terça-feira, 3 de agosto de 2010

Paladar - Cozinha do Brasil. A aula das galinhas


Fotos da Inês Correa
Os dias que antecederam a aula foram corridos, tive que dispensar pedreiros, usar a cozinha em tempo integral e ainda varar madrugadas. Aí chega o dia e a gente sempre sai com a sensação de que ainda poderia ter feito mais no sentido de melhor. Eram duas da manhã de sábado, eu ainda tinha muita coisa a fazer e resolvi voltar ao fogo a gordura de frango já feita pela manhã, com cebola, para deixá-la com uma cor mais dourada. Depois de pronta, achei que já tinha chegado a uma boa temperatura para despejar novamente no vidro. Mas não tinha. Quando completei o vidrão com quase um litro de óleo (feito com pele e gordura do dorso que fiquei picando até uma da matina na noite anterior), lindo, cheiroso e dourado, ouvi um creque e em seguida barulho de vidro quebrado no chão e óleo quentíssimo derramado sobre meu pé, minha roupa, o chão, a pia, o fogão, tudo.

De nada adiantaria chorar, só por isto não o fiz. Mas se houvesse alguém por perto além da Dendê, de quem tive que cuidar pra não lamber óleo com cacos do chão, com certeza o faria pra me lamentar. Restou limpar tudo e recomeçar. Às quatro da manhã estava tudo mais ou menos pronto, quando fui dormir para acordar às seis. E tudo isto misturado ao medo. Só não maior por ter me juntado a duas pessoas maravilhosas que são a Mara Salles e a Aninha Soares que, além de amigas, são competentes, solidárias, generosas.

Na aula quisemos mostrar um pouco do que foi a nossa oficina de preparo. Por isto, tantos pratos, que era mais para dar uma ideia das inúmeras formas de aproveitamento do frango. Levamos frango caipira fresco com tudo dentro - tripas, moela, coração, rins, fígado, baço, testítulos e oveiras. No início, mostramos um vídeo editado pela minha amiga Inês Correa, a quem nunca saberei como pagar pelos favores que me faz - assim que estiver no you tube, posto o filme aqui.

E mostramos algumas receitas (muitas, aliás), ganhamos colares de prata com pena feitos pela Emi Hirata (irmã da Mari Hirata), distribuímos frango com farofa na lata, feita pela Mara; teve peteca feita pelo meu pai e até titica de galinha para adubar o vaso de ervas. A mensagem era esta: do frango tudo se aproveita, até nos doces (teve manjar de coco com calda de umbu e balas).
Outra coisa que nos aconteceu durante o preparo e que tentamos passar durante a aula foi chegar o mais próximo possível da morte do bicho e assumir corajosamente nosso papel de predador, o que nos faz justamente dar mais valor ao sacrifício e nos conciliar com a condição de humano. A morte não pode ser em vão. Se a galinha morre para nos alimentar, que aproveitemos dela o máximo que pode nos dar. E que comamos de tudo para comer menos. A maioria de nós não precisa de mais de cem gramas de carne por dia, ainda mais se incluir no cardápio arroz e feijão. Então, se aproveitarmos todas as partes, uma galinha chega a alimentar 10 pessoas.
O nome da aula era Cozinha Sem-vergonha - galinha de cabo a rabo. O sem-vergonha fica por conta do medo de muita gente de assumir que gosta do rabicó, de quebrar o crânio em busca do miolo, de roer pescoço, colar os lábios com o colágeno dos pés, chupar os ossinhos da costela, limpar e fritar as tripas e usar todos os miúdos numa canja. O frango não é só o que se come de garfo e faca e para reconhecermos isto é preciso perder a vergonha.
Escolher os nomes das receitas foi uma parte divertida durante as inúmeras reuniões: chouriça no gogó, pimenta no rabicó, feijoada de rolo, balas perdidas, canja voadora, matulinha, sangue frio, viagens, angu coroado, consomê de juizo, pérulitos etc.
Os ovos cozidos e carimbados com "Natureza Horta" foram homenagem a Nina Horta, que estava na plateia e não reconheceu de imediato o NH, mas a ideia de fazer uma pirâmide de ovos cozidos na aula foi coisa dela durante troca de emails sobre o tema. A pirâmide não deu, mas 700 ovos foram cozidos e carimbados e todos puderam levá-los pra casa.

Gostei de ver na plateia blogueiros queridos como a Marisa Ono, do blog Delícia; A Fernanda, do Dadivosa (aliás, não sei como agradecer o texto lindo que escreveu sobre a aula); a Débora e o Eduardo Luz, do Da Cachaça Pro Vinho e a Fabi, do Rainhas do Lar. E, claro, os amigos de sempre Carmen, Silvinha, Maria Helena, Nina, Luiz, Fernando, Tanya; além da família: Suzana, Darly, Ananda e Marcos - que merece o troféu pena de ouro por ter segurado a peteca durante os preparativos e o acontecido. Sorturda, pude contar ainda com três ajudantes voluntários: Lucas Rigo e Souza, Henrique Matsuoka Pasta e Georgia Bastos, que foram imprescindíveis por ter dado tudo ou quase tudo certo. Depois posto algumas receitas. Por enquanto, veja no album algumas outras fotos da Inês Correa.


16 comentários:

Patrícia Brito disse...

LINDO!!!! Realmente muito lindo seu trabalho, me emocionou. Parabéns você é especial!!!

Anônimo disse...

