As galinhas caipirinhas e felizes estão na maior onda agora. E se tem galinhas realmente contentes, elas moram lá no sítio em Fartura. Pra começar, meus pais moram num galinheiro e as penosas ficam com o sítio inteirinho pra elas. A casa tem só um pequeno quintal cercado com tela de galinheiro para as aves não entrarem, quando deveria ser o contrário. Então elas ciscam o dia todinho e a gente fica lá engaiolada. Mas se tem alguém da família que entende de galináceos é minha mãe, dona Olga, que também atende por dona Orga. Do ovo à galinhada, ela sabe tudo. É um tal de tira o pintinho de angola e bota para perua criar; tira o ovo da angola e bota pra galinha gorda chocar e várias coisas assim. As justificativas seguem uma lógica particular que eu nunca vou entender (só pra lembrar, eu nasci e fui criada na capital, nunca sequer morei em sítio ou em cidades pequenas). Mas ela sabe quem é quem; quem tem pintinho e quem não tem; quem já chocou seus próprios ovos; quem ainda vai chocar; quem já chocou ovos alheios (de peru, de angola); quem é namorada de quem; quem ficou pra piruá; quem come mais; quem está triste, quem é a próxima a ir pra panela. Enfim, é o mundo dela. As galinhas têm hora certa pra comer e são recebidas com frases tatibitates. Quando chega esta hora, dona Olga aparece na porta da sala e lá estão elas do lado de fora do nosso gaiolão; se vai pra porta dos fundos, correm pra lá as galinhas, dando volta na casa. São tratadas com tanto zelo e carinho que custa a crer que aquela bondosa senhora seja capaz de sangrar o pescoço das coitadinhas. Um dia perguntei por curiosidade: "como consegue fazer isso mesmo gostando tanto delas?". Com naturalidade, veio a resposta: "Eu gosto delas porque são meu comer. E, quanto a matar, bem... só consigo porque não dou nome. Bicho com nome, não se come!".
Desta vez, para tentar entender um pouco, fui buscar ovos para um bolo e levei um susto quando minha mãe colocou no ninho, no lugar dos ovos, um grande caracol. É ovo de indeiz. O que? Ovo de indeiz. É pra galinha pensar que é ovo e continuar botando. O ninho não pode ficar vazio se não ela abandona. Qual a raiz etimológica desta palavra que não achei no dicionário, não sei. Deve ser algo como “em vez” (do ovo verdadeiro), que no dialeto caipira virou indeiz. Vai saber.
Contribuição da querida Ana, do Agdah:
Você me lembrou das minhas avós, que criavam galinhas. Meu pai chama as que cria de "minhas meninas" e também não tem dó, nem piedade na hora de matá-las.
E por curiosidade, segundo o Houaiss:
Endez■ adjetivo de dois gêneros e substantivo masculino 1 que ou o que se deixa no ninho descoberto, como chamariz para outras galinhas virem fazer postura no local (diz-se de ovo)
Etimologia lat. indicii (sc. ovum) 'ovo de chamariz', genit. sing. de indicìum,ìi 'sinal, indicação, denúncia, acusação'; ligado ao v. indíco, is, díxi, dictum, ère 'dar a saber, anunciar, denunciar'; cp. indício; ver diz-Sinônimos endes, indes, indez
Obs. obrigada, Ana. E nada a ver com a minha dedução primária a respeito da etimologia. heheh.
27 comentários:
Neide:
Bem sei eu o que tudo isso significa. Pra vc ter idéia, essa história do indeiz pra mim é tão válida que nunca gasto todo o dinheiro que tenho na carteira. Deixo sempre uma moedinha que nem as crianças pegam pois já sabem que é a minha indeiz.
Mas eu preciso é conhecer essa Dona Olga !!!!
Neide,
Adorei cada peninha do texto! Principalmente a criatividade do o indeiz caracol, foi demais!
bjs
Fiquei fã de dona Orga, sorri muito ao imaginar o gaiolão e amei o texto!
;***
Poxa, minha vó paterna contava essas coisas sobre animais, inclusive sobre galinhas q não botam ovo se não tiver algo no ninho, ela usava bolinhas...eu ria pq achava q ela contava para fazer graça...caipira sou eu!
bjo,
Nina.
que história bacana para começar o dia,lembrei da minha vó que também morava em sítio,tinha um montão de galinhas que também matava para a macarronada do fim de semana,doce lembrança,beijo!
