sexta-feira, 12 de agosto de 2011

Receita da Mara Salles: Suspiros de jatobá na sua própria caixa





Nas nossas reuniões para a aula do Paladar surgiram muitas ideias sobre invólucros de folhas e outras proteções naturais.  Mara se lembrou do suspirinho que tinha inventado com o pó de jatobá. Pensamos, então, em usar a caixinha. Mas, como abrir direito? Ué, pede para um marceneiro. A Andreza, que trabalha com a Aninha, palpitou: posso pedir pro Claudio (o marido arquiteto que trabalha com madeira). E pra arrumar jatobás? Fulano arrumou um pouco, Sicrano, outro. Mara pede para que eu busque no Mercado da Lapa sua encomenda de 20 jatobás. Antes, a amiga do Slow Food, Adriana Lucena, tinha mandado uma caixa de frutos de Natal para  os testes. Lembro que aqui na praça perto de casa há um pé de jatobás enorme, mas quem diz que alguém consegue alcançar os frutos, lá em cima, cutucando o céu.  Descubro que no Horto Florestal tem muitos jatobazeiros, mas os ervateiros estão acabando com ele, tirando lascas da casca para algum daqueles remédios milagrosos, até que as feridas formam um anel não cicatrizável ao redor do tronco, que interrompe o fluxo de seivas e a planta morre. Na outra reunião, aparece a Ana com as caixinhas cortadas, esvaziadas, limpas e grudadas com fita crepe para que os pares não se percam. A polpa foi passada em peneira, vira farinha que vira bolo, mingau, pudim, pão e broinhas.


Chegam na cesta da Ana também cremes brulês de jatobá na própria casca. Sugeri "mingau sapecado". Mara já espera com uma peneira cheia de suspirinhos. Testes e mais testes, diminui o açúcar do mingau, diminui o tamanho dos suspiros pra caber, suspiros de satisfação. No último encontro, Ana chega com as caixinhas prontas, amarradas com fios de outro do capim dourado,  com ajuda da Emi, irmã da Mari Hirata. Suspiros de emoção, que lindeza. Arrisco que poderiam estar nos casamentos no lugar do bem casado, tão mais chique.  E assim termina a saga do jatobá e na aula todos puderam provar.

Mara fala dos suspirinhos: "passei a infância toda com a boca preguenta com um caroço de jatobá em cada bochecha, tinha uma vontade enorme de um dia fazer alguma coisa com ele, mas o que, meu Deus? Um troço seco que tem cheiro de chulé? Cabeça que não para de matutar, me desafiei a trabalhar com ele num evento da Prazeres em 2009. Teste vai, teste vem, criei o tal suspiro que muito me orgulhei, ficou bom mesmo!"

O jatobá recentemente entrou para a Arca do Gosto, o projeto do Slow Food que visa salvaguardar estes alimentos em risco de extinção, mapeando zonas de produção, divulgando e estimulando a produção sustentável baseada nos princípios do movimento de alimento bom, limpo e justo.  Durante o encontro da comissão da Arca, que aconteceu aqui em São Paulo, Rodrigo Oliveira, do Mocotó, serviu esta mesma receita a jornalistas e foi um sucesso.

Veja também
Aqui, no Come-se, como tirar a farinha do jatobá e como fazer uma granola com ela
O texto da Lili, A vingança do Jatobá, no blog Farnel
Onde comprar farinha de Jatobá: Ceppec - www.ceppec.org.br - tel. 67-33473130


Suspiro de Jatobá. Receita da chef Mara Salles

2 jatobás
200 g de açúcar refinado
100 g de clara

Quebre os jatobás e esfregue os caroços numa peneirinha para extrair a parte seca e esverdeada que os envolve. O resultado é um pó finíssimo e aveludado – reserve. Misture o açúcar à clara e leve ao fogo a 60°C (máx.) em banho-maria,  até que os ingredientes se incorporem (mais ou menos 5 minutos, mexendo). Leve à batedeira ainda quente e bata até o ponto de merengue firme. Pouco antes do ponto, ainda na batedeira, incorpore o pó de jatobá. (reserve só um pouquinho do pó para a finalização). Forre uma assadeira com papel manteiga e, com saco de confeiteiro, faça os suspiros. Deixe secar por 40 minutos em temperatura ambiente e depois leve ao forno a 160°C com a porta semi-aberta até dourarem levemente.
Polvilhe sobre os suspiros prontos um pouquinho do pó reservado.

Bem, esta é a receita da Mara. O resto fica por sua conta. Se quiser, coloque os suspiros nas caixinhas de jatobá, como se fossem suas sementes e feche. Dá  um pouco de trabalho porque as caixinhas tem que ser serradas, esvaziadas e limpas, mas, em compensação, podem ser reutilizadas por tempo indeterminado.

quinta-feira, 11 de agosto de 2011

Embrulhadinho de mandioca e banana-da-terra com camarão. Quinta sem trigo 30



Depois de tanto pesquisar, para a aula do Paladar, estes embrulhos em folha de bananeira e me deparar com rolinhos tailandeses de de arroz glutinoso com coco, beijus com massa de mandioca e pés-de-moleque no Norte, moquecas caipiras e caiçaras daqui de perto, pamonhas de mandioca na África, tamales mexicanos etc, comecei a sonhar com esta massa que combinasse a liga da mandioca com o adocicado e a umidade da banana e o sabor com fibras do coco. Cheguei a uma proporção que considerei ideal para que a massa não ficasse tão grudenta ou seca. Tudo em partes iguais. Juntei à massa, porque combinam, cominho e cúrcuma, que lhe dá um estilo meio asiático sem distância da identidade brasileira, afinal são ingredientes nossos a banana-da-terra e o coco, e os temperos asiáticos são também de uso corriqueiro na nossa cozinha. 

Terra no nome da banana e na origem da mandioca me fez pensar em algo da água para o recheio, mas não precisei extrapolar o bom-senso nesta escolha simbólica, já que é quase óbvia a combinação banana-da-terra com peixe ou camarão. Mas poderia ser também carne seca cozida e desfiada. 

