terça-feira, 16 de junho de 2009

Farinha fininha de Santa Catarina

Quem aqui em São Paulo já comeu o barreado delicioso do restaurante Tordesilhas conhece esta farinha delicada feita em Santa Catarina, que a Chef Mara Salles usa para colocar no prato antes do caldo quente com carnes.
Fina quase como uma farinha de trigo, ela tem razão de ser. Quando os açorianos chegaram em Santa Catarina em meados do século 18 tiveram que se adaptar à falta do trigo, que ainda não vingava por aqui. Acostumados com a moagem de grãos, logo aprenderam a trabalhar o ingrediente indígena usando a tecnologia dos moinhos de vento que conheciam.
Adapta daqui, adapta dali e surgia um modelo particular de engenho que, com exceção de algumas modernidades, sobrevive até hoje. Os engenhos artesanais feitos de pesadas peças de madeira entalhadas à mão eram movidos pela força do boi e, em certos engenhos, como o do Claudio, que sediou a reunião da comissão da Arca do Gosto, ainda são. Mas hoje em muitos engenhos as engrenagens funcionam basicamente à base da energia elétrica ou a diesel. No lugar de um boi, um motorzinho de dois cavalos e isto garante o sustento de uma família. Ainda assim, o trabalho artesanal é grande, pois a mandioca precisa ser descascada – no engenho do Seu Osmar, o trabalho grosso é feito numa descascadeira com pente de madeira, mas o acabamento é feito manualmente, como se vê no filme abaixo. A cevagem (ou o ato de ralar) da mandioca, assim como a torra, também é tocada a motor em boa parte dos engenhos do Sul ou casas de farinha do Norte e Nordeste.
Na prensa
A massa de mandioca já cevada vai para a prensa. Antes, acomodada em cestas de palha (tipitis redondos), agora é embrulhada em sacos de ráfia sintética que são moldados em caixa de madeira para ficar bem quadrado. Na prensa, estes embrulhos intercalados por placa de palha transada passam horas sendo espremidos para que a água saia devagar, conservando parte do amido, que vai dar a característica de farinha polvilhada.
O pão dos colonos
Os açorianos aprenderam a fazer cuscuz, bijajicas e beijus com massa de mandioca; beijus de tapioca; roscas e biscoitos com a fécula. E transformaram a farinha de mandioca fininha e polvilhada no pão nosso de cada dia fazendo com ela pirão à moda das açordas de pão para comer com caldeirada de peixe. Aliás, não imaginava que existisse tantos tipos de pirão: viradinho, pirão de água, pirão de peixe, pirão de cozido, pirão de feijão.
Comida de engenho
A massa prensada, depois de cevada novamente ou passada por peneira, fica soltinha e pode ser usada para fazer beijus (ou bijus) em chapa quente, que pode ser o próprio forno de farinha. Esta mesma massa pode ser usada para se fazer bijajica (também conhecida como mané-pança ou bijaíca) ou cuscuz. Diferente do cuscuz tradicional, este é feito com uma mistura de massa de mandioca e farinha de milho e depois de cozido no vapor como qualquer outro. O inusitado é a forma de apresentação - fatiado fino depois de frio, é tostado na chapa do forno de farinha ou em forno quente. Vira uma espécie de biscoito ligeiramente adocicado e crocante. Estas parecem ser comidas de engenho, que vão sendo preparadas em mutirão, pelas mulheres, no mesmo tempo e espaço da farinha. Engenho no Sul é também o lugar onde se faz o açúcar e a cachaça, de modo que o açúcar mascavo aparece em algumas receitas como na de bijajica.
Um engenho pra visitar
Um destes filmes apresentados abaixo mostra o engenho dos Andrade, que ainda funciona movido à tração animal. Pertence à família do Claudio Agenor Andrade, líder do Convivium do Slow Food em Florianópolis e que mora ao lado. Foi construído em 1860 e hoje é patrimônio cultural tombado pelo Município e usado como engenho modelo, aberto a visitação e a atividades culturais. Foi neste lugar lindo que tivemos nossa reunião. Para saber mais, entre no site
Casarão e Engenho Andrade.

Os vídeos: primeiro é uma colagem que fiz do engenho visitado, bem tosco (o vídeo, não o engenho) e o segundo mostra uma farinhada no engenho dos Andrade, justo onde fizemos nossa reunião. O terceiro mostra uma casa de farinha típica do Nordeste - Eliana, baiana que trabalha aqui em casa, ouviu lá de baixo o barulhinho e subiu aqui perguntando "é descascando mandioca, não é?". Perguntei como ela sabia e a resposta foi em tom de obviedade: "pois se me nasceram os dentes na casa de farinha, como é que não ia conhecer esta zoada?". O último filme é o Professor da Farinha, da Tereza Corção e Manuel Carvalho, do Slow Food do Rio.
Se quiser conhecer mais casas e engenhos de farinha e engenhos, é só ir lá no Yotube e digitar no campo de busca as palavras chaves.
Já falei de farinha também aqui
Farinha de Copioba - com ótimos comentários de leitores
Farinha de mandioca de Jacupiranga - um jeito paulista de se fazer farinha















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