NEIDE, NÃO SEI SE VOCÊ LÊ MEUS POST, PORQUE VC NUNCA ME RESPONDE..ADORO SUAS HISTÓRIAS E ADOREI ESTA DA GRANJA, VOU ATÉ PERGUNTAR PRA MINHA VÓ SE LA NA FAZENDA ELA FAZIA ISSO!!!E ESSA FEIRINHA BOLIVIANA, NÃO CONHECIA, MAS IREI, COM CERTEZA!! GRANDE BEIJO
fantástico, sábia d. olga: bicho com nome nao se come
Neide, eh tao bom saber que as galinhas felizes estao na crista da onda! Chega de ovo de galinha triste, amputada e manipulada nas nossas mesas!
Na minha infancia era assim, comprava-se a galinha viva e a cozinheira dava um creu na penosa no sabado a tarde, pra fazer a dita assada no domingo. Esse eh um dos meus traumas com galinha, pois varias vezes peguei a Cida no ATO! :-(
Muito engenhosa e sapiente a Dona Olga! :-)
um beijo,
"Eu gosto delas porque são meu comer. E, quanto a matar, bem... só consigo porque não dou nome. Bicho com nome, não se come!".
Neide, achei ótima a teoria de sua mãe!
Ah, falei do seu blog no meu. jttp://ahtatudobem.blogspot.com
bjs
Ei Neide! Ah, eu sempre fui encucada com esse tal ovo de endez. Meu pai, lá no galinheiro dele, não põe caracol (adorei sua mãe!), mas deixa lá um ovo quietinho pra elas voltarem e botarem mais. E essa coisa de "os pintinhos de angola a perua cria"! Muito lindo! Há umas semanas, estávamos a conversar, quando ele me contou que o caseiro do sítio, Seu Geraldão, gritou lá do pasto pedindo uma lata ou coisa assim. Ele logo pensou em desgraça, picada de cobra, criação morta, etc. E não é que era uma bênção? Seu Geraldão tinha encontrado um ninho de angola no meio do mato com vários pintinhos! Papai instalou os bichinhos em seu gaiolão e lá estão eles, já grandinhos, e na companhia de quem? Dona Perua! Essa natureza é fantástica e a sabedoria popular é mais valiosa ainda. Quisera eu conhecer Dona Orga e suas galinhas. Beijocas da Foca
Valeu pelas risadas sempre tão bem-vindas!
Olá
Adoro seu blog, ontem postei um comentario, mas acho que sumiu, não sei mexer muito com essa tar tecnologia...conheco melhor os ovos de indeiz, manga de veiz,milho inguirim e buré de cambuquira, e flor de abobora passada no ovo e frita isso é bom demais sô...
um abraço
Darlene
Muito bom o texto, e quanto se aprende no seu Blog. Presta utilidade pública. Eu até tinha esquecido de colocar o indeiz caracol.
Um abraço
Rubén
Ei Neide,
Tem um livro muito lindo sobre infância na roça que se chama "Indez", o autor é o mineiro Bartolomeu Campos de Queiróz. Vale correr os olhos!
Abs,
Maria Luiza
Olá Neide,
adorei seu texto, ainda bem que galinha feliz está na moda,né? Pelo menos são felizes enquanto estão vivas... triste deve ser viver em confinamento.
Tenho galinhas, pato, angolas também. Sempre procuro ovos p/ chocar mais, principalmente de angola e às vezes é difícil encontrar. A dona Olga não vende?
Felicidades!
Oi, Happy Gali,
posso ver com ela. Onde você mora? escreva para mim no neide.rigo@gmail.com e a gente combina. Um abraço, n
Tenho saudades disso tudo. Ainda mais agora sem "roça" ou quintal para estas coisas boas da vida.
Jogar milho pra reunir a s galinhas e pegar a "do almoço". Esperar o porquinho chegar "no peso" para fazê-lo assado.
Ainda tenho um pouco de felicidade com laranja da terra, acerola, pitanga, cupuaçú e açai...
