Está lá na minha coluna Nhac no caderno Paladar de hoje, tanto na versão impressa quanto no blog. Vá ao blog ver também a matéria sobre paçocas de amendoim, com destaque para as do Tordesilhas e do Mocotó, com receita e tudo. De minha parte, deixo aqui a versão completa, onde explico com mais detalhes sobre a fermentação natural do arroz. Verão que no jornal tem um erro meu. Acabei digitando Ribeira em vez de Paraíba, perpetuando na escrita a confusão que sempre faço ao falar dos vales. Aqui, já arrumado.
Os links para leitura no blog do Paladar: http://blogs.estadao.com.br/paladar/o-tchan-e-a-folha-de-bananeira/
Bolo de arroz com fermentação
natural
O
que têm em comum o injera etíope, os hoppers do Sri Lanka, os idlis e dosas indianos com nossos manauê de
fubá de arroz e abóbora do Vale do Paraíba e bolos de arroz do
Centro-Oeste? São todos pratos amiláceos
sem trigo, na forma de pães chatos ou
bolos, e levedados naturalmente. Há
muito mais, imagino, porém num apanhado rápido, consegui me lembrar
desses. Com exceção do injera que é
feito com farinha de teff, um grão miúdo como painço, todos os outros preparos
citados são feitos com arroz.
Quando
pensamos em levedar massas, é difícil fugir das cadeias de glúten – proteína
presente especialmente no trigo, mas também no centeio, na aveia e na cevada, responsável pela elasticidade da farinha e
aprisionamento das bolhas de gás carbônico formado na fermentação. É o responsável pelo volume e maciez do
pão. Mas os preparos à base de arroz
estão aí para provar que o trigo nem sempre foi onipresente. Nem o fermento
químico, o principal benfeitor dos bolos
fofos. Bem, não estou falando dos
pães-de-ló que têm lá seu modo próprio de ficar esponjoso - através do truque das claras em neve, que incorporam bolhas de ar à massa. Fermentação
é um processo mais complexo.
A
mesma levedura presente naturalmente na farinha de trigo ou no fermento
industrial, Saccharomyces cerevisiae, é encontrada também em outros cereais,
como o arroz. Por isto, a complexidade de sabor dos pães também se desenvolve
nos bolos de arroz fermentados. As
leveduras obtêm energia através do açúcar, gerando álcool e gás carbônico, que
transforma aquele mingau liso em massa volumosa e cheia de bolhas. Mas não é só. Durante a fermentação ocorrem
vários processos enzimáticos que inibem o desenvolvimento de micro-organismos
não desejados e incrementam o valor nutricional.
Embora
já houvesse arroz nativo no Brasil, no Pantanal, a espécie que comemos no
dia-a-dia (Oriza sativa) veio da Ásia
e um tipo de arroz vermelho (O.
glaberrima), da África
Ocidental. Assim, não é fácil descobrir
exatamente de onde surgiu o bolo de arroz do Centro-Oeste assado em folhas de
bananeira. O fato é que, dependendo do
lugar ou das posses e gostos da cozinheira, ele pode levar coco e queijo como
tempero, ou simplesmente os ingredientes de todo bolo, como ovos, açúcar,
manteiga e leite ou coalhada. Os bolinhos do Vale do Paraíba, cuja receita
pode ser vista no livro do João Rural, “No
Fundo do Tacho”, levam, além de fubá de arroz, abóbora cozida e se chamam manauê – falar de manuê ou manauê
é coisa bastante para outra coluna.
Atualmente
é difícil encontrar uma receita que não peça fermento em pó, mesmo recomendando
o descanso da massa de arroz por um dia. Mas originalmente esses bolos eram
feitos a partir dos grãos demolhados e pilados até virar fubá e fermentados a
partir das leveduras selvagens encontradas no próprio arroz ou, no caso do bolo
de domingo, de Paracatu, usando o bucho
do tatu para ajudar no processo fermentativo do arroz – prática abandonada. Mesmo receitas internacionais citadas no
começo do texto, injeras, hoppers e idlis, hoje vem sendo preparadas muitas vezes com fermento
químico.