O pacotinho vem completo, prato único, carboidrato sem trigo e proteínas, dispensando nesta quinta o lanche de fim de tarde com pão. Esta massa fica tão boa que merece uma investida maior. Para o seu, capriche no tempero, um camarão chapeado ou um filete de peixe. Faça porções menores, com menos massa. Faça rolinhos com o recheio no centro. Faça embrulhado e assado no forno ou na brasa. Se quiser, cozinhe em microondas. Experimente trocar o sal por açúcar e incluir um recheio doce. Bote a mão na massa e invente seu pacote. Aqui vai a receita - no dia da aula foi corrido e parece que ninguém recebeu a receita. Pelo menos todos puderam experimentar. 



Embrulhadinhos de massa de mandioca com banana-da-terra e camarão

Massa
100 g de massa de mandioca espremida (veja aqui também)
100 g de coco fresco ralado (tenho usado um congelado que compro no Mercado da Lapa)
100 g de banana-da-terra madura, firme e ralada grossa
½ colher (chá) de sal
1 colher (sopa) de cúrcuma fresca ralada ou 1 colher (chá) de cúrcuma em pó
½ colher (chá) de cominho tostado e triturado grosseiramente 

Recheio: camarões chapeados com azeite, sal e algum tempero seco com pimenta (usei um tempero seco italiano com flocos de pimenta-calabresa, tomilho e orégano). Se quiser, use filetes de peixes dourados rapidamente em azeite antes (não precisam estar totalmente cozidos, pois terminam de cozinhar no vapor e o mesmo vale para o camarão) 

Modo de fazer: misture os ingredientes da massa, amasse bem até formar uma bola de massa homogênea. Faça montinhos sobre folhas de bananeira (limpas, cortadas em quadrados do tamanho da palma da mão e amolecidas na chama do fogo). Coloque recheio na quantidade que quiser - que cubra toda a massa ou só no centro, feche os pacotinhos como embalagem de presente, com as dobras para baixo. Cozinhe no vapor, no alto da cuscuzeira, por exemplo, por cerca de 15 minutos ou até que a massa fique firme e translúcida.




Variação: abra a massa na folha de banana, coloque o recheio (aqui, só aproveitei o restinho de camarão, mas poderia ter mais ou maior), enrole fazendo um cilindro. Ajude com a folha como se ela fosse uma esteira de sushi. Desprenda parte da folha e coloque alguma erva fresca para grudar na massa (frescura pura - combinaria mais coentro, mas não tinha e usei salsa). Feche de novo em rolinho (a folha do tamanho do rolo) e cozinhe no vapor por 15 minutos. Ou cozinhe no microondas (você testa e me conta quantos minutos). E nhac com molho de pimenta.

quarta-feira, 10 de agosto de 2011

Panforte da Tanya Volpe



Tanya veio pessoalmente me entregar o panforte que está fazendo para vender. Confesso que nem botava muita fé quando ela me contou. Primeiro porque não sou muito de doces (gosto deles, mas não tenho desejos como tenho de frutas) e depois porque nunca comi bom panforte fora de Siena. De qualquer forma, sempre confiei no talento da Tanya, seja na cozinha ou no estilismo de comida (aliás, ela está dando aula sobre isto hoje na Escola Wilma Kövesi) e sabia que ainda que não fosse perfeito seria o melhor depois dos italianos.  Enganei-me tremendamente. Uma, que eu gosto sim de doce, deste tipo de doce que leva  muitas frutas e especiarias. E outra que o panforte da Tanya consegue ser melhor que os que comi em Siena (numa única vez que estive lá). E, se eu não tenho este doce no meu repertório familiar, Tanya teve parâmetros de sobra para comparações.  A ascendência italiana e as memórias de infância lhe dão certa autoridade para ter chegado à melhor receita que combina frutas secas mas suculentas, confitadas, com avelãs, amêndoas, pistaches. Todas as diferenças de texturas e sabores agrupadas por uma massa perfumada a especiarias e mel em equilíbrio, que combina a maciez de um pudim, a firmeza de um bolo e a translucidez de uma geleia. E as frutas não são quaisquer umas - muito diferente daquelas imitações que encontramos dentro dos panetones. Por toda a massa espalham-se ainda pontinhos de crocância dados pelas sementes do figo seco que são como borbulhas sólidas.  Tudo isto está bem acima de uma providencial folha de hóstia, que não deixa dúvida que este é um doce pra se comer de joelhos.  Tão artesanal, até o saquinho de algodão, um mimo,  é feito por ela.  
Ficou com vontade? Ela está vendendo em dois endereços, no Pacaembu e Vila Madalena.  Vou deixar também o contato aí ao lado nos links de "comércio legal".  Para ver preços, vá ao blog da Tanya: Delícias e Paisagens.

Onde comprar
Casa Romilda - Rua Tupi , 592 - Pacaembu - Tel. 11 3661 9488
Sou Sou - Rua Aspicuelta, 355 - Vila Madalena - Tel. 3812 4076
Mas você pode encomendar diretamente com ela pelo email: tanya.volpe@gmail.com.



Os de Siena

terça-feira, 9 de agosto de 2011

Aula da Mari Hirata sobre fermentados


Aconteceu de este final de semana ser um pouco oriental demais. Mas eu quero é mais. Na sexta veio aqui o George Kajiwara, da Sementes Sakama com enormes aipos de raíz de presente. Depois falo deles. No sábado fomos visitar a Marisa Ono, do blog Delícia, em Ibiúna, comemos deliciosas empadinhas e coxinhas feitas pela Dona Margareth. E, à noite, depois do Show da Cida Moreira, ainda esticamos com a prima Ivana, do blog Doidivana, para o Izakaya Issa, que eu não conhecia e nem tinha programado para conhecer. Ficamos além do último cliente conversando e bebendo com a dona do bar, Margarida. Uma experiência inesquecível. No domingo teve Casa dos Cariris com Lourdes Hernandez mexicando pratos perfumados a pimenta, de que gosto tanto e que ela sabe fazer com tanto zelo, só para refrescar a temporada oriental, já que na segunda, ontem, teria mais olhinhos puxados.

