terça-feira, 20 de dezembro de 2011

Senegal - as casas, as construções


Nas cidades grandes do Senegal as casas são convencionais, mas basta se afastar um pouco rumo aos povoados do interior que começamos a ver grandes terrenos cercados com muros de blocos ou de fibras vegetais. Mal comparando, seria como nossos condomínios de casas, com a diferença que aqui os vizinhos pouco se conhecem e que lá o terreno é ocupado por uma só família, às vezes constituída do marido, suas mulheres, seus filhos, seus pais e às vezes seus irmãos que se distribuem por pequenas cabanas.  


Tive a curiosidade de medir várias dessas cabanas e todas têm o mesmo tamanho de aproximadamente cinco por cinco metros, segundo meus cálculos em passos. A estrutura do telhado com troncos amarrados e cobertura vegetal é feita toda no chão e só depois apoiada sobre as paredes. O tamanho pequeno colabora com este fácil deslocamento. Dentro dela, cama, algum móvel ou vara para roupas, fotos nas paredes e alguns poucos objetos pessoais. 


No páteo é onde as coisas acontecem. Como a chuva é coisa rara na maior parte do ano, tudo pode ser feito ali, de descansar a se banhar, passando por socar os cereais no pilão, secar os grãos colhidos, fazer o chá de toda hora, cozinhar em panelões sobre lenhas e comer. 


Estas construções têm baixo impacto ambiental pois são feitas com recursos locais. Para a cobertura vegetal é usada a planta salguf, nome em wolof da espécie Eragrostis cilaris, encontrada facilmente nos campos. Para as cercas vegetais usam os galhos de ndur ou Cassia tora.  As paredes podem ser feitas com tijolos de adobe, combinando barro e alguma planta - encontrei poucas cabanas feitas assim.  Ou blocos crus feitos com cimento e areia local. 


Quase todas as construções que vi nos vilarejos começavam com o feitio dos blocos em moldagem manual - a mistura de areia com cimento, úmida como uma farofa, é colocada numa forma, prensada com a força dos braços de quem faz e depois desenformada direto no lugar onde vai ficar até secar. Um a um. Quase como fazer torrões de açúcar. Os blocos preparados assim têm cor de terra e por isto as cabanas mesmo sem reboco são sempre tão charmosas. Tanto a palha da cobertura como a cor terrosa das paredes se confundem com a paisagem natural do lugar, tornando-se parte dela, diferente dos nossos blocos cor de cimento, menos feios quando rebocados ou caiados, mas totalmente destoante das cores da natureza. Por dentro as cabanas podem ser caiadas, mas por fora, quase não vi cores. As do albergue onde fiquei eram caiadas - branco por dentro e cor avermelhada por fora. Mas não é comum. 


Para proteger do sol, sempre há um elevado geralmente feito de alvenaria como um banco largo, coberto com sapê. Deve ter um nome. Ali brincam as crianças sem sapato ou descansam adultos depois do almoço.  Se for de cimento, não precisa ter nada por cima.  Se é de madeira, sempre haverá um tapete. Na frente das lojas sempre tem de madeira. Mas podem colocar colchões, especialmente quando chega uma visita, para ela poder descansar. Quando chegamos àquela aldeia no escuro, nos ofereceram colchão com lençol limpinho para o descanso.  Achei até que já estavam me mandando dormir. Mas não, acham que você se cansou com a viagem e precisa descansar um pouco. Mas como não sou de descansar se não é pra dormir, agradeci e me aquietei pouco ali.  Este mesmo elevado sombreado também é usado para servir o almoço e o jantar - fica todo mundo trepado ali, sem sapato, sentado em volta do prato de comida.  


Nas aldeias os banheiros quase sempre se resumem a uma fossa com tampa. Para o banho propriamente dito  pode-se usar uma cabana ou o próprio quintal. Não vi nenhuma cozinha dentro de casa. Costuma-se cozinhar com lenha na parte externa, assim também as casas não ficam esfumaçadas. Mesmo nas casas de alvenaria é assim, mas falo das cozinhas depois.  E se a família não tem muitos recursos, assim que consegue prefere investir em um banheiro menos precário. A cozinha continua pra fora, não incomoda. Mas, melhor ver as fotos:


3 comentários:

Kátia disse...

A descrição do dentro e do fora, que valiosa. Fico pensando se é o treino que te dá esse olhar antropológico para tudo, se é a sensibilidde só sua coisa de Deus, se é a curiosidade com a qual você nasceu. Mais provável que seja o caldo de uma vida rica, Neide. Toda vida é rica, eu sei, mas você faz parecer que cada instante vale mais.

Angela Escritora disse...

arquitetura da terra é maravilhosa!

Anônimo disse...

Estou em Lougue Nodi, interiorzão do Senegal perto das fronteiras com o Mali e com a Mauritânia. A minha pick-up traz um súbito, ilustre e fugaz visitante. A vastidão quase desabitada é nivelada, solo pobre, vegetação parca, mas altiva sobrevivente à inclemência do semi-deserto. Assim são as pessoas que vieram ao meu encontro. Crianças, umas 30, todas como todos negros sorridentes e surpresos. Uma mesquita é maior que a vila desolada na imensidão. Tudo simplíssimo ligado às coisas diretas da terra e do meio martirizado em solo batido quase desnudo. Eu poderia escrever um livro na erupção do meu coração ao vagar por aquelas ermas e quase ignotas regiões do mundo. Mas este mesmo meu coração me leva a olhar para o cosmos e confirmar mais uma vez que o céu de Lougue Nodi é igualzinho ao céu de Paris!...:)