Sorte minha que não tenho tendência a frustrações de nenhum tipo. Para quem morou no Crusp durante longos anos, qualquer beldroeguinha bem feita agrada. Do contrário, ficaria aqui gorada por não poder ir pelo menos uma vez ao mês à Meca dos restaurantes italianos em São Paulo. Mas começar a semana com uma simples sopa de cambuquira para terminá-la no Fasano comendo Castraure com fregula foi bom demais. Uma vez na vida, que seja. O lugar é moderno, elegante, um luxo que não oprime. Confesso que me impressiono pouco com isso, porém o entorno é o ornamento perfeito para tudo o que se come e bebe por ali. E se a comida não fosse boa, jamais pensaria em voltar porque, luxo por luxo, prefiro comer pipoca no conforto do meu velho sofá reclinável. Mas, meu Deus, que comida! Maria Helena foi quem se animou e organizou nossa caça às castraure venezianas, cuja temporada, pelo menos no Fasano, está perto do fim. Nina Horta e eu esperamos por ela no bar e, para começar, nos ofereceram alguma bebida. Preferi água porque queria ir direto aos vinhos e porque não gosto de destilados. Já Nina, com seus lindos cabelos brancos assumidos, queria um Legalon ou coisa parecida que lhe protegesse o fígado. O barmen, muito educado, supondo que ela não devesse beber, foi logo oferecendo um suquinho ou um leve coquetel de frutas. "Ele não está entendo. Eu quero Legalon pra poder beber". Ela agradeceu as frutinhas inócuas e surpeendeu o moço pedindo um uísque. "Sem gelo, por favor!". Isto foi engraçado. De resto, me senti privilegiada por estar ali. Mal nos sentamos à mesa, Manoel Beato surgiu com um PRÀ - Soave Classico 2001 Colle Sant'Antonio, refrescante, delicado. Depois mandou um branco intrigantemente tropical - frutado a folhas de pitanga, de uvaias e de goiaba (Chevalier Montrachet – Domaine Leflaive, 2004). Já na hora dos queijos, antes da sobremesa, fomos de Bordeaux - um Chateau St. Florin 2005, tanino afável e carvalho muito leve. Bem resolvido, mas o segundo foi o mais marcante. E a comida, dos pães à sobremesa, uma sofisticação só. Não pela raridade das castraure, que são mesmo muito boas, mas pela perfeição de tudo: a entradinha de tomate recheado com crosta e molho de queijo; os queijos, as geléias, os petit fours, o sorbet de figo, o café. Agora, nós fomos lá mesmo para comer castraure.
Castraura é o primeiro botão floral que desponta no coração da planta de alcachofra, castrada para que brotem outras 18 ou 20 outras alcachofras vigorosas e tenras. O broto cortado é a tal da castraura. Em tamanho não é diferente das alcachofrinhas minis que encontramos por aqui. Mas o sabor é mais adocicado, com agradável e discreto amargor. E tão macia, que chega a ser cremosa. Elas vêm direto de Veneza, da Ilha de Santo Erasmo, onde são colhidas nos primeiros dias de abril.
Fregola ou fregula é um tipo de massa cortada em pedacinhos. Típica da Sardenha, ela pode ser arredondada ou quadrada, como a que é servida no Fasano. Tem uma textura firme, agradável, como as massas de semolina de trigo duro, com a diferença de que os quadradinhos têm mais superfície mastigável. O preparo é como o do risoto. Refoga-se em azeite e temperos e vai juntando algum líquido (suco de tomate ou caldo). No final, creme de leite ou manteiga.
Não tenho caradura para pedir a receita do Fasano, mas daqui a alguns dias vou arriscar minha versão com alcachofrinha em vez de castraura - que é especialidade deles, ora. A massa de fregula pretendo fazer com semolina, cilindrada em espessura grossa, cortada no modo talharim e picotada em quadradinhos. Deixo secar um pouco, tosto ligeiramente no forno e parto para uma receita de risoto, substituindo o arroz por ela. Nossa fregula tinha legumes picados em dadinhos mínimos – cenoura, salsão, cebola, pedaços de castraure, caldo de carne, talvez um pouco de vinho branco, creme de leite e salsinha. Puro chute. Foi trazida à mesa em tigelinha de louça branca apoiada em moldura de cobre, com tampa do mesmo material. Quando os três garçons abriram as panelinhas ao mesmo tempo foi um espetáculo. Neste momento eram fortíssimos os indícios do que teríamos pela frente. Maravilhoso.
Se não puder voltar mais ao Fasano, pelo menos poderei voltar às lembranças sempre que quiser conforto – em todos os sentidos. Afinal, não se esquece fácil daquele lugar, daquela comida e daqueles vinhos. Ah, e os maitres são simpáticos e soam verdadeiros.
Foram servidos queijos Saint Paulin; Castle Rosso; Brigante, Gruyere e Ricota de ovelha defumada com alecrim e sal grosso. Para acompanhar: mostarda cremosa de Cremona, gelatina de vino santo, geléia de gengibre e mostarda de marmelo do Veneto.
O sorbet de figo era simplesmente a polpa do figo de forma cremosa e gelada – sem açúcar, sem nada. Impressionante de bom.
FASANO - Rua Vittorio Fasano, 88, Jardins - Tel.: (11) 3896-4000
3 comentários:
Hum, que delícia Neide!! Não sei o que foi melhor, se a descrição da comida ou a história...
Neide, que experiencia fabulosa! Eu tenho uma amiga que vai ao Fasano com a mae em ocasoes especiais. Ela adora, e agora vejo que nao eh por menos, hein? Esse sorbet de figo me deu um olé! :-))
beijo,
Neide! Ainda bem que marcamos nossa sopinha para outro dia...rs...Vc me fez arrepender-me de não ir ao Fasano daquela vez...agora não sei qdo poderei fazer isso novamente...rs...Como estou com uma dor de cotovelo do tamanho de um trem vou ficar sonhando com um jantar romântico regado a bom vinho e comida demiúrgica p curar minha cotovelite lá..rs...Adoro ler suas histórias. Qdo voltar a SP posso te pedir p fazer um estágio na sua cozinha? bj Saudades, Sil
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