Como todo agosto, Mari Hirata veio do Japão para, entre vários compromissos, dar sua tradicional aula na Escola Wilma Kövesi, que é um lugar onde a gente se sente em casa. Desta vez ela falou sobre fermentados e foi incrível pois aprendemos a fazer misso (fui nomeada a madrinha porque apresentei a Marisa Ono e seu koji para Mari Hirata - foi o koji dela o usado no misso preparado na aula), shio-koji e até o coreano kimchi. Teve também natto, mas eu passo - já tinha experimentado e ontem dei mais três chances a ele para me conquistar, mas não teve jeito. De qualquer forma, é interessante ver fazer porque há os que amam natto (James Oseland, da Saveur, por exemplo) talvez na mesma proporção que os que odeiam - eu já me conformei em ficar no segundo grupo, e olhe que tentei mudar de lado. 

Bem, para fazer o miso, só mesmo acompanhando quem sabe. Se você não esteve na aula da Mari e nunca viu ninguém fazer, no blog da Marisa talvez você possa aprender com o passo-a-passo. O sabor do miso que degustamos na aula era incomparável, nada a ver com o que conhecemos nas marcas comerciais, era um sabor glutâmico viciante, que não se anula com o sal. Dava para comer com pão (uma aluna me ensinou: frita um pedaço de banha de porco e coloca um pouquinho do miso por cima enquanto ele ainda está bem quente - deve ficar muito bom). Mas comemos com legumes uma pastinha feita com ele. Escolha um miso de qualidade e se surpreenda com esta receita.  E o Kimchi estava tão delicioso, apimentado e perfumado, que trouxe um pouco para casa.  Veja que não é difícil fazer. 

Miso Dip 

1,5 colher (sopa) de miso
1 colher (chá) de kotejan ou pasta de pimenta coreana
2 colheres (sopa) de cebolinha picada
1 colher (chá) de gengibre ralado
1 colher (chá) de gergelim torrado
1 colheres (sopa) de água quente
1 colher (chá) de açúcar 

Misture tudo e sirva com vegetais crus, como por exemplo nabo, pepino, cenoura, rabanete, ervilhas doces etc. Rende: 4 porções



Kimchi 

1 acelga japonesa de 1 ou 1,5 kg
2 colheres (sopa) de sal
2 colheres (sopa) de açúcar
20 dentes de alho pequenos picados (sem o germe)
20 fatias finas de gengibre fresco (descascado)
1/2 xícara de pimenta vermelha coreana (kochukaru/ kimchee hot pepper)
50 ml de shoyu de peixe (nampla ou naouc man)
50 ml de shoyu comum
1/2 xícara de açúcar cristal
1 colher (sopa) de conserva de camarão salgado (ou krill)
1/2 xícara de cebolinha cortada em pedaços de 3 centímetros
1/2 xícara de cenoura cortada em bastões de 3 centímetros
1/2 xícara de nabo cortado em bastões de 3 centímetros
1 xícara de água e farinha de arroz suficiente para fazer no fogo um mingau (para dar liga ao tempero)

Lave bem a acelga e corte em 4 no sentido do comprimento. Polvilhe bem com sal e açúcar, coloque um peso em cima e deixe marinando durante uma noite - pode colocar num saco plástico, tudo bem apertado. Ela vai perder líquido e ficar bem murcha. Misture os outros ingredientes numa tigela e faça o mingau de arroz - espere esfriar. Junte os temperos com o mingau - vai ficar com consistência de um creme. Espalhe esta mistura entre as folhas de acelga de forma homogênea. Coloque em recipiente com tampa e leve à geladeira. Depois de um dia estará pronto. Depois de uma, duas semanas, estará muito melhor. Depois de duas semanas ficará cada vez mais ácido e poderá ser usado como condimento ou para fazer ensopados como o Jjigae ou Chige. As fatias de gengibre podem ser desprezadas.


Rende: aproximadamente 1,5 kg

Veja mais fotos da aula

A vingança do jatobá, um texto da Lili

Curti e recomendo muito o texto da Lili, Eliane Trevigno, do blog Farnel, querida amiga que me ajudou sem descanso no evento do Paladar e foi a autora do divertido texto de encerramento, um manifesto a favor dos invólucros vegetais e contra os isopores e filmes plástico, declamado com megafone pela Mara Salles. Agora, o desforra do jatobá:
http://farnel.blogspot.com/2011/08/vinganca-do-jatoba.html . Depois falo mais dele e dou a receita do suspiro feito pela Mara, que recheou as caixinhas (dentro destas caixinhas, suspiros alegres de jabotá).

segunda-feira, 8 de agosto de 2011

Banana-comprida, pacova, pacovã, pacoba, pacovão, banana-da-terra. Pão de banana

Ela faz parte do imaginário coletivo amazônico. Junto com os coquinhos gordurosos e frutas cheirosas de grandes caroços, a banana-da-terra segue inabalada mesmo depois do surgimento do freezer que nos impede de ver a fruta in natura. Para o bem e para o mal, tudo vira polpa congelada. Cupuaçu, açaí, taperebá, murici, bacuri. Para o bem porque não é todo mundo que tem tempo para ficar tirando polpa de cupuaçu na tesoura. Para o mal porque há polpas tiradas sem nenhum cuidado higiênico e há aquelas feitas com mais água que fruta.  


Mas como banana congelada não presta para suco ou cremes (aquela fórmula inváriável: 1 lata de creme de leite, 1 lata de leite condensado e 1 lata de qualquer fruta ácida - que pode ser mudada, acredite), ela segue ainda seu caminho primordial nos mingaus puros ou com tapioca, quase sem açúcar, deliciosos, ou em toletes cozidos pra servir de pão. Nas ruas, chips de banana, em casa, dourada na manteiga para comer com mel ou farinha, assada na brasa, no forno, cozida no vapor. Deu pra perceber sua força em Manaus, Belém, Ilha do Marajó e agora em Rio Branco e Acrelândia. Pra onde se olha tem lá um cacho de banana-da-terra,  que recebe outros nomes como banana-comprida, no Acre ou pacovã em Manaus.  É gente levando na moto, trocando por material de construção, presenteando o vizinho, trazendo da colônia. Ela só não é muito vista nos supermercados e, quando há, está junto com maçãs e peras, meio morta, encruada e enegrecida, em salas refrigeradas.  


