quinta-feira, 28 de agosto de 2014

Interação urbana, doa-se jornal lido e ganha-se almeirão plantado


Não sou uma pessoa muito gregária, não sou do tipo militante, não consigo me comprometer nos trabalho de equipe que envolvem muitos projetos e divagações, mas também não sou de ficar quieta reclamando da vida, da violência, do trânsito, da falta de tempo, da poluição e das agruras de uma grande metrópole como São Paulo.  Há algum tempo percebi que posso ter uma outra relação com meu bairro além do bom dia boa tarde entre os vizinhos.

Pela minha rua passa gente de todo canto, que também pertence ao bairro, já que passa aqui parte do dia trabalhando. Quando iniciei, com minha vizinha Ana Campana, a  horta comunitária City Lapa num pequeno espaço antes habitado por restos de poda grande e sacos de entulho, ouvi barbaridades de todo tipo de alguns vizinhos, como por exemplo que o pessoal da estação não iria respeitar a horta, que iria jogar lixo, que iria roubar as verduras (pra comer), num discurso carregado de preconceito.

Muitas pessoas que chegam de trem são de Barueri, Itapevi, Osasco, Presidente Altino ou às vezes vem de mais longe. São porteiros, recepcionistas, recreacionistas, professoras, guardas, seguranças, cozinheiras, acompanhantes etc. Eu também chego de trem, é bom dizer, e acho um luxo ter uma estação perto de casa que me leva ao metrô em duas estações.  Depois que iniciamos a horta, acabei conhecendo muitas destas pessoas, ao menos de vista, de sorrisos, cumprimentos simpáticos e elogios à iniciativa. Eles param, um perguntando se temos guaco, outro oferece chuchu brotado, quer conhecer um pé de boldo, um quer uma folhinha de bálsamo, outro diz que nunca tinha visto vinagreira fora do Maranhão, e assim seguem para o trabalho, deixando a impressão de que vão mais contentes, de que se relacionaram de alguma forma com o caminho por onde passam, agora com flores e ervas cheirosas.  Nunca vi jogarem lixo e só de vez em quando pego um papelzinho ou outro no chão perto da lixeira do poste, que deve ter caído no ato do recolhimento pelos garis.

Outro dia, uma moça com uma criança e um bebê veio ao clube e aproveitou para passear pela hortinha. Disse que gostaria de morar aqui e que gostava da horta. Foi só eu dizer que o único problema era a atual seca para a menininha, sem dizer nada, tirar uma garrafa de água da lancheira e ir molhar uma flor. Isto me comoveu.

Se uma simples horta no meio do caminho é capaz de modificar o ânimo daquele que tem o dia todo pela frente, isto já me deixa feliz. Agora, se é possível fazer um pouco mais, por que não? Alguns meses atrás percebi que não estava certo ficar guardando pilhas de jornal pra depois descartar tudo no lixo reciclável. Porque não oferecer para que outra pessoa lesse também ainda no dia? Afinal,  ler não apaga a impressão. Marcos e eu lemos o jornal no café da manhã. Por volta de sete e meia, oito horas, quase sempre o jornal já está liberado.  Então, resolvi colocar na calçada para que pegassem.

Se eu tivesse simplesmente deixado na porta, poderiam pensar que era lixo e é sempre encarado com certa humilhação pra muita gente pegar aquilo que foi jogado fora (eu nem ligo). E também poderiam pegar como jornal velho para o xixi do cachorro.  Agora, se eu colocasse um aviso de que estaria doando, se tentasse recompor os cadernos lidos e se protegesse com o próprio saquinho em dias de chuva, ninguém teria vergonha.  Seria como um sorteio, pega quem chegar primeiro. Foi tudo o que fiz, e as pessoas pegam sem pressa ou constrangimento como se fosse o jornalzinho do metrô.

Primeiro escrevi numa lousinha e deixei num suporte que colocava em frente à garagem  - funcionou mas dava mais trabalho, porque tinha que ficar colocando e tirando o suporte. E eu acha feio.  A segunda criação foi um suporte que achei mais charmoso. Ficou mais visível e as pessoas ficaram menos desconfiadas. Também tinha que colocar e tirar e um dia ele sumiu. Levaram o jornal e o suporte também. Quero acreditar que quem levou o apoio o fez por engano, achando que eu estava doando o conjunto completo. Não desanimei, fiz outro fixo, mais funcional.


Eu conheço alguns dos leitores que passam pela rua em horários diferentes e conseguem se revesar conforme meu horário de término da leitura. Outro dia, uma moça, professora de crianças, passou, pegou o jornal e me contou que todos os dias, em que coincidia de pegar, colocava o suporte na porta da minha casa. Eu já tinha percebido esta gentileza, mas achei que fosse algum vizinho. Disse que percebeu que roubaram o suporte  e que aprovou o novo apoio. Contou ainda que não só lê o jornal na escola, mas também lê alguns textos com os alunos.  No começo da semana uma outra mulher me contou que mora em Barueri, trabalha como recepcionista de uma imobiliária, e que no serviço outras pessoas leem o jornal, quando calha de ela pegar, e que ainda lê à noite com os netos, para incentivar a leitura.  

Mas só estou contando tudo isto porque hoje, na hora em que fui colocar o jornal no atual suporte (um cabo de vassoura pregado num vaso de plástico que pintei com tinta de lousa para deixar o recado de doação), passou uma das simpatizantes da horta, da qual ainda nem sei o nome, só que é cozinheira.