Olá tive o prazer de participar desta vivência gastronomica e fiquei muita emocionada por tudo que vocÊs fizeram. Pude perceber que houve muita dedicação e mais do que tudo paixão pelo trabalho apresentado. Suas reflexões moveram todos os participantes e pude aprender bastante. Quem participou amou e quem não consegui se arrependeu profundamente!!!! Foi a melhor aula que assisti, o trio está de parabéns
Por fim, obrigada. Pessoas como vocÊs merecem tudo de bom!!!! Um forte abraço . Ana Paula nutricionista Sao José dos Campos

Silvia - BH disse...

Ah, enquanto lia o texto quase falei em voz alta "Não, Neide, Não de4speja no vidro nâo!" Espera um pouco ou despeje numa tigela de inox (que é o que uso agora porque não quebra como a porcelana se eu me distrair). Mas pronto, que nem acontece comigo, deve ter feito no automático e exaustão. Que ânimo pra limpar tudo e refazer!

Parabéns a equipe pelo evento. Ah e como mineira gostei dos pratinhos, coisa da roça.

A propósito, qual o método menos traumático para matar uma ave?

Mariângela disse...

Neide do céuuuuuuuuuuuuu!!! ainda não li o teu post mas quero comentar que vi as fotos,que coisa mais linda!!!! Esta aula deve ter sido maravilhosa,e quanta possibilidade num mesmo bicho.Aqueles ovinhos amarelinhos,eu tenho loucura por eles,a minha mãe sempre compra na feira quando eu chego de férias por lá.E o que é aquele ovo carimbado,e a marmitinha de boa viagem,e tudo que vocês prepararam,vocês três são fantásticas,as "Super-fantásticas" rsrsrs lindo demais!!Depois venho ler o post com muita calma.E o Marcos,Darly e Suzana na platéia,adorei vê-los também dando aquele apoio(acho que do lado do Marcos está a querida Ananda,achei ela diferente..)Beijos e ADOREI!

Mariângela disse...

ah! e claro,parabéns a Inês né,a fotógrafa ,autora destas imagens que me emocionaram tanto.

Anônimo disse...

Neide
É uma alegria quando tanto esforço e trabalho resultam assim bem!
Como eu gostava de ter assistido!
Agora, cá ficamos à espera dessas receitas interessantíssimas: chouriço (de pescoço?), balas, aquelas trouxinhas...
Espero que o seu pé não tenha ficado magoado com o óleo quente.
Um abraço
Manuela Soares

Mariângela disse...

pronto,agora li. Só reforça a certeza que eu já tinha de como deve ter sido imperdível, uma pena que aqui no sul não acontece nada disso.E a guria da foto é mesmo a Ananda.E que desespero o vidro quebrado,bom que não te feriste ,e o saldo final foi tão bom que isto é mero detalhe.Beijos Neide e parabéns mais uma vez.

Eduardo Luz disse...

Neide, o prazer foi todo nosso!
Foi muito emocionante ver pessoas tão geniais e ao mesmo tempo tão apaixonadas pela culinária e porque não dizer, pelas "penosas"!!
Só tenho um protesto a fazer: não comemos a canja!! rsrs
E pensar que a Dadivosa e a Faby estavam ali pertinho!!
Da próxima vez seria melhor usarmos todos crachás ou melhor, camisetas do fã-clube do trio!!
Abs.

Ah! Já plantei as titicas. Vamos ver o que vai dar!!

Verena disse...

Neide, mais uma vez dá vontade de escrever em letras bem maiúsculas como sou sua fã! Imagino quanta coisa interessante deve ter sido falada e mostrada nessa aula...pena que não fui...nem sabia...
Sua incansável busca pelo desbravamento dos alimentos é uma delícia de ler e aprender!
Quanta generosidade em dividir o conhecimento!
Adorei as fotos, os pratos escritos, os nomes e tudo mais.
Parabéns, de novo!
Beijocas!

Marisa Ono disse...

É, faltou crachá ou camiseta estampada para identificar o pessoal...

Marisa Ono disse...

Isso tudo me lembrou o filme "Okuribito". O agente funerário lembra que comer implica em matar. E se é para matar, que seja algo gostoso! A morte é algo natural, comer também. Mas não significa que a morte deva ser banalizada nem indigna.

Brisa de Castro disse...

A palestra foi sensacinal!!
A quantidade de detalhes envolveu e deixou todos de queixo caído. Vocês trouxeram uma atmosfera nova ao ato de comer uma galinha.
Aprendi muito,muito obrigada!

Parabéns!

Isabela Tibo disse...

Como gostaria de ter participado dessa aula!
Estive na casa dos meus pais semana passada, no interior da Bahia, e aprendi muito com o caseiro. Ele matou um frango caipira para prepararmos ao molho pardo e eu acompanhei todo o processo, com direito a explicações. É como você disse, valorizamos bem mais o alimento, quando chegamos perto da morte do bicho!
Abs

Inês Correa disse...

Neide querida, lindo o post, o texto. Boas as recordações de um mês e de um julho inesquecível. Obrigada a voce pela oportunidade de registrar em imagens um trabalho tão rico e necessário. Obrigada a todos que escreveram comentários deliciosos sobre as fotos. Beijo

Mayra M. Moraes Penna disse...

Neide como faço para receber seus posts via email? gostaria de le-los de meu celular e do cel nao da para acessar seu blog, só o meu e-mail. Por favor, ajude. Grata.

Neide Rigo disse...

Mayra!
Eu agradeço o interesse, mas não entendo nada disto. Nem imagino. Vamos descobrir?
Um abraço, N