Bem, eram estas as nossas bananas, bananas-da-terra, quando os homens chegaram. As outras, de comer cru, chegaram depois.  Veja aqui a descrição dos viajantes Léry e Gabriel Soares de Souza.


Homem carregando bananas na garupa

A pacoére [Pacobeira] é um arbusto que tem em geral de dez a doze pés de altura [...]. O fruto, a que os selvagens chamam pacó [...] tem mais de meio pé de comprimento e se assemelha ao pepino, sendo como este amarelo, quando maduro [...]. A fruta é boa; quando chega à maturidade tira-se-lhe a casca como figo fresco e sendo gomosa como este parece que se saboreia um figo [...] é verdade que são mais doces e mais saborosos do que os melhores figos de Marselha. Deve portanto a pacova figurar entre as frutas melhores e mais
lindas do Brasil [...]" 
1557 / Rio de Janeiro, Rio de Janeiro
LÉRY, Jean de. Viagem à Terra do Brasil (1555-1557). São Paulo, EDUSP/ Biblioteca Histórica Brasileira/ Martins Editora, 1972. p. 129-30

"Pacoba é uma fruta natural desta terra [...] tem um palmo de comprido e a grossura de um pepino, as quais tiram as cascas [...] e fica-lhes o miolo inteiro almecegado, muito saboroso. Dão-se estas pacobas assadas aos doentes em lugar de maçãs, das quais se faz marmelada muito sofrível, e também as concertam como berinjelas, e são muito gostosas; e cozido no açúcar como canela são estremadas, e passadas ao sol sabem a pêssegos passados. Basta que de toda a maneira são muito boas [...] a estas pacobas chama o gentio pacobuçu, que quer dizer pacoba grande. Há outra casta, que não são tamanhas, mas muito melhores no sabor [...]. Há outra casta, que os índios chamam pacobamirim, que quer dizer pacobapequena, que são do comprimento de um dedo, mas mais grossas; estas são tão doces como tâmaras, em tudo mui excelentes. As bananeiras têm árvores, folhas e criação como as pacobeiras, e não há nas árvores de umas às outras nenhuma diferença, as quais foram ao Brasil de São Tomé, aonde ao seu fruto chamam bananas [...] as quais são mais curtas que as pacobas [...] e o miolo mais mole, e cheiram melhor [...] e não são tão sadias como as pacobas. Os negros de Guiné são mais afeiçoados a estas bananas que as pacobas, e delas usam nas suas roças [...]" 
1587 / Recôncavo, Bahia / SOUSA, Gabriel Soares de. Tratado Descritivo do Brasil (1587). São Paulo, EDUSP/ Companhia Editorial Nacional, 1971. p. 188-9

Assim como as outras bananas, a banana-da-terra também tem sabor adstringente quando a fruta está verde e isto se deve à presença de taninos. À medida que o fruto amadurece o sabor adstringente desaparece, embora o tanino ainda esteja presente mas na forma insolúvel. O sabor continua sendo adstringente por muito mais tempo que as outras bananas e só regride quando sua casca já está quase completamente preta. Nas bananas comuns também ocorre, com a maturação, a transformação do amido em açúcar. Com a banana-da-terra o mesmo não se dá na mesma proporção.   Por isto, mesmo quando madura, ela ainda é muito mais rica em amido que em açúcares e é mais gostosa e melhor digerida quando cozida. Então, seja pelo tanino, seja pelo amido, será sempre melhor cozida, sendo aproveitável desde verdolenga a bem madura. 


Apesar da produção farta deste tipo de banana no Acre, não vi um aproveitamento à altura. Chips, frita, cozida ou em mingau - não vai além disso e, mesmo assim, mais em Rio Branco que em Acrelândia. Por isto fiquei morrendo de vontade de passar um tempo por lá só inventando moda com as bananas compridas (como são grandes aquelas bananas!). Sopas, purês, bolos e bolinhos, pamonhas, doces de corte, sorvetes, cremes. Por aqui, uma banana pequena custa R$ 1,00 no Mercado da Lapa. Em Acrelândia, são quatro ou cinco enormes por um real.  Dado  o pouco tempo para experimentações, apenas recheei tapiocas e fiz um pão com castanhas-do-pará (do Brasil, da Amazônia) que levei no dia da oficina com as merendeiras.  


Pensei num pão de mandioca e substituí um ingrediente pelo outro. Quanto às castanhas, é difícil atualmente avistar uma castanheira naquelas terras, mas afinal ali seria o lugar delas. Nos supermercados, não encontrei, mas consegui algumas com a Dona Maria Concebida que faz umas tapiocas com castanhas com um contraste incrível de texturas - elástica da tapioca e crocante das castanhas.  Mas, chega de enrolar, vamos à receita do pão:

Em vez de panos, usei folhas de bananeira para embalar os pães quentes
Pão de banana-comprida

30 g de fermento biológico fresco ou 10 g (1 colher de sopa) de fermento biológico seco
1,5 xícara de água (360 ml)
500 g de purê de banana-da-terra (cozida com casca na água até ficar macia, descascada e amassada)
2 colheres (chá) de sal
Cerca de 800 g de farinha de trigo (a quantidade pode variar com o teor de umidade da banana)
1 ovo
100 g de manteiga em ponto de pomada ou óleo
200 g de castanha triturada 

Numa tigela grande, misture o fermento com a água, o sal e a banana. Se preferir, bata estes ingredientes no liquidificador até obter uma massa bem lisa. Junte metade da farinha e misture bem com colher de pau. Acrescente o ovo e a manteiga ou óleo e mexa bem. Vá juntando farinha de trigo aos poucos. Quando ficar difícil de mexer, junte as castanhas - reserve 1/4 da quantidade para polvilhar sobre o pão. Passe a massa para uma superfície de trabalho enfarinhada e comece a trabalhar com as mãos, juntando farinha à medida que amassa, até formar uma massa homogênea, lisa, modelável, que se solte das mãos. A massa deve ser colocada novamente na tigela, coberta com plástico ou um pano. Espere crescer até dobrar de volume (caso não tenha experiência com pães, faça uma bolinha com a massa e deixe num copo com água em temperatura ambiente – quando ela subir à superfície, a massa certamente estará no ponto). Divida a massa em três ou quatro e molde os pães compridos ou redondos  e coloque numa assadeira grande, untada e polvilhada, deixando espaço entre eles. Umedeça os pães com água e role-os sobre as castanhas picadas reservadas. Deixe crescer novamente por cerca de meia hora ou até os pães dobrarem de volume. Faça cortes com lâmina afiada, leve ao forno preaquecido bem quente (280 ºC) e deixe assar por 10 minutos. Abaixe o fogo para 230 ºC e deixe assar por cerca de 50 minutos. Os pães devem ficar bem dourados.
Rende: 3 a 4 pães 