Ela não leva o jornal, o negócio dela é planta. Perguntou se eu havia recebido os almeirões que tinha deixado na minha porta há algum tempo (um dia cheguei e havia um vasinho com bilhete).  Respondi que sim, que ela estava diante de um dos exemplares, plantado bem ali na calçada. Os outros, plantei na horta. Ela ficou feliz, perguntou o que era aquele pé de verdura (mostarda), disse que quer sementes depois e foi correndo, que estava atrasada para o trabalho.


Tudo é só pra dizer que se você não pode fazer muito, não pode mudar o mundo, saiba que basta um gesto pequeno para modificar ao menos o humor de quem está à sua volta, seja quem for. E vai se isto se multiplique, vai que isto vire um viral (ou um varal de coisas assim)? A alegria que vai sentir com o retorno, dinheiro nenhum compra, acredite. E o mundo fica um bocadinho melhor.

21 comentários:

Anônimo disse...

Neide, sou sua fã por essa e outras atitudes.
Vc é nspiradora de boas ações.
Parabéns!
Michela

Jussara disse...

Que bonito! Pequenas ações (a horta não é uma ação tão pequena assim) que mudam a melhoram a vida das pessoas. Cheguei a me emocionar (e nem estou na TPM. rs)
Abraços.

Anônimo disse...

Neide,
agora virei fã, rsrsrs.
se morássemos na mesma cidade eu deixaria na sua horta um tomate que plantei irresponsavelmente num vasinho junto com um futuro pé de limão siciliano, estão crescendo juntos no mesmo vaso...
a questão das gentilezas serem recíprocas é o que me faz ter fé na humanidade, adorei ler este seu post.
obrigada por tornar o mundo um pouquinho melhor.
grande abraço!
Thais

Unknown disse...

Neide, não me lembro como cheguei ao seu blog, mas leio quase que diariamente. As leituras ficaram mais cotidianas, principalmente depois de um post onde você conta um pouco da sua vida, da seleção para trabalhar na administração Metrô, sobre a diferença que seu chefe fez na sua vida, incentivando-a a estudar. Aquele post e suas atitudes diante do dia a dia, fazem muita diferença na minha vida.
Abraços

Anônimo disse...

Neide, a matuta urbana, ensinando a gentileza do simples doar.
Uma inspiração de cidadania, boa de prosa, planta de tudo e é cozinheira de mão cheia.
Continua, que tá bom demais!!
Ana

Unknown disse...

Não sei nem o que dizer diante de tanta gentileza, doação,etc... Parabéns!

Juliana Valentini disse...

Ah, Neide… Eu já disse que quero sem igualzinha a você quando eu crescer???
Um beijo com saudades,
Ju.

Beatriz Miranda disse...

Neide,

Adorei sua iniciativa e sua persistência em fazê-la funcionar(repondo o suporte várias vezes). A questão é que você realmente vê o melhor das pessoas (acreditando que o suporte foi levado sem querer, por exemplo, e não sem importando) e com isso as incentiva a mostrarem o seu melhor lado. Independente de qual é a ação, gentileza gera gentileza, e você mostrou isso na prática. Inspirador. =)

Anônimo disse...

Neide, lindo, um exemplo de pessoa, como sempre você foi! Agora uma curiosidade, o que é aquele cacho com frutas pendurado na árvore ao fundo? Abraço.
Janete

Anônimo disse...

Neide,senhora gentileza,como é bom ter conhecido seu blog é uma injeção de animo no meio tanta coisa ruins,voçê me faz lembrar da flor de Lotus que é linda e nasce do lodo lama.(Diulza)

obat diabetes alami disse...

Nice Share. I wait the update

Gisele VasFi disse...

Bom dia,Neide.
Que Deus te abençoe sempre!!!
Beijos.

Leticia Cinto disse...

To nem enxergando direito, com os zoinhos marejados... Obrigada, Neide, por lembrar que um mundo melhor é possível e nem é bicho de sete cabeças! Compartilhei no Facebook pro pessoal conhecer. Bjão e obrigadão!

Unknown disse...

Neide,
você me comoveu às lágrimas com a simplicidade com que conta sobre esse seu gesto lindo de partilhar o jornal. Você é aquele passarinho que trazia água no bico, tentando apagar um incêndio, fazendo a sua parte. Embora você faça muito mais! Eu a admiro imensamente, viu?
Um beijo,
Adelia

Unknown disse...

Neide,
você me comoveu às lágrimas com a simplicidade com que conta sobre esse seu gesto lindo de partilhar o jornal. Você é aquele passarinho que trazia água no bico, tentando apagar um incêndio, fazendo a sua parte. Embora você faça muito mais! Eu a admiro imensamente, viu?
Um beijo,
Adelia

solange disse...

Vc é simplesmente apaixonante!
Parabéns por suas iniciativas, com certeza será motivo de inspiração para outras pessoas.
Fique bem.

Lilian, a mãe do Gabriel. disse...

Adorei a iniciativa...Inspiradora...
Vou pensar em algo do tipo aqui nas MG!
Abraço...

vendedor de ilusão disse...

Passei por aqui e, sinceramente, aprecei tudo o que vi e li; confesso que fiquei atraído, tanto que já estou seguindo. Dê-me a honra e vá me visitar; espero você por lá.
Abraço e boa semana.

Silvia Orchidea disse...

Elogio não tem hora. VC. faz a DIFERENÇA!
Exemplo e dedicação é o que precisamos!
Uma ótima semana.

obat diabetes alami disse...

Nice Share. I wait the update

Anônimo disse...

Parabéns!
Muito inspirador, continue!
Abraços
Aline Bizotto