Fiz como aqueles turistas que voltam do México de chapelão ou estrangeiro que deixa a Bahia levando seu berimbau. Cheguei do Encontro Terra Madre portando prende-coque de penas da aldeia Fulni-ô, de Pernambuco, pulseira de jupati e colares de morototó. E feliz, muito feliz. É claro que daqui a alguns dias vou ficar inibida de sair com penacho na rua, mas por enquanto conservo a empolgação. Das penas posso até me envergonhar, mas sempre tive e vou ter o maior orgulho das minhas raízes. E neste encontro a mandioca foi louvada de todos os jeitos. Fiquei emocionada quando a índia Macuxi, meio tímida, demonstrou como cantam e dançam as mulheres de sua aldeia enquanto ralam a raiz, para que ela fique 'boazinha". O Terra Madre é um dos eventos do Slow Food e aconteceu pela primeira vez em Turim, Itália, em 2004. Começou reunindo 1250 comunidades do alimento de 130 países, incluindo o Brasil. A segunda edição, no ano passo, reuniu também chefs de cozinha do mundo todo. E assim foi também o Terra Madre Brasil que aconteceu em Brasília nestes últimos dias, com a diferença de que juntou comunidades de norte a sul do Brasil e ainda aqueles chefs de cozinha que se identificam com o movimento, a quem Teresa Corção, do restaurante O Navegador, do Rio de Janeiro, tem chamado de ecochefs. Os participantes do Terra Madre ficaram todos num hotel meio afastado, enquanto o almoço e o jantar eram servidos no Parque da Cidade, onde acontecia a Feira de Agricultura Familiar. E aqui uma crítica (come de graça e ainda reclama): o restaurante self service serviu praticamente o mesmo cardápio em todas as refeições, combinando arroz de pequi, vaca atolada, feijão canapu, mudando algumas coisinhas na imensidão de itens que ia de comida árabe a chinesa – nada Slow Food. Quem sabe para o próximo evento não pedem sugestões para os ecochefs? Enquanto isso, palpito eu: uma salada de folhas verdes orgânicas, arroz vermelho do Vale do Piancó, feijão sopinha dos quilombolas; carne de sol e farinha d´água; suco de mangaba; creme de cupuaçu. E no jantar, baião de dois com arroz vermelho e feijão canapu, taioba refogada, suco de taperebá para beber e poréu de sobremesa. No outro dia, esquema parecido, privilegiando os alimentos da agricultura familiar ou indígena. Ou que fosse um cardápio do Cerrado, simples e honesto. E quem não quisesse, que fosse pagar sua comida em outra freguesia. Mas falando de coisas boas: era no hotel e nos ônibus fretados que todo mundo se encontrava: índios, assentados da reforma agrária, chefs, antropólogos, pesquisadores e bisbilhoteiros como eu. Nas oficinas, entre uma questão e outra, um cochicho para trocar receitas, tradições e experiências. Saí de lá com a sacola abarrotada de iguarias compradas na Feira, sementes de todo canto e uma listinha gorda de novos contatos e amigos, como a Cenia, do Empório Siriuba, aqui de São Paulo que virou minha amiga de infância; o Joselito, autoridade em mandioca da Embrapa Cruz das Almas-BA; o inventivo e divertido Beto Pimentel, do restaurante Paraíso Tropical, Salvador; o Faustino, de Fortaleza, que recebe hoje o prêmio Inovação na Culinária Brasileira do Guia Quatro Rodas; o antropólogo Herundino que trabalha com índios do Lavrado (Macuxi, Wapixana e outros); o chef Ofir, de Belém; a Beth Beltão, de Tiradentes; a Dona Lucinha, de Belo Horizonte e tantos outros que eu só conhecia de fama. Agora, passada a slow life, estou de volta à correria da modernidade. Então, para eu conseguir dar conta de tudo e ao mesmo tempo não cansar ninguém, vou contando as coisas aos poucos. Mas, só para adiantar, empolgadíssima com os produtos da terra, fiz ontem mesmo uma granola brasileira com goma de mandioca, farinha de jatobá, rapadura, castanha do Brasil e amêndoas de baru e de pequi, que comi com banana. Hoje no almoço teve arroz vermelho do Vale do Piancó temperado com azeite de licuri, feijão canapu com paleta dianteira bovina e refogado de ora-pro-nobis (que meu pezinho no quintal está carregado). E está crescendo lá na cozinha um pão com trigo e farinha d´água. Este, não garanto que vá ficar bom – só vou saber à noite. Mas os dois primeiros ficaram ótimos – depois dou a receita. Algumas fotos:
Obadias, índio Sateré-Mawé, ralando bastão de guaraná em pó, protegido pela Fortaleza do Slow Food (conheça outras Fortalezas do Brasil) Pimentas-de-cheiro da Emprapa-Cerrado Graviola, cupuaçu, dendê e cacau, da Embrapa-Cerrado Queijo da Serra da Canastra - MG Cacau e cupuaçu, da mesma família - Emprapa-Cerrado
Estes eu trouxe para desgustar - têm um terroir incrível: mel de abelha nativa Japurá; mel de florada do Cerrado (abelhas africanas); de Jandaíra (abelha nativa, sem ferrão); de florada de jacatinha (abelhas africanas), e mel de caju (melado, na verdade). Sementes crioulas: milhos, amendoins e feijões
Erva mate sendo pilada para o chimarrão
Bolinho de farinha de piracuí servido no jantar do Chef Ofir, de Belém
Aos poucos, vou explicando o que é cada coisa. Aguardem.
Para saber mais:
http://www.artebaniwa.org.br/abre.htm
http://www.socioambiental.org/pib/epi/fulnio/white.shtm
http://terramadre.slowfoodbrasil.com/sobre
5 comentários:
Neide, que evento ma-ra-vi-lho-so! Tanta cultura indigena, tanto ingrediente legal, fico felicissima que o Slow Food esta divulgando tudo isso. Vou ate mandar o link do Come-se pra minha mae, pois ela vai adorar ler os seus relatos e experimentos com esses alimentos cem por cento brasileiros. Numa terra rica como a nossa nao precisaria importar nadica de nada. To aqui na primeira fila-- a do gargarejo, pra ler as suas historias, relatos e receitas, ver as fotos, viajar um pouquinho pra lugares no Brasil onde eu nunca fui. beijo!
Oi Neide! Vc conseguiu resumir tudinho mesmo! Vou colar no meu diário de bordo!!! Foi mto bom ter acompanhado vc neste viagem, mesmo com minha moleza por causa do calor!! E agora estou apaixonada pela mandioca e o feijão vermelho!!! DEpois te mando mais fotos p vc aumentar sua coleção..mas estas aí ficaram ótimas! Vou anotando os nomes e lugares todos q vc for postando..assim não esqueço nada! bj Sill
Sil,
foi muito legal ter a sua companhia nesta viagem. Espero que a próxima seja num lugar mais frio pra você ficar bem espertinha. Pra mim, tanto faz. Sou meio lagarto.
Fer, é isto mesmo. Somos auto-suficientes em mandioca, arroz e tantos outros alimentos. Não precisaríamos importar quase nada.
beijos, n
Delícia conhecer tantas coisas nossas!!!!!
beijo
Creo que esta es la labor más noble que hay en la tierra, sembrar, cuidar y cultivar lo que comemos, algo realmente digno de admirar!
Postar um comentário