Nota: se não tiver castanhas, tudo bem, vai dar certo do mesmo jeito. Polvilhe os pães, antes de fazer os cortes, com farinha de trigo - peneire a farinha sobre eles, sem precisar umedecê-los. 

sexta-feira, 5 de agosto de 2011

Frutos dos quintais de Acrelândia

Não são diversas, mas são muitas. Frutas doces pra chupar no pé, azedas para suco, densas para doces, massudas pra assar, leitosas para temperar. Não estão nos mercados, que preferem as caixas de maçãs argentinas, uvas chilenas, peras portuguesas e mamões papaias padronizados, que chegam, depois de uma longa viagem, do Ceagesp ou sabe-se lá de onde.

Acostumadas ao clima mais ameno, depois da longa viagem sofrendo os balanços e o calor, estas frutas são acomodadas em câmaras geladas para protege-las do mormaço acreano. Coitada da banana comprida ou banana-da-terra,  única fruta local encontrada nos mesmos mercados, que mesmo acostumada àquele calorão, não tem escolha. Já  pra câmara fria já, sua bananona!  Junto a peras e maçãs, ali fica resignada, enfeiando-se dia-a-dia no frio que não escolheu.

Enquanto isto, do lado de fora, entre quintais ensolarados com flores nas cercas, corre à  boca míúda que chegou banana boa na quitanda do Seu João. Está lá no quentinho fazendo doçura, uma palma um real. É banana cozida, frita, recheando a tapioca, na carne, no pão, no lugar do pão, junto com arroz e feijão. E tem também abacaxi gigante. De Tarauacá?  Não, não tem quinze quilos, não. Mas a quatro chega. Amarelinho, amarelinho, tão doce e perfumado.

Sabia  que a mangueira da menina banguelinha é a mais precoce e as mangas já estão inchadas?  Mas como estão floridas as outras!  E que o seu Anésio disse que pode ir buscar tamarindo, que o pé está carregado?  Mas é azedo. Ué, faz suco. E as carambolas da dona Edna  que estão se  perdendo e o pé está até arqueado com o  peso das frutas graúdas e amarelas? É que ela e as meninas só gostam de refresco comprado. Boba, não sabe o que está perdendo. Os moleques da dona Teresa chupam fazendo careta, mas chupam. Vou lá com uma bacia de limão, que não tô dando conta. Quem sabe ela troca. Ah, e quando começar a época do cupuaçu e da graviola, hem? Desses, todo mundo gosta.  Na Dona Diná tem acerola, vamos buscar pra fazer suco? Ah, a dona Maria Concebida está vendendo suco de araçá-boi, você viu? Muito bom, vem lá da colônia.  E aquele mamão caipira amarelo do ramal do café?  Ah, é um terroir a cada terreiro. O do seu Dejalma está uma delícia este ano, vou lá pedir uns antes que os sanhaços furem todos.  E aquele pé de jaca sem dono?  A safra deste ano vai ser boa. Jaca verde pra moqueca, jaca madura escancarada no chão, caroço cozido.  E tem a fruta pão de caroço também, né? Tem?  Onde? Perto da quadra.  Quem  plantou? Não sei, parece que foi de caroço cuspido. Caroço cozido com sal, melhor que castanha portuguesa. E sabia que o jambo da dona Vera Lúcia já tá dando? Tem muito, muito.  Os outros ainda nem floriram. Mas quando aqueles jambeiros resolverem jambar todos juntos, um a cada duas casas, meu deus, pra quê peras, hem? O que tão plantando por aí é o tal de noni, não? Ah, é, viu que serve pra tudo, até câncer cura?  Passou no globo repórter, panaceia. Sei não, é ruim pra burro. Quem sabe não fica bom na geleia?  E a menininha Ingrid aponta para o coqueiro. Veja lá, veja  lá, Neide, tem coco, e eu tenho medo do malamem. Malamem? É,  a gente tem que se livrar dele, né mãe?  E livrai-nos do mal amem!

Sei lá, frutas de quintal são deste jeito, não aparecem nos questionários ou nas estatísticas, não são torturadas nas câmaras frias dos supermercados e mesmo assim, sai safra entra safra, lá estão elas,  às vezes desprezadas, às vezes devoradas, conseguidas na base do escambo, da provisão de fundo de quintal, das catanças não autorizadas e das molecagens.  Em Acrelândia, um pouco é assim,  outro pouco é inventado, como eu queria que fosse. Malamém.

quinta-feira, 4 de agosto de 2011

Hoje é dia de comprar Paladar - Cozinha do Brasil.


Tudo bem, prepare-se para sentir um pouco de raiva por ter perdido tanta coisa boa, caso não tenha ido, mas console-se porque a raiva que sente não  é muito diferente da minha que estive lá e tinha acesso livre a todas as aulas. É que até domingo de manhã estive ocupada preparando minhas próprias aulas - uma no sábado junto com as incansáveis Mara e Ana, com quem tanto aprendo, e outra no domingo, a trilha urbana, que durou até quase 4 da tarde reconhecendo espécies comestíveis em ruas e praças da cidade.  Então, quase nada me sobrou de tempo. Lamentei não ter visto as  palestras do Dória e do Martinelli, sobre assuntos que me interessam, cuscuz e farinhas, a do Edinho sobre feijões, o café sertanejo do Rodrigo e da Ana Rita, da Silvia Jeha sobre ervas, da  Carla Pernambuco, da Roberta, do Rusty e tantos outros que se empenharam para mostrar o melhor dos seus talentos. Sorte que consegui ver um pouco da aula do Alex e da Helena Rizzo e a aula inteira do Thiago Castanho e seu irmão Felipe que  trouxeram um pirarucu do meu tamanho.  Sorte também que apesar dos horários apertados para quem tem que preparar aula e da impossibilidade de ver a aula dos colegas, a gente mergulha num ambiente saturado de informações e reflexões trazidas por apaixonados pelo assunto comida e não tem como sair dali imune à lei da osmose. Então, sempre saio cansada mas me sentindo um pouco mais sabida.