Se
levarmos em consideração que o Brasil é auto-suficiente em arroz mas não em
trigo, que o consumo de arroz vem diminuindo (ante o consumo de comida
ultra-processada), que as marcas de fermento químico do mercado trazem o tezinho
aprisionado em triângulo mostrando que há em sua composição ingrediente
transgênico, e que muita gente, com ou sem razão, está abominando o trigo,
este tipo de bolo é uma ótima saída.
Como
o levain de trigo, uma parte deste fermento pode ser guardada para fazer o
próximo bolo, apressando o processo, que pode demorar até três dias a depender
da temperatura ambiente. No passado, o bolo era feito em cuias que nunca eram
lavadas para conservar as leveduras. Tigelas de madeira ou de cerâmica não
esmaltada também funcionam bem para este fim.
Este
bolo, assim como o paiauaru, também foi mostrado na aula de doces que dei junto
com as chefs Ana Soares e Mara Salles no último Paladar – Cozinha do Brasil, e já testei muitas variações de acordo
com levantamento de receitas tradicionais. Optei por não usar o fermento químico,
embora não tenha encontrado nenhuma receita que o dispense por completo. Valeu a pena, pois o sabor é muito melhor e a
textura do bolo fica leve, sem ser muito aerada.
Algumas das variações testadas
e aprovadas foi usar o liquidificador no lugar do pilão para triturar o arroz,
colocar kefir em vez de coalhada, pois apressa a fermentação, e aproveitar a mesma massa para fazer
panquecas – a textura, toda furada, pode ficar parecida com o de um injera. Se
nunca viu este pão chato etíope, consulte o google imagens.
O
melhor de tudo é que o fato de ter em sua cozinha um alimento a fermentar faz
você acordar no outro dia com ânimo curioso para conferir se sua própria criação também já se levantou. Se sim, é só completar a receita, levar ao forno de preferência em forma
forrada com folha de bananeira abrandada na chama do fogão e se preparar para sentir o perfume.
Bolo de arroz com
fermentação natural
Meio
quilo de arroz branco
1,5
xícara de kefir ou coalhada ou leite
2
xícaras de açúcar
½
xícara de manteiga derretida e fria
4
ovos
1
pitada de sal
1
colher (sopa) de erva-doce
Lave
o arroz e deixe de molho com 1 litro de água por 12 horas. Escorra bem e bata
no liquidificador com o kefir ou coalhada até ficar um creme bem liso. Vá
batendo aos poucos, misturando de vez em quando com uma colher. Cubra com plástico
e deixe dentro do forno ou local abafado para fermentar. Dependendo da temperatura, pode levar de 12 a 24 horas. Quando a massa estiver bem aerada, junte os
demais ingredientes, bata bem e despeje em formas forradas com folha de
bananeira (abrande-a e deixe-a mais maleável passando-a rapidamente na chama do
fogão dos dois lados). Leve para assar em forno médio por cerca de 1 hora ou
até dourar. Prefira assar em formas
menores – colocando a massa até ¾ da altura da forma.
Nota: opcionalmente, junte coco e queijo ralado
(meia xícara de cada). Se quiser, junte casquinha de limão. Para um bolo mais fofo, bata as claras em neve com metade do açúcar antes de juntar ao bolo. Neste caso, use menos coalhada na hora de bater para a massa ficar mais densa - depois de fermentada, a massa fica geralmente mais fluida e, neste caso, as claras podem se separar da massa, indo para a superfície.
Rende:
30 porções
A massa fermentada |
Já com os ovos, misturados diretamente. A massa fermentada, depois de misturada, fica mais fluida que uma massa de bolo comum. |
Se quiser, as claras em neve. Neste caso a massa de arroz tem que estar mais densa para ficar homogênea |
A folha de bananeira dispensa untar a forma e dá um sabor especial. Mas dá pra fazer sem ela |
Panqueca com massa de arroz
Use a mesma
massa do bolo de arroz. Se a massa estiver muito grossa, acrescente um pouco
mais de kefir, leite ou coalhada. Misture bem para que fique com consistência
de massa de panqueca, que se espalhe pela frigideira.
