segunda-feira, 11 de abril de 2011

Feira de Belleville

Era a última terça gelada em Paris e queria conhecer a feira de Belleville que acontece duas vezes por semana, sendo a segunda opção no sábado, quando já estaria de partida. Convidei a amiga Gaby e sua irmã Adriana para irem junto, já que queríamos nos encontrar. Além da eterna e sempre desejável companhia do Marcos.
A feira é imensa, não acaba nunca mais e você segue a passinhos lentos e com olhos bem atentos para não perder os companheiros na multidão. Foi assim que consegui ver um pouco, fotografar um pouco e até ganhar algum sorriso de vendedores. Quando terminamos, entre boinas, olhos puxados e veus, anunciei para todos: "agora que já dei uma passada d´olhos em tudo, vamos voltar para ver os detalhes do que me chamou a atenção". Não, sob caras de pânico, o negócio é desfazer logo a brincadeira de mau gosto. Só por respeito a eles, claro.
Sei que o Marcos não gosta nem de feiras livres nem de multidões e, embora Gaby e Adriana se mostravam ainda dispostas, duvido que alguém tem coragem de me acompanhar numa feira daquele tamanho no meu ritmo. É como comer cabeça de peixe, sugando olhos e gordurinhas cerebrais, é coisa pra se fazer na mais absoluta solidão. Até hoje não conheci ninguém que tivesse a paciência. Então, um dia eu volto, ah se volto.

Por muitos parisienses, Belleville é ainda considerado um lugar perigoso, feio, insalubre, mas pra muita gente faz parte de um patrimônio que conserva a memória operária e comercial de Paris e por isto tem atraído gente jovem, intelectuais e especialmente artistas que montam ali seus ateliês. Belleville foi o último faubourg incorporado à cidade - até metade do século 19 o local era dedicado à viticultura. Com a reforma de Paris, Belleville passou a abrigar os desalojados - artesãos, operários e pequenos comerciantes. Juntaram-se a eles judeus e refugiados das duas grandes guerras além de servir de acolhida aos imigrantes após as guerras de independência das colônias francesas. E hoje continuam chegando asiáticos, africanos, árabes ou não.

Em Paris, visitei os beaus quartiers do Oeste, mas esta feira, inserida num dos quartiers populaires do leste foi um dos lugares mais modernos, cosmopolitas e multiculturalis que conheci. E não por atitudes desafiadoras, pelos silicones, corpos modelados ou cabelos coloridos como creio poder se ver em Nova Iorque, Londres ou Tóquio (que, afinal, também poderiam estar ali sem problemas), mas porque é o ambiente de convivência, troca, respeito, brincadeiras e descontração que a maioria de nós sonha para um mundo contemporâneo e que talvez não se dê fora daquele bulevar.
Ali a maioria imigrante se faz representar nos ingredientes e produtos vendidos na feira, mas também nos gestos. Faz questão de não abolir as diferenças mas dar a elas o significado de tolerância, afinal a feira parece ser um ambiente festivo, um acontecimento para o qual tem-se o orgulho de mostrar suas vestes etnicas sejam veus ou turbantes, sua lingua nativa ou o sotaque francês sem vergonha no meio da gritaria para anunciar um produto qualquer a um euro - como o nosso "caneta social é um real, régua de três é um real, tabuada é um real, um real, um real é um real", o que por lá vira: anorrô, anorrô, anorrô, como uma canção.
Favas, tupinambos, damascos, tâmaras, azeitonas, nigelas e cominhos, romãs de rubis, laranjas de sangue, peixes frescos, frutos do mar, raladores, tagines, panelas e tigelas, lenços islâmicos e panos senegaleses. E gente, muita gente diferente.












E mulheres de veu: quase foras da lei...

11 comentários:

Margot disse...

Neide querida, eu tenho toda a paciencia do mundo pra te acompanhar! Vem aqui pra voce ver só :) Bjs

Anônimo disse...

Como MARGOT disse ( paciencia) acho que todos teriamos com vc , principalmente numa feira linda desta beijos Denise

Isabela Tibo disse...

Eu também te acompanharia Neide, amo feiras e mercados! E essa então, que maravilha! Mas você tem razão, é difícil conseguir companhia com paciência. Bjs!

Gina disse...

Por isso que gosto de viajar com minha filha. Quando ela faz o roteiro da viagem, sempre acrescenta mercados, feiras, porque sabe que eu aprecio.
Bjs.

v. paulics disse...

irei à feira com voce, noemi e clarice. um dia, nem que seja num sonho complexo e elaborado.
o que será que tem nas feiras de budapest? e como fazer para só olhar, sem sair carregada de pesos? ou como olhar e carregar pesos?

Patricia Lieko disse...

Bom Dia Neide,
aguardei esse post como uma criança que sonha novamente em comer "aquele" docinho feito pela avó há tanto tempo...
Digo isso porque eu e o marido encontramos essa feira ao acaso e embora tenhamos ficado simplesmente embasbacados com tamanha profusão de sabores e etnias, não sabíamos como nos referir a ela. Feira de Belleville! Agradecemos muito a informação. Voltaremos a Paris novamente com o intuito de passear (porque é um ótimo passeio) nela bem devagarzinho e sorver toda essa cultura. Não esquecemos daquele maravilhoso perfume das azeitonas gregas...

Muito mas muito obrigada mesmo!Beijos!

Mariângela disse...

o Marcos que se prepare para os mercados de Barcelona, tem mais de 20....nestes dia(ou dias) despachamos ele e o Rui para alguma obra do Gaudí hahaha beijo!

Miriam disse...

Neide vc é demais :) :) :) ,e pelo jeito (conforme os comentários demonstraram) não vai faltar jamais quem queira te acompanhar nestas andanças cheirosas. Conheci a feira da Bastilha, e apesar de não ter as mesmas características de Belleville, também foi incrível, seu post me deu saudades...andei por outras feiras e mercados (na Alemanha). Feiras e mercados são um capítulo à parte, e para mim, verdadeira expressão da cultura e formação social de um determinado local... Adoro...beijão enorme e emocionado...

Angela Escritora disse...

Dá vontade de comprar tuddooo!!!

Anônimo disse...

Ótimo o seu relato.Adoro feiras!
Ótimo o seu blog.
Vim aqui por indicação de um amigo.
Voltarei mais vezes

Um abraço

Ireny

Anônimo disse...

Neide
Como vc descreve... e escreve muito bem até parece que agente tá lá . parabéns.Como vc, também gosto de feiras com tudo o que de direito gente, comidas , coisas diferentes cheiros e lugar para sentar e comer por que ninguém é de ferro.
um abraço
patriciatravassospe@yahoo.com.br