E hoje estou feliz de ver o destaque que nossa aula de invólucros ganhou. Deu muito trabalho, mas aprendemos bastante e foi gratificante ver a reação de quem viu. O passeio na selva urbana também ganhou uma página de fotonovela - esta atividade foi fácil e divertida (só uma correção ao jornal: a joaninha que o Dória tinha encomendado e eu encontrei não é uma  planta, não, e sim o coleóptero mesmo, vivinho - será que ele comeu?).

Para uma cobertura mais profunda, depois de comprar o jornal, melhor ir ao próprio site do Paladar e aos blogs da Nina e do Dória.

Bolo em camadas de tapioca e goiabada. Ou quinta sem trigo 29

Hoje estava vendo o  caderno Paladar (falo dele daqui a pouco) e bati os olhos num bolinho com goiabada (bolo sem rolo, como foi chamado) que o chef Rodrigo Oliveira fez para o encontro Paladar - Sabor do Brasil. Fiquei só na vontade, já que não pude ver a aula dele com a Ana Rita Suassuna. Será que dá certo com tapioca?, pensei.  Tinha ainda um pedaço daquela goiabada cascão que veio do Box do Luiz, de Uberlândia, presente da Kris Nardini, umas castanhas-do-Brasil (da Amazônia, do Pará) que trouxe do Acre e  polvilho doce, que por aqui nunca falta. Fiz as tapiocas com castanhas, cortei em rodelas, umedeci com leite de castanha, recheei com a goiabada diluída e nhac!  De tão fácil, nem precisaria de receita, mas como anotei tudo, aqui está:



Bolinho em camadas de tapioca e goiabada 

Para as tapiocas com castanha
300 g de polvilho doce (fécula de mandioca)
Cerca de 150 ml de água
1 pitada de sal
10 castanhas-do-Brasil raladas

Para o recheio
100 g de goiabada pícada e dissolvida no fogo com 1 xícara de água até ficar cremosa, com consistência de geleia
10 castanhas batidas no liquidificador com 100 ml de água quente. Não precisa coar.

Misture o polvilho com a  água, aos poucos, até formar uma farofa úmida que não derrete (se o polvilho está molhado demais ele começa a ficar com aspecto de queijo derretido - se isto acontecer, junte um pouco mais de polvilho). Se preferir, faça a massa como mostro aqui.  Faça tapiocas finas, corte se quiser menor, umedeça e recheie.

Montagem: não precisa cortar as tapiocas, mas se quiser que fique com bordas mais regulares, marque com um  prato ou aro de metal e corte por fora com faca bem afiada. Umedeça cada camada com 2 ou 3 colheres (sopa) de leite de castanha (se não tiver, use leite de coco), cubra com  uma colherada de goiabada e repita o procedimento até acabar.  Decore com goiabada e lascas de castanha. Espere esfriar na geladeira e corte em fatias finas com uma faca bem afiada. Sirva na folha de bananeira  - é para comer de bocado e não de garfo e faca.  O que sobrou da massa cortada cortei em pedaços e levei ao forno. Viraram beijus crocantes.   Rende: 10 fatias finas

quarta-feira, 3 de agosto de 2011

Vendas, vendidos e vendedores

Em Acrelândia - AC, se é pra ter cor, vamos colorir. Nada de rosinha bebê e desbotado, nude, champanhe ou rosa velho que não combinam com aquele ceuzão de azul berrante. É rosa choque das meninas, verde folha e verde limão palmeiras para contrastar com um laranja bem vistoso ou amarelo gema. Azul, só se for turquesa. E o roxo,  k-suco de uva. Vermelho esmalte brilhante é como a unha comprida de mulher que te arranha pra chamar a atenção. Ninguém quer passar despercebido. Há que anunciar bem alto o que tem, ainda que as plaquinhas sejam às vezes tímidas. Temos galinhas e patos, olha o refresco,  sorvetes, skimos e garrafinhas. Milk shake, picolé e iogurte. Banana comprida, abacaxi gigante e mamão caipira, tem não. Refresco de pozinho, bolacha recheada, coca-cola,  tem sim senhor. As prateleiras são vazias. Ou quase vazias. O vendedor desanimado se debruça no balcão, não aparece uma alma compradora viva. Ali, umas bebidas, catuaba, pinga aqui e outra ali, pitu e cinquenta e um. Uma caveira pra proteger, tira a camisa para refrescar, uns limões que é pra servir com cerveja e sal. A menina vem com dez moedas miúdas buscar um saquinho de pó para o refresco do almoço e  o menino conta as que tem para pagar um sundae. Eu também. De wisk? Não. Misto. Entendi errado e tomei sundae com bola de creme e de abacate. Tudo é possível. As pessoas por lá até que são alegres e gostam mais de vender que comprar.  Ou fazem o que podem.

Folha de bananeira - quem vende?


O Enio apareceu na nossa vida de forma providencial quando já não sabíamos mais qual praça atacar para conseguir folhas de bananeira para nossos testes. Um dia ele surge no Tordesilhas para falar com a Mara e oferecer seu produto. Pronto, não precisamos mais nos preocupar. Na aula, foi uma fartura de folhas.

Para comprar
www.folhadabananeira.com.br
Enio Rodrigues - email: enio@folhadabananeira.com.br, tel. (11) 7288-6769

Pão de aipim com cúrcuma. Ou de macaxeira. Ou de mandioca


Aqui em São Paulo, como não temos a mandioca brava,  chamamos nossa raiz de mandioca simplesmente, o que causa certo espanto para quem vive na porção norte do país, onde mandioca é só aquela com alto teor do glucosídeo cianogênico (numa reação de hidrólise pode produzir ácido cianídrico).  O certo seria macaxeira ou aipim para acentuar a diferença com a parruda.  Em época de I-pads, I-phones e I-pods, aipim pode ser um nome mais antenado (com o perdão pela piada que não é minha!).  