Usando um
pedaço de papel
12 comentários:
Vou super fazer esse bolo nesse fim de semana. Obrigada pela receita! Já fiz idlis i dosas mas nunca fiz de doce, como o seu bolo. Yum!
Adriana
Neide,
vc.está me fazendo pensar seriamente em comprar um forninho (rsrsrsr), este bolo parece uma delicia e a panqueca mais fácil e sem forno.Por falar em panqueca, não esqueci da receita do pão de queijo assado de frigideira (rsrsrs).
Interessante. O pessoal do gluten free conhece esse bolo justamente com o fermento sem a etapa da fermentação. Qual seria o melhor arroz? Ja fiz o bolo com cenoura para ficar mais nutritiivo, mas é um pouco dificil controlar o ponto ótimo para ele crescer e não murchar. Acho que vou fazer colocando apenas 1 copo de cenoura batida em substituição a coalhada e vou bater as claras em neve.
É irresistível quando você aparece com uma idéia tão fora do nosso cotidiano, como esta. Mal posso esperar a hora de experimentar. Deve ficar maravilhoso!
Olá Neide!
Comecei ontem o bolo e acabei de viajar na receita...coloquei 1/2 litro de iogurte com leite em vez de 1/2 xicara...rs vamos ver no que dá amanhã. Eu queria te perguntar se vc já testou a receita com arroz integral. Beijo e grata por nos oferecer tanta boa informação!
Adriana, me conte se fez.
Marta, não dá pra viver sem forno rss.
Luiz, sim, há várias receitas de bolo sem gluten usando farinha de arroz ou o grão hidratado e batido. A fermentação natural dá outro sabor.
Gilda, depois me conte.
Unknown, acho que vai ficar muito líquida a massa, não? De qualquer forma, não é 1/2 e sim e uma e meia.
Um abraço, n
Neide, fiz sim. Ficou uma delicia!!!! E depois de uns dois dias eu passei pra geladeira e ficou bom por muito tempo tostado na frigideira com manteiga. Sourdough eh especialmente bom por causa disso, o sabor muda e fica mais complexo com o tempo.
Vou fazer de novo nesse fim de semana.
As minhas alteracoes foram: usei kefir de leite de cabra, metade do açucar, e adicionei coco ralado, queijo e erva-doce. Ficou com gostinho de mane pelado!
Obrigada por tudo o que voce faz.
Beijo,
a
Boa noite! Procurando um bolo com fermentação natural, achei essa receita que parece ser deliciosa!!!! Quero fazer, mas será que posso trocar o iogurte por kefir de água ou fermentação de uva-passa (uso para fazer pão)? É que tenho intolerância à lactose. Agora o mais difícil vai ser achar folha de bananeira!!!!! Rsrs
Ola Neide,
Há muito tempo venho procurando uma receita de bolo de arroz que pareça com o tradicional bolo de arroz da baixinha que ha anos vendem aqui na feira de Porto Nacional o qual é segredo de estado da boleira, levava meus filhos para visitar os avos e comprava o esse bolo pro cafe. Daí resolvi testar essa maravilhosa receita.
Fiquei meio sem entender a quantidade de coalhada e usei 1 xícara e 1/2 (meia). coloquei ate mais um pouco de flocão achando que tinha estragado a receita, mas ficou liquida do mesmo jeito, levei ao forno aqui por 1 hora adicionei cravo. Alem de douradinho, crocante e com gostinho de iogurte ficou light no óleo, menos doce. E todos apreciaram muitíssimo lembrando do bolo da infância Simplesmente maravilhoso.
Parabéns pelo blog.
Roberia Reis
Eu faço uma receita semelhante, mas coloco iogurte natural no lugar do Kefir, coalhada ou leite. Será que com estas três outras opções fica melhor?
A receita pede 1 xícara e meia de levedura e não 1/2 xícara.
Ah, Meu nome é Simeão
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