Neide, boa tarde. Esses dias estava eu conversando com minha esposa, e falávamos de como era nossa vida no sítio onde fui criado, no interior do estado de São Paulo. Tinhamos Galinhas, porcos, vacas de leite (tomávamos leite na mangueira), meus pais plantavam somente para nosso consumo e etc...
Então eu perguntei a ela se ela já tinho ouvido falar na palavra "INDEZ", cuja pronuncia lá no interior era "indeis", pois minha esposa também é do interior paulista. Bem, ela me disse que nunca tinha ouvido tal expressão, e me perguntou o que significava essa palavra. Expliquei a ela com mesma inocência com a qual eu havia aprendido, e disse: - Amor INDEIS é um ovo que deixamos no ninho para que a galinha não abandone este ninho, e continue botando sempre no mesmo local. Pintamos este ovo com carvão para que ele fique marcado, e não seja recolhido do ninho pois com o passar dos dias ele se estraga. Ela ainda quiz saber. - Por que INDEIS? Nessa hora veio a brilhante explicação: - Quando minha mãe mandava que fossemos buscar os ovos nos ninhos, que era para retirar somente dos ninhos que tivessem mais de um ovo, e que deixassemos "um deles" no ninho. Porém com o sotaque caipira a pronunia fica assim:
Deixem "Um deis". Daí a origem da plavra INDEIS, que significa
"um deles". Essa foi de doer né?
Tudo de bom. Gostei muito do seu texto.
Um abraço.
Marcos Carvalho - São Paulo.
Marcos, a explicação é de doer, mas faz muito sentido. Minha mãe também falaria desse jeito: um deize, em veize, indeiz...
Um abraço,n
Neide meu nome é Domingos Guimarães e meu e-mail é domingos@gigatron.com.br
Abraço
Neide adorei a Dona Orga e como também sou e fui da roça, me deu muitas saudades, ah! como era feliz e não sabia.
Beijão
Domingos
Domingos, quem já viveu tudo isto sempre tem saudade, não é?
Um abraço, N
Ola Neide - Estou aprendendo a criar galinhas agora e no dia que as minhas chegaram o moço disse prenda elas no galinheiro fechado se não elas vão botar em outro lugar. Fechei e foi dito e feito botaram no lugar certinho, fui toda feliz recolher os 2 ovos assim que chegaram !!! Ai no outro dia cade mias ovos ?? Em uma conversa com um a senhora ela disse mas você deixou o "indes" la ?? E o q é isso ? _Você tem que deixar um la para q ela sempre volte a botar no mesmo lugar. Aff eu não sabia ai esse final de semana encontrei o ninho no meio do mato 22 ovos. Acho q alguns ja devem ate estar estragados, tudo por causa do Indez. Mas a partir dai comecei a conversar com criadores e todo mundo usa o mesmo dialeto !!! Fiquei surpresa em existir uma "palavra" que todos os criadores de animais sabem ! De menos eu ..rs...rs... Agora quero só saber uma coisa: como tem 3 ninhos se eu deixar 1 em cada, quando elas voltarem a botar ela vai botar la ou tenho que prende-la novamente?? Pergunta a Dona olga por favor ??? GRAZIELLE DIAS
isto e uma merda
O dicionário aulete traz a definição:
(in.dez) [ê]
a2g.
1 Diz-se de ovo us. como chamariz que é deixado no lugar onde se quer que as galinhas façam a postura.
2 Fig. Diz-se de indivíduo muito suscetível ou delicado.
3 Fig. Diz-se de criança chorona ou manhosa.
4 Bras. Fig. Que é us. como chamariz.
sm.
5 Ovo us. como chamariz deixado no lugar onde se quer que as galinhas façam a postura.
6 P.ext. Ovo artificial, ger. feito de material plástico, que imita a forma e a aparência do ovo de um pássaro.
7 Fig. Indivíduo muito suscetível ou delicado.
8 Fig. Criança chorona ou manhosa.
[F.: Do lat. indicii. Sin. ger.: endez.]
Eu tenho 4 galinhas e um galo todos tem nomes tem a varinha, mari, fronze,Gisele Bent e o beto adoro eles nem imagino comendo meus bichinhos
Que texto interessante, lembrou minha infância. Texto não envelhece, continua ressoando sabedoria pelos tempos!
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