Fiz o pão para levar ao passeio de reconhecimento de espécies comestíveis pelo bairro na Lapa neste último domingo. Acordei às 6 horas e às 10 o pão estava saindo do forno, quentinho, amarelo  vivo da cúrcuma que colhi no meu quintal, pronto para fazer derreter a manteiga de mentruz rasteiro feita no dia anterior.  Mas comemos frio, na volta do passeio, já lá no Hotel Hyatt,  onde estava acontecendo o evento Paladar - Sabor do Brasil.  Pena que não tivemos estrutura nenhuma ou qualquer boa vontade para fazer uma limonada de limão rosa para acompanhar, mas tudo bem, dividimos o pão. 

Moitas de cúrcuma alguns meses antes, na mesma praça


Sabia que no caminho encontraríamos mandioca, ao menos o pé, e rizomas de cúrcuma que já havia perdido as folhas (que indica a hora de colher), mas eu tinha marcado naquela praça o lugar da moita, identificada há alguns meses, com algumas pedras. Foi só cavocar e lá estavam  as preciosidades amarelas extraídas como ouro, como trufas, uma surpresa para quem acompanhava.  Por isto, decidi inventar este pão de aipim com cúrcuma. 

O mentruz para a manteiga, comprei um dia antes no Mercado da Lapa, mas já o vi também na Ceagesp.  De qualquer forma, colhemos bastante durante o trajeto de 4 quilômetros.  Se coletar da rua, por favor, lave bem em água corrente, desinfete e enxague novamente.  Seque com papel limpo e separe para usar só as folhinhas, que são extremamente saborosas como os agriões e rúculas. 

Pão de aipim com cúrcuma

30 g de fermento biológico fresco ou 10 g (1 colher de sopa) de fermento biológico seco
1,5 xícara de água (360 ml)
500 g de mandioca já cozida, bem molinha, escorrida, sem o talo central
2 colheres (chá) de sal
1 e meia colher (sopa) de açúcar
Cerca de 800 g de farinha de trigo (a quantidade pode variar com o teor de umidade da mandioca)
1 ovo
2 colheres (sopa) de cúrcuma fresca ralada ou 2 colheres (chá) de cúrcuma em pó
100 g de manteiga em ponto de pomada 

Dissolva o fermento com  um pouco da água. Coloque no copo do liquidificador a água restante, a mandioca, o fermento dissolvido, o sal e o açúcar.  Bata bem até obter uma massa bem lisa . Coloque tudo numa bacia, junte metade da farinha e misture bem com colher de pau. Acrescente o ovo e a cúrcuma e misture bem. Vá juntando farinha de trigo aos poucos. Quando ficar difícil de mexer, junte a manteiga em pedacinhos e vá sovando, acrescentando mais farinha aos poucos, até formar uma massa homogênea, lisa, modelável, que se solte das mãos.  Se quiser, trabalhe a massa numa superfície polvilhada. Ou use uma máquina de pão só para esta fase de amassar. Cubra a massa com plástico ou pano. Espere crescer até dobrar de volume (caso não tenha experiência com pães, faça uma bolinha com a massa e deixe num copo com água em temperatura ambiente – quando ela subir à superfície, a massa certamente estará no ponto). Divida a massa em três ou quatro porções e modele os pães compridos ou redondos e coloque numa assadeira grande untada e polvilhada (ou use formas de bolo inglês), deixando espaço entre eles. Deixe crescer novamente por cerca de meia hora ou até os pães dobrarem de volume. Polvilhe com farinha de trigo, faça cortes com lâmina afiada, leve ao forno preaquecido bem quente (280 ºC) e deixe assar por 10 minutos. Abaixe o fogo para 230 ºC e deixe assar por cerca de 50 minutos. Os pães devem ficar bem dourados.

Rende: 3 pães ou 4 pães



Manteiga de mentruz rasteiro

200 gramas de manteiga salgada,  em ponto de pomada
½ xícara de folhinhas de mentruz rasteiro,  bem lavadas e secas

Coloque os dois ingredientes numa tigelinha e misture bem. Guarde na geladeira para solidificar.  Use para temperar batatas ou sobre fatias de pão. 

terça-feira, 2 de agosto de 2011

Aula sobre invólucros

Um pouco do processo 
Este foi o quarto ano que participo do Paladar - Cozinha do Brasil. Todas as vezes fico cansada com o pré-preparo, feliz com o resultado e frustrada por não sobrar muito tempo para ver o trabalho dos outros colegas. Sei que perco muita coisa boa, você vai ver no caderno Paladar de quinta-feira. Mas aprendo muito com o processo de pesquisa.  Na nossa aula mostramos as várias formas que um invólucro pode ganhar. Formas clássicas, formas inventadas, formas disformes, jeitos de dobrar, técnica para preparar as folhas e algumas dicas de pratos.  Para degustar, muita coisa.  A Mara Salles e a Ana Soares chegam à aula com uma produção fantástica. Como trabalham aquelas mulheres! E como são talentosas! A sala vazia logo começa a ganhar tons de folhas verdes e em pouco tempo se enche de cores de comidas assadas, cozidas no vapor, grelhadas, só embrulhadas. Mesas começam a ser arrastadas, vão chegando cestas, peneiras, grandes folhas de bananeira, caetés e muitos pacotes de folhas para a plateia levar embora. Pamonhas, moquecas, broinhas, pirulitos, embrulhadinhos de todo tipo. Um certo nervoso faz contrair a barriga, mas quando se vêem na plateia faces amigas o medo se vai (a vergonha de falar em público se mantém) e aí é muita coisa pra contar, que vai ficando pra trás. O que temos em comum, Ana, Mara e eu,  é uma vontade de mostrar tudo o que descobrimos juntas durante o processo que começou no final do carnaval.  Gostamos de entregar um pacotão. Vou dar algumas receitas aqui, mas, por enquanto, fique com as fotos.

