ótimo esse prato, porque gosto de tudo isso.
Fiz um post de uma sopa tailandesa, que usa muitos desses ingredientes:
http://nacozinhabrasil-gina.blogspot.com/2009/05/tom-kha-kai.html
Bjs.
Neide,
Segui sua sugestão e congelei muitas folhas de cúrcuma depois de ter preparado muitas vezes não só o peixe mas também o arroz. Muito saborosa a folha. Que bom jantar o seu!
Penso que uma receita assim, sò sendo feita por vc mm, que decifra receitas exoticas com facilidade, além de sair colhendo os ingredientes ali pelo seu quintal...rss
E a cara da coisa ficou muito boa: mm!
Tudo de bom.
Bjs!
ai meus Deus, que cara boa.
Hmmmm, Neide, parece ter ficado uma delícia!
Por coincidência, ontem à noite assisti a um programa do GNT sobre comida tailandesa.
Você já viu muda de limão kaffir no CEAGESP? Vou viajar pra São Paulo e pensava em trazer alguma.
Bjs.
Oops, disfarça... confundi CEAGESP e CEASA....
oi Neide! que delicia... morei por um ano na malasia e tenho tantas saudades desses sabores. onde consigo galanga fresco para plantar em casa? é um tempero que venho procurando há tanto tempo. consigo sim me contentar com as folhas de limão kaffir secas, mas o galanga seco ou em pó não tem jeito. e a cúrcuma, é só enterrar um pedacinho que nasce? já tentei, mas só deu foi gravidez psicológica. plantei uma muda de capim limão, mas não estou conseguindo faze ela crescer, a ponto de poder começar a tirar os bulbos pra cozinhar. enfim, falei demais!
bjs, leticia
Neide,
tu já usaste a Alpinia zerumbet na cozinha? O aroma das folhas é uma delícia e li que o rizoma lembra o da galanga. Tenho aqui no sítio, estou curiosa, mas um pouco insegura, pois não achei nada a respeito na internet. Achei apenas artigos que falam do uso fitoterápico.
Grande abraço
Priya
Olá, lendo seu blog fiquei com vontade de plantar galanga em casa. Procurei na lista de produtos do Ciprest (que você indica e onde já estive para compar uma muda de curry que tenho plantada) mas lá não encontrei. Você pode indicar onde posso encontrar uma muda?
Obrigada
Michelle
Olá, lendo seu blog fiquei com vontade de plantar galanga em casa. Procurei na lista de produtos do Ciprest (que você indica e onde já estive para compar uma muda de curry que tenho plantada) mas lá não encontrei. Você pode indicar onde posso encontrar uma muda?
Obrigada
Michelle
Vivo em Bali ha 8 anos, adoro comer rendang, e mesmo aqui e possível encontrar muitas variedades, gosto tanto que desejo aprender a fazer, mas me pareceu um pouco difícil hehe
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