quinta-feira, 17 de janeiro de 2008

Rolhas de buriti. Por que não?


Da esquerda pra direita: rolhas de buriti trabalhadas artesanalmente, de plástico e de cortiça (tem até uma da Embrapa)

Quem fala de vinho na blogosfera é o Luiz Horta, mas como ele falou de tampas de rosca nesta semana, lembrei das minhas rolhas de buriti que trouxe da feira de São Joaquim, Salvador-BA. Devo ter pago pelo pacotinho 1 real e me quebram um galhão quando quero guardar qualquer líquido, pois são leves, ajustáveis e algo impermeáveis. Já no Brasil d´antanho elas já eram usadas para tampar garrafadas e bocas de chifre guarda-rapé. Agora, o que dizer de uma planta que tem vinífera no nome e ainda nos fornece a rolha? Palmeira de Deus. "...buriti-verde que afina e esveste, belimbeleza" (Grande Sertão: Veredas. G.Rosa).
Buritizeiro (Mauritia vinifera Mart ou Mauritia flexuosa L) é como uma dádiva, tem utilidades sem fim. A seiva é açucarada e, fermentada, dá um bom vinho. Daí o nome científico mais recente, retificando o anterior, de Lineu, que indicava a flexibilidade da palmeira - "ah, a papeagem no buritizal, que lequelequeia" (G.Rosa). É claro que não tem nada do vinho vinho. Mas de doçura! Quando concentrada, esta seiva vira açúcar com 92% de sacarose. E eu já estou sonhando com açuquinha de buriti no meu açucareiro. Espero só que não seja preciso derrubar o buritizeiro para isto. E tem mais: do tronco ainda se extrai uma fécula amilácea, como o saguzeiro asiático - como devem saber, o sagu original é feito com a fécula de uma palmeira. Os buritis são frutos lindos. Têm uma cobertura em escama dura e envernizada que protege uma polpa saborosa e riquíssima, mas riquíssima mesmo, em betacaroteno (pró-vitamina A), com a vantagem de ter bom teor de gordura, melhoranho o aproveitamento da vitamina, lipossolúvel. Aqui em São Paulo costumo comprar o doce, como uma marmelada, que vem embrulhado em caixa feita com ripinhas do pecíolo das folhas. É com este material que se fazem, além de canoas e objetos, também as rolhas.
E fico pensando: será que ainda não descobriram uma tecnologia capaz de transformá-las em substitutos perfeitos às rolhas de cortiça? Algumas vantagens? é um produto nacional, biodegradável, de cultura sustentável, vem moldado em cilindro naturalmente pela natureza (os pecíolos sao espessos como talos), tem coloração clara e uniforme, textura comprimível e firmesa para aguenar o saca-rolha. Imagino que, como as sementes germinam facilmente e produzem bem mesmo em lugares alagados (sobre buritizais seguindo veredas, nada como ler Guimarães Rosa), a produção destas rolhas daria ainda emprego a muita gente ribeirinha. Posso estar sendo bem ingênua, mas abro aqui espaço para que me informem se estou viajando ou não. Bem que a Embrapa uva e vinho poderia pesquisar. Se é que já não pensou nisto e eu estou aqui falando besteira. Mas pesquisei artigos científicos e não achei nada. Ao menos seria uma alternativa mais agradável aos olhos que as rolhas de plástico. Não sou contra nenhuma inovação desde que o vinho continue bom e o meio ambiente, preservado; mas aprecio a estética. E elas sao lindas. Quem tiver mais informações, traga-as.


O doce em sua caixinha ecológica.

Se quiser saber mais sobre a palmeira, leia a dissertação de Paulo Santelli:
Fisiologia Pós-colheita de frutos das palmeiras Syagrus oleracea (Mart.) Becc. e Mauritia vinifera.

10 comentários:

Gourmandisebrasil disse...

Preciso mostrar este post para o Marcel! Estas rolhas possuem algum odor?
bjinho,
Nina.

Carlos Alberto de Lima disse...

Tem coisas que a gente só aprende por aqui...

Obrigado por ser "parceira"...

Neide Rigo disse...

Nina,
elas têm textura uniforme e são completamente inodoras.
Obrigada você, Carlinhos!
bj, n

Anônimo disse...

Que surpresa conhecer seu espaço. Encantador. Parabéns!

Virei muitas outras vezes.

Davi Silva

Luiz Horta disse...

Neide, muito curioso. É preciso saber básicamente duas coisas, se elas tem alguma porosidade e se são sujeitas a TCA, que vem na verdade do cloro que lava a cortiça.

Neide Rigo disse...

Luiz,
quanto à porosidade eu não sei. Teria que testar. O mesmo em relação ao triacloroanisol (TCA), que é resultado da combinação do cloro usado na desinfeccção das rolhas e dos fungos presentes na própria rolha (claro, eu sei, você é doutor nestas coisas). Imagino que uma pesquisa deste nível levaria anos até avaliar a evoluçao do vinho etc. Daí a importancia de se publicar também trabalhos que não deram certo. Para não se repetir o erro. Eu nao encontrei nada.

Cris disse...

Como leiga eu só posso dizer que é uma ótima iniciativa sua divulgar o buriti. Eu por exemplo, não conhecia e já descobri agorinha no google que o buriti é usado em artesanato, alimentação, portas e coberturas e na fabricação de móveis, redes, peneiras, balaios, esteiras, vassouras, chapéus e rolhas, quanta coisa!!!

Anônimo disse...

Grande sacada ! Quem sabe o Brasil não vira um tremendo exportador de rolhas de buriti ?
Dizem que a tampa de rosca já é uma desproporção entre as rolhas de cortiça e a qunatidade de vinho produzido no mundo.
Já que o nosso vinho não é nehuma Brastemp que pelo menos as rolhas sejam

brisa disse...

Excelente post, adorei. Muito bom.Obrigada por dividir.

Have a great weekend:))

Bri

mahe caldas disse...

Oi Neide tudo bem ?

Hoje estava procurando fornecedores de buriti, aí pensei vou na Neide...bem entendido..Come-se. Onde você costuma comprar seu doce de buriti ? Mercado da Lapa, Cantareira ? Outro? Finalmente consigo comentar aqui. Bj