A Aula: clique e amplie


La culinaria y la nutrición en la expedición amazónica: un lujo


Quando cheguei naquele pedaço meio devastado da Amazônia, coberto por um céu de azul infinito e coalhado de nuvens de algodão, não tinha a menor ideia do que encontraria além de grandes bananas da terra e umas poucas castanheiras em pé.  Mas, vasculhando quintais e terrenos abandonados, nos deparamos com frutas vistosas plantadas pelos primeiros moradores, algumas hortas de fundo de quintal e uma vastidão de jardins desnudos esperando umas sementes fecundas. Pelas hortaliças que vi crescerem bem em terra adubada, regada e corrigida, percebe-se que há um certo descaso do poder público que poderia incentivar a interação da escola agrícola da região com os moradores, capacitando-os para cultivar a própria comida.

Nos mercados as hortaliças são raras, não indo além das abobrinhas, quiabos, berinjelas, batatas, tomates, repolho, alface e pimentão. Geralmente com uma qualidade bem desestimulante.  Então, o que fiz foi reunir tudo o que encontrei no quintal de um e no pomar de outro numa grande mesa. Lúcia e eu voltamos com cestas cheias. Tamarindos do seu Sinésio, carambolas da dona Edna, jambos e capim cidreira da dona Vera Lúcia, pimentas da dona Diná, cajus não sei mais de quem, folhas de bananeira, jacas e mamão verde de terreno vazio e mangas precoces (o único pé que encontramos com mangas já graúdas) na casa de uma menininha faminta.

Aliás, esta foi a situação que mais me comoveu. Já passava das três da tarde, avistamos as mangas de bom tamanho, batemos palma e uma menina de uns 7 ou 8 anos saiu à janela. Perguntamos pela mãe, disse que não estava. Será que podemos pegar manga?/ Podem entrar./ Cadê todo mundo?/  Minha mãe tá trabalhando./ Onde?/ Não sei./ Que horas ela volta?/ Não sei./ Já almoçou?/ Não!/ Não vai almoçar?/ Não sei./ Não tem comida?/ Não!/ Não tem mais ninguém em casa?/ Não./  Entramos no quintal, pulando latas de cerveja vazia e desviando de fraldas descartáveis rasgadas por cachorros e outros lixos. Um quintal enorme e fértil com mangueira saudável e produtiva,  tamarindeiro e outras espécies vivas. A menininha de rosto sujo, roupas puídas e cabelos desgrenhados juntou-se a nós e subiu na árvore como uma pequena sagui linda e esperta, chupou um tamarindo fazendo careta e ficou por ali, indefesa, sem saber a hora do almoço. Saí de lá com um aperto no peito pedindo a Ele, caso exista, que proteja a inocente que deixou duas estranhas entrarem na parte do fundo do seu quintal sem que ninguém visse.

Mas, voltando..., com estes ingredientes fiz alguns pratos um pouco inusitados, usando quase nada comprado no supermercado.  Salada de mamão verde com coentro e pimenta, jaca verde no leite de coco, tapioca recheada de banana-da-terra (banana comprida),  pão de banana com castanha, fritada de beldroega, salada de frutas com carambola, banana e jambo e, com ajuda preciosa da Lúcia e da Bárbara (doutorandas de nutrição),  suco de todo tipo: tamarindo, carambola, carambola com couve, limão com capim santo e manga verde. Os cajus vermelhos e brilhantes também enfeitaram a mesa, mas ainda estavam verdes. Se não, teriam se transformado em moquecas e outros pratos além de sucos. Não sei se consegui plantar alguma inquietação, mas as pessoas gostaram das novidades, afinal viram que não precisam depender apenas do que é vendido, que suco em pó não é a única opção de bebida e que podem fazer escambos com os vizinhos, trocar sementes e inventar com o que aquela terra produz. E isto não é pouco.

Na casa onde  ficamos, não só cozinhei algumas vezes nosso jantar mas testei algumas ideias fazendo de cobaias os companheiros de jornada (além do pessoal da nutrição da USP, também um grupo de pesquisadores de doenças tropicais). Os professores Ariel e Alejandro, do departamento de parasitologia do ICB-USP, e  Marcia Castro, de Harvard,  foram ainda me prestigiar no dia da oficina (na foto, no canto direito, Ariel em pé, Márcia de laranja).

Bem, os elogios que nos deixam felizes, é bom dividir. E o Ariel escreveu em seu blog, em  delicioso espanhol,  sobre esta expedição amazônica na cozinha e ainda mostra fotos das pessoas da casa - afinal, minha câmera é viciada quase que exclusivamente em comidas. Veja lá:
La culinaria y la nutrición en la expedición amazónica: un lujo

segunda-feira, 1 de agosto de 2011

Espécies comestíveis em São Paulo

Foto do Marcos Nogueira
Deixo aqui o álbum do passeio de ontem. Foi gostoso, uma coisa que me sinto segura em fazer e quem se decidiu participar é gente interessante e interessada no assunto, o que me deixou ainda mais feliz.

A ideia não é sair por aí comendo tudo o que encontra pelo caminho, mas é importante saber identificar as espécies comestíveis. Primeiro porque a gente nunca sabe o dia de amanhã (batendo na madeira). E outro, que estas espécies podem estar aí no seu nariz, crescendo no seu quintal e você pode estar perdendo a oportunidade de provar. Na volta, lamentavelmente  não havia nenhuma estrutura no Hyatt onde pudéssemos fazer  uma limonada com os limões rosa colhidos no quintal do Seu João, que nos ofereceu um saco deles, bonitos e suculentos. Ainda assim comemos pão de mandioca com cúrcuma, duas das coisas que encontramos pelo caminho, com uma manteiga de mentruz rasteiro. É claro que já levei tudo pronto.  Foram 4 km de caminhada pelo meu bairro que conheço como a palma da mão, mas a cada dia descubro uma linha ou uma planta diferente. Ontem encontramos até galinhas ciscando.

Depois falo mais do evento todo e dou receitas da minha aula com a Mara e a Ana Soares e estas, do passeio.